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O uso político da informação na cobertura do assassinato de Marielle Franco

por Carlos Castilho

A manipulação e enviesamento de informações começam a configurar um fenômeno político cuja eficiência e resultados podem determinar o rumo futuro de eventos que por suas dimensões e transcendência são podem provocar uma ruptura social e institucional.

É o que ficou evidente na análise dos desdobramentos do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) no dia 14 de março. A origem social e o perfil político da parlamentar não deixam dúvidas quanto a seu posicionamento como opositora radical dos governos municipal, estadual e federal.

Além disso, no dia de sua execução ela publicou no Jornal do Brasil um texto no qual questionava duramente a intervenção militar no Rio de Janeiro. O contexto aponta claramente para um crime político para intimidar opositores de esquerda.

Mas o que se viu no dia seguinte ao fuzilamento de Marielle e seu motorista Anderson Gomes foi a preocupação da imprensa e dos políticos, notadamente os conservadores, de classificar o crime como um atentado à democracia. Uma distorção sutil, mas capaz de gerar uma percepção pública bem diferente daquela que poderia ser inferida a partir das posições políticas da vereadora eleita com 45 mil votos, nas eleições de 2016.

A manipulação do noticiário logrou deslocar o eixo da comoção pública do terreno ideológico para o institucional, por meio do recurso da identificação do crime como uma ameaça ao regime democrático. O objetivo desta estratégia informativa pode ser interpretado como uma tentativa de dissociar o crime de uma inevitável polarização entre direita e esquerda e, ao mesmo tempo, condicionar a opinião pública a defender um sistema que no momento é controlado por políticos conservadores.

O uso da informação para alterar contextos e percepções políticas da população está se mostrando mais eficiente do que o uso da força como fator de mudanças institucionais, como aconteceu no passado. Além de evitar desgaste político dos seus promotores e os traumas provocados por quarteladas e golpes palacianos, a manipulação informativa aumenta o faturamento dos grandes conglomerados midiáticos.

Esta nova estratégia de ação política está sendo aplicada com rigor quase científico nos Estados Unidos bem como alguns países europeus e se constitui num desafio inédito para leitores, ouvintes, telespectadores e internautas. Para que a estratégia tenha sucesso, é indispensável que o público não consiga identificá-la por falta de dados e por desconhecer fatos relevantes.

marielle franco morte

A leitura crítica do noticiário da imprensa

Para que estas condições sejam preenchidas, é necessário que o condicionamento da opinião pública seja desenvolvido por grandes conglomerados midiáticos atuando na imprensa escrita, nos noticiários audiovisuais e na internet. Quanto mais concentrada e hegemônica for a cobertura da imprensa, maior a chance de um enfoque unilateral dos fatos, dados e eventos em curso.

Para o cidadão, o papel da informação como nova e principal ferramenta estratégica no jogo do poder político traz como consequência a necessidade de desenvolver o hábito da leitura crítica, o que noutras palavras significa ter mais informação sobre a informação. É uma responsabilidade adicional, que vai exigir algum esforço de todos nós porque já não poderemos confiar na imprensa como provedor de informações isentas de condicionamentos políticos ou financeiros.

Em conjunturas complexas, onde é difícil e, às vezes até impossível, distinguir interesses ocultos embutidos em fatos e notícias, a cobrança de transparência total nos resultados das investigações é uma alternativa disponível para a população, em casos de grande impacto social e midiático. A cobrança de transparência também é o posicionamento político mais adequado porque gera elementos informativos que induzem a população a refletir em vez de refugiar-se em “bunkers” ideológicos polarizados e que não ajudam a identificar o que realmente aconteceu ou está acontecendo.

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