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Política análise

Análises de nossos colaboradores sobre a conjuntura política.

Doença mental sob o desgoverno Bolsonaro

Me refiro ao desequilíbrio mental em brasileiros dignos, estudiosos, necessários para o desenvolvimento econômico e cultural em nosso país. Acompanhem, por favor, e vão notar que não exagero No momento em que escrevo, percebo mais uma trágica semelhança entre o golpe militar de 1964 e o fascismo em 2021 da presidência do Brasil. Eu me refiro ao desequilíbrio mental em brasileiros dignos, estudiosos, necessários para o desenvolvimento econômico e cultural em nosso país. De modo mais preciso, há uma relação direta entre Bolsonaro e ditadura militar, entre fascismo e doença mental em pessoas do Brasil. Acompanhem, por favor, e vão notar que não exagero. Em primeiro de abril de 1964, assim encontrei Ivan, amigo de adolescência. Ele era o meu amigo mais velho, e isso quer dizer: ele está sobre a cama, no 1º de abril de 64, agitado, movendo-se de um lado para outro do seu leito de capim seco. E me diz e geme: – Tem umas cobrinhas subindo pelas minhas costas. E bate com as mãos, para retirá-las. E mais se agita: – Eles vêm me pegar. Eles vão me levar. – Eles quem, Ivan? – Eles, eles – e eles se confundem às cobrinhas, que lhe sobem pelas costas. Este Ivan não é mais Ivanovitch Correia da Silva. O Ivan de antes era um jovem de 19 anos, estudante de Química. Passava o dia todo a estudar, todos os dias. Com um método sui generis, como ele gostava de dizer. Entre uma fórmula e outra me recebia na única mesa da sua casa. E se punha a contar anedotas, a contar casos de meninos suburbanos, espertos, anárquicos, galhofeiros. E sorria, e ria, e gargalhava, porque ao contar, ele era público e personagem, e de tanto narrar histórias de meninos moleques deixava na gente a impressão de ser um deles. Como um Chaplin que fosse Carlito. Se na vida da gente houver algo que nos perca, que mergulhe no abismo a natureza que já se acha perdida, ele contava, e contava a rir, a soltar altíssimas gargalhadas o caso que foi a sua perdição: – Na greve dos estudantes da Faculdade de Direito, eu fui lá para prestar solidariedade aos estudantes. Eu estava só no meio da massa, assistindo à manifestação. Aí chegou o fotógrafo da revista O Cruzeiro. Quando ele apontou o flash, eu me joguei na frente dos estudantes. Olha aqui a foto. E mostrava uma página em que ele aparecia de braços abertos, destacado, em queda, como um jogador de futebol em um brilhante jogada, em voo sobre as palavras de ordem “viva Cuba, yankees go home, reforma agrária na lei ou na marra”. Sorrindo em queda livre o meu amigo na página da revista O Cruzeiro. Por isso ele gargalhava antes do golpe, porque saíra em edição nacional da revista. Por isso no primeiro de abril de 1964, ele se diz, esta é a lógica: “Umas cobrinhas atrás de mim… Eles vêm me pegar! As cobrinhas estão subindo em mim. Mãe, me tira essas cobrinhas!” Assim foi. Perdemos Ivanovitch desde primeiro de abril de 1964. Eu pensava que a loucura em um amigo antes era coisa do passado. A gente é assim, tem sempre a esperança ingênua de que o trágico é passado. “Já passou, já passou, não dói mais”, não é? Mas eis que recebo em 28 de outubro de 2021 esta mensagem: “Conversei ontem, pelo telefone, com nosso amigo X. Ele não está nada bem. Ele ficou insistindo o tempo todo que ia ser preso. Que existem pessoas na porta, de tocaia, esperando para arrastá-lo até a prisão. Que vai ser preso, torturado e morto. Eu perguntei que crime ele havia cometido para ser preso. Mas ele me respondeu algo confuso, sem sentido algum. Depois, conversei longamente com a sua companheira. Então ela me disse que ele cria essas histórias fora da realidade. É uma situação desesperadora”. Notam a semelhança entre os dois casos? Com Ivan, os militares viriam buscá-lo. Com o amigo X. os fascistas agora vêm pegá-lo, porque é um homem de opiniões de esquerda. Ele é um mestre, doutor, professor universitário, portanto apto a perseguições dos fascistas. E tais casos de doença mental não são particulares. Especialistas afirmam que a pandemia da covid-19 deu origem a outra pandemia, a dos transtornos e doenças mentais. Mas há uma clara relação entre doença, desgraça e governo fascista, que se espalha até mesmo por territórios antes sagrados dos indígenas brasileiros, segundo relatório do Cimi (Conselho Indigenista Missionário): “Em muitas aldeias, a pandemia levou as vidas de anciões e anciãs que eram verdadeiros guardiões da cultura, da história e dos saberes de seus povos, representando uma perda cultural inestimável. A responsabilidade principal está no âmbito federal, com um presidente que faz discursos dizendo que os indígenas têm que melhorar de vida a qualquer custo, que defende liberar garimpo, exploração econômica”. Pandemias e negacionismo do vírus pela presidência, com seus ataques à ciência e aos direitos humanos, perseguições a mestres e cientistas, muitas vezes acendem o medo, a ansiedade e comportamentos problemáticos. Quando o medo assume o controle, tanto o sistema nervoso quanto a parte emocional do cérebro ficam sobrecarregados, falam especialistas. Se uma pessoa possui doença mental ou histórico de ansiedade e depressão, pode piorar e se intensificar em momentos como este do Brasil de hoje. Agora, compreendem o que pude ver. Ivan em 1964, quando a extrema direita tomava o poder, o amigo X hoje, quando os valores do fascismo voltam, perseguem e destroem. A história não se repete, mas seus pesadelos são semelhantes. A pedra da loucura só está na cabeça do outro?   Governar pelo medo Ricardo Lísias e a catástrofe em curso no Brasil

Tá osso!

“Coitado, morrera na areia do rio, onde haviam descansado, à beira de uma poça: a fome apertara demais os retirantes e por ali não existia sinal de comida” (Graciliano Ramos em Vidas Secas)   A fome não é um evento natural, um lance do acaso, não é incidental, alhures: a fome é um projeto de governo, uma estratégia propositada de poder, de aprofundamento das desigualdades sociais, pelas classes dominantes (empresariais, políticas, jus-midiáticas) para dominação, contenção e controle social privilegiando um sistema/modelo de uma economia agroexportadora, exploratória, offshore. É a mesma simetria do planejamento oitocentista reservado aos escravos e imigrantes pela mercantilização coagida e exploração da força de trabalho. A alimentação está diretamente relacionada à qualidade de vida, ao direito básico elementar de bem-estar de todo cidadão, como a saúde, trabalho, moradia, liberdade, segurança em caso de invalidez, velhice etc., enfim, tantos outros direitos e garantias sociais retirados do dia a dia dos trabalhadores. A ponte para o atraso – As políticas de segurança alimentar vêm sofrendo um gravíssimo desmantelamento a partir da austeridade fiscal clientelista e o descaso das políticas de combate à fome a partir da gestão de Michel Temer, que assumiu a presidência após a articulação de um golpe, intensificado pelo execrável governo Bolsonaro. Hoje cerca de 20 milhões de brasileiros passam fome e 120 milhões convivem com alguma insegurança alimentar. Segundo recente relatório da ONU para a Agricultura e Alimentação aponta que, de 2018 a 2020, mais de 23% da população brasileira tiveram “falta moderada ou severa” de alimentos. Com isso, 49,6 milhões de pessoas, incluídas as crianças, deixaram de comer por falta de dinheiro ou reduziram de forma relevante a quantidade e qualidade de alimentos ingeridos. Os cortes orçamentários na Segurança Alimentar e Nutricional do Plano Plurianual (PPA) em 2017 durante o governo Temer (em comparação com 2014) foi de 76%, valores que diminuíram de R$ 478 milhões para R$ 294 milhões. Já o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), uma das principais políticas públicas de fortalecimento da agricultura familiar no Brasil, sofreu uma redução de 40% no orçamento. De acordo com a Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) o número de pessoas atendidas diminuiu de 91,7 mil para 41,3 mil, uma redução de 55% no número de famílias alcançadas. É criminosa a redução orçamentária de programas e metas do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PLANSAN) 2014/2018, senão vejamos:   Programas e metas, com base em dados do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA)    Ano 2014 (R$) Ano 2018(R$) Redução(%) Distribuição de alimentos para grupos populacionais tradicionais (cestas básicas) 82 milhões 27,4 milhões 67% Apoio ao desenvolvimento sustentável das comunidades quilombolas, povos               indígenas, povos e comunidades tradicionais 6 milhões 0  (zero) 100% Assistência Técnica e Extensão Rural para famílias assentadas e extrativistas (ATES) 357 milhões 19,7 milhões 94% Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) 1,3 bilhões 431 milhões 67% Programa ‘Água para Todos” (cisternas) 248,8 milhões 40,8 milhões 94% Assistência Técnica e Extensão Rural para famílias assentadas e extrativistas (ATES) 357 milhões 19,7 milhões 94%   A ponte para a tragédia  –  Em seu primeiro dia de governo, o presidente Jair Bolsonaro já demonstrava as atrocidades e violências pretendidas ao  editar a Medida Provisória 870, alterando as atribuições e a estrutura dos ministérios e dos órgãos ligados à Presidência da República. Por meio dela, a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan, Lei 11.346/2006) sofreu alterações profundas, tendo como consequência prática a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA – órgão de assessoramento com a competência institucional de apresentar proposições e exercer o controle social na formulação, execução e monitoramento das políticas de segurança alimentar e nutricional). O atual governo de ocupação militar tem seguido a mesma orientação de desmonte e entrega do Estado pela especulação, agiotagem e favorecimento do mercado financeiro rentista através de nítida configuração fascista de destruição de direitos trabalhistas e previdenciários, aniquilamento das garantias sociais, precarização das relações de trabalho, com impactos diretos na renda de famílias, onde a perversidade, a morte e o desamparo são a tônica deste nefasto governo. É uma política de Estado criminoso onde a ausência de vontade política e vagabundagem explícita levam à indexação da economia ao dólar, decorrente dos privilégios ofertados à agroexportação e ao mercado financeiro, determinando a inflação de alimentos. Com isso, milhões de brasileiros deixam de se alimentar, comprometendo, sobretudo, a vida de milhões de crianças. A insegurança alimentar atinge hoje um quarto (1/4) dos brasileiros. O Brasil ainda enfrentou no ano de 2020 o aumento de 14,09% no preço dos alimentos, 10 (dez) pontos percentuais acima da inflação no período, conforme o Índice de Preços ao Consumidor. Segundo estudos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a desvalorização do real é decorrente do fomento, dos privilégios à exportação e das indústrias de ultraprocessados, criando uma economia voltada ao mercado e ao lucro, em detrimento da geração de empregos, renda e do combate ao aumento da pobreza. Tais medidas, além de incentivarem o desmatamento e a contaminação por agrotóxicos, criam um ambiente favorável a conflitos pela terra e ataques às populações tradicionais e aos agricultores familiares. Durante a pandemia, enquanto inúmeros países seguraram os estoques de suas produções, o Brasil continuou exportando, colocando em riscos seus trabalhadores e não fazendo um estoque regulatório. Somente no período de abril/2020 a abril/2021, o preço das commodities agrícolas utilizadas na indústria de alimentos variou de 20% a 100%, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia). De acordo com o levantamento, insumos como milho, soja e arroz subiram 84%, 79% e 59%, respectivamente, ao longo do período analisado. Já o trigo e o leite tiveram alta de 37%, enquanto o café 36% e o açúcar 40%. Hoje temos um governo inepto e irresponsável que extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) e não promove as reuniões da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar (CAISAN), órgão que tem a responsabilidade de atuar na elaboração de políticas, planos e monitoramentos alimentar. A fome e o morticínio são uma política macabra de Estado criminoso, infame e

Mil noites no Brasil

Mil dias Bolsonaro – Faça o que fizer, nada vai impedir que o país sangre até o final deste mandato. Negacionismo, descaso, perversidade. O governo em tela passou por uma pandemia dizendo que era uma gripezinha. Não preparou o combate. Milhares morreram por isso. Não havia leitos, nem oxigênio, nem remédios, nem respiradores. Na Amazônia e no pantanal, a vida ardia em labaredas criminosas, abrindo caminho para o latifúndio jagunço. E quando a vacina chegou, o mandatário foi à televisão e às redes sociais dizer que não era para tomar, porque as pessoas iriam virar jacaré. Para os que queriam a vacina restou a espera e a confusão. Sem um sistema eficiente de compra e distribuição, cada estado teve que se virar como pôde. A produção de remédios, que sempre foi ponta de lança no país, vai minguando. O governo federal retirou a verba. Danem-se os doentes de doenças graves que dependem do serviço público. Não há mais produção de remédio para o câncer, por exemplo. Milhares de pessoas foram entregues à própria sorte. Que paguem aos laboratórios privados, na farmácia, se puderem. Se não puderem, bem, morrer faz parte. Testes de Covid, vacinas e remédios de toda ordem mofam nos depósitos, trazendo prejuízo de milhões aos cofres públicos. Responsabilidade de quem? De ninguém. Ou quem sabe de algum funcionário de décimo escalão. Ministro da Saúde vai à televisão dizer que não é pra vacinar adolescentes, que “estudos” dizem que não é seguro. Todas as entidades de saúde do país desmentem o ministro e os governadores decidem seguir com a vacinação. Dias depois, o mesmo ministro viaja com a comitiva presidencial para a ONU e infecta deus e o mundo, com Covid-19. Fica de quarentena em Nova Iorque, enquanto o interino aqui volta atrás e diz que pode vacinar os adolescentes sim. É um deus nos acuda, um caos sem fim. As pessoas ficam perdidas sem saber em quem acreditar. O presidente segue dizendo que não é pra vacinar, mas a primeira-dama se vacina em Nova Iorque. De certo acredita que a vacina nos EUA é mais vacina que aqui. Aqui, o Instituto Butantã continua sendo atacado e vilipendiado. É brasileiro, é público. Os preços do gás, da gasolina e da comida dispararam. A culpa de tudo foi repassada aos governadores, os vilões da hora. Tudo de ruim é coisa do governador e o que pode haver de bom, se é que há, o governo federal é o responsável. A fome volta a assombrar o país e as mortes seguem em disparada. Já vamos chegar aos 600 mil óbitos, só de Covid, sem contabilizar as demais mortes que sobram com o descaso. Muita gente não quer se vacinar, seguindo o mito, impedindo assim a imunidade coletiva. Na CPI da Covid, levada pela Câmara dos Deputados, os horrores se acumulam. Provas e mais provas da sistemática política de morte não provocam qualquer efeito. Os depoentes falam, contam os crimes e saem lépidos e soltos. Há os que nada dizem, mas as provas falam. E o depoimento da advogada dos médicos do plano de saúde (?) Prevent Senior escancara mais um trem dos horrores. Velhos sendo usados como cobaias do tratamento precoce, com remédios inúteis, sendo privados do oxigênio, para não gastar. E sem consentimento. Nas comunidades empobrecidas, a força policial segue matando gente negra. Os indígenas são assassinados à luz do sol, não há emprego, as universidades amargam cortes de orçamento e o presidente diz que “há professores demais”. Ainda assim, tudo parece seguir normal na Gotham City. Batman morreu de Covid. Ao que parece, seguiremos sangrando até 2023, quando finalmente terminar esse governo. Os partidos políticos, liberais de esquerda, apostam nas eleições de 2022, e esperam por elas, ainda que ao redor se queimem as vidas das gentes, clamando por socorro. Enquanto isso, o ministro da Economia, intocável, segue fazendo suas trapalhadas de morte, elevando as taxas de juros, com o dólar a quase seis reais e passando as pautas meninas dos olhos da classe dominante, como a reforma tributária e o fim do serviço público. Tudo com o apoio da maioria do Congresso Nacional, cujos legisladores, saltitantes, aprovam sem pejo as propostas. É inacreditável que tenham se passado mil dias, mil noites… Inacreditável que tenhamos tolerado isso. No mundo das histórias de fada, quando se fala em mil e uma noites está se querendo dizer para sempre. No Brasil, passaram-se mil noites, passarão mil e uma? https://urutaurpg.com.br/siteluis/adeus-2021-sem-saudade/ Bolsonarismo em xeque O vexame brasileiro na COP26 Mil dias de destruição e mortes

Vai ter golpe?

Golpismo – Há algo estranho na conturbação institucional que aflige o país. Vivemos a ameaça permanente de uma ruptura que nunca se concretiza e que não sabemos definir, para além das bravatas enigmáticas e desconexas de Jair Bolsonaro. Tudo parece à beira do colapso, mas não vislumbramos suas possibilidades, nem ações efetivas para impedi-lo. Por um lado, o golpe já ocorreu e Bolsonaro é sua consequência. Isso o torna ilegítimo, portanto fora do alcance das normas legais, atropeladas exatamente para que ele chegasse ao poder. O fascista desconhece freios e contrapesos, gostaria de se perpetuar e não tem chance através do voto. Sabe que consegue ao menos bloquear estradas. Por outro lado, não creio em “golpe dentro do golpe”. Mesmo que fosse unanimidade entre os militares, Bolsonaro não teria recursos humanos ou técnicos para impor um regime despótico de escala nacional. Seu idílio de tomar o poder ocupando tribunais não dura uma semana de insubordinação, baderna e paralisia administrativa. E prisões. Sim, existe o perigo de policiais, milicianos e outros jagunços cometerem violências em nome de Bolsonaro. Mas esse tipo “comum” de banditismo pode ser evitado e punido a qualquer momento. Bastam esforços preventivos simples dos governos estaduais, para não citar sua costumeira eficácia em reprimir amotinados e manifestantes indesejáveis. Também é verdade que Bolsonaro goza de conforto jurídico inigualável. O STF sequer determina ao Congresso que analise o impeachment. A autonomia dos Poderes nunca impediu os ministros de vetarem nomeações do Executivo e até de enviarem deputados à cadeia. A balela das prerrogativas aparece para proteger um fascista que as despreza. Só que o golpe não depende de Bolsonaro permanecer no cargo. Ninguém é obrigado a buscar aval do Congresso para punir delinquentes, inclusive os das Forças Armadas. O bloqueio do impeachment, apesar de nefasto em muitos aspectos, recebe peso absurdo nos debates sobre a ruptura. E serve como desculpa esfarrapada à omissão institucional. As esferas capazes de conter o golpismo, aliás obrigadas a isso, limitam-se à defesa de suas autoridades formais. Exigem respeito a decisões que não tomam, a comandos que não exercem, a inquéritos que não terminam, a regras que não cumprem. Respondem às crises com paliativos e festejam o recuo alheio. Essas ambiguidades mantêm a ameaça golpista numa temperatura controlada, abaixo da ebulição, porém mais alta do que precisaria ficar. O fantasma da ruptura se normaliza a ponto de esquecermos que as instituições têm meios e motivos para dissipá-lo de vez. A verborragia de Bolsonaro consegue pôr em dúvida a ocorrência da disputa sucessória. Afastando as plumas cerimoniais, percebemos que a contenção do golpismo depende de alguns dos órfãos da “terceira via”. No STF, entre os defensores da Lava Jato, um ex-ministro do golpista Michel Temer. Nos estados, tucanos e outros círculos aspirantes à Presidência. Na mídia, a tropa da conciliação e das equivalências caluniosas. Então faz sentido. A paranoia com o golpe iminente serve para atiçar a piromania do bolsonarismo. Em vez de enfrentá-lo, seus contendores o provocam, deixando abertas as vias de um ataque fascista que desestabilize o processo eleitoral. Nada grave. Apenas o tumulto necessário para atropelar a disputa com a pacificação da direita sem voto. A estratégia do oportunismo incendiário se desnuda em alertas do tipo “não é hora de pensar em eleições”. Devemos esquecer a democracia para salvá-la, despolitizar a luta contra forças antipolíticas, abrir mão do candidato que pode vencer o fascismo no primeiro turno. O próprio Bolsonaro não formularia seus desejos com tamanha clareza. Publicado originalmente no Blog do Guilherme Scalzilli. O rabo que abana o cão Vamos falar de golpe?

Mil dias de destruição e mortes

Desgoverno – A ridicularização do desgoverno Bolsonaro completa mil dias de trevas, resumidos em vagabundagem explícita, indolência, ausência de um plano de governo, cercado pela indigência intelectual e incompetência de espertalhões, pela corrupção de uma matilha de negacionistas evangélicos e uma súcia de militares ineptos, medíocres e aproveitadores de vantagens e privilégios. – Responsável por quase 600 mil mortes (600 mortes diárias em 1000 dias) causadas pela omissão, o descaso no combate à Covid-19 e por uma política genocida premeditada pelo contágio em massa, contrário às medidas preventivas e vacinação da população. – Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), são 555.941 focos de queimadas da vegetação natural do país (quase 556 focos diários em 1000 dias). Conforme informações do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) e Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônica (Imazon), foram desmatados 1.606 km² de floresta somente no mês de agosto de 2021 (valor 7% superior do que o registrado em agosto de 2020), equivalente a cinco vezes o tamanho de Belo Horizonte. O Instituto Nacional da Amazônia (IPAN) informou que 71% das queimadas em imóveis rurais, somente neste ano na Amazônia, ocorreram em manejo agropecuário. O desmatamento por mineração na Amazônia bateu recorde em 2021, com uma área devastada em agosto superior a todo o ano de 2020. – Segundo relatório “Conflitos no Campo do Brasil/2020”, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o número de grupos indígenas afetados por invasões quadriplicou nestes 1000 dias de governo de destruição nacional. Os registros da CPT dimensionam a gravidade do ataque contra os territórios originários, especialmente a partir de 2019. Nota-se que algumas modalidades de violência, como “invasão” e “grilagem”, sofreram exponencial crescimento.  Somente nos anos 2019/2020, o número total de famílias vítimas de invasões de terras passou de 121.267. Com relação à grilagem é igualmente superlativa, atingindo 34.526 famílias, destas 8.633 são famílias indígenas. – A Anistia Internacional relacionou 32 graves violações aos direitos humanos cometidos pelo então presidente da República desde a sua posse, no documento “1000 dias sem direitos – as violações do governo Bolsonaro” (https://anistia.org.br). Dentre as situações catalogadas está a desastrosa gestão da pandemia, os ataques à liberdade de expressão e à imprensa, discursos antidireitos humanos na ONU, violação de direitos de povos indígenas e outras comunidades tradicionais e violações de direitos humanos na Amazônia, política de segurança pública (aumento do acesso a armamentos) e ameaças ao Estado de Direito. – Bolsonaro é o presidente mais perdulário, desperdiçador e desocupado na nossa história política, batendo todos os recordes de valores gastos com o cartão corporativo. Em 1000 dias de ociosidade, viagens e esbórnia, os cofres públicos já gastaram R$ 41,7 milhões para custear as despesas palacianas (são R$ 41,7 mil gastos diariamente com cartão corporativo em 1000 dias). – Mil dias de um governo de aniquilamento do patrimônio público, com números assombrosos de mortes e miséria de brasileiros. Chegamos a 14,7 milhões de pessoas na extrema pobreza, regredimos 15 anos em 1000 dias, com a fome se alastrando pelo país. A última pesquisa que compõe o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar, da Rede Brasileira de Pesquisa e Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Pessan – https://pesquisassan.net.br/), mostra que quase 116,8 milhões de brasileiros não se alimentam com qualidade e quantidade suficientes. Desses, 43,4 milhões (20,5% da população) têm alimentação insuficiente, com insegurança alimentar moderada ou grave e 19,1 milhões de famintos (9% da população) com insegurança alimentar muito grave. Além disso, são 1000 dias de desgoverno com 14,4 milhões de brasileiros desempregados, 19,1 milhões de famintos e quase 600 mil mortos por Covid-19, com uma cesta básica que subiu 34% nos últimos 12 meses, o aumento da gasolina e derivados como o gás de cozinha e uma política energética desastrosa com o risco de apagões até dezembro. Esses 1000 dias representam legado desastroso para o país, um milicianato com endosso militar bolsonarista, tornando o Brasil mais pobre, faminto e degradado, como nos desesperadores tempos de ditadura militar. Mil dias de escárnio, de pilhagem e destruição de bens públicos e direitos trabalhistas e previdenciários (com a participação de banqueiros, elites empresariais e grandes meios de comunicação). Os responsáveis por toda a dor, fome, sangue derramado e as mortes devem ser punidos!

A Colômbia, os Estados Unidos e a guerra às drogas

Colômbia política – Na semana passada, o Comando Aéreo de Transporte Militar (CATAM), o embaixador dos Estados Unidos na Colômbia, Philip S. Goldberg, e o comandante do Comando Sul dos Estados Unidos, Almirante Faller Craig, participaram de mais uma pantomima na América Latina dentro do que denominam “guerra às drogas”, entregando duas aeronaves Hércules C-130 ao governo colombiano. Conforme o ministro da Defesa da Colômbia, Diego Molano, os aviões têm uma capacidade de carga de 16 toneladas e podem transportar até 110 homens. “Servirão para fortalecer o transporte de tropa, a segurança nacional, o controle do narcotráfico e poderão ainda ser usados no controle de incêndios”, afirmou, sublinhando a importância da amizade entre Colômbia e Estados Unidos. Ora, qualquer pessoa com um mínimo de inteligência deveria questionar a eficácia dos Estados Unidos nesse tal combate às drogas, visto que estão com mais de sete bases militares dentro do país. Isto porque além das bases físicas, os EUA controlam também uma infinidade de radares por todo o país e principalmente nas fronteiras com Venezuela, Equador e Panamá, todos manejados diretamente do território estadunidense. Essa informação foi levantada pelo professor Renán Vega, da Universidade Pedagógica Nacional de Bogotá. Sendo assim, um território tão densamente vigiado e militarizado, como é possível que a Colômbia seja ainda o maior produtor e exportador de cocaína, sendo o responsável por 75% da produção? Não seria isso a prova da completa ineficácia dos Estados Unidos na tal “guerra às drogas”? O que fazem na Colômbia centenas de militares estadunidenses, de pelotões especiais realizando operações sigilosas? Como é possível ter tanta gente capacitada e tecnologia de ponta e ainda assim ser fragorosamente derrotado no combate aos traficantes? Isso nos leva a outro questionamento. Se tudo isso não tem qualquer consequência na diminuição do narcotráfico, provavelmente toda essa gente “especializada” e todo esse aparato bélico colocado em ação para o combate às drogas não estão sendo usados para isso. É cristalino como água. Então, porque o governo da Colômbia e o dos Estados Unidos insistem nessa mentira deslavada? O presidente Ivan Duque declarou há pouco tempo que, desde que chegou ao governo, em 2018, já extraditou cerca de 300 narcotraficantes aos Estados Unidos. Pois se é assim, por que o narcotráfico não cessa? Ao que parece, o número dos traficantes que são presos é bem menor dos que chegam nessa rotatividade exacerbada de “soldados” estadunidenses que vão e vêm, sem ter inclusive que se submeter às leis do país. Também vale lembrar que mesmo estando na lista do governo estadunidense como narcotraficante, Álvaro Uribe foi presidente da Colômbia, é atualmente senador da república e um dos homens mais influentes do país. Jamais foi tocado pelos “combatentes” do tráfico. Enquanto isso, o país segue sendo o que mais mata militantes populares e sociais em toda a América Latina, sendo que, agora, depois do acordo de paz que levou parte da guerrilha a depor as armas, quase 300 ex-guerrilheiros já foram assassinados cirurgicamente, além dos frequentes assassinatos de lideranças sindicais, populares e indígenas e dezenas de massacres em comunidades de todo o país. Não bastasse toda essa lógica da morte por encomenda, os focos de violência contra a população fazem com que milhares de famílias tenham de se deslocar frequentemente pelo território, numa migração sem fim. Só no primeiro trimestre de 2021, foram quase 30 mil pessoas saindo de suas aldeias, povoados e cidades, fugindo dos narcotraficantes e dos paramilitares. Como pode então, um pequeno país, totalmente coberto por bases militares, cercado por radares e com um exército de 500 mil homens (somando todas as forças), não erradicar o narcotráfico e não garantir a proteção de sua gente? A resposta é clara. As bases estadunidenses e o exército colombiano não estão ali para combater o narcotráfico. Elas servem unicamente para garantir aos Estados Unidos o controle sobre os territórios e os espaços onde estão as riquezas minerais e vegetais, além de vigiar os países “inimigos”, como a Venezuela. Também estão ali para combater os grupos que lutam pela libertação nacional e os militantes sociais que batalham por um país seguro para viver. A guerra não é contra o narcotráfico, mas contra os colombianos que lutam contra esse estado terrorista e militarizado até os dentes. Dessa forma, os Estados Unidos, apesar de aparecerem ao mundo como uma águia destemida e selvagem, têm sido sistematicamente derrotados na Colômbia: não conseguem acabar com o narcotráfico e tampouco com a fome de liberdade da população. Ainda que, claro, vençam naquilo que é seu objetivo: abocanhar as riquezas. Pois se a Colômbia é o maior produtor de cocaína do mundo, os Estados Unidos, segundo estudos do CEPAD (Centro de Estudos e Pesquisa sobre Álcool e outras Drogas/UFES)  é o maior consumidor, com mais de quatro milhões de usuários, sendo o Brasil o segundo, com dois milhões. Ou seja, tudo é business, ainda que seja preciso matar milhões e desalojar outros tantos. Terror na terra guarani  

Sem Brasil, Celac encerra conferência com pautas conjuntas

CELAC – A Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), que reúne atualmente 32 países, realizou uma conferência no México, depois de um hiato de cinco anos. A iniciativa partiu do presidente López Obrador visando dar uma sacudida nas questões particulares que dizem respeito ao bloco que vai do México até a Patagônia. Esperava-se ainda que fosse discutida a função da OEA (Organização dos Estados Americanos) na região, visto que nos últimos anos a ação deste organismo tem sido bastante intervencionista. Não que isso seja uma novidade, mas havia a expectativa de fortalecer esse bloco sem os Estados Unidos, justamente para isolar a OEA. O Brasil foi o único país do bloco a não participar, porque o presidente Bolsonaro decidiu sair da Celac, alegando que ali é um antro de comunismo. Não foi o que se viu na reunião, que ao final resultou bastante tensa, porque se não tinha a presença incômoda dos Estados Unidos, teve a dos seus lacaios. Os presidentes da Colômbia, Ivan Duque, do Paraguai, Mario Abdo e do Uruguai, Lacalle Pou, representaram muito bem os interesses do império acusando Cuba e Venezuela de serem ditaduras, criando certo tumulto no ambiente. Nada que não fosse rebatido com classe por Díaz Canel, de Cuba, e Nicolás Maduro, da Venezuela, em cujos países não se vê, por exemplo, assassinatos sistemáticos de lideranças sociais como no policialesco estado da Colômbia. E assim, entre farpas e provocações, a reunião seguiu seu curso com os governantes tentando chegar a algumas pautas de consenso. O tema da OEA acabou não sendo debatido, o que foi considerado uma derrota para os organizadores, mas chegou-se a um documento final que apontou as preocupações com as mudanças climáticas, o desenvolvimento sustentável e ações unificadas contra a Covid-19. Também foi aprovada a criação de um fundo para apoiar os países que tiverem desastres ambientais e discutiu-se uma proposta de criação de uma agência espacial regional, a Agência Latino-Americana e Caribenha do Espaço (Alce). Esse último tema foi considerado pela imprensa burguesa como uma excrescência diante de tantos problemas mais urgentes, mas é bom lembrar que a questão “espaço” leva em consideração o uso de satélites para as comunicações, o que é absolutamente estratégico hoje em dia e que segue sendo um nicho dominado pelos Estados Unidos. Por fim, apesar da ação desarticuladora dos presidentes da Colômbia, Paraguai e Uruguai – chamados à boca pequena de viúvas do Grupo de Lima – o grupo aprovou documento com uma série de propostas e ações comuns além de exigir o fim do bloqueio econômico a Cuba, bem como reconhecer o direito da Argentina às Malvinas. Um tema importante para a região do Caribe, a migração, acabou sendo discutido apenas de forma tangencial e sem aprofundar nas causas. No documento final, fala-se em concretizar processos migratórios que otimizem o desenvolvimento dos países de origem, mas não entram em detalhes sobre que desenvolvimento seria esse, uma vez que no modo capitalista atual isso é completamente impossível. O sociólogo alemão Gunder Frank já desvendou esse “mistério” alertando que, no capitalismo, o único desenvolvimento possível aos países da periferia do capital é o desenvolvimento do subdesenvolvimento. E é justamente isso que provoca as levas de migrantes, com milhares de pessoas em fuga, tentando encontrar uma forma de viver melhor. Terminada a reunião, as redes sociais iniciaram sua batalha comunicacional. Nos nichos da direita latino-americana, a Cumbre foi considerada um rotundo fracasso, com os holofotes voltados para as provocações de Duque, Pau e Abdo. Já nos espaços da esquerda liberal as análises eram de que a reunião havia sido uma grande vitória de Obrador. Nem tanto ao céu, nem tanto à terra. Não foi fracasso, nem representou grande vitória. Foi sim um momento importante porque reuniu todos os governantes da região, o que permitiu um reconhecimento das forças que estão em disputa e também apontou a construção de algumas ações comuns. Coisa pouca e sem muita densidade, mas de qualquer forma, mostrou aos Estados Unidos que o bloco latino-americano e caribenho ainda tem pernas para caminhar e dentes para morder, ainda que claudicante e sem muita força na mordida. A ausência do Brasil pesa a favor do império, a conjuntura continua ainda muito frágil para os governos ditos progressistas e falta uma proposta realmente vigorosa de esquerda, anti-capitalista, como já houve durante os anos de Hugo Chávez. Retratos do Brasil e da América Latina   A fibra da guerreira latina Juana Azurduy    

A estratégia de dúvida no noticiário político: uma armadilha para o jornalismo

O jornalismo vive um complexo dilema profissional e corporativo ao enfrentar a chamada “estratégia da dúvida informativa”, um recurso usado com frequência cada vez maior por grupos políticos em luta pelo poder na sociedade contemporânea. A dimensão do desafio pode parecer exagerada, mas ele atinge em cheio a credibilidade das mídias, logo o coração do jornalismo. Espalhar incertezas é uma velha tática de políticos, mas desde o surgimento da internet ela se transformou numa sofisticada estratégia destinada a minar a credibilidade de personalidades e instituições visando enfraquecê-las politicamente. A disseminação estruturada da dúvida é uma ameaça ao jornalismo, porque coloca a atividade noticiosa diante de uma difícil escolha: funcionar como cúmplice ao ignorar a natureza da estratégia ou desmistificá-la, correndo o risco de ser acusada de proselitismo. É importante ressaltar que duvidar pode ser também uma atitude positiva e faz parte da cultura acadêmica porque está associada à preocupação com a investigação científica. Neste sentido, a dúvida é um comportamento que visa ir além das aparências ou convenções, e não um recurso para encobrir objetivos politicamente inconfessáveis. A estratégia da dúvida visa desacreditar pessoas e organizações através da desorientação do público por meio da disseminação de versões contraditórias. O manual dos promotores da desestabilização informativa da opinião pública já tem um roteiro padrão. Começa, em geral, por uma denúncia com alguma veracidade, feita por uma personalidade com alguma respeitabilidade e que depois é investigada por uma instituição também dotada de alguma credibilidade. Verdade disfarçada Foi o que aconteceu nos recentes casos do mensalão e da lava-jato. A suspeita inicial é posteriormente complementada por outras denúncias baseadas em meias verdades que fornecem mais munição para os investigadores, ampliando gradativamente a intensidade da suspeita, até que ela ganhe ares de verdade pelo acúmulo de dúvidas. A destruição de reputações segue este mesmo roteiro. A frequência e intensidade com que vem sendo usada a estratégia da dúvida como arma na luta pelo poder acabou contribuindo para a sua própria desmistificação, na medida em que especialistas em opinião pública, juristas e cientistas políticos passaram a estudar o fenômeno. As pesquisas contribuíram para neutralizar a principal característica da dúvida: o seu disfarce como verdade, gerando dúvidas sobre a dúvida. O esquema funciona eficientemente enquanto as pessoas ignoram que estão sendo contaminadas pelo vírus da dúvida ao serem expostas a meias verdades ou fatos descontextualizados. A partir do momento em que o público-alvo se dá conta de que nem tudo o que é divulgado constitui fatos e dados inquestionáveis, a estratégia da dúvida como arma política deixa de ser eficiente e pode até se tornar contraproducente. É aí que entra o papel da imprensa. Quando jornais, revistas, noticiários radiofônicos e telejornais transmitem conteúdos supostamente noticiosos, gerados pelos promotores da dúvida para leitores, ouvintes e telespectadores, a imprensa age como cúmplice da desorientação informativa, de forma consciente ou involuntária. Boa parte da imprensa brasileira acabou desempenhando este papel quando deu ampla cobertura a denúncias e investigações nos casos do Mensalão e da Lava Jato, que posteriormente acabaram se mostrando infundadas e ilegais. Mudança de cultura nas redações Mas a nova realidade surgida a partir dos estudos e pesquisas feitas por acadêmicos e jornalistas, colocou a imprensa diante da necessidade de checar a veracidade e o contexto de todas as suspeitas lançadas contra personalidades, pessoas comuns, instituições e órgãos governamentais que, de alguma forma, possam contribuir para disseminar dúvidas e desorientação informativa. Caso isto deixe de ser feito, a imprensa contribuirá para a desinformação ao induzir as pessoas ao erro, atentando contra a regra básica de todos os manuais de redação: o compromisso inarredável com o rigor informativo. Só que, ao fazer isto, o jornalismo e a imprensa provavelmente serão acusados de parcialidade e proselitismo pelos protagonistas da luta pelo poder político. Faz parte da lógica destes grupos dividir a sociedade de forma simplista entre simpatizantes e desafetos. Isto implica uma mudança na cultura das redações, nos procedimentos, regras e valores do jornalismo que deixará de ser um mero observador da realidade para assumir uma atitude proativa ao mostrar como determinados dados, fatos ou eventos estão sendo transmitidos de forma distorcida, intencional ou inadvertidamente. A checagem de fatos para identificar mentiras ou meias verdades já é parte deste processo de revisão dos comportamentos profissionais antes associados à isenção e não comprometimento com partes em conflito. A checagem é justificada pela necessidade de evitar a desinformação e as notícias falsas com o objetivo de preservar a credibilidade da imprensa. Só que a estratégia da dúvida levou o processo de manipulação política para um patamar mais elevado. O que passa a ser importante não é apenas se algo é verdade ou mentira, mas a forma como os fatos, dados e eventos estão sendo moldados, disseminados e percebidos pelo público. A imprensa e o jornalismo não devem assumir e nem podem ser vistos como juízes da interpretação dos conteúdos noticiosos. São parte importante e obrigatória no suprimento de material informativo para que as pessoas tomem suas decisões a partir de percepções o mais próximo possível da realidade. Os jornalistas são um componente essencial no esforço para neutralizar a epidemia da dúvida no noticiário político, porque são os profissionais mais preparados, por conta de sua experiência e formação, para lidar com a informação. É função da imprensa e do jornalismo desmistificar o uso da dúvida como arma política. Publicado originalmente na página Medium de Carlos Castilho. O jornalismo no salve-se quem puder da desinformação em escala planetária Ainda é possível acreditar na isenção do jornalismo? Os muitos dilemas da imprensa no governo Bolsonaro

Brasil: segue o “bonde” da destruição

7 de setembro – O presidente do país segue governando na lógica do factoide, imitando seu ídolo Donald Trump. Parece não ter se dado conta do que aconteceu lá na matriz que tanto ama. A tática do factoide não deu certo. Trump foi derrotado fragorosamente. Por aqui, os marqueteiros do presidente continuam incentivando a mesma toada que, ao que parece, só serve mesmo para animar a sua plateia cativa. Foi o que se viu. As chamadas “lideranças” dos atos que visavam invadir o STF e cortar a cabeça do ministro Alexandre Moraes foram presas, responderão na justiça, e provavelmente serão abandonadas para que se virem como possam. Milhares foram para Brasília armados da esperança de que os comunistas finalmente seriam eliminados – física e politicamente. Eram de impressionar os áudios e vídeos, que circulavam pela rede bolsonarista, sobre estocar comida, remédio, água e trancar as janelas porque a coisa seria estrondosa. Não foi. O que se viu foi um discurso pífio, tentando reanimar a claque para outro “amanhã”. O golpe seria adiado e fora só um susto no ministro, o qual não será mais obedecido “sob hipótese alguma”. Os seguidores mais renitentes voltaram para casa ainda sob o efeito da catarse, prontos para a nova investida que virá quando o presidente chamar. Outros voltaram desiludidos. Esperavam o apocalipse, ainda que no momento em que a polícia atuou, muito gentilmente, aliás, queriam que gravassem vídeos desesperados em meio à correria, gritando que era um absurdo a polícia tentar impedi-los de chegar ao STF. Estranha gente que pede ditadura e sequer entende o que isso possa significar. O Brasil esperou o desenrolar dos fatos. Uns com medo, outros comendo pipoca em frente à televisão e uma grande parte em luta, nos atos de protesto contra a carestia da vida e a falta de um governo para enfrentar os grandes dramas nacionais como a fome e as crises hídrica e energética. As redes de televisão deram visibilidade para as manifestações dos dois lados e foi possível avaliar com bastante informação as duas frentes de batalha. Os atos pró-governo foram grandes em São Paulo e Brasília, mas também deixaram claro sobre quem são esses aliados, na sua maioria uma classe média alta que sequer consegue enxergar os efeitos desse governo sobre si mesma. Por outro lado, nas colunas dos protestos estavam os trabalhadores organizados, a juventude, os estudantes, os sem-terra, os sem-teto, enfim, os que sempre estiveram na luta. A luta de classes bem demarcada nas ruas. O chefe de governo, que tem mais de 100 pedidos de impedimento no Congresso, fez o que sabe fazer. Esticou a corda mais um pouco. Até agora tem nadado de braçada, sem que nada ou ninguém o obstaculize. As chamadas instituições democráticas fazem ouvidos moucos aos seus ataques à Constituição e permitem que a roda da economia siga girando em favor da classe dominante. Os trabalhadores vão sendo acossados, as privatizações seguem, o agro comanda e tudo parece bem. O judiciário fisga peixinhos enquanto o líder do cardume segue tranquilo. Nada lhe toca. A fascistização do governo é pop nas altas rodas. O sete de setembro foi uma patacoada. Mostrou que o governo perdeu apoio e apenas mantém seu reduto inicial formado por ultraconservadores e reacionários de carteirinha, bem como outros que ingenuamente acreditam nas mentiras disseminadas à exaustão sobre o comunismo e blá, blá, blá. Mas, ainda assim, é uma parcela barulhenta e em sistemático estado de agitação. As forças de esquerda, as institucionalizadas, agiram com timidez. Como sempre, são os trabalhadores os que se movem para além dos líderes. Esses sabem que muito pouco têm a perder indo para a luta nas ruas. E, por isso, vão. A aprovação do presidente despenca. Mas ele tem cartas na manga, não nos enganemos. Enquanto a burguesia nacional não se descolar dele, ele seguirá esticando a corda para garantir mais um mandato. A turma do andar de cima ainda está ganhando muita grana e vê passar no Congresso Nacional muitas de suas pautas que vão contra trabalhadores. Para eles tá suave. A batalha real será mesmo nas ruas. E os trabalhadores organizados devem dar o tom. Adeus 2021, sem saudade https://urutaurpg.com.br/siteluis/em-1970-os-tupamaros-de-mujica-contra-dan-mitrione-o-mestre-da-tortura/

Pelos direitos dos povos originários

Com colaboração de Carolina Raciunas  O CONVERSA AO VIVO ZONA CURVA  do dia 2 de setembro contou com a participação da líder indígena, antropóloga e coordenadora geral da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira, Telma Taurepang, e do jornalista e ambientalista Felipe Milanez. Eles conversaram com Fernando do Valle (editor do Zonacurva), Luís Lopes (editor do Vishows) e o advogado Roberto Lamari sobre a tentativa de implementar o marco temporal e a desastrosa gestão do governo, que compactua com a violência contra os povos indígenas. Telma Taurepang contou que a iniciativa a partir do Projeto de Lei 490 é mais uma forma de agredir a existência dos indígenas, mas que eles ainda resistem: “A opressão continua, está no sangue dos europeus que chegaram e dizimaram quase todo o meu povo, mas eles esqueceram que nós somos sementes”, afirmou. Em meio a tantos problemas climáticos, a líder lembrou que os indígenas sempre cuidaram da natureza. “Somos nós que cuidamos da água e do território. Somos nós que cuidamos para que as próximas gerações consigam sobreviver”. O STF (Supremo Tribunal Federal) deve decidir nessa semana o marco temporal de demarcação das terras indígenas. Se o marco temporal passar, os índios só poderão reivindicar terras ocupadas até a promulgação da Constituição de 1988. O jornalista e professor Felipe Milanez explicou que a possível decisão favorável do STF ao marco temporal seria a perpetuação das medidas do atual governo contra a livre existência dos indígenas. Além disso, Milanez criticou a conduta da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que tem perseguidos índios, contrariando à motivação que levou a sua criação de proteção aos povos originários. “O marco temporal é uma medida fascista, extremamente autoritária, contra a Constituição e que a gente não sabe onde ela vai dar. E a Funai está deixando de defender os territórios indígenas, de olho na privatização e exploração dessas áreas”, explicou Além do julgamento no STF, em 23 de junho de 2021, a Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça (CCJ), presidida pela deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), aprovou, por 40 votos a 21, o PL 490. O PL 490 cria um “marco temporal”, ou seja, só serão consideradas terras indígenas os lugares ocupados por eles até o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. O Projeto de Lei 490 (PL 490) é de 2007 e foi protocolado pelo então deputado federal Homero Pereira (PP-MT). A proposta era alterar o Estatuto do Índio, promulgado em 1973. Milanez explicou ainda que parte do congresso naturaliza o preconceito histórico contra os índios na discussão do PL 490. “Esse julgamento é um marco do racismo no Brasil. Isso exige que nós, enquanto brancos, tomemos atitudes antirracistas”. Mulheres indígenas lutam pelo futuro em Brasília Povos indígenas em luta contra as mudanças na Constituição