As escolas, os estudantes e a flor
por Elaine Tavares Uma das táticas infalíveis do processo de produção de consenso é a repetição contínua e sistemática de mentiras. São tantas vezes ditas que viram verdades. Nelas, também é bastante comum as coisas trocarem de lugar. A vítima vira o vilão. É batata! Assim tem sido com os estudantes que ocupam escolas. De repente, aqueles garotos e garotas, que se aborreciam nas salas de aula, decidiram tomar o presente à unha. E diante de uma proposta que os governantes chamaram de “reestruturação” resolveram se levantar. A gurizada não é burra. Logo se deu conta que a reestruturação queria dizer destruição. Na época, o governo paulista, de Geraldo Alkmin (PSDB) decidiu fechar escolas onde achava que não eram “rentáveis”. Como se uma escola tivesse de ser lucrativa. A gurizada teria de sair do seu bairro, viajar quilômetros para chegar noutra escola, com salas de aula ainda mais cheias, com professores massacrados e mal pagos. Então, não houve dúvidas. Começaram a ocupar suas escolas para impedir que fossem fechadas. Que crime é esse? Um guri, uma guria, fincar pé na sua escola, porque que quer aprender, conhecer, se instruir, isso é irregular? As ocupações em São Paulo, em Goiás, no Rio Grande do Sul, em Minas, mostraram que algo estava acontecendo, e que era grave. Naqueles dias, o assunto foi parar na mídia e até certo ponto os estudantes foram respeitados na sua luta. Depois, quando o processo se espalhou, a classe dominante viu que era preciso parar com a “brincadeira”. Veio então a ordem para desocupar com a força policial. E todo o Brasil acompanhou a retirada da gurizada, com a velha violência de sempre. A coisa parecia superada. Com a consolidação do golpe parlamentar, as forças conservadoras, que já arreganhavam os dentes desde 2013, assomaram, ganharam musculatura, se fortaleceram e começaram a impor suas pautas ao país. Veio então a reforma do ensino médio, assim, por decreto, sem sequer passar pelo legislativo. Acabava com a obrigatoriedade do ensino de matérias universalistas, fundamentais para a formação de um pensamento crítico: sociologia, filosofia, artes. Nada disso na escola pública. Essas cadeiras que fazem pensar só nas escolas privadas, onde se forma a classe dominante. De novo o velho refrão: “Pobre tem de ficar no seu lugar”. Ana Julia Ribeiro, estudante secundarista, em discurso no dia 26 de outubro na Assembleia Legislativa do Paraná: Então, a gurizada se levantou outra vez. E os secundaristas voltaram à tática de ocupar escolas. Porque ali é o lugar onde passam grande parte do seu tempo, no mais das vezes, tentando, com muito esforço, manter a cabeça de fora do poço de mediocridade e superficialidade que o ensino formal no geral propicia. Poucos professores conseguem garantir uma aula crítica, cheia de motivação. Afinal, a maioria deles precisa correr de uma escola a outra, dando dezenas de aulas, para garantir um salário mais ou menos capaz de suprir suas necessidades vitais. Ainda assim, por conta da bravura e do compromisso político com os alunos, boa parte dos educadores supera as dificuldades e rema contra todas as forças do atraso. Os alunos sabem disso. Reconhecem os que lutam. Não é sem razão que quando tem greve, apoiam e lutam junto. E os alunos apoiam as greves, quando as aulas param, porque sabem que param para que possam continuar. Para que possam melhorar. E quando a mídia e os governos gritam que os professores são vagabundos porque saíram da escola, porque pararam as aulas, os alunos sabem que não é assim. Porque estão ali, cotidianamente, vendo o esforço que fazem para garantir um ensino de qualidade na escola pública. Por isso que agora, quando esse ensino sofre outro ataque – além da já tradicional exploração do professor – os estudantes insistem em se manter na escola. Dentro dela. Para que essa escola siga aberta, para que continue resistindo no mar das dificuldades, preparando as cabeças para o enfrentamento da vida. O levante dos secundaristas brasileiros na defesa da educação é de uma riqueza sem par. Não é uma luta pontual. É constituída pela universalidade do problema educativo. Questiona tudo: as leis, os cortes de verba, o sumiço das matérias de humanidades e a própria forma de ensinar. Há uma coisa incrível aí nessas ocupações que vai contra tudo o que se diz do jovem do século XXI. “Só querem fumar maconha e ficar na internet”, insistem em dizer os governantes sem moral e ética. Pois o concreto da luta desmente cabalmente essa falsa informação. Os secundaristas querem a escola, querem estudar, e querem que tudo isso aconteça de uma forma diferente da educação bancária reservada para os pobres. Os secundaristas estão abrindo portas e janelas, deixando entrar o ar do novo século. Eles ensinam sobre essa nova escola, que tem de ser livre, participativa, motivadora, humana, cooperativa, solidária. Quem tem olhos para ver, que veja. O fato é que os levantes dos estudantes, independentemente do que venha acontecer, com toda a truculência que está deflagrada, já venceu. Ele é igual a flor do poema de Drummond: “Uma flor nasceu na rua! Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto. Façam completo silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu. Sua cor não se percebe. Suas pétalas não se abrem. Seu nome não está nos livros. É feia. Mas é realmente uma flor”. Podem vir as bombas, os cassetetes, os fuzis, as prisões. Pode vir o que for. Já era. Nasceu, e é uma flor. Ainda que tudo se acabe, ainda que as escolas sejam retomadas e invadidas pelos ladrões de futuro, pelos vilões do amor, a lição já terá sido aprendida. Os estudantes mostram, com essas ocupações, que a escola pode ser boa, bonita e capaz de formar seres cheios de beleza e conhecimento transformador. Não tem retorno. O estopim foi aceso e não há como parar. O projeto de escola de hoje para frente tem de ser outro. E vai ser, a despeito