Zona Curva

‘Não existem porões da Ditadura’

A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” e a Comissão Nacional da Verdade, durante a audiência pública realizada em setembro do ano passado, apresentaram a estrutura de funcionamento do terrorismo de Estado implantado a partir de 1964, constituído através de ampla rede das Forças Armadas. O estudo foi feito partir de documentos compilados dos órgãos de repressão.

“É uma prova de que não existem porões da Ditadura. Esse sistema nacional é o próprio sistema de terrorismo de Estado”, declarou Ivan Seixas, responsável pelo estudo. Havia um conjunto de órgãos denominado Sistema Nacional de Informação (SISNI) com a finalidade de produzir informações para formular “política de segurança” e de “desenvolvimento” do país.

Segundo Adriano Diogo, presidente da Comissão “Rubens Paiva”, esses grupos organizados faziam reuniões no gabinete dos presidentes impostos pela Ditadura e a estrutura até hoje não foi desmontada. “Essas cadeias não foram desmontadas. Um exemplo é a [Agência Brasileira de Informação] Abin. Infelizmente a ditadura não acabou nesse setor”, afirmou Diogo.

21 de março ivan seixas ditadura militar
O ex-militante político Ivan Seixas afirma que a ditadura militar praticava terrorismo de Estado

O SISNI era formado pelo Centro de Informações da Aeronáutica (CISA); Centro Nacional de Informações da Marinha (Cenimar); Centro de Informações do Exterior (CIEx); Centro de Operações de Defesa Interna (Codi) e seus Destacamentos de Operação e Informações (DOI); Divisões de Segurança e Informação (DSI) dos ministérios civis e suas Assessorias de Segurança e Informação (ASI).

A partir do Centro de Informações do Exército (CIE) foi possível mapear os movimentos de oposição política. Segundo Ivan Seixas, o CIE era ligado ao gabinete do Ministério do Exército e era mantenedor dos centros clandestinos de tortura como a Casa da Morte, de Petrópolis, no Rio de Janeiro, a “boate” de Itapevi e a Fazenda 31 de Março, em São Paulo.

“O CIEx não existia formalmente, usava a estrutura da Cenimar e do CIE”, explicou Ivan Seixas, coordenador da assessoria da Comissão “Rubens Paiva”. “O golpe foi imposto pra criar um Estado militarizado e construir uma máquina de guerra”, afirmou Rosa Cardoso, membro da CNV.

Estrutura planejada

Havia uma lógica imposta anterior ao Golpe. O Ato Institucional nº I, a política de tortura, desaparecimento e mortes foram planejados com antecedência, conforme explicou Rosa Cardoso, membro da CNV.

Universidades como a USP constituíram seu departamento para fornecimento de informações à repressão. A Comissão apresentou documento originado no gabinete da Reitoria. Haviam criado a Assessoria Especial de Segurança e Informação (AESI), que reunia informações dos alunos e funcionários de interesse dos órgãos repressores.

Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), criada por iniciativa do deputado federal Rubens Paiva apurou e comprovou a atuação de dois institutos criados para preparar o terreno para o Golpe, o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) e o Instituto de Pesquisa Econômica e Social (Ipes). Depois do golpe, com a ditadura implantada e o sistema repressivo dos DOI-CODIs agindo impunemente, o Deputado Rubens Paiva foi preso, torturado e está desaparecido até hoje.

O funcionamento desses institutos foi fundamental para origem do Serviço Nacional de Informações (SNI). O Ibad foi financiado pelos Estados Unidos e diversas entidades privadas, como o grupo Varig e o Banco Nacional. Os fundadores ostensivos são: Ivan Haalocher; Gilbert Huber Jr.; Glycon de Paiva e Paulo Ayres Filho.

O Ipes teve como fundador direto Golbery do Couto e Silva em parceria com os empresários Augusto Trajano de Azevedo Antunes (Grupo Caemi) e de Antônio Gallotti (multinacional Light). A linha de atuação era voltada para produção de material contra o governo democrático e treinamento de agentes para atuarem contra pessoas que se opunham à ditadura.

Comunidades complementares

Na escala do direcionamento das ações de repressão, também foram estruturadas as ‘comunidades complementares’ de informações, divididas por áreas. Em diversos Estados da Federação, havia os Departamentos de Ordem Política e Social (Dops) e o Serviço Reservado da Polícia Militar (P2).

Segundo apurou a Comissão da Verdade, entidades privadas estavam integradas ao sistema repressivo e faziam um trabalho complementar de controle e repressão, a critério do chefe do SNI. Os livros de entradas do DOPS-SP registraram, por exemplo, a presença de Geraldo Rezende de Matos, representante da Federação das Indústrias do estado de São Paulo (Fiesp) e Paulo Sawaia, assessor do Ministério da Fazenda, comandado por Antônio Delfim Netto.

As mortes no campo também passam pela responsabilidade das comunidades complementares. O latifúndio estava ligado à ditadura e havia um subgrupo de repressão aos trabalhadores, conforme lembrou Ivan Seixas. Para Rosa Cardoso será importante preencher essas cadeias com os nomes dos responsáveis nos Estados e a nível nacional.

Scroll to Top