Zona Curva

Carlos Lamarca

E no sequestro, o embaixador suíço quase esqueceu o cigarro

Giovanni Bucher -O embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher foi sequestrado pela VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) na rua Conde de Baependi, bairro das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, em 7 de dezembro de 1970. No comando da ação, Carlos Lamarca aponta a arma para Bucher que calmamente pede a Lamarca para buscar no Buick da embaixada seus cigarros. Também impassível, Lamarca aceita que o suíço os buscasse. O embaixador pega seus cigarros no banco traseiro do Buick e embarca no Volks dos militantes. Minutos depois, Lamarca explica para o embaixador que mudariam do Volks para outro carro e o embaixador pergunta o motivo. Lamarca responde que era uma medida de segurança para impedir que alguém tenha anotado a placa do Volks no momento da ação, o embaixador responde: “perfeito!” Antes disso, na abordagem ao carro de Bucher, seu segurança, Hélio Araújo de Carvalho, reage, é ferido e morre mais tarde no hospital. O sequestro do embaixador suíço foi o quarto e último sequestro de diplomatas estrangeiros no período da ditadura militar. Os movimentos de oposição ao regime já tinham sequestrado o cônsul japonês Nobuo Okushi, o embaixador alemão Ehrenfried Anton Theodor Ludwig Von Holleben e o embaixador norte-americano Charles Elbrick. Leia a história completa do sequestro do embaixador norte-americano, Charles Elbrick   Bucher, o ‘tio bonachão’ Em 1961, Giovanni Enrico Bucher participou das negociações secretas entre os representantes do governo francês Charles De Gaulle (1958-1969) e da Frente Nacional de Libertação (FNL) da Argélia. Em outubro de 1969, intercedeu junto ao governo brasileiro em favor do universitário Jean Marc van der Weid, então presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), quando de sua prisão pelas autoridades militares, alegando a dupla nacionalidade do detido para pedir sua expatriação para a Suíça. Nessa ocasião, criticou o governo brasileiro por não coibir a tortura de presos políticos. Bucher também foi embaixador na Nigéria e Camarões e foi transferido para o Brasil em 1966. Foram quarenta dias de cativeiro, o mais longo sequestro político da história do país. A ditadura endureceu as negociações e recusou a libertação de 13 militantes presos entre os 70 militantes exigidos em troca de Bucher. O regime também se negou a divulgar o manifesto da VPR nos jornais, rádio e televisão. O fato agitou os militantes e alguns cogitaram em matar o embaixador. Para Lamarca, a morte de Bucher seria usada de forma ostensiva contra eles e ainda não serviria para libertar os presos que sofriam as agruras da tortura, e disse: “sou o comandante da ação, decido eu, não vamos matar o embaixador”. Durante os dias em que permaneceu prisioneiro, Giovanni Bucher e os militantes contra o regime mantiveram relações cordiais, discutindo até os problemas econômicos, sociais e políticos do país em longas partidas de baralho. Um dos guerrilheiros, Alfredo Sirkis, com apenas 19 anos na época, chegou a escrever anos depois: “o “tio” era bonachão, prosador, dotado de um fino, e por vezes, ferino senso de humor. Foi de alguma maneira cativando a todos, mesmo os mais durões”. O embaixador foi liberado no dia 16 de janeiro de 1971 em troca dos 70 presos políticos que embarcaram em um avião com destino ao Chile. Ainda em 1971, Bucher foi transferido como embaixador para o Japão. Dirigido por Emilia Silveira, o documentário 70 entrevista 18 militantes libertados em troca do embaixador, assista ao trailer do filme, que está em cartaz:  Fontes usadas: livro Lamarca, o capitão da Guerrilha, de Emiliano José e CPDOC-FGV. https://urutaurpg.com.br/siteluis/acao-mais-ousada-contra-o-regime-militar/

Iara Iavelberg e sua luta contra a ditadura militar

Os destinos de muitas mulheres foram determinados pelos arbítrios do regime militar. Várias foram assassinadas, outras torturadas, muitas perderam seus filhos, maridos, parentes e amigos. Um dos símbolos dessa resistência nos anos de chumbo foi a militante Iara Iavelberg, vítima da ditadura militar aos 27 anos, em agosto de 1971. De uma rica família judia do Ipiranga, Iara abandonou aos 19 anos seu casamento de três anos com Samuel Halberkon, médico da comunidade judaica paulistana, ingressou no curso de Psicologia da USP em 1963 e iniciou sua militância política. O Centro Acadêmico do curso leva o seu nome. Iara militou em várias organizações que combatiam o regime militar: Organização Revolucionária Marxista Política Operária (Polop), Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Na VPR, ela conheceu Carlos Lamarca em abril de 1969. Fazia dois meses que Lamarca havia desertado do Exército em posse de um verdadeiro arsenal de armas e munição para a guerrilha. Leia texto sobre a morte do companheiro de Iara, Carlos Lamarca Os dois apaixonaram-se e Lamarca separou-se de sua mulher na época: ele era casado e tinha dois filhos. Da VPR, Iara e Lamarca foram juntos para o MR-8. Clandestinos, estavam entre os mais procurados pela repressão política, com cartazes espalhados em diversos lugares.   O documentário ‘Em busca de Iara’ A sobrinha de Iara, Mariana Pamplona, ao lado de Flavio Frederico, resolveu contar a história da tia no documentário Em busca de Iara. O Exército sempre sustentou que Iara suicidou-se após o cerco policial em um apartamento no bairro da Pituba, em Salvador, no dia 20 de agosto de 1971. Hoje há provas suficientes de que foi mais uma mentira do regime militar e de que a militante foi assassinada por agentes do governo. Segundo o site da Comissão da Verdade Rubens Paiva da Assembleia Legislativa de São Paulo, o legista que assinou o atestado de óbito colocou uma interrogação ao lado da palavra suicídio. A família teve que aceitar que a filha fosse enterrada na ala dos suicidas no Cemitério Israelita do Butantã, o que significava grande humilhação na comunidade judaica (as pessoas que morrem nessas condições são enterradas de costas e em locais isolados do cemitério). Com denúncias reunidas e grande esforço dos familiares e amigos, a Justiça autorizou a exumação do corpo de Iara em 2003 e finalmente o laudo sobre sua morte confirmou seu assassinato. Assista ao trailer do filme:   As cartas de amor entre Lamarca e Iara Em 1970, Iara e Lamarca começaram treinamento militar no Vale do Ribeira e neste ano, em 7 de dezembro, Lamarca liderou o sequestro do embaixador suíço Giovanni Bucher, no Rio de Janeiro, em troca da libertação de 70 presos políticos. Em matéria da revista Istoé de 2007 sobre a troca de cartas entre Iara e Lamarca, o capitão da guerrilha mostra adoração pela sua mulher. Lamarca foi assassinado em 17 de setembro de 1971, menos de um mês depois da morte de Iara. Ambos conviveram pouco, já que passaram 10 meses do curto relacionamento vivendo separados em aparelhos (locais usados como refúgio pela guerrilha), mas a paixão entre eles era arrebatadora. Uma das testemunhas da intensidade do romance foi a guerrilheira Vanda, codinome da presidenta Dilma Rousseff. Ela declarou à revista Istoé: “eu e Lamarca lavamos muitos pratos juntos e era nessas horas que ele me fazia inconfidências sobre sua paixão por Iara.” Leia dois trechos das cartas de Lamarca, no primeiro, ele demonstra paixão, no segundo, ciúmes:   “Quando estou longe de você, tudo muda. É outro mundo, falta aquele calor que só emana de você mesma – fico imaginando e me delicio com tua lembrança, toda viva, junto de mim.”  “Falei em abertura pelo seu lado (do meu não admito, nem existirá nunca condições) do nosso relacionamento – que é observado – e como última hipótese; pode ser um puta ciúme meu de existir alguém cumprindo a minha função.”   Outros detalhes da vida de Iara podem ser encontrados no livro Iara: uma reportagem biográfica, escrito pela jornalista Judith Patarra, lançado em 1992. O livro pode ser encontrado no site Estante Virtual. A trajetória de Iara revela também outra história bem menos conhecida, a de Nilda Carvalho Cunha, de apenas 17 anos. Estudante secundarista, aderiu à organização clandestina MR-8 e foi viver com o namorado num apartamento na praia da Pituba, em Salvador. Nilda recebeu ordens de abrigar a guerrilheira Iara Iavelberg e caiu no cerco a Iara. Levada para um quartel, foi brutalmente torturada durante dois meses. Assim que foi libertada, sentia tonturas, sofria com a perda de visão e dificuldades para respirar. Internada num hospital, passou a enfrentar depressões constantes. Às vezes, soltava risos inesperados. No seu prontuário, consta que não comia, via soldados dentro do quarto e repetia que iria morrer. Foram dez dias definhando. Em seu atestado de óbito, consta: “Edema cerebral a esclarecer.” A sobrinha de Iara, Mariana Pamplona, explica o projeto do filme: Vídeo da Comissão da Verdade sobre Iara: Fontes: perfil de Iara Iavelberg no site da Comissão da Verdade Rubens Paiva e revista Istoé.

A caçada a Lamarca

Lamarca – Depois de caminhar por mais de 300 quilômetros, o guerrilheiro Carlos Lamarca foi assassinado em 17 de setembro de 1971 por agentes da ditadura militar no sertão baiano. No comando da patrulha que assassinou Lamarca, estava o major Nilton Cerqueira, que, anos mais tarde foi eleito deputado federal e trabalhou como secretário de Segurança do Rio de Janeiro. Um dos comandantes da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) e militante do MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), Lamarca foi um dos símbolos da resistência ao regime militar e morreu antes de completar 34 anos. Baseado no livro Lamarca, o Capitão da Guerrilha, publicado em 1980 pelos jornalistas Emiliano José e Oldack Miranda, o filme do diretor Sérgio Resende conta a história do guerrilheiro, interpretado por Paulo Betti. Ironicamente, no filme de Resende, Cerqueira é vivido pelo ator Zé de Abreu, conhecido pela defesa implacável de suas posições de esquerda. Resende abordou outra história dos anos de chumbo no filme Zuzu Angel, de 2006. Carlos Lamarca foi o terceiro entre os seis filhos de Antônio e Gertrudes Lamarca, uma família modesta da zona norte carioca. Formou-se, em 1960, pela Escola Militar das Agulhas Negras, em Resende (RJ), obtendo a patente de Capitão em 1967. Mas foi em São Paulo, no quartel de Quitaúna, para onde pediu transferência em 1965, que Lamarca, fez sua opção revolucionária. Na época, Lamarca acompanhava com grande interesse o grupo de ex-sargentos que, inicialmente vinculado ao Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), uniu-se a um setor dissidente da Política Operária (POLOP) e deu origem à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Já como membro da VPR, Lamarca realizou uma ação de expropriação no quartel de Quitaúna em 24 de janeiro de 1969 em que levou 63 fuzis, metralhadoras e muita munição. Sua ideia era seguir imediatamente para uma região onde pudesse preparar a guerrilha, o que o obrigou, de imediato, a separar-se da mulher e dos filhos, enviados para Cuba, via Itália, no mesmo dia de sua deserção. LEIA TAMBÉM “Marighella: a execução do inimigo número 1 da ditadura militar” Em abril de 1971, em discordância com a VPR, ingressou no Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). No mês de junho, Lamarca foi para o sertão da Bahia, no município de Brotas de Macaúbas, com a finalidade de estabelecer uma base da organização no interior. Com a prisão em Salvador, em agosto, de um militante que conhecia seu paradeiro e a localização de um aparelho onde se encontrava sua companheira, a psicóloga paulista Iara Iavelberg (que também foi namorada do ex-deputado José Dirceu), os órgãos de segurança iniciaram o cerco à região. A namorada de Lamarca, Iara, foi assassinada por agentes do governo em um apartamento no bairro da Pituba, em Salvador, no dia 20 de agosto de 1971. O regime militar sempre sustentou que ela cometeu suicídio após o cerco policial, o que foi desmentido pelas investigações posteriores. Hoje há provas suficientes de que foi mais uma mentira do governo da época. Um tiroteio travado entre a polícia e os irmãos de José Campos Barreto, o Zequinha, que acompanhava Lamarca, obrigou-os a iniciar uma longa e penosa rota de fuga, de 28 de agosto a 17 de setembro. Ao descansarem à sombra de uma baraúna, foram surpreendidos pela repressão. Lamarca estava desnutrido, asmático e provavelmente com a doença de Chagas.  fontes:  revista Istoé e Grupo Tortura Nunca Mais – RJ. Iara Iavelberg e sua luta contra a ditadura militar