Zona Curva

Rio 2016

Emoções olímpicas

por Guilherme Scalzilli A simultaneidade abrangente da televisão diminui o fascínio grandioso da experiência nos Jogos Olímpicos, mas a presença nas competições impossibilita apreender algo além delas próprias. Paradoxalmente, a impressão de amplitude e diversidade fica mais nítida à medida que essas características se fazem menos apreensíveis. O clima geral é festivo, deslumbrado e ordeiro. A sensação de segurança predomina, inclusive nas regiões sensíveis. Chega a soar surpreendente o baixíssimo número de ocorrências negativas registradas pela mídia. São inúmeras disputas simultâneas, multidões imensas circulando por centenas de quilômetros sem parar, pessoas de todas as nacionalidades, faixas etárias e motivações. Sim, ocorrem problemas. No BRT, principalmente, que não se preparou para as responsabilidades assumidas pelo transporte rodoviário nos Jogos. Não existem mapas das linhas especiais no site da empresa, nem nas estações. Muitos funcionários dão informações desencontradas. Ninguém organiza as aglomerações nos horários de pico. Também houve e há falhas logísticas. No primeiro dia, a rodoviária Novo Mundo só tinha dois caixas eletrônicos para compra do cartão de transporte, ambos quebrados. As estações de metrô fecham antes de algumas disputas terminarem. Vencida a fase de aprendizado, porém, os deslocamentos pelo circuito olímpico transcorrem de forma satisfatória e evidenciam o acerto na escolha dos pontos de competição. Todas as regiões da cidade foram envolvidas, dispersando o afluxo gigantesco de pessoas e revelando a contraditória beleza desse lugar único É necessário louvar o grau superior da organização interna dos Jogos, e criticar suas falhas pontuais, mas eles fazem parte de uma estrutura mastodôntica e bilionária que tem pouco a ver com a cidade-sede ou seus moradores. Mesmo as evidentes melhorias no transporte e nas instalações públicas cariocas precisam passar pelo teste do uso cotidiano, fora da excepcionalidade de um momento que parece a salvo de intempéries. A tola confusão entre a nacionalidade dos anfitriões e o cosmopolitismo de um evento quase impecável serve apenas para revirar estômagos provincianos. E para nos lembrar de suas previsões catastróficas  e de sua infame torcida pelo fracasso dos Jogos. Agora estão por aí, feitos zumbis ranzinzas, falando em déficits na Previdência. Por outro lado, a mídia que lucra com o evento silencia sobre o papel fundamental que Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff tiveram na viabilização da inesquecível festa olímpica. Cada imagem do triunfo evidencia o oportunismo do golpe e explica por que os golpistas se esforçam tanto para consumá-lo agora, em meio ao deslumbramento do país. Publicado originalmente no Blog do Guilherme Scalzilli. O Brasil em tempos de Olimpíadas e chantagens

Uma Olimpíada na minha vida

É essencial torcer também pela luta do dia-a-dia que impulsiona a maioria da população brasileira em uma corrida por casa, saúde e educação de qualidade  por Jorge Luiz Souto Maior – publicado originalmente na Agência Carta Maior Até onde minha memória alcança sempre fui um esportista. Jogo bola “desde sempre” e até os 21 anos me arrisquei em diversas modalidades. Mesmo sem a mínima condição técnica e física, claro que sonhava em participar de uma Olimpíada e assistia a cada evento dos jogos como se fosse o último. Fiquei verdadeiramente fascinado com inúmeras performances e situações. Para citar apenas alguns poucos exemplos que me marcaram: João do Pulo (1976-1980), Nadia Comaneci (1976), Carl Lewis (1984), Joaquim Cruz (1984-1988), Gabrielle Anderson (última colocada na maratona – 1984), Ben Johnson (1988, que tempos depois foi pego no antidoping), Dream Team (1992), seleção brasileira masculina de Vôlei (1992-2004), Javier Sotomayor (1992), Gustavo Borges (1992-1996), Jacqueline Silva e Sandra Pires (1996), Fernando Meligeni (1996), 4×100 no atletismo masculino (2000), Adriana Behar e Shelda (2000 e 2004), Vanderlei Cordeiro de Lima (2004), Michael Phelps (2004), César Cielo (2008), seleção brasileira feminina de Vôlei (2008-2012); Usain Bolt (2008) etc. Mais recentemente acompanhei a trajetória de alguns atletas e treinadores brasileiros, que hoje estão compondo a equipe de natação, e bem sei da seriedade e da intensa dedicação dessas pessoas, como dos demais atletas e profissionais envolvidos, o que me obriga a torcer pelo seu bom desempenho. Queria, então, falar apenas desse sentimento romântico que as Olimpíadas proporcionam. Mas quando o evento se colocou mais próximo, o imaginário cedeu lugar à realidade concreta, pois um dos maiores efeitos dos megaeventos é o de nos mostrar, de forma mais evidenciada, a realidade que nos cerca lentamente. E, no real, o evento está carregado de situações que exigem a contenção dos nossos delírios. Lembrem-se, por exemplo, das remoções ilegais e absurdas ocorridas na Vila Autódromo; dos 11 trabalhadores mortos nas obras; das péssimas condições de trabalho, muitas análogas às de escravo, a que foram submetidos milhares de trabalhadores; das relações promíscuas que geram desvio indevido de verbas públicas; do superfaturamento e das obras inacabadas. Queria, também, só falar bem da festa de abertura das Olimpíadas no Rio, porque, afinal, foi mesmo lindíssima de se ver, abalando, inclusive, o nosso dito “complexo de vira-lata”, conforme expressão atribuída a Nelson Rodrigues. A festa se amoldou ao denominado “espírito olímpico” e efetivamente comoveu. É que, bem ao contrário do que se dá em uma Copa do Mundo de futebol, que serve unicamente aos interesses particulares da Fifa e seus aliados, as Olimpíadas possuem a força estranha de arrancar a fórceps o que há de melhor nas pessoas e instituições. O aspecto verdadeiramente fulminante do esporte olímpico é que ele nos faz perceber como seres humanos, cuja existência só tem sentido na correlação saudável e honesta com outros seres humanos. É por isso que o “mundo olímpico” precisa estimular a igualdade de condições, até para que as vitórias tenham sabor. Vitórias que, ademais, não representam um aniquilamento do outro, mas uma superação dos próprios limites estimulada exatamente pelas “ameaças” do “adversário”. As Olimpíadas, ademais, não são só magia, pois apesar de se juntarem países com diversos problemas em um mesmo local, onde problemas não faltam, ainda se consegue realizar um grandioso evento em que as coisas dão certo e chegam a emocionar. Uma Olimpíada, além disso, nos faz pensar para além das fronteiras que foram criadas para a satisfação de interesses econômicos e nos força a estabelecer senso crítico de uma realidade hostil à condição humana, marcada por guerras, ganância, concorrência, individualismo, intolerância e xenofobia. Isso explica, aliás, o desconforto daquele cujo nome não pode ser dito (e não foi) na festa de abertura, na medida em que sua presença representava exatamente tudo aquilo que quebra o espírito olímpico, afinal sua “vitória” (momentânea) foi fruto do desrespeito às regras do jogo. Presidente interino Michel Temer é vaiado na abertura das Olimpíadas: Na linha do bom astral, sobre a festa de abertura queria apenas destacar que o evento, tendo sido obrigado a retratar uma pequena parte (devido a limitação de tempo) do que a cultura brasileira produziu de melhor, especialmente na música, não foi apenas um espetáculo muito bonito, como também se prestou a ser revelador da inconsistência de, na política, se ter dado voz e vez a um sentimento que reverbera o que de pior o sentimento humano pode produzir, conforme se verifica nas falas dos reacionários de direita que, diante do cenário político favorável, hoje se põem de plantão e encontram lugar na grande mídia. Para verificar o despropósito dessa ameaça de retrocesso, aproveitemos do espírito olímpico e imaginemos como seria uma festa de apresentação realizada por essas pessoas. Fariam um “espetáculo” passando a versão histórica machista, branca, homofóbica e xenófoba dos senhores de escravos, dos oligarcas, dos reacionários de cada período e dos opressores e ditadores, repercutindo, inclusive, o interesse das grandes corporações. Pregariam o fim da diversidade, a expulsão dos estrangeiros, a supressão da liberdade de expressão e buscariam as razões para justificar a escravidão, a desigualdade, as diversas formas de opressão, a eliminação de direitos trabalhistas e a violência policial contra os movimentos sociais, fazendo loas, inclusive, às teorias raciais. Seria grotesco, mas, enfim, é isso que muita gente, muitos sem perceber, tem defendido, e um megaevento exaltando tais “valores” seria uma “bela” oportunidade para se perceber o absurdo da pregação reacionária. Um tal evento evidenciaria, ainda, a contradição entre o reacionarismo e os desafios que se impõem à elevação da condição humana, afinal, o esporte olímpico, buscando extrair o que há de melhor nos seres humanos, exige uma postura que, embora não seja assumidamente de esquerda, é, ao menos, de tolerância, de estímulo à diversidade, de unidade, de solidariedade e da soma de esforços em atuação coletiva para a construção de um mundo melhor. Vide, a propósito, o comovente acolhimento dado aos refugiados pelos organizadores e pelo público na abertura do evento. O espetáculo da abertura talvez por esse aspecto tenha

Brasil só perdeu?

Entre o preparo de um misto quente e um cheese-burger, o chapeiro da padaria reclama ao balconista: “não quero mais ver mais essas Olimpíadas, Brasil só perde”. O balconista responde: “é verdade, e o Corinthians vai mal, hein, só empatou ontem com o Atlético de Goiás”. Não tem jeito, para brasileiro, papo sobre esporte sempre termina em futebol. Mesmo nas Olimpíadas. Cheguei  a ouvir a sugestão de um torcedor mais exaltado o cancelamento dos jogos do Campeonato Brasileiro de Futebol nestas duas semanas para focarmos nossas atenções em Londres. Argumentos esdrúxulos como esse fazem um pouco de sentido ao perceber que, durante 3 anos, 11 meses e duas semanas, 80% do espaço da mídia esportiva brasileira é latifúndio (muitas vezes improdutivo) do futebol. A hegemonia do futebol encurrala os outros esportes. Brasileiro gosta de esporte mas gosta ainda mais de ganhar. E o futebol geralmente entrega o que promete. No início das Olimpíadas, os brasileiros até encheram-se de ufanismo e otimismo após o primeiro dia brilhante do país com três medalhas, uma de ouro, uma de prata e uma de bronze. Juntou-se a isso a naturalidade que Sarah Menezes encarou sua medalha de ouro, a judoca chegou a dizer que a luta decisiva foi fácil. Tudo não passou de um falso presságio de que a situação do esporte brasileiro finalmente tinha mudado. Faltam dois dias para o encerramento das Olimpíadas e os resultados mostram que há um longo e tortuoso caminho para o Brasil se tornar uma potência olímpica. Infelizmente, ainda não aproveitamos a diversidade de nosso povo miscigenado, que nos proporciona uma multiplicidade de biotipos para as mais variadas práticas esportivas. Na capital inglesa, tivemos boas surpresas, decepções, confirmações e micos. O top mico atende pelo nome de Fabiana Murer. Depois da confusão sobre o sumiço da vara em Pequim, Murer ‘refugou’ como cavalo xucro e simplesmente não pulou no salto decisivo. Culpou o vento. Com furacão ou tsunami, Murer tinha que pular. A estrela do salto com vara, a russa Yelena Isinbayeva, que também decepcionou com seu bronze, disse em entrevista que não entendeu a atitude da atleta brasileira. Segundo a russa, Murer enfrenta algum problema físico ou psicológico grave. Outro mico foi protagonizado por Diego Hypólito, demonstrando falta de controle emocional, fracassou feio na segunda Olimpíada seguida. Desta vez, teve uma queda patética, de lado. Outras decepções ficaram a cargo de César Cielo, derrotado na final dos 50m livre, amargou o bronze, e o do atletismo. Responsável por várias medalhas em outras edições olímpicas, desta vez, os brazucas só alcançaram duas finais (salto em distância masculino e 4×100 feminino) no Estádio Olímpico. Em recuperação de uma contusão, a medalhista de ouro em Pequim,  Maurren Maggi, não conseguiu ficar entre as 12 melhores no salto em distância. O vôlei, tanto de quadra como de praia, e o judô confirmaram o bom desempenho e mais uma vez trazem boa parte de nossas medalhas. Agora, o otimismo para melhores resultados em 2016 justifica-se por alguns ótimos resultados da nova geração de atletas, com destaque para as espetaculares medalhas dos irmãos Falcão e Adriana Araújo no boxe e de Arthur Zanetti nas argolas da ginástica olímpica. Festival de Desculpas e bolsa-atleta Durante as duas semanas de Olimpíadas, o Febeapá (Festival de Besteiras que Assola o País), criado por Stanislaw Ponte Preta na década de 60, foi substituído por um Festival Avassalador de Desculpas. Deprimente. Se classificar para uma Olimpíada não é fácil, se o atleta está lá e esforçou-se em busca de seu melhor desempenho, não deve pedir desculpas a ninguém. Como as Olimpíadas concentram dezenas de corridas, jogos e lutas em poucos dias, as derrotas naturalmente são em maior número do que as vitórias, ainda mais para um país com pouca tradição na grande maioria dos esportes olímpicos como o Brasil. Com isso, pulularam na web textos oportunistas cheios de complexo de vira-lata (o mesmo se ouviu na cerimônia de abertura: “imagina no Rio, será um vexame”, o brasileiro é recordista em auto-depreciação). Muito se escreveu sobre o quixotismo dos atletas brasileiros e de que falta tudo e mais um pouco aos heroicos atletas do país. Auto-piedade não resolverá a situação. Com certeza, falta muito apoio e estrutura e qualquer atleta brasileiro que alcança índice e se classifica para as Olimpíadas dedicou sua vida ao esporte. Sem a prática massiva de esportes, seja nos clubes, parques, universidades, o Brasil nunca será forte nas Olimpíadas. Faltam também centros de excelência, locais onde os atletas isolem-se do mundo com um único objetivo: treinar. Há quatro anos dos Jogos Olímpicos do Rio, sem dúvida, a situação do atleta brasileiro melhorou. Falta muito, mas melhorou. Mais de 4 mil atletas recebem o bolsa-atleta, o que custará R$ 60 milhões de reais neste ano. Segundo o site da Caixa Econômica Federal, o bolsa-atleta é destinado aos atletas que não contam com patrocínio e varia entre R$ 370 e R$ 3100 por mês. Dilma Rousseff informou na abertura dos jogos de Londres que o governo investirá neste ano R$ 200 milhões na modernização de centros de treinamento e em tecnologia esportiva, com a finalidade de melhorar a formação e preparação de atletas. Dilma também destacou o investimento de R$ 1 bilhão na construção e cobertura de mais de 2.800 quadras esportivas em escolas públicas em todo o país. De acordo com Dilma, até 2014, serão seis mil quadras construídas e quatro mil cobertas. Se são só promessas, o tempo dirá, mas, infelizmente, já sabemos que parte dessa dinheirama ficará no bolso de meia dúzia de cartolas. Hoje é sexta e o Brasil já bateu pelo menos seu recorde de medalhas que era de Pequim, temos garantidas 16 medalhas. Ia me esquecendo, amanhã de manhã, tem final do futebol masculino em busca de sua inédita medalha de ouro. Mas futebol tem todo dia.