Zona Curva

A paranoia anticomunista com décadas de atraso

 

 por Fernando do Valle

Quando certa paranoia anticomunista ainda provoca delírios, alguns até cômicos, com certeza esses reacionários de hoje teriam uma síncope se vivessem há décadas atrás, quando duas importantes capitais (Recife e Natal) e a capital do país à época (Rio de Janeiro) foram o cenário da Revolta Comunista que tentou derrubar Getúlio Vargas em novembro de 1935.

Muitos conhecem a revolta como “intentona comunista”, apelido depreciativo dado ao governo ao levante, basta dar um pulo ao dicionário que encontramos intentona como um “intento louco, um plano insensato”. A prepotência dos aliados de Getúlio, que apelidaram com desprezo o movimento, talvez se deva à rapidez com que venceram os revoltosos: cerca de uma semana.

Quem liderou a revolta foi a Aliança Nacional Libertadora (ANL), fundada poucos meses antes, em maio de 1935. No comando da ANL estavam os comunistas, mas ela reunia democratas, liberais, antiimperialistas, anti-latifundiários e socialistas que se opunham ao avanço do nazi-fascismo. A Aliança chegou a reunir 70 mil filiados, entre eles, militares descontentes com os rumos do governo Vargas que participaram da Revolução de 30. Os militares alinhados ao governo acusavam a ANL de receber “ouro de Moscou” e defendiam seu banimento do cenário político.

Com o lema “Pão, Terra e Liberdade”, a ANL tinha entre suas principais bandeiras a urgência de uma ampla reforma agrária. Foi um jovem militante comunista, Carlos Lacerda, quem leu o manifesto de Luís Carlos Prestes que pedia “todo o poder a ANL” que consagrou o Cavaleiro da Esperança como presidente de honra da Aliança. Mais tarde, Lacerda tornou-se um empedernido conservador e ferrenho opositor de João Goulart e Juscelino Kubitschek.

revolta comunista 1935
Carlos Lacerda lê manifesto de Luís Carlos Prestes em congresso da ANL (fonte: Fundação Maurício Grabois)

O Partido Comunista foi fundado no Brasil em março de 1922, cinco anos após a Revolução Russa de outubro de 1917. Com apenas quatro meses de existência, foi colocado na clandestinidade pelo estado de sítio do presidente Arthur Bernardes. Entre 1924 e 1925, a Coluna liderada por Luís Carlos Prestes lutou contra o governo central.

Os planos do levante comunista no Brasil começaram a tomar corpo em Moscou entre o final de 1934 e o início de 1935. Em abril de 1935, Prestes retorna da capital russa e passa a contar com a ajuda de comunistas infiltrados no Brasil como o ex-deputado comunista alemão Artur Ewert, o argentino Rodolfo Ghioldi, além de outros, para articular a revolta. Os planos de Prestes incluíam a tomada do poder e a instalação de um governo popular que prepararia a implantação de um regime socialista no país.

“As lutas continuam, porque a vitória ainda não foi alcançada e o lutador heroico é incapaz de ficar a meio do caminho, porque o objetivo a atingir é a libertação nacional do Brasil, a sua unificação nacional e o seu progresso e o bem-estar e a liberdade de seu povo e o lutador persistente e heroico é esse mesmo povo, que do Amazonas ao Rio Grande do Sul, que do litoral às fronteiras da Bolívia, está unificado mais pelo sofrimento, pela miséria e pela humilhação em que vegeta do que uma unidade nacional impossível nas condições semicoloniais e semifeudal de hoje!” (trecho do manifesto de Luís Carlos Prestes).

O 21º Batalhão de Caçadores na cidade de Natal abrigou o primeiro levante militar no dia 23 de novembro de 1935. Após 19 horas de confrontos que vitimaram 100 pessoas, os rebelados tomam o controle da cidade e formam o Comitê Popular Revolucionário, com integrantes do Comitê do Partido Comunista. Durante 4 dias, Natal viveu a revolução, mas a reação das tropas do governo massacrou os rebeldes, oficiais foram presos e soldados e militares de baixa patente foram torturados.

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Prédio da Força Pública do Rio Grande do Norte baleado após o Levante Comunista (fonte: Projeto República/ UFMG)

Com a insurreição em Natal, o secretariado do Partido Comunista do Recife marcou o levante para o dia 24. O levante na Vila Militar enfrentou dura resistência, mas os rebeldes dominaram o quartel e conseguiram marchar em Recife. O governo mobilizou mais tropas e a rebelião também foi debelada na capital pernambucana.

Mesmo com a revolta sufocada no Nordeste, o levante aconteceu na capital do país no dia 27 de novembro no 3º Regimento de Infantaria, da Praia Vermelha, e na Escola de Aviação Militar do Campo dos Afonsos. No momento do levante no Rio, o governo já havia recolhido informações sobre os planos dos revolucionários, o que facilitou a reação das tropas fiéis a Getúlio.

Sem contar com a adesão do operariado e da classe média, a rebelião foi violentamente derrotada. A partir daí, uma forte repressão se abateu não só contra os comunistas, mas contra todos os opositores do governo. Milhares de pessoas foram presas em todo o país, inclusive deputados e senadores.

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Combatentes correm no Levante Comunista de 1935 (fonte: Projeto República/ UFMG)

Para justificar os arbítrios cometidos, o governo ainda inventou que militares getulistas foram assassinados enquanto dormiam nos quartéis da capital fluminense. Participantes do levante foram torturados e membros do partido comunista que não participaram da revolta também foram presos.

Getúlio Vargas aproveitou a histeria anticomunista para prender milhares de opositores, a grande maioria deles não havia participado do movimento revolucionário e mal sabiam o que tinha acontecido. Vargas usou o levante para concentrar ainda mais poderes em suas mãos: militares poderiam ser cassados, garantias democráticas da Constituição foram suspensas e a censura sobre a imprensa aumentou.

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Soldados rebeldes caminham de braços dados para a prisão no Rio de Janeiro

Prestes só foi preso em março de 1936 ao lado de Olga Benário e libertado 9 anos depois, em 1945, quando recebe anistia de Getúlio Vargas. Sua companheira, Olga Benário, agente comunista alemã, grávida de Prestes, foi deportada pra seu país de origem, em 1942. Depois de dar a luz à filha, Anita Leocádia, em uma prisão da Gestapo (polícia secreta alemã), Olga foi morta em um campo de concentração com 34 anos de idade.

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Em 2002, o documentário “O Assalto ao Poder”, de Eduardo Escorel, nos dá mais detalhes sobre a Revolta Comunista de 1935:

Em 2013, A TV Brasil entrevistou um dos participantes da revolta, Antero de Almeida, com 107 anos:

Os 80 anos da extradição de Olga Benário

A terceira morte de Trotsky

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