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O elefante chamado Brasil, por Sérgio Porto

No tempo em que um deputado descobriu  que o grande problema do país era “ter sido descoberto por estrangeiros” e seu outro colega de plenário “tentava revogar a lei da oferta e da procura”, Sérgio Porto, nome de guerra Stanislaw Ponte Preta, publicou o conto “O Elefante”. O conto faz parte do livro 64 d.C., C de Castelo não de Cristo, editado em novembro de 1967 pela editora Tempo Brasileiro com textos também de Antônio Callado, Marques Rebelo, entre outros. Nas 32 páginas de “O Elefante”, o autor relata as (des)venturas de um elefante circense chamado Brasil, impagável, leia trechos do conto: “Na grande barraca armada por trás do circo, onde se instalavam os improvisados camarins, havia uma espécie de assembleia iluminada à vela, para não se gastar o óleo do gerador que, se ligado, faria muito barulho e prejudicaria o sono, a conversa, a paciência (…)  Depois que Matias anunciou a renda do dia explicando que praticamente não sobraria nada quando fossem pagas as despesas extras, os comentários de uns se juntaram aos protestos de outros e, não demorou muito, todos participavam de uma assembleia de classe. Só o elefante não estava ali para reivindicar nada, embora fosse o único componente do elenco capaz de atrair algum público. Era ele inclusive quem mais trabalhava, na hora de armar ou desarmar o circo. No entanto estava alheio aos debates que decidiriam o seu futuro. (…) Todos tentavam expor seus problemas pessoais, sem se importar com o Brasil. (…) Olegário, o equilibrista, ia dizer alguma coisa, mas alguém interrompeu passando-lhe uma caneca de café, com certa ironia: ‘Pelo menos temos café’. Mas Juraci completou: ‘O nosso café é pouco para sustentar todo esse povo!’ (…) Ficamos mais de uma semana sem ganhar nem para o capim do Brasil. (…) A dívida maior — lembrou Matias — é a da gasolina para os caminhões. O homem do posto falou que não pode esperar. Ele trabalha para uma firma americana e eles não fornecem mais nada se as contas não estiverem em dia (…) Então a gente vende aquilo que for preciso pra liquidar a dívida’, concluiu Chupetinha (…) O que seria vendido para pagar as dívidas? Lá fora o elefante balançou as orelhas ao ouvir seu nome. ‘Minha opinião é de que devemos vender o Brasil!’ (…) O Brasil atrapalhava. De um momento passou a ser um estorvo. ‘Podíamos levar o Brasil para outro lugar, onde fosse mais fácil fazer negócio’, palpitou o palhaço, que estava querendo ver o circo pegar fogo, a lona, as estacas, as tábuas, as cadeiras, os caminhões, tudo.(…) Juraci, o engolidor de espadas, parecia o mais apressado em vender o Brasil logo de uma vez (…) Mas vocês esquecem que vendemos o caminhão que carregava o elefante, para ajudar a pagar o enterro de Matias. ‘O Brasil está sem transporte!’ (…) Lamentando a situação do Brasil, o anão Chupetinha balançou a cabeça, pediu a palavra e propôs com a voz fininha: ‘O jeito é a gente se mandar e deixar o Brasil à própria sorte!’ (…) O Presidente, homem de hábitos rígidos e de disciplina militar, levantava-se cedo. Logo a janela se abriu e ele nela assomou, para respirar o ar fresco da manhã. Olhou para baixo e viu o Brasil. Ali estavam os dois, frente a frente. Entre ambos não era possível haver diálogo, claro. O espanto do Presidente não era menor do que o do Brasil. Era o primeiro encontro dos dois, a sós, talvez escapasse ao estadista, o estado do elefante, abatido por tantas mudanças em sua vida. Poderia aquele que o contemplava agora, do alto de sua solidão, salvá-lo?” Dois meses e meio depois que Sérgio Porto foi vitimado pelo seu problema crônico de coração com apenas 45 anos foi decretado o AI-5, em 13 de dezembro de 1968, e muitos colegas de labuta de Porto foram presos, talvez ele fosse também. Fonte usada: “Dupla Exposição, Stanislaw Sérgio Ponte Porto Preta”, de Renato Sérgio. http://www.zonacurva.com.br/o-nosso-eterno-festival-de-besteira-que-assola-o-pais/

Febeapá e o nosso eterno Festival de besteira que assola o país

Febeapá – Basta um breve passeio pelos jornais, twitter ou facebook, para constatar que o FEBEAPÁ (Festival de Besteira que assola o país) continua mais ativo do que nunca. O festival foi criado por Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo do escritor e jornalista Sérgio Porto. Escritos por Stanislaw Ponte Preta, os três volumes do FEBEAPÁ foram publicados entre 1964 e 1968 e atacavam em forma de ácidas crônicas à ditadura militar. Garanto que o ilustre Stanislaw viria a concordar que o festival de sandices não é de uso privativo de regimes de exceção. Nas últimas décadas, o cronista teria volumosa matéria-prima para rechear as páginas de livros e mais livros de FEBEAPÁ. Caso em que a criatura ficou mais popular que o criador, Stanislaw ironizou os primeiros anos do regime dos generais. Porto morreu, com apenas 45 anos, de um fulminante ataque cardíaco em 30 de setembro de 1968, cerca de dois meses antes da decretação do tenebroso AI-5. O próprio Stanislaw Ponte Preta explica melhor seu FEBEAPÁ (a ‘redentora’ do texto era o codinome do golpe militar): “É difícil ao historiador precisar o dia em que o Festival de Besteira começou a assolar o País. Pouco depois da “redentora”, cocorocas de diversas classes sociais e algumas autoridades que geralmente se dizem “otoridades”, sentindo a oportunidade de aparecer, já que a “redentora”, entre outras coisas, incentivou a política do dedurismo (corruptela do dedo-durismo, isto é, a arte de apontar com o dedo um colega, um vizinho, o próximo enfim, como corrupto ou subversivo – alguns apontavam dois dedos duros, para ambas as coisas), iniciaram essa feia prática, advindo daí cada besteira que eu vou te contar” (Febeapá 1, p.5) O carioca Sérgio Porto iniciou sua carreira jornalística como crítico de cinema no Jornal do Povo, de propriedade do Barão de Itararé (pseudônimo do jornalista Aparício Torelly) nos anos 50. Foi também cronista esportivo, repórter policial, além de ter trabalhado na televisão e no rádio. De alguma forma, há parentesco entre o trabalho de Stanislaw e o do ‘nobre cronista’de sangue azul’. Saiba mais sobre o impagável Barão de Itararé   Frases de Stanislaw Ponte Preta  “O sol nasce para todos. A sombra para quem é mais esperto” “Se mosquito fosse malandro, mordia antes e zunia depois” Tirando a própria mulher, a gente deve recomendar tudo aquilo que experimentou e gostou “Mais inútil do que um vice-presidente” “Basta ler meia página do livro de certos escritores, para perceber que eles estão despontando para o anonimato” “O mal do Brasil é ter sido descoberto por estrangeiros” (Deputado Índio do Brasil, Assembleia do Rio)”.   Os personagens de Stanislaw Sérgio Porto criou Stanislaw Ponte Preta quando escrevia para o Diário Carioca, em 1951. Mas, foi em 1955, no jornal Última Hora, de Samuel Wainer, que segundo o amigo Paulo Mendes Campos, “ficou famoso de um mês para o outro”. No jornal de Wainer, Porto criou uma galeria de personagens: Tia Zulmira, Primo Altamarindo, Rosamundo, o superdistraído, entre outros. Sérgio Porto, em entrevista psicografada pelo jornalista Sérgio Cabral ao Pasquim, explica sua relação ‘esquizofrênica’ com Stanislaw: “De fato, Stanislaw foi criado junto comigo e, praticamente, é meu irmão de criação. Moramos na mesma casa, tivemos a mesma infância e muitas vezes comemos do mesmo prato. Hoje, no entanto, embora vivendo ambos do jornalismo, já não somos ligados; raramente nos vemos, poucos são os nossos gostos comuns e acredito que seria uma temeridade da minha parte se continuasse companheiro fraterno do irriquieto autor” O também cronista Paulo Mendes desvenda Tia Zulmira e Primo Altamarindo (vale a pena ler o texto em que Paulo relembra o amigo no blog do Instituto Moreira Salles): Tia Zulmira é uma dessas criaturas que acontecem: saiu de Vila Isabel, onde nasceu, por não achar nada bonito o monumento a Noel Rosa. Passou anos e anos em Paris, dividindo quase o seu tempo entre o Follies Bergère, onde era vedete, e a Sorbonne, onde era um crânio. Casou-se várias vezes, deslumbrou a Europa, foi correspondente do Times na Jamaica, colaborou com Madame Curie, brigou nos áureos tempos com Darwin, por causa de um macaco, ensinou dança a Nijinski, relatividade a Einstein, psicanálise a Freud, automobilismo ao argentino Fangio, tourear a Dominguín, cinema a Chaplin, e deu algumas dicas para o doutor Salk. Vivia, já velha mas sempre sapiente, num casarão da Boca do Mato, fazendo pastéis que um sobrinho vendia na estação do Méier. Não tinha papas na língua e, entre muitas outras coisas, detestava mulher gorda em garupa de lambreta. Primo Altamirando também ficou logo famoso em todo o Brasil. O nefando nasceu num ano tão diferente que nele o São Cristóvão foi campeão carioca (1926). Ainda de fraldas praticou todas as maldades que as crianças costumam fazer dos 10 aos 15 anos, como, por exemplo, botar o canarinho belga no liquidificador: foi expulso da escola primária ao ser apanhado falando muito mal de São Francisco de Assis. Pioneiro de plantação de maconha do Rio. Vivendo do dinheiro de algumas velhotas, inimigo de todos os códigos, considerava-se um homem realizado. E, ao saber de pesquisas no campo da fecundação em laboratório, dizia: “Por mais eficaz que seja o método novo de fazer criança, a turma jamais abandonará o antigo.”   A culpa do Pasquim é toda do Stanislaw O cartunista Jaguar, que ilustrou as crônicas de Stanislaw Ponte Preta, conta como Sérgio Porto inspirou a criação do Pasquim:  “o embrião do Pasquim  foi gerado em setembro de 1968, no dia em que morreu Sérgio Porto, sobejamente conhecido como Stanislaw Ponte Preta. Ele era responsável pela Carapuça, tabloide semanal de humor. Na verdade, o jornaleco poderia continuar indo para as bancas. O autor dos textos, de cabo a rabo, era Alberto Eça, que conseguia fazer uma imitação razoável do jeito de escrever do fero cronista. O pessoal do ramo sabia que o estilo de Stan era inimitável, mas dava para engabelar a plebe ignara… Mas como explicar aos leitores?… Tarso [de Castro] encontrou-se comigo no Jangadeiros [bar carioca] e quis saber minha opinião. “Melhor fechar e abrir outro jornal”, sugeri”

Brasil só perdeu?

Entre o preparo de um misto quente e um cheese-burger, o chapeiro da padaria reclama ao balconista: “não quero mais ver mais essas Olimpíadas, Brasil só perde”. O balconista responde: “é verdade, e o Corinthians vai mal, hein, só empatou ontem com o Atlético de Goiás”. Não tem jeito, para brasileiro, papo sobre esporte sempre termina em futebol. Mesmo nas Olimpíadas. Cheguei  a ouvir a sugestão de um torcedor mais exaltado o cancelamento dos jogos do Campeonato Brasileiro de Futebol nestas duas semanas para focarmos nossas atenções em Londres. Argumentos esdrúxulos como esse fazem um pouco de sentido ao perceber que, durante 3 anos, 11 meses e duas semanas, 80% do espaço da mídia esportiva brasileira é latifúndio (muitas vezes improdutivo) do futebol. A hegemonia do futebol encurrala os outros esportes. Brasileiro gosta de esporte mas gosta ainda mais de ganhar. E o futebol geralmente entrega o que promete. No início das Olimpíadas, os brasileiros até encheram-se de ufanismo e otimismo após o primeiro dia brilhante do país com três medalhas, uma de ouro, uma de prata e uma de bronze. Juntou-se a isso a naturalidade que Sarah Menezes encarou sua medalha de ouro, a judoca chegou a dizer que a luta decisiva foi fácil. Tudo não passou de um falso presságio de que a situação do esporte brasileiro finalmente tinha mudado. Faltam dois dias para o encerramento das Olimpíadas e os resultados mostram que há um longo e tortuoso caminho para o Brasil se tornar uma potência olímpica. Infelizmente, ainda não aproveitamos a diversidade de nosso povo miscigenado, que nos proporciona uma multiplicidade de biotipos para as mais variadas práticas esportivas. Na capital inglesa, tivemos boas surpresas, decepções, confirmações e micos. O top mico atende pelo nome de Fabiana Murer. Depois da confusão sobre o sumiço da vara em Pequim, Murer ‘refugou’ como cavalo xucro e simplesmente não pulou no salto decisivo. Culpou o vento. Com furacão ou tsunami, Murer tinha que pular. A estrela do salto com vara, a russa Yelena Isinbayeva, que também decepcionou com seu bronze, disse em entrevista que não entendeu a atitude da atleta brasileira. Segundo a russa, Murer enfrenta algum problema físico ou psicológico grave. Outro mico foi protagonizado por Diego Hypólito, demonstrando falta de controle emocional, fracassou feio na segunda Olimpíada seguida. Desta vez, teve uma queda patética, de lado. Outras decepções ficaram a cargo de César Cielo, derrotado na final dos 50m livre, amargou o bronze, e o do atletismo. Responsável por várias medalhas em outras edições olímpicas, desta vez, os brazucas só alcançaram duas finais (salto em distância masculino e 4×100 feminino) no Estádio Olímpico. Em recuperação de uma contusão, a medalhista de ouro em Pequim,  Maurren Maggi, não conseguiu ficar entre as 12 melhores no salto em distância. O vôlei, tanto de quadra como de praia, e o judô confirmaram o bom desempenho e mais uma vez trazem boa parte de nossas medalhas. Agora, o otimismo para melhores resultados em 2016 justifica-se por alguns ótimos resultados da nova geração de atletas, com destaque para as espetaculares medalhas dos irmãos Falcão e Adriana Araújo no boxe e de Arthur Zanetti nas argolas da ginástica olímpica. Festival de Desculpas e bolsa-atleta Durante as duas semanas de Olimpíadas, o Febeapá (Festival de Besteiras que Assola o País), criado por Stanislaw Ponte Preta na década de 60, foi substituído por um Festival Avassalador de Desculpas. Deprimente. Se classificar para uma Olimpíada não é fácil, se o atleta está lá e esforçou-se em busca de seu melhor desempenho, não deve pedir desculpas a ninguém. Como as Olimpíadas concentram dezenas de corridas, jogos e lutas em poucos dias, as derrotas naturalmente são em maior número do que as vitórias, ainda mais para um país com pouca tradição na grande maioria dos esportes olímpicos como o Brasil. Com isso, pulularam na web textos oportunistas cheios de complexo de vira-lata (o mesmo se ouviu na cerimônia de abertura: “imagina no Rio, será um vexame”, o brasileiro é recordista em auto-depreciação). Muito se escreveu sobre o quixotismo dos atletas brasileiros e de que falta tudo e mais um pouco aos heroicos atletas do país. Auto-piedade não resolverá a situação. Com certeza, falta muito apoio e estrutura e qualquer atleta brasileiro que alcança índice e se classifica para as Olimpíadas dedicou sua vida ao esporte. Sem a prática massiva de esportes, seja nos clubes, parques, universidades, o Brasil nunca será forte nas Olimpíadas. Faltam também centros de excelência, locais onde os atletas isolem-se do mundo com um único objetivo: treinar. Há quatro anos dos Jogos Olímpicos do Rio, sem dúvida, a situação do atleta brasileiro melhorou. Falta muito, mas melhorou. Mais de 4 mil atletas recebem o bolsa-atleta, o que custará R$ 60 milhões de reais neste ano. Segundo o site da Caixa Econômica Federal, o bolsa-atleta é destinado aos atletas que não contam com patrocínio e varia entre R$ 370 e R$ 3100 por mês. Dilma Rousseff informou na abertura dos jogos de Londres que o governo investirá neste ano R$ 200 milhões na modernização de centros de treinamento e em tecnologia esportiva, com a finalidade de melhorar a formação e preparação de atletas. Dilma também destacou o investimento de R$ 1 bilhão na construção e cobertura de mais de 2.800 quadras esportivas em escolas públicas em todo o país. De acordo com Dilma, até 2014, serão seis mil quadras construídas e quatro mil cobertas. Se são só promessas, o tempo dirá, mas, infelizmente, já sabemos que parte dessa dinheirama ficará no bolso de meia dúzia de cartolas. Hoje é sexta e o Brasil já bateu pelo menos seu recorde de medalhas que era de Pequim, temos garantidas 16 medalhas. Ia me esquecendo, amanhã de manhã, tem final do futebol masculino em busca de sua inédita medalha de ouro. Mas futebol tem todo dia.