Zona Curva

Jack Kerouac

DRUNKEN DUMBSHOW – O fim de Jack Kerouac

Jack Kerouac bebeu até morrer. Bebeu ao que tinha e não tinha, até lhe sobrarem míseros 91 dólares em sua conta bancária. Bebeu para homenagear o fim abrupto de suas amizades mais próximas e ao seu desligamento completo de uma vida social ativa. Bebeu até morrer – metaforicamente – no colo de sua mãe, Gabrielle Kerouac. O escritor norte-americano Jack Kerouac  nasceu em  12 de março de 1922 na pequena Lowell, em Massachussets.  Jean-Louis Lebris de Kerouac, ou Jack para os íntimos, morreu de cirrose hepática aos 47 anos no dia 21 de outubro de 1969, em sua casa em St. Petersburg, Flórida, EUA. Sozinho, miserável e completamente dependente de suas cervejas e seu scotch, Kerouac morreu isolado, paranoico e à mercê de sua própria lenda estradeira. No início da década de 1960, Kerouac saturou-se de si mesmo. Afogou-se completamente em sua própria história. O boom da publicação de On The Road, três anos antes, não somente o pegou de surpresa como também o colocou na posição de Rei dos Beats, esse na obrigatoriedade de fazer jus a tudo que havia escrito sobre si mesmo. O que as pessoas não viam, ou pareciam não ver, é que o autor da obra-prima estradeira norte-americana já estava com 35 anos e lutava – até então bravamente – para vencer o alcoolismo. Tudo em vão. Com o tão esperado reconhecimento literário em 1957 – sete anos após escrever o manuscrito original de sua obra-prima – Kerouac se viu arrastado de cabeça para o mundo do showbusiness. Qualquer adolescente topetudo faria de tudo para poder pagar uma cerveja ao herói Dean Moriarty em pessoa (mal sabiam que na realidade, Kerouac havia apenas seguido a fúria incontrolável de Neal Cassady, o verdadeiro Dean). As universidades, tão avantgardes, queriam o Rei dos Beats para palestrar, ministrar oficinas e até jogar um papo ou outro fora, tudo pelo prazer da companhia. Além do mais, sua editora queria um novo romance para ontem, para assim suceder o sucesso no mercado de seu antecessor. Kerouac se viu emparedado e assim se entregou de vez ao acalento momentâneo de um bom porre, o fazendo cada vez mais e mais frequente. Obviamente, hora ou outra, o escritor surtaria de vez e perderia as rédeas de sua própria vida. Para evitar o inevitável, Kerouac recorreu ao amigo e também escritor, Lawrence Ferlinghetti em busca de alguma solução. Ferlinghetti, em todo o esplendor de sua bondade e amizade, ofereceu a Kerouac sua pequena cabana em Bixby Canyon, na Califórnia, para que o amigo pudesse se esconder por alguns meses e fosse capaz de colocar a cabeça no lugar. A história, todos conhecem, Kerouac a relatou sem censura no livro Big Sur (sua última obra-prima) que fora publicado em 1961. Daí por diante, meus amigos, o negócio só piorou. Após o surto psicótico relatado em Big Sur – em que Kerouac afirma ter tido uma visão e nessa ter sido capaz de enxergar a imagem de uma cruz – o escritor se tornou, pouco a pouco, uma pessoa reclusa e sua visão política, influenciada pelo conservadorismo de sua mãe e por seu catolicismo de berço, foi se tornando cada vez mais reacionária e autodepreciativa, chegando ao ponto de causar um afastamento completo de seus companheiros de outrora: Allen Ginsberg, William Burroughs, Gregory Corso, Gary Snyder e John Clellon Holmes. Kerouac havia forçado, mesmo que involuntariamente, o seu fim psicológico e físico. Esqueçam-se do bonitão, gostoso e boa pinta Jack Kerouac dos anos 1940 e 50. Em 1963, Kerouac já havia se tornado um homem inchado, completamente ranzinza e estava começando a perder os seus cabelos. O grande herói das estradas americanas só conseguia se locomover por apenas uma estrada: a que ligava a casa de sua mãe, em Lowell (sua cidade natal) até o bar em que ele costumava frequentar. O beat William Burroughs e o rock A decadência de Kerouac calhou ser exatamente no mesmo período em que a contracultura dava as caras nos Estados Unidos. Por exemplo: em 1964, Ken Kesey, Neal Cassady e os Merry Pranksters chegaram até a costa leste com o seu ônibus colorido nomeado de “Further” com basicamente um só norte: conhecer Jack Kerouac, autor do livro que os havia inspirado a sair de casa e conhecer “a velha estrada”, agradecê-lo e quem sabe até dar-lhe um aperto de mão.  Allen Ginsberg fez a ponte entre Kesey e Kerouac, e o encontro foi um belíssimo desastre. Pior: tudo está relatado em vídeo pra quem quiser procurar. Kerouac passou três horas sentadas num sofá, bebendo a cerveja que havia trazido de casa, sem dizer uma palavra sequer, e quando abriu a boca foi só pra reclamar. Reclamar de Cassady, Ginsberg ou do azarado que cruzasse sua linha de visão e ele tirasse pra cristo. Timothy Leary, o místico professor e propagador dos alucinógenos durante a contracultura, culpa Kerouac por ser o responsável por sua primeira badtrip de ácido. Um ano antes do incidente com Kesey & os Pranksters, Allen Ginsberg decidiu apresentar o novo amigo ao velho escritor e o persuadiu a tentar uma experiência com LSD, diz a lenda (ou artigos da web) que Kerouac entrou num surto psicótico e apavorou Leary ao ponto desse entrar em estado catatônico em um canto, colocar-se em posição fetal e ficar por lá, durante as 12 horas da viagem. Não muito após o incidente, o escritor acusou Leary e suas substâncias de terem provocado significativos danos ao seu cérebro, esses “incuráveis” nas palavras do escritor. A produção de Kerouac oscilou, assim como suas histórias e suas recém-criadas versões para fatos já relatados. Se existe uma palavra que pode definir o escritor em seus últimos anos, a palavra é CONTRADIÇÃO. Visions of Gerard, Satori em Paris e Vanity of Dulouz foram suas três últimas publicações. Em todas, Kerouac procura encontrar um fio conector para os livros anteriores, para que assim pudesse concluir a chamada “Lenda de Dulouz” – sua própria história – relatada em todos os seus romances.  Era a sua maior obsessão: concretizar a lenda. Kerouac havia se casado duas vezes, na metade da década de 40 e

Os cabelos brancos de On The road

Benzedrina – Em cena do filme On The Road, Sal Paradise, alter-ego do escritor Jack Kerouac adoece em pleno México. Dean Moriaty, seu amigo e companheiro de armas no livro e na vida (como Neal Cassady) o abandona em um muquifo mexicano. Neste momento, algo se quebra. A amizade que os une na busca de experiências e no enfrentamento de um mundo hostil ao comportamento e estilo de vida deles cai por terra. A busca desesperada por liberdade nos bordéis do México ou através do êxtase nos clubes de jazz termina ali. Era hora de ‘cair na real’, conviver com o individualismo da vida adulta e abandonar a vida gregária dentro dos carros em alta velocidade no interior norte-americano povoado de wasps e rednecks. Cena do filme “On the road” Décadas se passaram e a bíblia beat , que balançou o coreto da literatura na década de 50, tornou-se um respeitável senhor. Só assim, finalmente um diretor enfrentou a missão de adaptá-lo ao cinema. A essência do livro está presente: a aventura como fuga da vida careta, o consumo desenfreado de benzedrina, maconha e álcool, a admiração pelos escritores franceses Rimbaud, Céline e Proust, a amizade redentora e o sexo livre. O texto frenético de Kerouac sempre foi um desafio para os cineastas. Francis Ford Coppola comprou os direitos do livro para o cinema em 1979 e coube ao brasileiro Walter Salles a empreitada. Diretor de inegável talento, Salles adapta a história pelo caminho de um realismo exacerbado, as cenas sucedem-se na tela de maneira desprendida. A frágil fita adesiva usada pelo caipira de Lowell para colar as páginas do manuscrito também serviu à trama para a tela grande. Mas o filme pode emocionar tanto àqueles que embalaram seus sonhos com a literatura beat como pode levar a galera mais nova a buscar as obras de Kerouac, Ginsberg, Corso e cia.. Um dos pontos altos do filme são os momentos vividos entre a gangue de jovens escritores e o mestre do desregramento William Burroughs, interpretado brilhantemente por Viggo Mortensen. O ator reproduz com impressionante precisão o mesmo tom de voz do escritor. A bela interpretação de Old Blue Lee, codinome de Burroughs na ficção, contrasta com  o trio de atores que dá vida a Sal, Dean e Marylou. A falta de carisma da geração Crepúsculo não segura a onda. Pior: Kristen Stewart (Marylou) acreditou que trair o namorado em frente às lentes dos paparazzis era uma atitude beatnik, agora está tudo bem, ela pediu desculpas via twitter. Outros também não entenderam o espírito beatnik que embalava  Kerouac  na época da publicação de On the road.  O escritor Truman Capote o tratou com dedém: “that’s not writing, that’s typing”, ou seja, “isso não é escrita, é datilografia”. O grande mérito ainda preservado da obra de Kerouac é tornar viável a metamorfose da vida de qualquer jovem com certo talento e sensibilidade em arte sem grandes rococós literários. A inspiração do livro vem basicamente da amizade e do espírito livre que transborda aos 20 e poucos anos. Mas, infelizmente (ou não), envelhecemos, inclusive o eterno Peter Pan Neal Cassady. Tom Wolfe nos mostra no seu livro O Teste do Ácido do Refresco Elétrico como Cassady chegou à maturidade: “aqui está o mesmo cara, agora com quarenta anos… Cassady nunca pára de falar. Mas esta é a melhor maneira de dizer. Cassady é um monologuista, com a diferença de que não se importa que alguém esteja ou não ouvindo.  Simplesmente solta seu monólogo, se necessário só para si mesmo, embora qualquer um seja bem-vindo”.