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escola sem partido

Escolas militares x escolas civis

Talvez fosse melhor pôr o título “Escolas Militares x Escolas públicas”. Ou mesmo o Ensino da falsa história nas escolas militares. Quero dizer: penso nos jovens dos Colégios Militares, nos rapazes e mocinhas ardorosos obrigados a decorar algo como uma História vazia e violentadora, a que chamam História do Brasil – Império e República, de uma Coleção Marechal Trompowsky. Da Biblioteca do Exército. Mas não sejamos preconceituosos, ilustremos com o que os estudantes nas militares são obrigados a aprender, como aqui, por exemplo: “Nos governos militares, em particular na gestão do presidente Médici, houve a censura dos meios de comunicação e o combate e eliminação das guerrilhas, urbana e rural, porque a preservação da ordem pública era condição necessária ao progresso do país.” As militares doutrinam, fazem uma verdadeira Escola com Partido à direita, enquanto escondem a história trágica e o papel destruidor de vidas pela Ordem da ditadura militar. O que antes os democratas reclamavam, a saber, que os colégios militares não poderiam mais continuar independentes do Brasil, como se fossem ilhas inexpugnáveis à civilização, agora volta em nova carga contra a civilização. O poder do governo Bolsonaro hoje deseja a generalização de modelos de escolas militares na educação brasileira. O que se falava antes em emails ameaçadores de 2010, como “graças ao bom Deus que ainda existe o ensino nos Colégios Militares, pois é por meio do mesmo que são formados os alunos que ainda pensam nas Universidades do Brasil. Os livros adotados nos Colégios Militares são os editados pela Biblioteca do Exército, pois os que circulam por aí, nas livrarias nacionais, tem um padrão abaixo do aceitável e estão completamente distorcidos quanto ao seu conteúdo”, agora é doutrina do atual ministro da educação. Mas penso que é hora de retornar à discussão da volta das trevas com uma nova crítica: há um ponto em que as escolas civis, públicas, bem podiam olhar com interesse nas escolas militares. Isto é: as nossas civis bem que poderiam traduzir à sua maneira as militares. Quero dizer, com uma tradução para a liberdade em uma discussão permanente em sala de aula. Penso que nos falta nas escolas públicas, civis, uma educação para humanidades, para o melhor humanismo. Entendam, isso não é incluir a humanidade em puro currículo ou grade curricular. É criar uma formação para a vida em todas as disciplinas, nada militares. Não devemos dar meios de ascender socialmente e formar novos consumidores entre os pobres, reproduzindo a ideia de exclusão do sistema capitalista. Devíamos formar pessoas com visão de humanidade. Essa é a escola ideológica que nos falta, e que os militares bem o fazem à sua maneira: formando soldados do tempo da guerra fria, anticomunistas. Lembro da minha experiência. Como seria bom se nas escola civis houvesse educadores como o professor Arlindo Albuquerque, que foi um exemplo isolado no Colégio Professor Alfredo Freyre, em Água Fria, o maravilhoso bairro periférico do Recife. Arlindo Albuquerque era um mestre insuperável, um formador de consciências. E falava do que conhecia com o rigor da carne e do espírito. Ele fora espancado e preso pelos militares no primeiro de abril de 1964. Mas o que fazia o mestre desses limões? Ah, que coisa bela era o mestre a declamar “Sur la liberté de la conscience”, do livro de francês. O texto no livro de Marcel Debrot vinha sempre a calhar, pois em estado de êxtase que o mestre nos fazia ler “Sobre a liberdade da consciência”. — Vejam a beleza. Repitam esta frase. O título é uma coisa extraordinária — e silabava em ritmo lento “sur la liberté de la conscience”. O professor Arlindo não entra aqui por acaso. Ele faz parte da história que é oculta, filtrada e corrigida dos alunos das escolas militares. Ele vem ainda porque nos ensinou que a nossa pátria não é a maior nem a melhor nem a mais perfeita. A nossa pátria é apenas o lugar onde nascemos e sentimos o gosto de feijão e do primeiro beijo. Porque a nossa pátria, assim, é a própria humanidade, aquela que passa por Rousseau, o escritor que o mestre Arlindo nos lia em voz alta e flamejante a nos ensinar que todos os homens são iguais na terra. Essa é a educação que tanto nos falta. Urgente. Hoje. #Ocupaescola: A lição da juventude paulista Título a ser revogado  

Escola sem Partido é Escola sem Conhecimento

por Urariano Mota Para a chamada Escola Sem Partido, é preciso escrever sobre os atrasos que virão para o ensino e o pensamento brasileiro. Na medida de minhas possibilidades, chamo atenção para alguns desastres anunciados. Primeiro, para não falarem que exagero o exagerado, olhem o site do movimento, quero dizer, o sítio do imobilismo, de onde copio estes atentados:  “Por uma lei contra o abuso da liberdade de ensinar:  A doutrinação política e ideológica em sala de aula ofende a liberdade de consciência do estudante; afronta o princípio da neutralidade política e ideológica do Estado; e ameaça o próprio regime democrático, na medida em que instrumentaliza o sistema de ensino com o objetivo de desequilibrar o jogo político em favor de um dos competidores. Por outro lado, a exposição, em disciplina obrigatória, de conteúdos que possam estar em conflito com as convicções morais dos estudantes ou de seus pais, viola o art. 12 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, segundo o qual “os pais têm direito a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções. O Programa Escola sem Partido é uma proposta de lei que torna obrigatória a afixação em todas as salas de aula do ensino fundamental e médio de um cartaz com o seguinte conteúdo”.  E seguem-se os mandamentos divinos da sarça ardente, que reza entre suas ordens:  “O professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas… O professor respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções”  Ora, desde Moliére, no avançadíssimo século dezessete, que filhas resistem ao mando dos pais. Mas estamos, conforme indicação do calendário, no século vinte e um. Consiste um grave assalto à democracia submeter conteúdos ministrados ou impressos ao que esteja de acordo com convicções trazidas da casa do aluno, ou pretender que valores de ordem familiar estejam acima da educação moral, sexual e religiosa. As famílias não se constiutuem de cientistas, escritores e filósofos nem na Grécia de Ouro. Ainda que disponham de pais ilustrados, o que seria algo abaixo de um milésimo, a família como instituição é conservadora.  Com essa projeto de lei e movimento imobilizado, corre-se o risco, no limite, de que em breve se exija a equiparação de ensinamentos bíblicos a descobertas da ciência, como no caso da extraordinária contribuição de Darwin. Na Origem das Espécies, o homem é um animal e como todas os demais seres vivos se originou de processos naturais, o que nega a crença religiosa da criação divina tal como é apresentada pela Bíblia. E aí, como ficamos? Com Darwin ou com os ignorantes pais?  Recuemos mais, até 1543. Nesse ano, um louco e herege, de nome Nicolau Copérnico, revolucionou a ciência ao mostrar que a Terra girava em torno do Sol. A Igreja ficou perplexa com essa teoria, pois, segundo seus teólogos, a Terra era plana, imóvel, o centro do Universo. Enquanto o Sol, esse intruso secundário, é que girava em torno da Terra. E todos ficaram giros com esse tal de Copérnico. Notem o crime contra o evangelho. A primeira edição de De Revolutionibus Orbium Coelestium (Sobre as Revoluções das Esferas Celestes) só foi publicada um pouco antes da morte do astrônomo. Quando veio a público, a teoria foi rechaçada pela Igreja e banida por quase três séculos. Hoje, com a Escola Sem Partido, voltaria a ser condenada.  Na verdade, não escaparia nem a Bíblia. Ela somente poderia ser conhecida como expurgos, como, por exemplo, dos trechos pouco edificantes das filhas que embriagam o pai e o levam à cama para o sexo. Leiam que devassidão de costumes:  “Vem, demos a nosso pai vinho a beber, e deitemo-nos com ele, para que conservemos a descendência de nosso pai. Deram, pois, a seu pai vinho a beber naquela noite; e, entrando a primogênita, deitou-se com seu pai; e não percebeu ele quando ela se deitou, nem quando se levantou. No dia seguinte disse a primogênita à menor: Eis que eu ontem à noite me deitei com meu pai; demos-lhe vinho a beber também esta noite; e então, entrando tu, deita-te com ele, para que conservemos a descendência de nosso pai. Tornaram, pois, a dar a seu pai vinho a beber também naquela noite; e, levantando-se a menor, deitou-se com ele; e não percebeu ele quando ela se deitou, nem quando se levantou. Assim as duas filhas de Ló conceberam de seu pai”. Com agravantes, pois Ló, pai e amante das filhas, era irmão de Abraão, que por sua vez casou com a prória irmã, Sara. Depois, Naor, outro irmão, se uniu à sobrinha Milca. Que fazer? Censure-se a Bíblia ! gritarão os adeptos da nova escola.  Hoje no Brasil, conservadores e fascistas, em Santa Aliança, julgam que reprimir a palavra vida consegue conter a própria vida. Isso equivale a dizer: eles imaginam que o expurgo de aulas sobre o comunismo acabará com a existência do comunismo. Ou então pensam que reduzir o amor ao papai e mamãe de antes de Cristo acabará com toda forma de amor, dos séculos passados ao futuros. O projeto da Escola sem Partido é bem uma luta desigual entre a repressão e a vida. Desde o poeta Horácio que se conhece a luz dos seus versos: “Reprime a natureza, ela voltará sem freios”. Ou de modo mais literal, “Expulsa a natureza com um forcado, que ela voltará sempre a correr”.  Nessa cruzada do obscurantismo, não sobrará nem mesmo Machado de Assis. É sério. A obra de Machado não passará de um amontoado de palavras de negação dos valores da família, porque contrária à moral mais casta de evangélicos. Se pensam que escrevo em delírio, olhem por favor a prova da febre direitista a seguir. Tudo que copio abaixo existe e está sendo divulgado – uma reavaliação porca, de extrema-direita sobre o maior escritor brasileiro:  “Pois então, chegamos ao que considero o ápice

Escola sem partido?

por Frei Betto Nada mais tendencioso do que o Movimento Escola Sem Partido. Basta dizer que um de seus propagadores é o ator de filmes pornô Alexandre Frota. O movimento acusa as escolas de abrir espaços a professores esquerdistas que doutrinam ideologicamente os alunos. Uma das falácias da direita é professar a ideologia de que ela não tem ideologia. E a de seus opositores deve ser rechaçada. O que é ideologia? É o óculos que temos atrás dos olhos. Ao encarar a realidade, não vejo meus próprios óculos, mas são eles que me permitem enxergá-la. A ideologia é esse conjunto de ideias incutidas em nossa cabeça e que fundamentam nossos valores e motivam nossas atitudes. Essas ideias não caem do céu. Derivam do contexto social e histórico no qual se vive. Esse contexto é forjado por tradições, valores familiares, princípios religiosos, meios de comunicação e cultura vigente. Não há ninguém sem ideologia. Há quem se julgue como tal, assim como Eduardo Cunha se considera acima de qualquer suspeita. Como ninguém é juiz de si mesmo, até a minha avó de 102 anos tem ideologia. Basta perguntar-lhe o que acha da vida, da globalização, dos escravos, dos homossexuais etc. A resposta será a ideologia que rege sua visão de mundo. A proposta da Escola Sem Partido é impedir que os professores eduquem seus alunos com consciência crítica. É trocar Anísio Teixeira, Lauro de Oliveira Lima, Paulo Freire, Darcy Ribeiro e Rubem Alves por Cesare Lombroso e Ugo Cerletto. Ninguém defende uma escola partidária na qual, por exemplo, todos os professores comprovem ser simpatizantes ou filiados ao PT. Mesmo nessa hipótese haveria pluralidade, já que o PT é um saco de tendências ideológicas que reúne ardorosos defensores do agronegócio e esquerdistas que propõem a estatização de todas as instituições da sociedade. Não faz sentido a escola se aliar a um partido político. Muito menos fingir que não existe disputa partidária, um dos pilares da democracia. Em outubro, teremos eleições municipais. Deve a escola ignorá-las ou convidar representantes e candidatos de diferentes partidos para debater com os alunos? O que é mais educativo? Formar jovens alheios à política ou comprometidos com as lutas sociais por um mundo melhor? Na verdade, muitos “sem partido” são partidários de ensinar que nascemos todos de Adão e Eva; homossexualidade é doença e pecado (e tem cura!); identidades de gênero é teoria promíscua; e o capitalismo é o melhor dos mundos. Enfim, é a velha artimanha da direita: já que não convém mudar a realidade, pode-se acobertá-la com palavras. E que não se saiba que desigualdade social decorre da opressão sistêmica; a riqueza, do empobrecimento alheio; a homofobia do machismo exacerbado; a leitura fundamentalista da Bíblia da miopia que lê o texto fora do contexto. Recomenda-se aos professores de português e literatura da Escola Sem Partido omitirem que Adolfo Caminha publicou, em 1985, no Brasil, “Bom Crioulo”, o primeiro romance gay da história da literatura ocidental; proibirem a leitura dos contos “D. Benedita” e “Pílades e Orestes”, de Machado de Assis; e evitar qualquer debate sobre os personagens de “Dom Casmurro”, pois alguns alunos podem deduzir que Bentinho estava mais apaixonado por Escobar do que por Capitu. Publicado originalmente no Correio da Cidadania Escola sem Partido é Escola sem Conhecimento