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Museu, memória e patrimônio

Originário do ato de colecionar e preservar, os museus chegaram ao século XXI como instituições indispensáveis à vida e à memória das comunidades, pelo menos em teoria. Inseridos na vida das cidades e amparados por políticas públicas de cultura, muito bem argumentadas no papel, mas sem atrativos para atrair o grande público que prefere o espetáculo dos shoppings ou o paraíso dos templos evangélicos, que oferecem muito mais em troca de um pequeno dízimo: a memória do futuro, a esperança de vida eterna.

Precisamos do bom humor para falar de museu, como no personagem do romance “O Nome da Rosa”. Hoje em dia, no Brasil, em particular na Bahia, falar de museu, e nunca se falou tanto, corre-se o risco de cair no discurso da reserva de mercado. Museus para que e para quem? Fala-se em democratização e facilidade de acesso, mas campanhas publicitárias são dirigidas para a divulgação de atividades reservadas aos profissionais da área em detrimento de programas educativos para formação de público. Como patrimônio público, qualquer cidadão tem direito de entrar no museu e ver o que tem dentro dele. Mas é preciso despertar o desejo de ver, de conhecer, de mergulhar na memória nele depositada.

museu nacional
Museu Nacional em chamas no Rio de Janeiro no último domingo (fonte: ADUFRJ)

Precisa-se que alguma coisa seja previamente dada para provocar o olhar, o pensar e produzir conhecimento. Poucos são seduzidos pelo desconhecido, nem se produz conhecimento sem olhar o passado.

“Não se inventa ideias sem retificar o passado” (Bacherlard).

Museu e Memória, um tema para se pensar a reafirmação e a transformação da cultura e da arte. É um direito da comunidade, conhecer e refletir sobre o passado, o presente e o futuro, e decidir sobre a memória que deseja preservar.

Perdemos as referências do absoluto, e estamos às voltas com a pluralidade. A memória como a realidade é construída em função de interesses, paixões e desejos, e o que resulta, não é absoluto ou universal. Cada um vê o que está no museu como lhe convém, da mesma forma que coisas, objetos e linguagens chegaram ao museu por interesses e critérios que não são absolutos nem indiscutíveis. Mas nem por isso deixam de ser um patrimônio à espera do olhar clínico e crítico.

Os museus se modernizaram conceitualmente, ressaltando sua importância para a sociedade e o direito à memória. Os de arte, a partir da década de 1960, foram ideologicamente questionados pelas vanguardas artísticas, como o Minimalismo, a Arte Conceitual e a arte contemporânea, mas sua estrutura não foi abalada, ao contrário; foi reforçada. A autenticidade das experiências artísticas depende da legitimação do museu.

Falar de museu de arte no Brasil é difícil não lembrar Mário Pedrosa. Vejam a atualidade de seu pensamento, no texto “Arte Experimental e Museus”, publicado em 1960: “Diferente do antigo museu, do museu tradicional que guarda, em suas salas as obras primas do passado, o de hoje é, sobretudo, uma casa de experiências. É um paralaboratório. É dentro dele que se pode compreender o que se chama de arte experimental, de invenção.” Esse lugar de experiências é também ocupado por um acervo, é um lugar privilegiado do pensamento, da crítica e do lazer criativo para uma apropriação consciente do patrimônio.

Um museu não é uma instituição de eventos culturais, o que nele é exposto não deve ser uma experiência isolada de uma política pública de cultura, sem a responsabilidade de um conselho curador, formado por especialistas da área. O gestor deve ser uma espécie de maestro que rege uma orquestra de intelectuais, críticos e técnicos especializados, para desenvolver enunciados para ser praticados e estabelecer relações mais estreitas com a comunidade. Dentro de uma cidade existem várias cidades, habitam várias culturas e várias linguagens artísticas, algumas até contraditórias. O museu, em particular o de arte, no seu acervo e na sua programação, deve refletir essa pluralidade, porque ele não é o lugar da exclusão, e sim; do confronto, do diálogo com diferentes manifestações, compatível com a sua função e sua especificidade. Ele guarda uma história, e sem o conhecimento da história, a experiência vira entretenimento.

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