Zona Curva

Occupy Wall Street

Goldman Sachs e o fanatismo pelo Deus Dinheiro

Em recente entrevista, o filósofo italiano Giorgio Agamben afirmou que “Deus não morreu, ele se tornou dinheiro”. A sacada de Agamben não saiu de minha cabeça enquanto assistia ao documentário “Goldman Sachs, o banco que dirige o mundo” de Jérôme Fritel e Marc Roche. O filme narra como o banco de investimentos Goldman Sachs mistura-se às engrenagens dos Estados nacionais como um parasita para sugar infinitos dólares para seu caixa, garantindo seu perene poder transnacional e anti-democrático. O que mais impressiona é como o poder desses mega-bancos de investimento, que nem precisam de agências, usam seus tentáculos como um polvo para ocupar cargos com homens de sua confiança em governos, manipulam políticos e escondem da imprensa suas negociatas, como a dos subprimes, que colaboraram para mergulhar o mundo em uma crise financeira sem precedentes em 2008. Assista ao documentário na íntegra: Em 2012, Greg Smith, ex-vice-presidente do banco em Londres, pediu demissão depois de 12 anos no banco e disparou em artigo no New York Times : “o ambiente do banco é tóxico e destruidor como nunca antes”. Segundo ele, até os interesses dos clientes do banco eram colocados à parte na maneira como a empresa operava e ganhava dinheiro. Smith conta no texto que chegou a administrar ativos de mais de 1 trilhão de dólares e cansou de ver diretores chamarem os clientes do banco de “marionetes”. O documentário foi baseado no livro “O Banco – Como o Goldman Sachs dirige o mundo”, de autoria de Marc Roche, analista do mercado financeiro do jornal Le Monde e que conta com experiência de 35 anos em coberturas jornalísticas sobre economia. Fundado em 1869 nos Estados Unidos por Marcus Goldman, um imigrante judeu bávaro, logo acompanhado por seu genro Samuel Goldman, o Goldman Sachs especializou-se no começo de sua história em corretagem de empréstimos de curto prazo emitidos por empresas. O filme relembra a artimanha financeira realizada pelo Goldman Sachs para maquiar a dívida grega para que o país pudesse integrar a União Europeia a partir de janeiro de 2001. O Tratado de Maastricht, da União Europeia, exigia que nenhum membro da zona do euro podia ter uma dívida superior a 60% do PIB e os déficits públicos não podiam superar os 3%. Em junho de 2000, para ocultar o tamanho real da dívida grega, que era de 103% de seu PIB, o Goldman Sachs transportou a dívida grega de uma moeda para outra. A transação consistiu em mudar a dívida que estava contabilizada em dólares e em yens para euros, mas com base em uma taxa de câmbio fictícia. O banco de negócios norte-americano ganhou na operação 600 milhões de euros. Hoje sabemos o resultado a longo prazo dessa operação: a dívida grega é de R$ 320 bilhões de euros, 175% do PIB, e 50% da população jovem está desempregada. O italiano Mario Draghi, que trabalhou no Goldman Sachs e foi condecorado pelos bons serviços ao mercado financeiro com o comando do Banco Central Europeu, foi um dos responsáveis em usar truques semelhantes de contabilidade com a dívida italiana. Os funcionários do Goldman Sachs eram chamados ironicamente de monges banqueiros. A empresa também orgulha-se de contratar jovens de destaque no meio universitário e transformá-los em verdadeiros ciborgues do mercado financeiro. Muitos desse ciborgues, depois de deixarem seus empregos no banco, são programados para usar armas financeiras em cargos governamentais de seus países de origem para garantir ganhos para o chamado 1%, como batizou o movimento Occupy Wall Street a pequena parcela de pessoas que controla boa parte da riqueza mundial.  Essa confusão entre interesse privado/especulativo e interesse público foi amplamente usada pelo Goldman Sachs em diversas ocasiões. Conheça alguns ciborgues da Goldman Sachs: Henry Paulson foi o ex-executivo-chefe do Goldman Sachs e nomeado secretário do Tesouro por George W. Bush durante a parte pior da crise de 2008. Paulson esteve diretamente envolvido no escândalo das subprimes em que, a grosso modo, o banco vendia títulos podres a seus clientes e simultaneamente especulava contra esses mesmos títulos. Já citado no texto, o italiano Mario Draghi foi vice presidente do Goldman Sachs para a Europa entre os anos 2002 e 2005. Saiu do banco diretamente para a presidência do Banco Central Italiano e de lá para o Banco Central Europeu, que forma a Troika (BCE, FMI e União Europeia), que comanda o processo de austeridade europeu que tem deixado várias economias europeias à míngua Robert Rubin trabalhou 26 anos no Goldman Sachs e chegou a ocupar postos elevados no banco. Entre 1993 e 1995, ocupou o Conselho Econômico da Casa Branca e, entre 1995 e 1999, foi Secretário do Tesouro norte-americano e é considerado um verdadeiro apóstolo da desregulamentação do mercado financeiro. Fontes usadas: Le Monde Diplomatique, Carta Maior e New York Times. http://www.zonacurva.com.br/todo-coracao-e-um-celula-revolucionaria/  

Safatle e a geração que quebrou o mundo

Em discurso aos jovens que ocuparam o Vale do Anhangabaú no Movimento Ocupa Sampa, em 2011, o filósofo Vladimir Safatle resumiu o espírito do fracasso da geração dos quarentões: “Na idade de vocês, dezoito, dezenove , vinte anos, costumava ouvir que não havia mais luta política a ser feita, que o mundo estava globalizado e o que valia era a eficácia, a capacidade de assumir riscos, de ser criativo, inovador, de preferência em uma agência de publicidade ou no departamento de marketing de uma grande empresa. Se assumíssemos essa nova realidade, entraríamos em um futuro radiante onde só haveria vencedores e raves, onde os que ficassem para trás teriam, no fundo, um problema moral, pois não haviam tido a coragem de assumir riscos, a necessidade de inovação e coisas do tipo. Bem, vejam que interessante. Exatamente essas pessoas que ouviram e acreditaram em tal discurso há vinte anos e que, como eu, estão hoje perto dos quarenta anos foram trabalhar no sistema financeiro e conseguiram criar uma crise maior que a de 1929, da qual ninguém sabe sair. Ou seja, eles simplesmente conseguiram quebrar o mundo”.   Trecho retirado do livro Occupy, movimentos e protesto que tomaram as ruas, Editora Boitempo.    Justiça de Nova Iorque condena militante do Occupy

Justiça de Nova Iorque condena militante do Occupy

Occupy – No início desta semana, a manifestante do movimento Occupy Wall Street Cecily McMillan foi condenada a até 7 anos de prisão por um júri popular em tribunal de Nova Iorque (EUA). Ela foi acusada de agredir um policial em março de 2012, na comemoração de seis meses do início do Occupy. Em entrevista ao portal Democracy Now, o advogado de McMillan, Martin Stolar, considerou o julgamento abusivo e que o juiz negou o pedido de fiança. O policial Grantley Bovell ficou com um olho roxo por uma suposta cotovelada da manifestante. Stolar diz que ela balançou o braço instintivamente após ser agarrada no seio direito por trás e que o vídeo usado pela acusação como prova não deixa claro a agressão de sua cliente. A sentença para McMillan foi a mais severa entre os vereditos expedidos pela Justiça contra 56 manifestantes do Occupy. A polícia nova-iorquina agiu com violência contra manifestantes em várias ocasiões, mas até hoje, nenhum policial foi julgado pela justiça. Assista ao vídeo usado pelos promotores para acusar a militante: 99% contra 1% O movimento Occupy Wall Street teve início quando manifestantes ocuparam em 17 de setembro de 2011 o Parque Zuccotti, em Manhattan, no coração do sistema financeiro dos Estados Unidos. O mote do movimento 99% contra 1% representa o fim da paciência da maioria com a espoliação do bem público pelos financistas. O detonador do movimento foi o socorro aos bancos na crise de 2008, realizado com dinheiro público. Enquanto isso, muitos executivos do setor bancário continuavam ganhando bônus exorbitantes e a juventude sentia na pele a precarização do mercado de trabalho. Leia a crônica “O monstro Mercado” O Occupy insere-se numa verdadeira onda de movimentos que levou muita gente de volta às ruas em todo o mundo. Em vários países, a população mobilizou-se e incendiou o debate político. Vimos isso na chamada Jornadas de Junho, no Brasil e na Primavera Árabe (em países do Oriente Médio e norte da África). Os 15M ou Indignados agitaram a Espanha, o #yosoy132 o México, o mesmo ocorreu em Portugal e na Turquia. No livro Occupy, da Editora Boitempo, o professor Giovanni Alves explica quem são os integrantes desses novos movimentos: “no caso europeu, muitos dos manifestantes são jovens empregados, operários precários, trabalhadores desempregados e estudantes de graduação subjugados pelo endividamento e inseguros quanto ao seu futuro — eles constituem o denominado “precariado”; incluem-se também no caso do Occupy Wall Street, veteranos de guerra, sindicalistas, pobres, profissionais liberais, anarquistas, hippies, juventude desencantada, trabalhadores organizados etc”. A origem dessa ebulição popular pode ser encontrada na Ação Global dos Povos, conhecida como AGP, que realizou sua primeira conferência em Genebra em 1998. No ano seguinte, na reunião da OMC em Seattle em 1999 e em Gênova, em 2001, os jovens ativistas surpreenderam o status quo vigente. “Se o século 20 terminou com a queda do muro de Berlim, o século 21 começou com Seattle” (sociólogo francês Edgar Morin) Na luta contra Bush, FMI e a favor do Zapatismo, surgiu o esqueleto desses movimentos. Muitos comparam o que acontece hoje com os protestos que agitaram vários países no final dos anos 60. O jornalista Bernardo Gutiérrez, que estuda o movimento 15M na Espanha, explica a diferença entre a mobilização atual com a dos sixties, em textona Revista Fórum: “não necessitamos daquela utopia do maio de 68, aquela estúpida praia debaixo dos paralelepípedos que nunca apareceu, o 15M já construiu sua própria utopia: dezenas, centenas, milhares de microutopias em rede”. A web exerce um papel essencial para a mobilização dos novos militantes políticos. As redes sociais, blogs e sites criam seu próprio fluxo de informações em organismos descentralizados em prol de novas relações sociais e políticas e liberdade de comportamento. Em uma reunião do movimento Occupy, o filósofo esloveno Slavoj Zizek, tenta entender a motivação da nova geração de manifestantes:  “Em uma velha piada da antiga República Democrática Alemã, um trabalhador alemão consegue um emprego na Sibéria; sabendo que todas as suas correspondências serão lidas pelos censores, ele diz para os amigos: “Vamos combinar um código: se vocês receberem uma carta minha escrita com tinta azul, ela é verdadeira; se a tinta for vermelha, é falsa”. Depois de um mês, os amigos receberam a primeira carta, escrita em azul: “Tudo é uma maravilha por aqui: os estoques estão cheios, a comida é abundante, os apartamentos são amplos e aquecidos, os cinemas exibem filmes ocidentais, há mulheres lindas prontas para um romance – a única coisa que não temos é tinta vermelha.” E essa situação, não é a mesma que vivemos até hoje? Temos toda a liberdade que desejamos – a única coisa que falta é a “tinta vermelha”: nós nos “sentimos livres” porque somos desprovidos da linguagem para articular nossa falta de liberdade. O que a falta de tinta vermelha significa é que, hoje, todos os principais termos que usamos para designar o conflito atual – “guerra ao terror”, “democracia e liberdade”, “direitos humanos” etc. etc. – são termos FALSOS que mistificam nossa percepção da situação em vez de permitir que pensemos nela. Você, que está aqui presente, está dando a todos nós tinta vermelha.” Fontes: livro Occupy e portal Democracy Now.

O monstro Mercado

Mercado vive há décadas nos esgotos de Wall Street. Alimenta-se diariamente de esperança e miséria. Durante um mês por ano, passa férias no parque construído especialmente para seu descanso nas Ilhas Cayman. Dentro de seu duro coração, há espaço para saudades de aliados de primeira hora como a família Bush e Margaret Thatcher. Época em que ele escalava tranqüilo as torres do WTC e descansava a vista com o skyline da metrópole. “Bons tempos que não voltam mais”, suspira. Rei da metamorfose, Mercado aprendeu a gostar de Obama, Hollande e Merkel. Por anos, Mercado entoou seu hit Globalização, repetido ad nauseam pelos quatro cantos do planeta. Espécie de world music hipnótica, Globalização controlou o imaginário humano. “Sua pregação integracionista visava seu próprio umbigo”, protesta um de seus mais ferrenhos inimigos, a Liberdade. Em 2008, Mercado ficou gravemente doente. Nervoso em seu estado debilitado, vociferava ameaças terroristas. Políticos, economistas e executivos o medicaram com  muito dinheiro público diretamente na veia. Uniformizados de Hugo Boss ficaram exultantes com sua pronta recuperação. Poucos perderam seus empregos e, apenas, um ou outro foi preso. Mercado curou-se e, aos gritos, pulava de galho em galho. Seu amigo inseparável, Desemprego vampiriza a energia de milhões de jovens, em especial, espanhóis. No passado, Desemprego e Mercado viviam uma relação que era uma montanha russa, hoje, vivem de mãos dadas como verdadeiros amigos de infância. Há meses, insistentes e ruidosos manifestantes têm atrapalhado seu sono. A insônia de Mercado afeta as bolsas ao redor do mundo. Ao olhar para o horizonte da Big Apple, Mercado sente um vazio no peito, é como se um pedaço de seu corpo tivesse sido arrancado. Mercado teme o futuro. Durante a madrugada, perturbadores pesadelos com milhões nas ruas em protesto o assombram.