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mulheres feministas

A valorização da mulher numa campanha eleitoral mais preocupada com o passado

por Carlos Castilho Independente de qual seja o resultado das eleições deste ano, dois fenômenos já deixaram a sua marca: a valorização da mulher como protagonista politico e a preocupação de todos os partidos em buscar no passado a solução para os dilemas atuais, ignorando as mudanças que o futuro já está delineando. O eleitorado feminino se tornou o grande objetivo de todos os candidatos, de Bolsonaro até o PSTU, na reta final da campanha eleitoral. É um passo muito importante para a superação do machismo político, mas também é essencial constatar que os partidos e candidatos resolveram correr atrás das mulheres porque dependem hoje do voto delas, mais do que em qualquer eleição anterior. Outra coisa que impressiona quem acompanhou a atual campanha é a preocupante unanimidade dos partidos e candidatos em buscar no passado as soluções para os problemas atuais, bem como a insistência em propostas pontuais ignorando olimpicamente o contexto socioeconômico global marcado pela transição para uma era digital. Jair Bolsonaro apostou num retorno ao século XIX em matéria de autoritarismo, machismo, patriarcalismo, como fórmulas para acabar com o feminismo, com a rebeldia juvenil, a crise causada pelo desemprego, a violência urbana e a insegurança social gerada pelas consequências das inovações tecnológicas. Geraldo Alkmin e os demais candidatos de centro direita basearam suas campanhas presidenciais na glorificação de realizações passadas, como se elas pudessem ser repetidas indefinidamente numa realidade social que muda a cada semana. O Partido dos Trabalhadores (PT), uma sigla que 40% dos brasileiros associam à uma vaga ideia de renovação, propõe uma volta aos bons tempos dos governos de Lula, por meio do slogan “vamos ser felizes outra vez”. Para quem está desempregado ou teve a renda familiar reduzida em até 50% por conta da precarização do trabalho, a promessa de uma volta aos bons tempos é altamente sedutora, mas oculta um embuste. A politica de redistribuição de renda adotada por Lula entre 2002 e 2010 dificilmente produzirá os mesmos resultados porque a conjuntura mundial e nacional mudou. Além disso, o PT também mudou depois de usufruir a comodidade do poder e hoje está mais parecido com os demais partidos do que com a ideia de renovação política que sustentou a explosão de esperanças em 2002. Os dilemas ignorados Os dois fenômenos destacados no início deste texto sinalizam desafios enormes para o período pós-eleitoral e que terão de ser enfrentados sem os holofotes de uma campanha marcada por uma sucessão quase diária de pesquisas de intenção de voto. Os dois fenômenos destacados no início deste texto sinalizam desafios enormes para o período pós-eleitoral e que terão de ser enfrentados sem os holofotes de uma campanha marcada por uma sucessão quase diária de pesquisas de intenção de voto. A valorização eleitoral das mulheres as coloca diante do dilema de assumir um discurso próprio depois da votação. Até agora as candidatas inscritas pelos diferentes partidos adotaram, ao pé da letra, o discurso masculino na hora de se apresentar ao eleitorado. É um desafio enorme porque ainda não existe uma cultura política feminina, que priorize, sem dependências, o universo social das mulheres. Marina Silva deixou-se envolver pela cultura politica masculina, perdendo a imagem de mulher não contaminada pela politicagem tradicional e que seduziu tantos eleitores e eleitoras nos pleitos presidenciais de 2010 e 2014. A primeira ministra britânica Thereza May e a alemã Angela Merkel, fazem o gênero masculinizado na politica e pouco agregam à diversificação de gêneros no exercício do poder. Jacinda Ardern, a primeira ministra da Nova Zelândia, talvez seja um raro exemplo de comportamento público capaz de gerar novas perspectivas para o desenvolvimento da cultura politica feminina. O outro fenômeno que marca a atual campanha eleitoral brasileira é a omissão de partidos e candidatos no enfrentamento dos desafios que a era digital já está colocando para todos nós. O caso do desemprego é emblemático. Todos os candidatos presidenciais prometem criar novos empregos em massa. Henrique Meirelles diz ter uma fórmula para criar 10 milhões de novas vagas de trabalho, ignorando o fato de que o desemprego hoje deixou de ser apenas o resultado de uma gestão econômica desastrosa para se tornar a consequência da introdução de tecnologias baseadas na automação eletrônica. A substituição da mão de obra baseada na atividade física é inevitável numa economia começa a ser movida por robôs computadorizados e funcionando em rede pela internet. É um embuste prometer a devolução de empregos, quando tudo aponta na direção de uma mão de obra qualificada tecnologicamente. Nenhum candidato ousou penetrar no complexo terreno da reeducação de trabalhadores, um processo que onde o estado tem um papel fundamental já que as empresas só pensam em racionalizar a produção para sobreviver na transição de modelos de negócio. A obsessão pelo imediatismo Segurança, educação e saúde são outros temas onde os candidatos simplesmente ignoraram a realidade para alimentar, entre os eleitores, a ilusão de soluções rápidas. Todos eles preferiram o mantra da compra de armamentos, contratações e racionalização gerencial dos efetivos policiais, ignorando que a desigualdade social e econômica gera uma desproporção exponencial entre a proliferação de delinquentes e o aprimoramento do aparelho repressivo. A questão da segurança pública pode ser reduzida a uma equação bem conhecida dos policiais. É impossível colocar um guarda em cada esquina, 24 horas por dia, porque isto acabaria com o orçamento municipal ou estadual. Para sentir-se mais segura, a população teria que pagar impostos muito mais elevados e mesmo assim seria utópico pensar numa segurança total, num país onde a desigualdade social e econômica funciona como uma máquina de produzir delinquentes. O que a polícia pode fazer é identificar os chefes dos grupos criminosos e prendê-los. A população é que tem meios para prevenir e neutralizar a delinquência de rua, o assaltante de ocasião, sem que isto signifique legalizar a justiça com as próprias mãos. O medo de discutir temas complexos com o eleitorado levou os partidos e candidatos e evitar o debate sobre a necessidade do envolvimento direto da população na busca de soluções também para educação

Toda mulher é meio Leila Diniz*

Bem-vindo ao Fatos da Zona, em que adaptamos os textos mais acessados do site do Zonacurva Mídia Livre para o audiovisual. Neste vídeo, visitamos emocionados a memória da grandiosa Leila Diniz. Abordamos a história dessa figura icônica que enfrentou os costumes impostos pela ditadura e reformulou o que era esperado das mulheres de sua época.     1969 – Hermelina, Hermé para os mais chegados, casou virgem. Impaciente, ela aguarda seu marido no sofá da sala com o jantar servido na mesa, levanta, desliga a TV e volta a se sentar com o abusado hebdomadário Pasquim nas mãos. Na capa, a foto da atriz da última novela que assistiu com uma toalha na cabeça. Hermé lê a entrevista da atriz, sente um comichão, deixa um bilhete para o marido esquentar o jantar e vai dar uma volta na praia. Por lá, encontra amiga enfurecida com aquelas bobagens que aquela ‘atrizinha metida e prafrentex’ vinha falando. Para as mulheres do final dos anos 60, não havia alternativa, ou se tinha comichão ao ouvir o que pensava Leila Diniz ou raiva, muita raiva. Libertária, desbocada e dona de uma sensualidade cultivada em horas e horas de praia, Leila Diniz chutava o balde das carolas e caretas da época. O poeta Drummond resumiu o que ela representou pra sua geração: “Sem discurso nem requerimento, Leila Diniz soltou as mulheres de vinte anos presas ao tronco de uma especial escravidão”. “Casos mil; casadinha nenhuma. Na minha caminha, dorme algumas noites, mais nada. Nada de estabilidade”, Leila Diniz, em entrevista ao Pasquim. Se estivesse viva, Leila Diniz completaria 70 anos no dia 25 de março deste ano. Aos 24 anos, Leila foi entrevistada pela trupe do Pasquim, alguns deles seus amigos. A entrevista foi publicada no número 22 em 15 de novembro de 1969. Os 71 palavrões que Leila soltou durante a gravação foram substituídos por asteriscos. Jaguar, Tarso de Castro, Sérgio Cabral, Luiz Carlos Maciel e Paulo Garcez foram os entrevistadores. Obviamente os militares não gostaram da entrevista e baixaram decreto de censura prévia à imprensa que ficou popularmente conhecido como Lei Leila Diniz. Em programa da Rádio Batuta, do Instituto Moreira Salles, comandado por Joaquim Ferreira dos Santos, autor do livro “Leila Diniz: uma revolução na praia”, podemos ouvir trechos da lendária entrevista. “É gozado: meu pai, por exemplo, não fala palavrão. Lá em casa não se dizia nem cocô: a gente falava fezes. Tinha de ser tudo naquela base, que são palavras muito mais feias do que os palavrões. Mas o palavrão virou realidade em mim e quando as coisas são de verdade, as pessoas aceitam”, Leila ao Pasquim. Leila apaixonou-se pelo diretor de cinema Domingos Oliveira com apenas 17 anos. Já separados, em 1967, ela estrelou “Todas as Mulheres do Mundo”, filme de Oliveira.  Foi dirigida novamente pelo ex-marido em Edu, Coração de Ouro, em 1968. Antes, a atriz formou-se no magistério e dos 15 aos 17 anos de idade foi professora do maternal e jardim de infância no subúrbio carioca. Leila tornou-se um rosto conhecido ao participar das primeiras novelas da Rede Globo como Eu Compro Esta Mulher (1966) e O Sheik de Agadir (1966/1967), ambas de Glória Magadan, autora cubana radicada no Brasil. Leila atuou em 14 filmes e 12 novelas na TV. Não gostava muito de atuar no teatro: “acho teatro chato: aquela coisa de fazer toda noite a mesma coisa”. Em novembro de 64, teve um pequeno papel na peça O preço de um homem, de Steve Passeur, ao lado da atriz Cacilda Becker. Nascida em Niterói, Leila vivia entre Ipanema e Copacabana. Filha de Newton Diniz, dirigente do Partido Comunista, foi criada pela madrasta e pelo pai. Grávida de Janaína, de seu relacionamento com o cineasta Ruy Guerra, a atriz foi à praia por recomendação médica, que havia aconselhado banhos de sol para o bebê. Involuntariamente, Leila e sua barriga de oito meses nas areias do Rio simbolizaram a busca pela liberdade feminina em um país que vivia a opressão política e tentava se libertar da ignorância e do preconceito. Quando Janaína nasceu, Leila a amamentava em público. Na época, as feministas acharam Leila só uma porra-louca e a mulherada de direita “apenas mais uma mulher desfrutável”.  “Acho que cada um deve fazer o que lhe faz bem. Se você fumar maconha e achar que isso lhe cura, acho ótimo. O importante é amar as pessoas e sentir uma certa felicidade, apesar da zona ao seu redor”, Leila Diniz ao Pasquim. Além dos militares, a atitude libertária de Leila não agradava a cúpula das emissoras de televisão e ela passou a ser mais chamada com menos frequência para trabalhar na TV. Com isso, passou a participar de filmes de diretores que eram seus amigos como Nelson Pereira dos Santos, com quem filmou “Fome de Amor” em 1968. Sobre esses diretores, Leila disse: “a gente vai fazer cinema com quem a gente gosta… essa patota não tem dinheiro”. Com a grana curta, Leila chegou a abrir uma loja de batas indianas, moda na época. Leila morreu com apenas 27 anos em 14 de junho de 1972, quando retornava de um festival de cinema na Austrália, onde ganhou o prêmio de melhor atriz pelo filme Mãos Vazias. O DC-8 da Japan Airlines caiu no momento que sobrevoava a Índia. Sua filha Janaína tinha apenas sete meses.  “Eu espero amar ainda muitos homens na minha vida. Vou amar sempre… Você pode amar muito uma pessoa e ir pra cama com outra. Isso já aconteceu comigo”, Leila Diniz ao Pasquim.  Dalva de Oliveira canta e Leila dança:   “Eu estava dizendo que sou uma pessoa sem sentido porque meu sentido é esse: eu gosto de me divertir, pô”, Leila Diniz, em entrevista ao Pasquim. Fontes usadas: Livro O Pasquim, antologia volume 1 e Rádio Batuta. * Título retirado da música “Todas as mulheres do mundo” de Rita Lee. Documentário sobre Leila Diniz apresenta atriz para os jovens Viva Pagu A valorização da mulher numa campanha eleitoral mais preocupada com o passado