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A força do Brasil mestiço no canto de Clara Nunes

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Neste vídeo, vamos mergulhar na vida e obra de uma das maiores vozes da música brasileira: Clara Nunes.

Conhecida como a “Sabiá”, Clara foi uma cantora única, que deixou um legado marcante na cultura brasileira.

 

 

por Fernando do Valle

Clara Nunes – Como se estivesse sempre pronta para uma boa festa de ano novo na praia em seu vestido branco e descalça que Clara Nunes foi imortalizada no imaginário de seu tempo. Devota dos rituais afro-brasileiros, Clara cantou o samba de raiz que desnudou a alma brasileira e resgatou o vigor da cultura mestiça.

Depois de mais de 10 anos dedicados a cantar boleros e canções românticas em uma carreira que não decolava, Clara encontrou seu rumo em sambas com profunda raiz brasileira e a recompensa veio em 1974, com Alvorecer, que a tornou a primeira cantora brasileira a vender mais de 100 mil discos. Ela ainda foi além e o disco alcançou 600 mil cópias vendidas se somadas à vendagem nos anos seguintes.

Filha de Ogum com Iansã e portelense de coração, a cantora gravou várias músicas de compositores ligados à escola, entre eles, Candeia. Mineira de Paraopeba, Clara não conseguiu ouvir seu pai violeiro, conhecido como Mané Serrador, que morreu quando ela tinha apenas 2 anos. A cantora perdeu também a mãe quatro anos mais tarde e passou a ser criada pela sua irmã Dindinha e seu irmão Zé Chilau.

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A cantora Clara Nunes

Clara Nunes (Clara Francisca Gonçalves Pinheiro) nasceu em Paraopeba em 12 de agosto de 1942 e morreu no Rio de Janeiro em 2 de abril de 1983 aos 40 anos.

Mais jovem de 7 filhos, Clara começou cantando no coral da igreja influenciada por Elizeth Cardoso e Dalva de Oliveira que adorava ouvir pelo rádio. Aos 15 anos, um de seus irmãos matou um rapaz a facadas após uma discussão, o crime levou Clara a se mudar para Belo Horizonte. Na capital mineira, venceu a etapa mineira do concurso A Voz de Ouro ABC em 1960.

Clara Nunes cantou em boates e clubes em Belo Horizonte e em 1965 foi para o Rio, onde passou a apresentar-se no programa de José Messias, na TV Continental, e outros programas televisivos. No ano seguinte, 1966, lançou seu primeiro disco, “A voz adorável de Clara”, pela gravadora Odeon.

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A cantora Clara Nunes na capa do disco Brasil Mestiço (1980)bi

No mesmo ano (1974) que lançou o disco que deu uma guinada em sua carreira, a cantora atuou na segunda montagem do espetáculo Brasileiro, Profissão Esperança, ao lado do ator Paulo Gracindo, que contava, em cenas e músicas, a vida de Dolores Durán e do jornalista e letrista Antonio Maria.

Clara gostava de pesquisar ritmos brasileiros, folclore e a tradição afro-brasileira, o que a levou a converter-se à umbanda. Sem dúvida, o casamento com o músico e letrista Paulo César Pinheiro colaborou ainda mais para aguçar seu interesse pelo samba de raiz. Junto com ele, a cantora fundou um teatro com seu nome no Shopping da Gávea, no Rio de Janeiro.

clara nunes samba
Clara Nunes sempre valorizou as tradições afro-brasileiras em sua música

Clara Nunes gravou algumas composições de Candeia como “O mar serenou” e “Minha gente do morro, saiba mais sobre o sambista.

 

 Ditadura militar e morte prematura

O site Documentos Revelados (www.documentosrevelados.com.br), iniciativa louvável de Aluizio Palmar que resgata documentos da chamada comunidade de informações da ditadura militar, divulgou em 2012 o Informe 2755 do Ministério do Exército que elenca Clara Nunes ao lado de Agnaldo Thimóteo, Wilson Simonal, Wanderley Cardoso, Roberto Carlos e outros como “artistas que se uniram à Revolução de 64 no combate à subversão e outros que estão sempre dispostos a uma efetiva colaboração com o governo”.

Em matéria no Jornal do Brasil, o próprio Aluízio Palmar ficou surpreso quando teve acesso à informação: “Clara Nunes nunca foi desse meio político. Me surpreendi, mas não dá para dizer que é uma montagem. É claramente um documento oficial”.

O jornalista Vagner Fernandes, autor da biografia Clara Nunes – Guerreira da Utopia, lançada em 2007, rebate o relatório do Exército: “Clara Nunes gravou um samba do Chico Buarque, Apesar de você [a música é considerada um hino contra o regime de exceção que vigorou entre 1964 e 1985]. O governo percebeu que o conteúdo da música era “revolucionário” e a EMI/ODEON obrigou-a a gravar o hino das Olimpíadas do Exército. Por causa disso ela foi muito massacrada por alguns jornais. Ela não era muito envolvida com política”.

Mesmo pairando dúvidas se Clara colaborou com o governo militar, seria realmente imperdoável que uma cantora que resgatou o samba de raiz e foi uma das mais autênticas cantoras de nossa música popular tenha colaborado com os serviços de informação da ditadura.

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Informe do Exército elenca Clara Nunes ao lado de artistas que teriam colaborado com o regime militar

Apelidada de Sabiá, Clara Nunes morreu em 1983, aos 40 anos, em decorrência de complicações após uma cirurgia para retirada de varizes da perna que foi realizada em 5 de março de 1983. Uma reação alérgica ao anestésico provocou uma parada cardíaca na cantora que ficou na UTI até sua morte em 2 de abril. Clara tinha apenas 40 anos e seu corpo foi velado na quadra da Portela.

Clara Nunes sempre valorizou as tradições afro-brasileiras em sua música

 

A resistência de Gal Costa à ditadura civil-militar

O samba de resistência de Candeia

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