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A PEC 241 é ponte para a dor

por Eliane Tavares Muita gente ouve falar em PEC, mas não sabe o que é uma PEC. É como se fosse um projeto de lei, só que mais importante, porque muda a Constituição. Daí a sua sigla, PEC, Proposta de Emenda Constitucional. No caso do Brasil, a tão comemorada Constituição de 1988, que garantiu uma série de avanços, frutos de importantes lutas sociais pós-ditadura, já foi emendada mais de nove mil vezes, e isso até 2013. Quem levantou esse número foi o advogado Thiago Santos Aguiar de Pádua, num artigo para a página Consultor Jurídico (http://www.conjur.com.br/2014-mar-09/thiago-padua-brasil-10-mil-pecs-25-anos-constituicao). Ainda segundo os dados acima, a média geral de proposição de PECs é de 360 por ano, e pasmem, no geral, sem qualquer debate público. Ou seja, as bancadas – que representam interesses de grupos bem específicos e não a população – decidem sobre a vida de milhões, sem sequer submeter o tema a uma discussão mínima. Tudo se dá dentro do Congresso, com o silêncio obsequioso da mídia comercial. Nas mídias independentes e alternativas a discussão aparece, mas é claro que não tem o alcance dos veículos tradicionais e, geralmente, são demonizadas como “coisa de petralhas”. Somente quando é de interesse da classe dominante que o tema PEC se populariza, como aconteceu em 2013, durante as manifestações de junho, quando, do nada, todo mundo começou a vestir a camisa contra a aprovação da PEC 37, que tirava do Ministério Público o poder de investigação. Hoje sabemos por que houve tanto apoio da mídia comercial contra essa emenda, que foi derrotada a partir das grandes manifestações contra a corrupção. O Ministério Público iria cumprir triste papel na perseguição a um grupo bem específico de políticos: do PT. A PEC 241 Pois hoje pode passar pela segunda vez no plenário na Câmara a proposta de emenda à Constituição de número 241. Se aprovada, garante ao governo o direito de congelar os gastos por incríveis 20 anos. Eu disse, 20 anos, duas décadas. Agora imagem ficar por duas décadas com o mesmo orçamento para a saúde, educação, segurança, moradia, saneamento e seguridade social? Vinte anos com a aposentadoria congelada, com os salários do funcionalismo público congelado. E em nome de quê esse ajuste tão perverso? Em nome do que o governo Temer chama de “herança maldita do PT”. Mas, qual é a verdade? A verdade é que o governo está decidindo, num tempo de crise sistêmica do capital, manter religiosamente o pagamento dos juros da dívida, que consome mais de 45% do orçamento geral da União. Assim, opta por pagar aos banqueiros, de uma dívida ilegítima e ilegal, em vez de garantir direitos básicos à população. Não tem nada a ver com o PT, já que, de fato, no período em que esse partido governou, a economia estava em crescimento, o que permitiu melhorias nas políticas públicas. Agora, com a crise, haveria que se fazer escolhas. E o governo Temer está fazendo. Contra a maioria da população. Não é sem razão que o governo recém-empossado já realizou cortes em vários programas sociais, principalmente na Educação. Agora, caso passe o congelamento dos gastos, outros setores da vida cotidiana vão sofrer. Como a população brasileira ainda está inoculada com o ódio criado contra Dilma, contra o PT e contra tudo o que veio do governo passado, está bastante favorável para as bancadas que representam os interesses do grande capital, imporem uma grande derrota a toda gente. Afinal, os efeitos dessa proposta começarão a ser sentidos lentamente. E, quando aqueles que estão agora cegados pelo ódio ao PT se derem conta, tudo já estará consolidado. Nos movimentos sociais observa-se maior mobilização contra a PEC, mas o movimento sindical brasileiro parece adormecido. Pouco debate e pouca mobilização, o que possivelmente é fruto de todo o processo de domesticação vivido durante o governo petista, e que agora vai levar algum tempo para se recuperar. Aliado a isso, ainda tem a mídia comercial jogando pesado na consolidação da “historinha” de que é inevitável que os trabalhadores apertem o cinto para salvar o Brasil que o PT estragou. Muitos dirão que Dilma também faria o ajuste e que isso é necessário para tirar o país da crise. Mas, quem está no governo não é Dilma, é Temer, e é ele o responsável por isso, nesse momento. Ou seja, o governo brasileiro está fazendo uma escolha. Atender aos interesses dos grandes e penalizando a maioria, que é quem precisa dos serviços públicos. A luta contra a PEC 241 se dará nas ruas, ainda que sejam os mesmos de sempre a gritar contra o “saco de maldades”. E é muito provável que a Câmara dos Deputados, cuja conformação é completamente favorável ao governo a aprove sem problemas. Assim, o que se anuncia para os brasileiros é um longo tempo de profunda escuridão, tristeza e dor, afinal, serão 20 anos com os gastos públicos congelados. Isso significa que os valores que esse ano foram investidos nos serviços públicos como saúde, educação e previdência serão os mesmos daqui a 20 anos, e mesmo a classe média, tão virulenta no seu ódio aos pobres, terá de pisar miudinho para não se misturar aos que tanto despreza. Segundo pesquisas realizadas pelo grupo Tendências Consultoria Integrada, dirigido pelo liberal Maílson da Nóbrega, mais de 10 milhões de pessoas que integram hoje a Classe C serão rebaixadas às classes D e E. E, se para a classe média os prognósticos são ruins, que dizer dos mais empobrecidos? Desses, tudo será tomado. Publicado originalmente no Instituto de Estudos Latino-Americanos. Alguns diagnósticos sobre a PEC 241  

Alguns diagnósticos sobre a PEC 241

por Pablo Ortellado O texto reflete mais ou menos o que sei e penso sobre a PEC 241, que vai congelar os gastos do Estado brasileiro por 20 anos. Para começar, apresento a maneira como entendo os argumentos de quem defende a proposta: para eles, há no Brasil um desequilíbrio fiscal estrutural (isto é, se gasta estruturalmente mais do que se arrecada), com aumentos crescentes da dívida pública – movimento que precisa ser contido e revertido por meio de medidas duras, diluídas num período longo de tempo (20 anos). Embora dolorosas, pois reduzirão significativamente os gastos sociais do Estado, essas medidas serão compensadas pelos seus impactos positivos imediatos já que, ao resgatar a confiança dos investidores, elas vão gerar crescimento econômico, diminuição do desemprego e redução dos juros. Não agir assim, para os defensores da PEC, seria demagogia perigosa num momento de grave crise e nos levaria ainda mais para o fundo do poço. O que me parece errado, tanto no diagnóstico, como nas soluções propostas: 1) ainda que tivéssemos um desequilíbrio fiscal da natureza alegada pelos defensores da PEC, a solução não poderia ser um corte radical e horizontal dos gastos do Estado, mas cortar pontualmente gastos que beneficiam setores mais privilegiados (desonerações e altos salários, por exemplo) e aumentar a arrecadação, fazendo com que os brasileiros mais ricos paguem a sua parte no financiamento do Estado. Poderíamos transformar o vício em virtude, olhando para a nossa estrutura tributária regressiva – isto é, para o fato de os ricos pagarem bem menos impostos do que os pobres – como uma oportunidade de fazer a arrecadação crescer em momento de crise. Isso teria a vantagem de não mexer no que a imensa maioria paga de impostos; 2) haverá quase seguramente redução significativa dos gastos em saúde e educação. Atualmente os gastos em saúde e educação são vinculados, isto é, uma parcela do que o Estado arrecada com impostos é automaticamente repassada para saúde e educação, de maneira que, à medida que o país cresce, também crescem os recursos disponíveis para os serviços públicos. Esse sistema vai ser extinto com a PEC e os gastos totais do Estado não vão mais poder crescer. Como os outros gastos não poderão ser cortados (a maior parte deles são gastos com assistência social e previdência), a tendência é que a distribuição fique mais ou menos como está e os gastos com saúde e educação se reduzam muito, em relação ao PIB. Saber exatamente quanto é um exercício de futurologia, porque não sabemos quanto o Brasil vai crescer, nem como vai se comportar a inflação. Mas todas as simulações sérias que eu vi (os estudos do IPEA, do DIEESE e da minha colega Úrsula Peres), que utilizam expectativas padrões de mercado ou aplicam a regra da economia brasileira do passado, mostram redução muito drástica dos recursos necessários à saúde e educação; 3) existem pelo menos três grandes malandragens na PEC. Ela é uma obra de gênio. A primeira malandragem é semântica – dizer que não há cortes de gastos em saúde e educação, mas apenas a suspensão dos novos aportes. Não se tira recursos, simplesmente se deixa de colocar. Atualmente, os gastos são vinculados e crescem com a arrecadação. A partir da nova regra, estariam congelados. No decorrer dos 20 anos, um verdadeiro abismo separa o que seria gasto com saúde e educação na regra dos gastos vinculados e o que passaria a ser gasto com os gastos congelados. Nas simulações, essa diferença é uma redução de 40%; 4) a segunda malandragem é dizer que nada impede que os gastos em saúde e educação continuem crescendo, desde que o teto seja respeitado. Esse argumento só pode ser enunciado com má fé. O próprio governo Temer foi incapaz de distribuir desigualmente o ônus da crise, pesando mais sobre os mais privilegiados – pelo contrário, ele deu aumento para os servidores mais ricos e manteve todas as muito criticadas desonerações às empresas do governo Dilma. Esperar que os gastos em saúde e educação cresçam, vencendo a ação desses poderosos lobbies, se não for má fé, é apenas ingenuidade. E é de uma insensibilidade social sem par esperar que os gastos em saúde e educação cresçam às custas da redução dos gastos em assistência social (como o seguro-desemprego e o Bolsa-Família); 5) a terceira malandragem é diluir essa desconstrução dos serviços públicos em longos 20 anos. Isso tem duas vantagens para os proponentes: a primeira é que praticamente nada acontece sob o governo Temer, que poderá sobreviver ileso, já que nenhum dos cortes serão sentidos até o fim do seu mandato; o segundo é que os efeitos mais terríveis vão ser sentidos aos poucos e a barra pesada só será sentida nos anos 2020, 2030, quando nossa população estiver envelhecida, demandando mais o SUS e os recursos estiverem congelados no estágio atual; 6) como se não bastasse ser equivocada no conteúdo, a medida é um despropósito na forma. Ela está tramitando de maneira aceleradíssima, patrocinada por um governo que não submeteu tal programa ao crivo das urnas. Não foram feitas audiências públicas, os jornais não investiram no debate público e a maioria dos brasileiros simplesmente não tem ideia de que está em discussão – e esse desconhecimento não é por acaso: se o debate fosse realizado, o Brasil jamais aceitaria a medida, porque um sistema sólido de educação e saúde é um dos poucos consensos deste país tão dividido; Foram necessários 30 anos para construir nosso sistema público de saúde e para ampliar e consolidar nossa educação pública. Tudo, agora, corre o risco de ser desconstruído com um projeto que está sendo aprovado sem debate e que deve ter um tempo total de tramitação de apenas dois meses! 7) por fim, gostaria de enfatizar que embora envolvida em questões técnicas, essa é uma questão inteiramente política. Se temos mesmo um desajuste fiscal, temos que fazer um debate público sobre como resolvê-lo: se aumentamos a arrecadação sobre quem não paga imposto ou se cortamos gastos e onde cortamos os