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Rubem Fonseca e o silêncio que não apaga o passado

Como o escritor Rubem Fonseca sente verdadeira ojeriza por entrevistas, sempre pairou a desconfiança de que a causa dessa aversão advém da tentativa de esconder seu convívio nos anos 60 com algumas figuras de destaque da ditadura militar. Fonseca participou da direção do IPÊS (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), que organizou a base ideológica para o golpe de 64, e foi próximo do general Golbery do Couto e Silva, uma espécie de eminência parda do regime de exceção. Em entrevista a revista Bravo! em 2009, o jurista Candido Mendes declarou: “Eu me lembro do fascínio do general Golbery com o José Rubem… Ele admirava o José Rubem por sua capacidade, sua implacabilidade de raciocínio”. Através de Golbery, Fonseca conheceu seu primeiro editor, o ex-camisa verde (apelido dos integralistas), Gumercindo Rocha Dorea, diretor da Editora GRD, que publicou os dois primeiros livros de Rubem: Os Prisioneiros (1963) e Coleira do Cão (1965). Não é possível mais defender o silêncio do escritor que, sem dúvida, teve papel primordial na literatura brasileira das últimas décadas, como apenas uma característica de sua personalidade. Alguns até comparam o silêncio de Rubem ao de outro escritor que também influenciou toda uma geração de escribas, o vampiro de Curitiba Dalton Trevisan, que também rechaça qualquer investida da imprensa. No caso de Trevisan, talvez aí sim seja uma característica pessoal como até indica seu apelido. Já Rubem, nos últimos anos, tem falado e mostrado sua verve em eventos tanto no exterior como em algumas ainda raras ocasiões no país. Assista aos dois vídeos de aparições públicas do escritor no texto Zonacurva sobre seu último livro, Amálgama. Rubem Fonseca no IPÊS O IPÊS (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) surgiu em novembro de 1961, apenas dois meses após a renúncia de Jânio Quadros, pelas mãos de Golbery e Figueiredo, entre outros militares, empresários e políticos. O instituto apresentava-se como uma “agremiação apartidária com objetivos essencialmente educacionais e cívicos e orientado por dirigentes de empresas que participam com convicção democrática e como patriotas”. De acordo com o historiador uruguaio René Armand Dreifuss em seu livro 1964: a conquista do Estado, Ação Política, Poder e Golpe de Classe, Rubem Fonseca teve como sua principal função no IPÊS a de supervisionar a unificação ideológica e editorial dos materiais de divulgação do instituto. Ao seu lado, trabalhavam o poeta e jornalista Odylo Costa Filho, a escritora Raquel de Queiroz e o jornalista Wilson Figueiredo. O material produzido pelo IPÊS, em especial seus curtos filmes que eram exibidos em cinemas e na televisão, foi um dos responsáveis por criar um clima de pânico, principalmente entre a classe média, do “verdadeiro descalabro que ameaçava nossa democracia“. Em conjunto com o IPÊS, atuava o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) que também reunia em seus quadros intelectuais orgânicos que representavam os interesses do grande empresariado e, em especial, do capital norte-americano. Podemos dizer que ambos constituíram uma verdadeira organização composta por intelectuais, empresários e militares em defesa dos interesses da elite brasileira e seus aliados. Segundo o livro A ditadura envergonhada, do jornalista Elio Gaspari, o IPÊS funcionava no 27º andar do moderno edifício Avenida Central, no centro da capital fluminense. Em incrível coincidência, por lá também atuava o escritório da agência de notícias cubana Prensa Latina. O  democrático prédio ainda abrigava duas bases de operações clandestinas: uma do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e outra de radicais de direita. O documentário O dia que durou 21 anos, de Camilo Tavares, lançado no ano passado, coloca de forma muito clara a participação dos Estados Unidos na criação do IBAD e do IPÊS. Lincoln Gordon, embaixador norte-americano no Brasil no período pré-golpe, aconselha o presidente John Kennedy a ajudar com alguns milhões de dólares os institutos. Kennedy questiona se isso seria realmente necessário. Gordon é categórico: “nós não podemos correr riscos”. Plínio de Arruda Sampaio, deputado federal no período que precedeu o golpe, lembra no filme que foi procurado por uma pessoa ligada ao IPÊS, que lhe ofereceu certa quantia para que ele defendesse a democracia, Plínio refutou: “mas eu já defendo a democracia, para isso, não preciso de dinheiro”. Leia texto sobre o documentário O dia que durou 21 anos A jornalista Regina Coelho abordou a relação de Rubem Fonseca com o IPÊS na matéria O homem em questão publicada no jornal Correio da Manhã no final dos anos 60. O telefonema da jornalista irritou Rubem Fonseca, que se negou a responder qualquer pergunta. O papo acabou se tornando um áspero diálogo entre os dois: “Se você entrevistasse o Carlos Drummond de Andrade seria importante o que ele faz ou o que ele é”. Regina Coelho rebate: “segundo Sartre, o homem é aquilo que ele faz”. “E nós somos esta espécie de conjunto desorganizado em termos de função na vida, não tenho nada a dizer”. Silêncio. Regina pergunta: “Isto vai atrapalhar o seu trabalho?” “Claro que vai, mas profissionalmente a gente se vira, não precisa ficar com complexo de culpa, bem, você estragou o meu dia, não quero ser rude, não devia ter atendido o telefone, interprete como quiser, arranje outro entrevistado”.  Em 1994, José Rubem publicou um artigo no jornal Folha de São Paulo em que afirma que sua participação no IPÊS foi uma decorrência de sua atividade empresarial como executivo da Light e nega ter colaborado com a ditadura. Leia trecho: “No ato de fundação do IPÊS a Assembleia Geral me escolheu como um dos diretores do Instituto. Toda a direção era composta de empresários que continuavam trabalhando em suas companhias e não recebiam remuneração pela sua colaboração. À medida em que crescia a rejeição ao governo João Goulart na classe média, em setores empresariais, eclesiásticos, militares e também na mídia, no IPÊS se desenvolveram duas tendências. Uma, fiel aos princípios que haviam inspirado a fundação do Instituto, manteve-se favorável a que as reformas de base por ele defendidas fossem implantadas através de ampla discussão com a sociedade civil, o governo e o parlamento; a outra passou a julgar a derrubada do governo João Goulart como única solução para os problemas

Protesto com samba na DEScomemoração do golpe de 64

O bloco carnavalesco Cordão da Mentira irá desfilar em DEScomemoração aos 50 anos do golpe militar de 64. Com intervenções artísticas e sambas de autoria própria, o Cordão volta às ruas no dia 1º de abril (terça) a partir de 17h30 em frente ao Memorial de Resistência, no Largo General Osório, na cidade de São Paulo. O bloco realizou seu primeiro desfile em 1º de abril de 2012. O mote do desfile deste ano é “64 +50: Quando vai acabar a ditadura civil-militar?” em que o Cordão promete samba, batucada e escracho popular nas ruas do centro de São Paulo. Dentre as paradas escolhidas, a Praça da República e a rua Maria Antônia, palcos  de protestos e conflitos durante a regime militar. Assista ao vídeo-convite do Cordão da Mentira: Acesse a página do facebook do bloco. As ruas são pra lutar e quem não luta dança!

Líder estudantil, Honestino Guimarães foi morto pelo regime militar em 1973

Honestino Guimarães – O desaparecimento do líder estudantil Honestino Guimarães em 1973 comprova como o regime de exceção matou e torturou de forma indiscriminada. Honestino, eleito presidente da UNE em 1971, sempre foi contrário a qualquer tipo de ação armada e morreu após dar entrada no temido Cenimar (Centro de Informações da Marinha) no Rio de Janeiro em 1973, com apenas 26 anos. A história de Honestino (como muitas outras) cala de uma vez por todas o patético argumento dos muitos reacionários de hoje e de ontem de que a barbárie do regime militar foi “necessária como forma de defesa aos ataques da guerrilha”. Este parágrafo talvez fosse descartável se a sandice e a ignorância não estivessem presentes em inúmeros comentários que pululam nas redes sociais por ocasião dos 50 anos do golpe militar. LEIA TAMBÉM A morte de Vladimir Herzog e o Brasil que não queremos Honestino ingressou na Ação Popular (AP) com apenas 17 anos (ele nasceu em 28 de março de 1947 na pequena Itaberaí, em Goiás). Em 1965, antes de completar 18 anos, foi o primeiro colocado no vestibular, em toda a Universidade de Brasília, e começou a participar do movimento estudantil. Suas atividades contra o regime militar como pichar muros, participar de manifestações e distribuir panfletos contra o governo o levaram quatro vezes para a cadeia: a primeira em 1966 e as outras três em 1967 (na última vez, mesmo na cadeia, foi eleito presidente do Diretório Acadêmico da UNB). A Universidade de Brasília foi criada por um trio de grandes figuras: Darcy Ribeiro definiu as bases da Universidade, Anísio Teixeira planejou o método pedagógico e o projeto arquitetônico ficou a cargo de Oscar Niemeyer. A UNB foi fundada em 21 de abril de 1962 com a missão de ser modelo de pesquisa na ciência e inovação nas artes. A Universidade foi invadida pela terceira vez pela polícia em agosto de 1968 —a biblioteca destruída, alunos e professores presos ou expulsos — na manifestação contra a morte do estudante secundarista Edson Luis de Lima, no Rio de Janeiro. Sessenta pessoas foram presas, entre elas, Honestino, que foi arrastado por seus corredores até a viatura por agentes da ditadura. Em 26 de setembro de 1968, Honestino foi desligado da universidade como punição por ter liderado movimento pela expulsão de um falso professor da UnB, informante da ditadura. No começo dos anos 70, o líder estudantil mudou-se para o Rio de Janeiro, onde vivia de forma clandestina. Segundo amigos, ele deu entrada no Cenimar entre os dias 10 e 11 de outubro de 1973 e nunca mais foi visto. Em 20 de setembro de 2013, Honestino foi declarado anistiado político post mortem. Em cerimônia na UNB, o secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão, leu o pedido de desculpas oficial do governo brasileiro. Fontes usadas: Site Honestino e Agência Brasil. Cabo Anselmo no seu obituário Médici corrupto A ditadura brasileira e os dois demônios

A ação mais ousada contra o regime militar

#ditaduranuncamais -O rapto do embaixador norte-americano Charles Elbrick foi, sem dúvida, a ação mais ousada dos opositores ao regime militar. Entre os muitos atos contra a ditadura, o sequestro do principal representante do país que deu suporte ao golpe surpreendeu os militares e repercutiu em todo o mundo. O sequestro foi executado por integrantes da Ação Libertadora Nacional (ALN)  e do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8) no dia 4 de setembro de 1969, na cidade do Rio de Janeiro. Em troca, os militantes exigiram a libertação de 15 presos políticos e a leitura de manifesto em rede de TV e rádio contra o governo. O militante Cid Benjamin, que participou do sequestro, recorda, em seu livro recém-lançado Gracias a la vida, memórias de um militante, que a ideia veio por acaso: “eu estava com Franklin Martins [também militante e ex-ministro da Comunicação Social no governo Lula] na rua Marques quando passou o carro do embaixador, devidamente ornamentado com uma bandeirinha dos Estados Unidos de cada lado do capô.  A falta de cuidado nos chamou a atenção. Meses antes, o embaixador norte-americano na Guatemala fora metralhado por guerrilheiros urbanos. Ao ver seu colega no Brasil circular de forma tão despreocupada, não passou pela nossa cabeça um atentado contra sua vida, mas capturá-lo como moeda de troca por Vladimir Palmeira [que estava preso há 11 meses]” (trecho do livro de Cid Benjamin). Os movimentos armados contra a ditadura militar atravessavam um momento difícil: a edição do AI-5, em dezembro de 1968, que endureceu a repressão, e uma série de prisões haviam desestruturado a guerrilha contra o regime. As lideranças do MR-8 e alguns dirigentes da ALN (parte da direção não apoiou o sequestro) acreditavam que a libertação dos presos demonstraria à opinião pública a força da oposição. O carro diplomático (um Cadilac preto) que transportava Elbrick foi rendido pelos militantes que usaram uma Kombi na ação. O motorista do embaixador foi deixado nas proximidades e Elbrick foi levado para uma casa no bairro de Santa Teresa. “O cativeiro do embaixador norte-americano foi descoberto ainda durante o sequestro e muitos dos que entravam ou saíam da casa tinham sido fotografados. Como vários de nós éramos fichados na polícia, por termos sido presos no Congresso da UNE de Ibiúna, em outubro de 1968, ou por termos tido papel de destaque nas manifestações estudantis contra a ditadura, não foi difícil nossa identificação” (trecho do livro de Cid Benjamin). Segundo Cid Benjamin, o embaixador falava português pois já tinha servido em Portugal e não era um defensor da política do governo norte-americano, que apoiava ditaduras de direita na América Latina. “Sem que Elbrick percebesse, chegamos a gravar conversas nas quais ele elogiava o trabalho de dom Helder Câmara e se dizia contrário à censura à imprensa e à tortura de presos políticos” (trecho do livro de Cid Benjamin).   Exigências atendidas e a reação dos militares linha-dura  O sequestro durou quatro dias e entre os presos políticos que foram libertados e embarcaram rumo ao México estavam o lendário comunista Gregório Bezerra (PCB), o líder sindical José Ibrahim, Onofre Pinto da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), os líderes estudantis Luís Travassos e José Dirceu, o jornalista Flávio Tavares, dentre outros. Após sua libertação, Elbrick chegou a declarar ao jornal Última Hora de 8 de setembro, de 1969: “fui muito bem tratado. Eles até me deram charutos e lavaram a minha camisa”. Os militares não gostaram da entrevista do embaixador e ele foi substituído pelos Estados Unidos poucas semanas depois. Flávio Tavares lançou o livro Memórias do Esquecimento em 1999 (uma edição ampliada saiu em 2005 pela Editora Record), em que ele narra o sequestro e sua trajetória de luta contra o regime. Tavares declarou em 2005 ao Estadão: “o livro foi a minha catarse ou minha salvação e libertação interior… só enfrentando a memória pude vencer os fantasmas e viver em paz”. O filho de Flávio, Camilo Tavares, dirigiu o documentário ‘O dia que durou 21 anos’ sobre o golpe militar. Leia texto sobre o filme.   No início da década de 60, Tavares trabalhou como comentarista político do jornal Última Hora, de Samuel Wainer, quando cobriu eventos como a Conferência da Organização dos Estados Americanos, em Punta del Leste, Uruguai, em 1961. Lá, ele conheceu Ernesto Che Guevara  que era o delegado de Cuba. Sobre essa experiência, Tavares escreveu Meus 13 dias com Che Guevara, lançado no ano passado. Há cerca de um mês, Tavares também lançou O Golpe de 64, em que foca a participação dos Estados Unidos no golpe contra o presidente João Goulart. O jornalista retrata em seu livro Memórias do Esquecimento como, por muito pouco, a troca dos prisioneiros políticos pelo embaixador foi impedida pelos paraquedistas ultradireitistas do Exército: “na tarde de nossa partida, uns 40 oficiais paraquedistas da Brigada Aeroterrestre saíram da Vila Militar, em três caminhões, para impedir que os prisioneiros entrassem na Base Aérea ou, se fosse o caso, para nos retirar de lá à força e, de imediato, executar todo o grupo. Os oficiais planejavam nos raptar, levando-nos ao centro do Rio para nos enforcar de um a um na Cinelândia, defronte ao Theatro Municipal, naquele mesmo sábado. Havia apenas uma dúvida — alguns queriam nos “metralhar”, mas a ideia da forca era dominante”. (trecho do livro de Flávio Tavares) Felizmente, os paraquedistas enfrentaram um congestionamento devido a um jogo no Maracanã que os reteve por mais de meia hora na avenida Brasil. Os militares identificados como de linha-dura (que não aceitavam qualquer negociação com a guerrilha) chegaram à Base Aérea 20 minutos após a decolagem do avião que transportou os presos políticos ao México. A guerrilha contra o regime realizou mais três sequestros de diplomatas estrangeiros em 1970: o cônsul japonês Nobuo Okushi, o embaixador alemão Ehrenfried Anton Theodor Ludwig Von Holleben e o embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher também foram capturados como método de pressão ao regime militar. O documentário Hércules 56  e a história de Jonas Realizado em 2006 pelo diretor Sílvio Da-Rin, o documentário Hércules 56 relata o sequestro do embaixador. Para isso,

Simpósio ‘O golpe de 1964 e a onda autoritária na América Latina’ na USP

Nos 50 anos do golpe de 1964, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP organiza o simpósio ‘O golpe de 1964 e a onda autoritária na América Latina’. Com debates sobre o golpe de Estado e suas relações com as outras ditaduras da América Latina, o evento acontecerá entre os dias 24 e 27 de março e a entrada é gratuita. Nas mesas e conferências propostas, vários especialistas do Brasil e do exterior apresentarão os resultados das suas reflexões e pesquisas. Temas como a Operação Condor (cooperação dos governos autoritários do Cone Sul na repressão aos opositores), a produção artística do período e muitos outros assuntos relacionados ao período do regime militar serão abordados pelos participantes. Na segunda-feira (dia 24), será exibido o filme O dia que durou 21 anos, de Camilo Tavares. Leia texto sobre o filme. No segundo semestre deste ano, entre os dias 17 e 19 de setembro, a FFLCH organiza o debate ‘O Golpe de 1964 e a literatura brasileira’. Os debates da próxima semana serão no Auditório da Biblioteca Brasiliana (Rua da Biblioteca, sem número, Cidade Universitária, São Paulo, SP). Confira a programação completa:

Jango no comício que mudou o destino do país

JANGO – Em 13 de março de 1964, o presidente João Goulart reuniu 150 mil pessoas no Comício da Central do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, em prol das chamadas reformas de base de seu governo. Carlos Lacerda, governador da Guanabara e um dos principais opositores de Jango, teve a ideia de decretar feriado no dia 13 de março acreditando que, com isso, os trabalhadores não iriam ao comício. A tentativa não deu resultado. Organizado por uma comissão de líderes sindicais, o comício mostrou aos opositores o apoio popular às reformas propostas pelo governo, que pretendiam modernizar a estrutura do país em vários setores como o agrário, bancário, administrativo e eleitoral. João Goulart discursou por cerca de uma hora. No início, atacou os “democratas” e sua “democracia anti-povo e anti-reforma”. Jango os acusou de defender “uma democracia dos monopólios nacionais e internacionais”. Mais adiante, ele propôs a revisão da Constituição de 1946, “que legaliza uma estrutura socioeconômica já superada” e a necessidade de “colocar fim aos privilégios de uma minoria”. Jango defendeu também a extensão do direito de voto aos analfabetos, soldados, marinheiros e cabos, assim como a elegibilidade para todos os eleitores. Escute trecho do discurso de Jango: Leia também texto sobre a busca da causa da morte de Jango Quinze oradores precederam o presidente da República. O mais aplaudido foi Leonel Brizola, ex-governador do Rio Grande do Sul e deputado federal pelo PTB carioca, que exortou o presidente a “abandonar a política de conciliação” e instalar “uma Assembleia Constituinte com vistas à criação de um Congresso popular, composto de camponeses, operários, sargentos, oficiais nacionalistas e homens autenticamente populares”. As propostas que levaram a elite brasileira ao desespero As propostas de Jango mexiam em interesses poderosos e arraigados há séculos no país. Entre elas, o presidente pretendia desapropriar terras com mais de 600 hectares, além de áreas que ladeavam rodovias e ferrovias nacionais. Para realizar uma reforma educacional, o governo utilizaria 15% da receita tributária brasileira. Entre os projetos nessa área, constava uma ampla reforma de erradicação do analfabetismo, baseada nas experiências pioneiras do educador Paulo Freire. Na economia, Jango propunha um controle da remessa de lucros das empresas multinacionais para o exterior e o imposto de renda seria proporcional ao lucro pessoal. Com relação à Petrobrás, afirmou que assinara pouco antes o decreto de encampação de todas as refinarias particulares, que passavam a pertencer ao patrimônio nacional.  ” A reforma agrária é também uma imposição progressista do mercado interno, que necessita aumentar a sua produção para sobreviver. Os tecidos e os sapatos sobram nas prateleiras das lojas e as nossas fábricas estão produzindo muito abaixo de sua capacidade. Ao mesmo tempo em que isso acontece, as nossas populações mais pobres vestem farrapos e andam descalças , porque não têm dinheiro para comprar… (A reforma agrária) interessa, por isso, também a todos os industriais e comerciantes. A reforma agrária é necessária, enfim à nossa vida social e econômica, para que o país possa progredir, em sua indústria e no bem-estar do seu povo”. (trecho do discurso de Jango) O livro Jango, a vida e a morte no exílio, do professor Juremir Machado da Silva, descreve a entrega pessoal de Jango ao comício: “Sai exausto. Quase desmaia no carro, para desespero de Maria Thereza. Ao chegar ao palácio, amassado e sem os botões da camisa, o velho Braguinha pergunta: — Que foi que aconteceu, presidente, o senhor parece que está vindo de uma guerra. Está mesmo. Chega vitorioso. Acaba de travar a sua mais franca batalha, de peito aberto, corpo exposto aos inimigos. Essa vitória terá o seu preço. A conta chegará logo”. Pelo que já se sabe, a ofensiva dos setores conservadores do país não demorou a acontecer. Em 19 de março, dia de São José, considerado o padroeiro da família, milhares de paulistanos saíram às ruas na Marcha da Família com Deus pela Liberdade. O pânico incutido por quase toda a mídia (a exceção mais conhecida era o Última Hora, jornal de Samuel Wainer) na classe média contra a “ameaça vermelha” levou, duas semanas depois, ao golpe militar. Leia a matéria da Folha  (dica da jornalista e blogueira @cynaramenezes) claramente favorável  sobre a marcha conservadora em São Paulo. Fontes: livro Jango, a vida e a morte no exílio de Juremir Machado da Silva, CPDOC-FGV e Folha de São Paulo. O renascimento do Jango antropofágico https://urutaurpg.com.br/siteluis/como-ministro-de-getulio-jango-revelou-entranhas-brasil/

Documentário revive as origens do golpe militar

O documentário 1964, um golpe contra o Brasil, do jornalista Alípio Freire, recria o clima da época do golpe militar de 1964. Lançado em março de 2013, o documentário foi realizado em parceria entre o Núcleo Preservação da Memória Política e a TVT – Televisão dos Trabalhadores. Leia texto sobre o “O dia que durou 21 anos”, filme que também aborda o golpe de 64  O escritor e jornalista baiano Alípio Freire, que foi preso político entre 1969 e 1974, explica que a motivação para a realização do filme veio da falta de informação dos mais jovens sobre o início do regime militar brasileiro. Ele declarou ao blog Viomundo: “o Núcleo [de Preservação da Memória Política] pensou em um vídeo capaz de informar aos mais jovens o que foi o pré-golpe e o golpe para que se entendam os interesses de classe em jogo no Brasil naquele momento”. O fime narra os acontecimentos entre a renúncia de Jânio Quadros e a posse do general Castelo Branco, em 1964. O ministro do Trabalho do governo João Goulart, Almino Afonso, prova como Jânio tentou um golpe com sua renúncia em 1961. Afonso lê trechos do livro A História do Povo Brasileiro, que Jânio escreveu ao lado de seu ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos. O livro revela como a mente delirante de Jânio funcionava: sua renúncia “deixaria o país acéfalo” e com Jango em viagem oficial na China, Jânio, que já tinha acordo e apoio dos ministros militares, voltaria ao poder ‘dentro de novo regime institucional’. Leia texto Zonacurva sobre o papel de Brizola na posse de Jango após a renúncia de Jânio Quadros   O filme também retorna à polêmica sobre a ‘frágil’ reação de Jango diante do avanço dos militares golpistas. O presidente gaúcho temia que tomássemos o rumo de Coréia e Vietnã, que mergulharam em sangrenta guerra civil e foram divididos em dois. O livro Jango, a vida e morte no exílio, do jornalista e professor Juremir Machado da Silva, cita trecho do livro João Goulart: recuerdos en su exilio uruguayo, sobre a ida de Jango ao Uruguai poucos dias após o golpe. Com a palavra, o presidente exilado João Goulart: “Eu me senti isolado do resto do país em Porto Alegre e desolado diante da única perspectiva que tinha pela frente: uma guerra fratricida”. [O senhor foi repetidamente rotulado de comunista e…]  “Não sou nem nunca fui comunista. Minha política foi eminentemente nacionalista. Foram os monopólios nacionais e estrangeiros que fomentaram a revolta, preocupados com as leis de nacionalização do petróleo e da reforma agrária…” Alípio Freire explica as motivações para a realização do documentário: Fontes: Blog Viomundo e livro Jango, a vida e morte no exílio, de Juremir Machado da Silva (editora L&PM, 2013). O grito da Passeata dos Cem Mil contra a ditadura militar

A busca pelo fim do mistério sobre a morte de Jango

Morte de Jango – Ontem, dia 1º de dezembro de 2014, a equipe de peritos coordenada pela Polícia Federal informou que não encontrou veneno na perícia nos restos mortais de João Goulart. Porém, a análise que durou cerca de um ano pode ser considerada inconclusiva já que a passagem do tempo pode ter apagado os vestígios de um possível envenenamento. A família de Jango não está satisfeita com o resultado e diz que continua na busca pelos motivos da morte do ex-presidente. Jango morreu em 6 de dezembro de 1976 e, há 38 anos, não há resposta conclusiva para uma das perguntas mais intrigantes da recente história brasileira: o ex-presidente João Goulart foi envenenado por agentes da ditadura brasileira? Jango morreu na cidade de Mercedes, na Argentina, no exílio. Desde 2007, a família de Jango pedia a exumação do corpo, já que não houve autópsia na ocasião da morte e sua certidão de óbito indica como causa: enfermidad. Em novembro do ano passado, os restos mortais do ex-presidente foram exumados e transportados pela Força Aérea Brasileira (FAB) para Brasília no dia 14 de novembro, quando foi realizada uma cerimônia com honras de chefe de Estado. Após os exames necessários, o corpo de Jango voltou para sua cidade natal em 6 de dezembro. O documentário Dossiê Jango (lançado em julho de 2013), de Paulo Henrique Fontenelle, conta como a presença de Goulart incomodava a ditadura argentina e investiga a teoria de envenenamento do presidente deposto em operação dos governos do Brasil e da Argentina, com o auxílio da CIA. O filme reconstrói a história do golpe de 64, que completa 50 anos. O documentário O dia que durou 21 anos, de Camilo Tavares, também abordou o golpe civil-militar de 64. Leia texto sobre o filme. O filme de Fontenelle tenta esclarecer outra dúvida histórica: por que Jango não resistiu ao golpe militar? O ex-governador baiano Waldir Pires, que ocupou o cargo de consultor-geral no governo Jango, afirma que “Jango temia muito uma divisão do Brasil como aconteceu na Coréia e Vietnã”. O filho de Jango, João Vicente, faz coro, orgulhoso da sensatez paterna: “meu pai evitou uma guerra civil no Brasil”. João Vicente protagoniza o clímax de Dossiê Jango quando, sob o disfarce de repórter da TV Senado, revela sua real identidade ao ex-agente uruguaio da Operação Condor (ação conjunta dos governos militares do Cone Sul na caça aos opositores), Mario Barreiro Neira. O último afirma que participou da espionagem e do cerco a Jango na Argentina e revela que Jango foi envenenado por ordem direta do presidente militar Ernesto Geisel. Neira atualmente está preso no Brasil por roubo e contrabando de armas. O envenenamento de Jango teria sido feito por meio da troca de medicamentos que Jango tomava por sofrer de problemas cardíacos. O filme mostra a terrível coincidência da morte de 16 pessoas que, de alguma forma, tiveram conexão com o assassinato. O filme ainda aborda a improvável coincidência das mortes consecutivas de Lacerda, Juscelino e Jango em circunstâncias suspeitas.   E se Jango foi assassinado? Em exercício de futurologia, imaginemos o que ocorrerá caso as suspeitas revelem-se verdadeiras. No mínimo, outras perguntas ficarão no ar: quem são os culpados pelo envenenamento? eles serão punidos? quem foi o responsável pela ordem de assassinar o presidente deposto? Uma coisa é certa: no mínimo, existirá a necessidade de reimpressão dos livros de História. A exumação de Jango acontece em momento curioso. A um ano da eleição presidencial, os ânimos entre direitistas e esquerdistas transformaram a web e, em particular o twitter, em ambiente conflagrado. A investigação da morte de Jango deve acirrar ainda mais as opiniões contrárias. O diretor Silvio Tendler, autor do documentário Jango, de 1984, foi vítima de um episódio que demonstra o retorno de uma certa truculência no debate político. Em março do ano passado, houve um tumulto entre policiais e manifestantes no protesto contra a ‘celebração’ do aniversário do golpe no Clube Militar do Rio de Janeiro. Tendler foi intimado a prestar depoimento na delegacia em queixa-crime movida pelo Clube Militar. O surreal do episódio é que Tendler não estava presente no protesto, estava em casa recuperando-se de uma cirurgia. Há quase um ano, o diretor está em uma cadeira de rodas. A única atitude do documentarista relacionada ao protesto foi a gravação de um vídeo de apoio ao ato.   Jango, por Tendler O documentário Jango, de Tendler, mostra em quase duas horas uma verdadeira biografia cinematográfica de João Goulart. Tendler já abordou em seus documentários figuras ímpares como Glauber Rocha (Glauber, o filme – Labirinto do Brasil, de 2003) e Juscelino Kubitschek (Os anos JK, de 1980). Em entrevista à jornalista Eleonora Lucena, o diretor lembra como surgiu a ideia de realizar seu filme. “Li no jornal que o Raul Ryff, que tinha sido secretário de imprensa do Jango, estava com umas cópias de filmes de visitas do Jango a China e a URSS. Telefonei para ele – eu não o conhecia – e pedi para vê-las … Ele me convidou para jantar e atacou de bate-pronto: ‘Por que não fazes um filme sobre o Jango?’” O filme lotou as salas durante o período das Diretas Já e chegou a um milhão de espectadores. Inclusive a música “Coração de Estudante”, que acompanha o final  do documentário, foi a música que simbolizou a luta pelas eleições diretas para Presidente. Assista ao filme na íntegra: [su_youtube_advanced url=”https://youtu.be/1O4SZQZ-ikk”]   (texto atualizado em 2 de dezembro de 2014) No enterro de Jango, o começo de uma caminhada

Como Brizola adiou o golpe militar após a renúncia de Jânio Quadros

Em 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros renunciou à Presidência da República. O abandono do cargo por Jânio jogou o país no colo dos militares. Graças à atuação do governador do Rio Grande do Sul na época, Leonel de Moura Brizola, os planos de golpe dos setores conservadores do país foram adiados. Infelizmente, a tomada do poder pelos militares aconteceu dois anos e meio mais tarde, o que afundou o país no obscurantismo político por mais de duas décadas. Na ocasião da renúncia de Jânio, o vice-presidente João Goulart estava em viagem oficial a China e os ministros militares queriam impedir sua posse no retorno. Os ministros chegaram a ameaçá-lo de prisão quando retornasse ao país por suas supostas ‘ligações como o comunismo internacional’. Do mesmo partido de Jango (o PTB de Getúlio Vargas) e seu cunhado, Brizola liderou a chamada Cadeia da Legalidade, movimento que mobilizou vários setores da sociedade em apoio à posse de Goulart. O vice-presidente Jango havia sido eleito legitimamente na eleição de outubro de 1960. Ele era o candidato a vice da chapa de Henrique Teixeira Lott, que foi derrotado por Jânio. Na época, as eleições de presidente e vice eram separadas. Opondo-se aos militares, o governador Brizola formou uma rede de estações de rádio e passou a transmitir da sede do governo gaúcho, o Palácio Piratini, programas e discursos em defesa da Constituição, que garantia a posse do vice. Brizola chegou até a propor que João Goulart marchasse do Rio Grande do Sul até Brasília para tomar posse. Jango não aceitou. Para evitar o confronto, foi adotado o Parlamentarismo. Jango assumiu como chefe de Estado em 7 de setembro de 1961 e Tancredo Neves assumiu como primeiro-ministro. Documentário Brizola – tempos de luta O documentário Brizola – tempos de luta, de 2007, realizado pelo escritor e cineasta Tabajara Ruas, mostra vários momentos da trajetória do político gaúcho: sua infância, o casamento com Neusa com Getúlio Vargas como padrinho, o exílio, a volta ao Brasil e vários outros episódios de sua agitada biografia. Os vários trechos de entrevistas de Brizola em seu tom teatral são um aperitivo de seu forte carisma. O ex-presidente Lula afirma que as carreatas com Brizola na Baixada Fluminense impressionavam pela verdadeira adoração que a população local tinha por ele. Os esforços de Brizola para democratizar o acesso à educação tanto nos primórdios de sua carreira política no Rio Grande do Sul como com os CIEPS (Centro de Integração de Educação Pública) no Rio de Janeiro, e os desafios à Vênus Platinada nos recordam de sua luta contra duas chagas brasileiras: os gargalos sociais do acesso à educação e o enfrentamento do oligopólio das telecomunicações. Rever Cid Moreira em leitura de duro texto de Brizola contra Roberto Marinho no JN da TV Globo é sempre impagável. No filme, ainda assistimos a presidente Dilma Rousseff, originária do PDT (partido de Brizola), e o líder do MST (Movimento dos Sem Terra) João Pedro Stédile tecendo loas ao líder gaúcho, além de muitos outros depoimentos de personagens da vida política brasileira e mundial, como o ex-primeiro ministro português Mário Soares. O autor do documentário, o também escritor Tabajara Ruas já havia abordado os anos de chumbo no Brasil em seu belo romance histórico O amor de Pedro por João, de 1998, em que narra a história de dois exilados políticos. Ruas produziu a obra quando vivia também exilado em Copenhague, na Dinamarca. Em relatório recentemente divulgado pela CIA (central de inteligência estadunidense), e, que na época foi enviado ao governo brasileiro, comprova como, mesmo no exílio no Uruguai, no final da década de 60, Brizola tentou organizar a resistência à ditadura. (Texto atualizado em 24 de agosto de 2014) Brizola: “julgamento de Lula foi um teatro” Brizola: “eu tirei o dó da minha viola“    

A guerra fria esquenta

Guerra fria – Os EUA, o mais poderoso império da história, são como o deus asteca Tezcatlipoca, alimenta-se de vítimas humanas. Um dos principais motores de sua possante economia é a indústria bélica. É preciso que haja guerras para que Wall Street obtenha altos dividendos. Ao longo do século 20, o inimigo permanente era o comunismo. Combatê-lo justificava gastos bilionários, e até mesmo golpes de Estado na América Latina para implantar ditaduras sanguinárias. Derrubado o Muro de Berlim e desaparecida a União Soviética, a Casa Branca precisava ter novo alvo para evitar a ociosidade da máquina bélica. E não tardou em encontrá-lo: o terrorismo. Com a vantagem de não ser um inimigo geograficamente localizável nem a ser vencido, como em uma guerra entre países. É um inimigo a ser permanentemente combatido, o que assegura perenidade ao apetite insaciável de Tezcatlipoca. Na segunda semana de seu mandato, Trump declarou: “Estou assinando uma ação executiva para iniciar uma grande reconstrução dos serviços militares dos EUA”. Seu secretário de Defesa, James “Mad Dog” Mattis, disse ao Washigton Post ser preciso “examinar como realizar operações contra concorrentes próximos não identificados” . Óbvio, não se referia a OVNIs, e sim à Rússia e à China. Em 19 de janeiro de 2018 foi mais explícito: “Apesar de continuarmos a promover a campanha contra os terroristas, na qual estamos engajados hoje, a competição entre grandes potências, não o terrorismo, é agora o foco principal da segurança nacional dos EUA”. Segundo o Departamento de Defesa, em relatório de 2018, os EUA mantêm 625 bases militares oficiais em países estrangeiros. O pesquisador político David Vine revelou, em 2021, que, contabilizadas as bases clandestinas, haveria cerca de 750 bases militares estadunidenses. Rafael Correa, quando presidente do Equador, solicitou à Casa Branca permissão para abrir uma base militar equatoriana em Miami, caso os EUA quisessem continuar a manter a base aérea de Manta, na costa do Pacífico. Manta foi fechada. O orçamento militar dos EUA (2023) é de US$ 858 bilhões, 35% do total mundial. Qual o objetivo de tanto dinheiro jogado fora em um mundo que abriga 3 bilhões de pessoas na pobreza, das quais 821 milhões padecem fome crônica? Proteger o modelo made in USA de democracia, leia-se, a apropriação privada do capital. Segundo Chomsky, “sempre que houve conflito entre democracia e ordem, definida como proteção das elites na acumulação do capital, os EUA ficaram do lado desta” . Essa perversa ideologia deita raízes no século 19, quando James Madison, um dos “pais fundadores da nação”, declarou: “Nas democracias, os ricos devem ser poupados; não apenas sua propriedade não deve ser dividida, mas também suas rendas devem ser protegidas.” A defesa da propriedade privada (de uns poucos, evidentemente) e da acumulação privada do capital exige também proteção interna. Daí a principal arma ideológica do sistema: o medo! Medo do negro, medo do imigrante, medo dos que não são cristãos ou judeus, medo dos pobres. Hoje, o que a Casa Branca mais teme é que a China ultrapasse os EUA em inovação tecnológica e seja o polo hegemônico do planeta. Isso porque o gigante asiático tem dinheiro suficiente para investir em pesquisas, já que não mantém nenhuma base militar fora de suas fronteiras e gasta apenas US$ 230 bilhões no setor bélico. Por isso, o imperialismo provoca a China de todas as maneiras, visando a forçá-la a entrar na corrida armamentista, da qual a Rússia participa. Para os EUA, é desesperador perder a hegemonia mundial adquirida após a Segunda Grande Guerra. Hoje, no mundo multipolar, a China desponta como a mais forte economia do planeta. E o arsenal nuclear da Rússia supera o dos EUA. A Casa Branca se mostra indignada com a invasão da Ucrânia pela Rússia. Alega que não houve consentimento da ONU. Haja cinismo! Os EUA invadiram a Rússia em 1918, sem sucesso. E, sem consentimento do Conselho de Segurança da ONU, invadiram Santo Domingo, em 1965; invadiram e bombardearam os territórios do Vietnã e do Camboja durante toda a década de 1960; invadiram o território da Somália em 1993 (300 mil mortos); do Afeganistão em 2001 (180 mil mortos); do Iraque em 2003 (300 mil mortos), da Líbia em 2011 (40 mil mortos); da Síria, em 2015 (600 mil mortos); e finalmente, do Iêmen, onde já morreram aproximadamente 240 mil pessoas (Fiori, 2023). Quem protesta pela ocupação usamericana de Porto Rico desde 1898, e de Guantánamo, em Cuba, desde 1903? E do bloqueio a Cuba, que dura mais de 60 anos? Será amarga, para a Casa Branca, a provável derrota da Ucrânia pela Rússia. Biden terá de engolir a seco, consciente de que isso afetará sua reeleição no próximo ano. Sabe que sua única reação “à altura” seria catastrófica para a humanidade: o confronto nuclear. Os países da União Europeia, monitorados pelos EUA via Otan, sabem também que a guerra da Rússia contra a Ucrânia é um atoleiro no qual se meteram. Só não sabem como sair dele. E o mais grave: todas as sanções impostas à Rússia em nada afetaram o país. Pelo contrário, o rublo se fortalece. E vários países europeus, a começar pela Alemanha, já estavam irritados com as explosões que, em setembro de 2022, destruíram os gasodutos Nord Stream 1 e 2 no Mar Báltico, que os abastecia de gás natural. Agora a irritação deu lugar à fúria: não foram os russos que interromperam o fornecimento; a responsável pelas sabotagens foi a CIA. Ora, aqui no Ocidente conhecemos a narrativa do caçador, não a da lebre. Nossa cabeça é feita por Hollywood e pelas fantasias de Walt Disney, que nos impingem a convicção de que, para a Casa Branca, a liberdade é mais que o nome de uma estátua na divisa entre Nova York e New Jersey. E multidões acreditam no discurso fake de Tio Sam. Até porque, neste lado ocidental do mundo, pouco sabemos da versão do lado oriental.