Zona Curva

A conciliação perpetuará o fascismo

A direita gosta de ver Lula prometendo uma candidatura que se destrói com meia-dúzia de canetadas amigas. O incômodo surge quando ele ameaça expandir essa perspectiva, abraçando uma agenda democrática que inclua sua elegibilidade em tópicos de interesse geral. Então os ideólogos da pacificação vêm negar-lhe o direito de falar em nome da boa causa.

Romper esse bloqueio tornou-se uma obrigação moral e estratégica do lulismo. Se Lula causa embaraço, é porque suas manifestações iluminam a natureza judicial do fascismo e o endosso hipócrita que este recebe dos apoiadores da Lava Jato. A pecha da radicalização estigmatiza o diagnóstico mais óbvio da conjuntura brasileira e impõe uma via suicida à luta oposicionista.

Seria indecente pedir que Lula participasse do teatro de normalidade envolvendo sua ausência na disputa contra Jair Bolsonaro. E isso vale para todo cidadão que se diga preocupado com a escalada arbitrária. Não resta dúvida razoável de que a Lava Jato conspirou para eleger o fascista, além de manter preso, ilegalmente, seu maior adversário.

Bolsonaro é uma distração para o verdadeiro problema. Enquanto o bode faz pinotes na sala, os cômodos da casa vão sendo tomados pelo bolsonarismo judicial, que dá alicerce ideológico e repressivo ao governo dos patetas úteis. Sem denunciar a Lava Jato de maneira inflexível, a plataforma antifascista flerta com o desastre. Derrubará o capitão para eleger Sérgio Moro.

Não há perigo de conflito social no país, e sim um avanço de práticas delituosas e golpistas, muito bem documentadas, que a covardia pacificadora julga prudente eufemizar. Mais do que premissa ética, enfrentá-las é uma exigência constitucional. Agendas libertárias polarizam radicalmente com o fascismo, e com seus adeptos, em qualquer contexto. Por natureza.

O atual mote conciliador vem da Anistia, imposta pela ditadura militar como proteção para seus criminosos. Os setores que aderiram àquela impunidade amnésica tentam reproduzi-la, exatos 40 anos depois, no desastre de outra loucura autoritária que eles apoiaram. Desta vez, contudo, as vítimas só podem participar se fizerem autocrítica e pedirem desculpas.

A animosidade entre petistas e antipetistas, que serve de pretexto à ação de pacificadores, constitui um falso dilema para o campo democrático. Além de favorecer o polo reacionário, trivializando seus valores abjetos, essa partidarização faz leitura mesquinha do desafio. Basta usar a legalidade como referência positiva que o meio-termo deixa de parecer tão razoável.

Quisesse de fato derrotar Bolsonaro, o centrismo anteciparia a postura pragmática que exige do PT. Admitindo que o partido será essencial a qualquer projeto oposicionista, veria na rejeição hidrófoba a Lula um grande obstáculo para o êxito da aliança. E faria do petista um símbolo dos podres da Lava Jato, convertendo-a em vulnerabilidade ética do governo.

LULA LAVA JATO

Tamanho desperdício tático é também sintoma de naturalização do fascismo. A ideia de atrair o eleitorado conservador afagando suas taras vingativas só pode fazer sentido para quem distingue Bolsonaro e o “legado” da Lava Jato, ou a corrupção dos justiceiros e a que dizem combater. Não surpreende que Lula, hábil negociador, seja visto ali como incendiário.

Nenhuma vitória democrática será viável se depender de concessões do bolsonarismo judicial. E não me refiro apenas aos recuos inaceitáveis que isso exige, mas também à esfera prática: o grupo capaz de arrancar do páreo alguém como Lula, com 40% das intenções de voto, daquela maneira, parece indisposto a reconhecer limites. Ou mesmo a permitir disputas imprevisíveis.

Para vencer democraticamente o fascismo é preciso reconstruir a própria democracia. O apoio popular a Sérgio Moro, verdadeira base estatística da força reacionária, aponta para um nível de manipulação que destrói fantasias sufragistas. A inação do STF, do STJ e do TSE diante das reportagens do Intercept antecipa o nível das campanhas eleitorais futuras.

O republicanismo inflexível pode agregar moderados políticos, inclusive porque a moderação é necessária ao reconhecimento dos direitos de um adversário. Mas esse consenso envolve clareza sobre o objetivo comum e, acima de tudo, a natureza inconciliável das demandas. Em suma, o comprometimento por uma ética radical alicerçada na firmeza de seus propósitos.

Fascistas, no pasarán

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