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A Estetyka do Sonho de Glauber Rocha

por Fernando do Valle “A pobreza é a carga autodestrutiva máxima de cada homem e repercute psiquicamente de tal forma que este pobre se converte num animal de duas cabeças: uma é fatalista e submissa à razão que o explora como escravo. A outra, na medida em que o pobre não pode explicar o absurdo de sua própria pobreza, é naturalmente mística. A razão dominadora classifica o misticismo de irracionalista e o reprime à bala. Para ela tudo que é irracional deve ser destruído, seja a mística religiosa, seja a mística política. A revolução, como possessão do homem que lança sua vida rumo à ideia, é o mais alto astral do misticismo. As revoluções fracassam quando esta possessão não é total (…), quando, ainda acionado pela razão burguesa, método e ideologia se confundem a tal ponto que paralisam as transações da luta. …. As raízes índias e negras do povo latino-americano devem ser compreendidas como única força desenvolvida deste continente. Nossas classes médias e burguesias são caricaturas decadentes das sociedades colonizadoras. A cultura popular não é o que se chama tecnicamente de folclore, mas a linguagem popular de permanente rebelião histórica. O encontro dos revolucionários desligados da razão burguesa com as estruturas mais significativas desta cultura popular será a primeira configuração de um novo significado revolucionário. O sonho é o único direito que não se pode proibir” (Eztetyka do Sonho, 1971, Glauber Rocha). O manifesto Estetyka do Sonho de Glauber mostra o caminho revolucionário em que o transe do misticismo popular (usado com torpeza por pastores picaretas nos dias de hoje) é o meio para a utopia na política. Estetyka do Sonho foi apresentado aos alunos da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, após a realização de filmes icônicos pelo diretor como Terra em Transe (1967) e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerrreiro (1968). Comissão da Verdade suspeita de plano da ditadura para matar Glauber Rocha Para além da luta de classes, Glauber rechaça o pensamento tacanho da classe média e confia na mitologia transformadora de nossas raízes índias e negras. O novo Brasil só pode ser construído através da força da cultura desses povos presentes em nossa formação como nação mestiça. Se estivesse vivo, Glauber chutaria para escanteio a mediocridade reinante no debate político. Em altos brados, retumbantes ou não, proporia uma nova estetyka para esses anos 10 deste novo século, longe da ética televisiva (ou de Netflix) reinante, esse “King Kong eletrônico que sistematiza o discurso opressivo sobre o Terceiro Mundo”, segundo o próprio. A Estetyka do Sonho sucedeu outro manifesto glauberiano, Estetyka da Fome (1965). No último, “a estética da violência poderia integrar um significado revolucionário em nossas lutas de liberação… [já que] nossa pobreza era compreendida, mas nunca sentida pelos observadores coloniais”. O “paternalismo do europeu” e “a linguagem de lágrimas” do humanismo nos enfraquecem e se faz necessário combatê-las através da arte. O público não aguentaria as imagens de sua miséria e modificaria o status quo. Nessa rebelião cheia de canto, dança e fé, o transe e a celebração são a base da nova política. É como se o jogo perdido agora para pastores fundamentalistas que usam a fé popular para conformar e disseminar o ódio aos ritos afro-brasileiros pudesse ser virado em uma apoteótica festa revolucionária que nos integra. Oxalá! Glauber morreu em 22 de agosto de 1981 com apenas 42 anos. Assista ao arrepiante discurso de Darcy Ribeiro em seu enterro: Fonte usada: “Terra de Fome e Sonho: o paraíso material de Glauber Rocha” de Ivana Bentes.

Comissão da Verdade suspeita de plano da ditadura para matar Glauber Rocha

Acusado de difundir calúnias contra regime militar no Brasil e classificado como “um dos líderes da esquerda no cinema”, sendo o que “mais atuava na campanha contra o país, na Europa”, o cineasta Glauber Rocha foi vítima de espionagem e perseguição pela ditadura. Na última sexta (16), a Comissão Estadual da Verdade do Rio revelou documentos produzidos pelas Forças Armadas contra o diretor. A entrega do dossiê militar à família foi feita no Parque Lage, na zona sul do Rio de Janeiro, com uma série de atividades que marcaram os 50 anos do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, completados no último dia 10. Oficialmente, Glauber morreu de septicemia, uma infecção, em 22 de agosto de 1981. Em outubro de 1976, Glauber Rocha gravou o velório de seu grande amigo, Di Cavalcanti. Assista ao curta e leia o texto. Produzidos pelo Serviço Nacional de Informação (SNI), os documentos compilam atividades do cineasta, declarações dadas aos jornais fora do país e lista artistas ligados a Glauber e que criticavam o regime militar, como, também o cineasta Luiz Carlos Barreto, apontado como “porta-voz da esquerda cinematográfica nacional”. Um dos documentos lembra que Glauber foi preso, por ter vaiado o presidente Castelo Branco, em 1965 e acusa o diretor de ter “difundido calúnias” ao denunciar a jornais ingleses torturas e perseguições no Brasil pela ditadura. O ator Othon Bastos, um dos personagens principais do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol é mencionado no dossiê do SNI como o favorito de Glauber e citado por “conhecido envolvimento político e ideológico”. Presente ao evento na Comissão da Verdade, Bastos disse que ficou surpreso com a revelação. “São tantas pessoas famosas aqui e estou entre um deles, eu não sabia de nada”. A presidenta da Comissão Estadual da Verdade, Nadine Borges, destacou que os documentos encontrados no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro contém marcas que expressam a intenção dos militares de eliminar Glauber. Ela se referia as palavras “morto”, em lápis, no alto do dossiê, na primeira página. “Recebemos a informação de um agente da repressão que atuou na época, que, em geral, era hábito escrever à mão um indicativo de ordem. Então, isso nos faz pensar que ele estava marcado para morrer. Por sorte, ele se exilou antes”, comentou. A presidenta cobra que o general José Antonio Nogueira Belham, que assina um dos documentos, preste depoimento para esclarecer esse e outros casos. Durante a revelação dos documentos, o cineasta Zelito Viana, parceiro de Glauber no filme o Dragão da Maldade, que venceu o Festival de Cinema de Cannes, e o Terra em Transe, que concorreu no mesmo festival poucos anos antes, lembra os tempos difíceis da ditadura. “Viver era arriscado no Brasil”, ressaltou. Ele levou Terra em Transe clandestinamente para participar do festival no França. Amigo de Glauber, Silvio Tendler destacou que a perseguição a Glauber, que se exilou em 1971, e às pessoas que contestavam o regime prejudicou o Brasil. “Aliás, prejudicou os artistas, os estudantes, os sindicalistas. A ditadura foi um preço muito alto para Nação. Sou de uma geração que desaprendeu a falar e estamos aprendendo a falar depois de velho. Antes, era tudo proibido”. Tendler lembrou também que Glauber foi um artista brilhante, mas não o único alvo da ditadura. “Eu e muito outros fomos perseguidos, como Joaquim Pedro de Andrade, que foi preso, e Olney São Paulo, barbaramente torturado”. No dossiê, estão transcritos ainda trechos de artigos de Glauber. Entre eles, uma justificativa para sua atuação, contra o regime. “O cinema não será para nós uma máscara, porque, o cinema não faz revolução – o cinema é um dos instrumentos revolucionários e para isto deve(-se) criar uma linguagem latino-americana, libertária e revelador”, disse à revista Cine Cubano, em 1971, segundo o SNI. Tribunal Regional Federal do RJ deve julgar acusados da morte de Rubens Paiva Ex-delegado Cláudio Guerra revela envolvimento de coronel da ditadura militar na morte de Zuzu Angel Decisão histórica da Justiça acata denúncia contra militares envolvidos na morte de Rubens Paiva Justiça barra ação contra militares acusados no caso Riocentro Instituto Vladimir Herzog denuncia Bolsonaro na ONU por comemorações do golpe de 64