Zona Curva

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No Brasil das maravilhas

Nem mesmo os mais mirabolantes enredos do realismo fantástico podem fazer páreo à realidade brasileira capitaneada pelo atual presidente. Fatos que em outros tempos poderiam ser catalogados como completos absurdos neste período obscuro que vivemos são nada mais nada menos do que o cotidiano normal do poder político brasileiro. Poderia enumerar aqui as criminosas queimadas na Amazônia e no Pantanal, a destruição da Funai, a entrega do patrimônio público, a proteção aos mineradores e latifundiários, a tentativa de lucrar com a pandemia, o atraso na vacinação, o escárnio com os milhares de mortes, a ocupação do governo pelos militares e pastores, e muito mais. Mas, vou ficar em apenas dois fatos recentes que, apesar de gravíssimos, ao que parece entraram para a conta do “normal”. Um deles foi a divulgação da existência de uma espécie de gabinete paralelo dentro do Ministério da Educação orquestrado por pastores evangélicos que decidia, a partir de propinas em dinheiro ou em ouro, para onde iam as verbas da educação. A história foi divulgada pelo jornal Folha de São Paulo que conseguiu uma gravação com a voz do próprio ministro Milton Ribeiro dizendo que priorizava a liberação de verbas a prefeituras ligadas ou indicadas por pastores a mando do presidente. Os pastores em questão são Gilmar Santos, presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil Cristo Para Todos (Conimadb), e Arilton Moura, ligado à Assembleia de Deus. Eles fazem parte do círculo de “assessoria” de Bolsonaro, embora não tenham cargo no governo. Essa denúncia já tinha circulado, a partir de depoimentos de prefeitos, mas quase sem repercussão. Com a gravação, a coisa avolumou. Ainda assim, apesar do grotesco da situação, o caso não esquentou a chapa. A mídia comercial anunciou sem os alardes que faria caso o escândalo acontecesse em outro governo. O presidente, que só se comunica pelas redes sociais, disse que colocava a cara no fogo pelo amigo ministro/pastor. A pressão por uma atitude no caso veio dos aliados, que temiam que a coisa crescesse e atrapalhasse a candidatura. Por fim, o ministro pediu para sair e o presidente aceitou a demissão. Queimou a cara, mas tudo bem. Agora, o episódio deve ficar por aí mesmo, sem respingar no mandatário geral, que segue fazendo campanha alegando fazer um governo sem corrupção. O que nisso tudo é digno de pasmo? Ainda têm uns 20% da população que acredita piamente. O Congresso, para dar uma de bom moço, anunciou que vai chamar o ministro deposto para dar explicações, mas quem viveu uma CPI da Covid que acabou em nada sabe que isso é só um show para a torcida. O fato é que enquanto a educação brasileira retrocede séculos, com escolas destruídas, professores destroçados, ensino médio piorado, o ministro barganha a troco de ouro. Um caso digno de episódio num clássico “Cem anos de Solidão” tupiniquim. Mas, nada cola do síndico. Já veio um novo ministro, o quinto, com formação em engenharia de redes (?) e tudo seguirá como antes no quartel de Abrantes. Os trabalhadores públicos federais da educação, que amargam um congelamento de salário desde 2016, organizaram um protesto em Brasília onde cobraram explicações sobre mais esse escândalo, mas a movimentação só apareceu mesmo nas redes sociais das bolhas. A mídia, como sempre, ignorou. O segundo caso foi a trapalhada da censura à manifestação de artistas num festival de música. Depois que Pablo Vittar decidiu desfilar com uma toalha tendo a cara do Lula estampada, os advogados do partido do presidente entraram com pedido no Tribunal Superior Eleitoral para que fosse proibida a manifestação política que, segundo eles configurava crime eleitoral. Oi? Como assim? Pois é… Ninguém entendeu. O festival é uma festa privada e Pablo não estava ganhando nada para levantar a cara do Lula. Mas, de novo, o pasmo: um dos ministros, Raul Araújo, deu a liminar proibindo qualquer manifestação imputando uma multa de 50 mil reais para quem a fizesse. A censura limpa e descarada. O brasileiro levantou-se em rebelião? Não, nada disso. O povo seguiu sua vidinha e lá no festival os artistas recrudesceram as críticas ao presidente Bolsonaro. A galera vibrou entre o som pesado e o coro de “ei, Bolsonaro, vai tomar no c…”, tudo incorporado ao show. Nas redes sociais, explodiram os memes, que já são assim uma espécie de instituição nacional. Tudo vira piada, pastiche, e se perde na selva dos fatos que se renovam a cada dia, pois sempre tem um escândalo novo para substituir o velho. A coisa é tão surreal que a liminar foi derrubada pelo próprio autor depois que se descobriu que os advogados erraram o CNPJ da empresa do festival. Ou seja, a medida estava sem efeito. Na derrubada, o ministro do TSE diz que foi levado a crer que era crime eleitoral, mas não era. Mais alguns memes e tudo já é passado. Fora isso, mais nada. Lá nas entranhas da floresta seguem matando índios, a fome assola as periferias das grandes cidades, o povo tá sem casa pra morar e o botijão de gás daqui a pouco atinge a soma de 150 reais. Na televisão, em vez de apontar as causas da crise, os jornalistas ensinam como se pode viver fazendo foguinho no chão com lenha e forrando os barracos com folha de bananeira, bem como as apresentadoras de programas de comida ensinam como matar a fome com as folhas que são descartadas nos supermercados e cascas de ovo. “Não se avexem, inventem”. Assim, nesse país de maravilhas, vamos caminhando rumo às eleições de outubro, cujas pesquisas atestam que Lula está em primeiro lugar, com 40% das intenções. Ao que parece, no reino encantado do Brasil, a turma está tranquila, esperando pelo pleito que, conforme atestam os analistas, vai ser limpo e seguro.  Todo mundo acredita nisso, mas se não for, bom, aí teremos mais uma chuva de memes. A dura realidade brasileira Dos horrores do capitalismo Política no TikTok

O brechó do indie fashion

Na fila do segundo dia do Lollapalooza 2013, camisetas pretas e de bandas, tradicionais no público de show de rock, eram raras. A maioria tinha passado no brechó do indie fashion. Talvez com Slayer ou Sepultura no lineup, a galera fosse outra. Munido de paciência depois de ler reclamações sobre a desorganização do primeiro dia, não precisei dela e consegui sentir o primeiro cheiro de cocô de cavalo (presente em todos os cantos do Jóquei) em apenas 15 minutos. Entrada super tranquila. Faltando pouco para às 16h, acelero para assistir o Tomahawk, uma das dezenas de bandas de Mike Patton, o lendário vocalista do Faith No More. Som pesado e distorcido sob um sol ardido, Patton ensandecido tenta animar os tais dos hipsters com uns dois: “vamos lá, carrrralho” e nada. Ponto para ele que nunca se acomodou com o sucesso e sempre se arrisca. Dez minutos foram mais do que suficientes para suportar o sonzinho paumolescente do Two Door Cinema Club, tentei também o eletrônico do Zeds Dead na tenda Perry. Invejei uma fã que pulava em poça de água feliz da vida, haja ecstasy na cabeça. Fiquei na dúvida entre Alabama Shakes e Franz Ferdinand, que tocavam no mesmo horário. Decidi pelo fifty, fifty. O vocalista Alex Kapranos do FF sente-se em casa em Sampa que adora seus hits de pop rock compostos sob medida para as arenas de grandes festivais. Boa receita da banda: diversão, gringo se enrolando no português e corinho nos refrões. Corro ao palco alternativo para o Alabama Shakes. O vozeirão da vocalista, Brittany Howard, acompanhada pelo som de um antigo órgão e banda impressionam logo de cara. Grande show, um dos melhores do dia. Pena que o som do baixo estourou várias vezes, dava vontade de desligá-lo. Ficou o desejo de vê-los em local menor e com som redondo. Hora da principal atração da noite, o Queens of Stone Age. Não entendi até agora como não foram escalados para fechar a noite. A banda é ótima e enfilerou hits como “Little Sister” e “No One Knows”. O novo baterista, Jon Theodore, ex-Mars Volta, simplesmente detonou. O que incomoda, por vezes, no QOSA, é o som meio marcial e a total ausência de qualquer tipo de swing. Chegou a hora e a vez de Criolo, o orgulho do Grajaú, zona sul da capital, e sua jaqueta da Gaviões. Sua mistura de rap-samba-rock embalada por sua dancinha de umbanda recebem constantes petardos de críticos nerds que adoram incensar aquela banda do interior da Islândia. De outro lado, Criolo foi eleito o ídolo da vez de muitos descolados de plantão. Com certeza, ele chegou até aqui por mérito e não pelas mãos de descolados baba-ovo, muitos deles já o substituíram por qualquer banda “que está bombando em Nova Iorque”. Criolo tem talento e trouxe tempero brasuca no meio de dezenas de atrações gringas. A área do palco alternativo foi acanhada para o público que escolheu assistir o show. A boa banda com Daniel Ganjaman, que já tocou com boa parte da cena alternativa paulistana e naipe de metais, e músicas como “Bogotá” e “Não existe amor em SP” cantadas pela galera provam que Criolo veio para ficar. No final, recado: “paz para todos e para os irmãos que não puderam colar”. Translation: os ‘ irmãos’ não ‘descolaram’ 350 paus. O competente blues rock do Black Keys fechou a noite. Já cansado, fiquei mais no fundo da galera e vi muitos não darem a menor bola ao show conversando de costas para o palco. Perdi ‘Lonely Boy’ e o finzinho do show para fugir da muvuca da saída. Fiquei com vontade de voltar em 2014, o que, no frigir dos ovos, é bom sinal.