Zona Curva

Cultura

O jornalista e escritor Fausto Wolff escreveu: “cultura é arma de defesa pessoal”, esse é o guia dos textos aqui publicados.

Paulo Freire, 100

    Paulo Freire – Posso afirmar, sem receio de exagerar, que Paulo Freire é raiz da história do poder popular brasileiro nos 50 anos entre 1966 e 2016. Esse poder surgiu, como árvore frondosa, da esquerda brasileira atuante na segunda metade do século 20: grupos que lutaram contra a ditadura militar (1964-1985); as Comunidades Eclesiais de Base das Igrejas cristãs; a abrangente rede de movimentos populares e sociais despontados nos anos 1970; o sindicalismo combativo; e, na década de 1980, a fundação da CUT (Central Única dos Trabalhadores); da ANAMPOS (Articulação Nacional dos Movimentos Populares e Sindicais) e, em seguida, da CMP (Central de Movimentos Populares); do PT (Partidos dos Trabalhadores); do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra); e de tantos outros movimentos, ONGs e entidades. Se eu tivesse que responder à sugestão: “Aponte uma pessoa causa de tudo isso”, eu diria, sem nenhuma dúvida: Paulo Freire. Sem a metodologia de educação popular de Paulo Freire, não haveria esses movimentos, porque ele nos ensinou algo de muito importante: ver a história pela ótica dos oprimidos e torná-los protagonistas das mudanças na sociedade. Os excluídos como sujeitos políticos Ao sair da prisão política, em fins de 1973, tive a impressão de que toda luta aqui fora havia acabado por força da repressão da ditadura militar, até porque todos nós, imbuídos da pretensão de sermos os únicos entendidos em luta capaz de resgatar a democracia, estávamos na cadeia, mortos ou no exílio. Qual não foi a minha surpresa ao encontrar uma imensa rede de movimentos populares disseminados por todo o Brasil. Quando o PT foi fundado, em 1980, vi companheiros de esquerda reagirem: “Operários? Não. É muita pretensão operários quererem ser a vanguarda do proletariado! Somos nós, intelectuais teóricos, marxistas, que temos capacidade para dirigir a classe trabalhadora”. No entanto, no Brasil os oprimidos começavam a se tornar não só sujeitos históricos, mas também lideranças políticas, graças ao método Paulo Freire. Uma vez, no México, companheiros de esquerda me perguntaram: — Como fazer aqui algo parecido ao processo de vocês lá no Brasil? Porque vocês têm um setor de esquerda na Igreja, um sindicalismo combativo, o PT… Como se obtém essa força política popular? — Comecem fazendo educação popular – respondi – e daqui a trinta anos… Eles me interromperam: — Trinta anos é muito! Queremos uma sugestão para três anos. — Para três anos não sei como fazer – observei -, mas para trinta anos sei o caminho. Em resumo, todo o processo de acumulação de forças políticas populares, que resultou na eleição de Lula a presidente do Brasil, em 2002, e manteve o PT no governo federal por treze anos, não caiu do céu. Tudo foi construído com muita tenacidade a partir da organização e mobilização de bases populares pela aplicação do método Paulo Freire. O método Paulo Freire Conheci o método Paulo Freire em 1963. Eu morava no Rio de Janeiro, integrava a direção nacional da Ação Católica. Ao surgirem os primeiros grupos de trabalho do método Paulo Freire, engajei-me em uma equipe que, aos sábados, subia para Petrópolis, distante 70km do Rio, para alfabetizar operários da Fábrica Nacional de Motores. Ali descobri que ninguém ensina nada a ninguém, uns ajudam os outros a aprenderem. O que fizemos com os trabalhadores daquela fábrica de caminhões? Fotografamos as instalações, reunimos os operários no salão de uma igreja, projetamos diapositivos (fotografia criada em um material transparente) e fizemos uma pergunta absolutamente simples: — Nesta foto, o que vocês não fizeram? — Bem, não fizemos a árvore, a mata, a estrada, a água… — Isso que vocês não fizeram é natureza – dissemos. — E o que o trabalho humano fez? – indagamos. — O trabalho humano fez o tijolo, a fábrica, a ponte, a cerca… — Isso é cultura – dissemos. — E como essas coisas foram feitas? Eles debatiam e respondiam: — Foram feitas na medida em que os seres humanos transformaram a natureza em cultura. Em seguida, aparecia a foto do pátio da Fábrica Nacional de Motores ocupado por muitos caminhões e as bicicletas dos trabalhadores. Simplesmente perguntávamos: — Nesta foto, o que vocês fizeram? — Os caminhões. — E o que vocês possuem? — As bicicletas. — Vocês não estariam equivocados? — Não, nós fabricamos os caminhões… — E por que não vão para casa de caminhão? Por que vão de bicicleta? — Porque o caminhão custa caro, e não pertence a nós. — Quanto custa um caminhão? — Cerca de 40 mil dólares. — Quanto vocês ganham por mês? — Bem, ganhamos em média 200 dólares. — Quanto tempo cada um de vocês precisa trabalhar, sem comer, sem beber, sem pagar aluguel, economizando todo o salário para, um dia, ser dono do caminhão que você faz? Aí eles começavam a calcular e tomavam consciência da essência da relação capital x trabalho, o que é mais-valia, exploração etc. As noções mais elementares do marxismo, enquanto crítica do capitalismo, vinham pelo método Paulo Freire. Com a diferença de que não estávamos dando aula, não fazíamos o que Paulo Freire chamava de ‘educação bancária’, ou seja, enfiar noções de política na cabeça do trabalhador. O método era indutivo. Como dizia Paulo, nós, professores, não ensinávamos, mas ajudávamos os alunos a aprenderem. Culturas distintas e complementares Quando cheguei a São Bernardo do Campo (SP), em 1980, havia militantes de esquerda que distribuíam jornais entre as famílias dos trabalhadores. Certo dia, dona Marta me indagou: — O que é “contradição de crasse”? — Dona Marta, esqueça isso. — Não sou de muita leitura – justificou-se – porque minha vista é ruim e a letra, pequena. — Esqueça isso – eu disse. — A esquerda escreve esses textos para ela mesma ler e ficar feliz, achando que está fazendo revolução. Paulo Freire nos ensinou, não só a falar em linguagem popular, plástica, não academicamente conceitual, mas também a aprender com o povo. Ensinou o povo a resgatar sua autoestima. Ao sair da prisão, morei cinco anos em uma favela no

Leandro Franco aposta em rock e charges para resistir contra o governo

  O CONVERSA AO VIVO ZONA CURVA do dia 17 de setembro (quinta) contou com a participação do arquiteto, músico e cartunista Leandro Franco. Ele conversou com Fernando do Valle (editor Zonacurva), Luís Lopes (editor Vishows) e o advogado Roberto Lamari sobre rock, arte e o confuso cenário da política brasileira. Franco lembrou o início da sua carreira como cartunista, aos 17 anos, no jornal Diário de Guarulhos, a inspiração da banda e como foi o processo de criação dos seus trabalhos mais recentes. Ele contou que sempre gostou de desenhar e que o hábito começou ainda quando era criança. Além disso, relembrou sobre a importância dos cartunistas e a sua função social através da relação com a política. “A charge é sempre para criticar quem está no poder, então o Bolsonaro é um prato cheio para os chargistas. Assunto é o que não falta, mas incomoda muita gente”. Hoje produz videoclipes para bandas e artistas solo, como o Supla. Em abril de 2019, Leandro Franco foi o vencedor de melhor animação no festival Green Nation Brasil, com o clipe “Deixe em paz o jumento”. O clipe foi inspirado em um cordel, contendo inspirações de memórias da sua infância, e a produção foi para duas artistas e ativistas veganas: Eline Bélier e Maga Lee. O processo da produção da arte é bastante artesanal, já que o cartunista desenha frame a frame, demorando cerca de 40 dias para finalizar um clipe. Segundo ele, é muito importante contar com artistas famosos porque dá mais visibilidade às suas produções. Além disso, os trabalhos geralmente surgem a partir de um acordo entre o cantor ou a banda e o cartunista, mas que, na maioria das vezes, ele tem liberdade para agir. Vocalista e baterista da banda “Asteroides Trio”, Franco formou a banda com os outros participantes em 2006 ao participar de um fórum na internet. Com inspiração nas bandas de punk e rock dos anos 50, eles gravam músicas de covers e algumas autorais, como a “Punkabilly – Tributo Rockabilly ao Punk Nacional”, de 2014. Antes da pandemia, a banda participava de festivais como o “Psycho Carnival”. Leandro contou também sobre as dificuldades da profissão em meio a um governo opressor: “Os artistas são tratados pelo governo como se fossem bandidos. Se pudessem, eles exterminariam todos nós”. Por não ter muito espaço na mídia, Franco lembra que o rock sempre foi do gueto, apesar de ter contado com temporadas de maior popularidade, como nas décadas 1980 e 1990. Ainda assim, alguns artistas de direita ganham visibilidade, mas o vocalista lembra que há muitos ativistas do rock que lutam por melhorias das pautas sociais: “Tem que saber separar quem é quem, porque apesar deles, de direita, aparecerem na mídia, muitos outros não são reaças”. Colaborou Carolina Raciunas. Jovem cantora Maluk Yeey produz músicas autorais baseadas em experiências pessoais O movimento punk nunca há de morrer  

Paulo Freire, educador do mundo

Nascido no Recife em 19 de setembro de 1921, Paulo Freire superou a contradição de ser recifense e cidadão do mundo inteiro ao mesmo tempo. No domingo, ele completaria 100 anos. Na verdade, outros cem anos vão passar e não passará a lembrança da sua obra em todas as gentes. Paulo Freire superou a contradição de ser recifense e cidadão do mundo inteiro ao mesmo tempo. Muito além de Pernambuco, ele se tornou um homem sem fronteiras por força do trabalho como filósofo e educador revolucionário. Perdoem por favor o tom de discurso à beira do túmulo. Desculpem a exaltação, que até parece exagero. Mas é que Paulo Freire sofre um segundo exílio post-mortem neste governo Bolsonaro. De Patrono da Educação Brasileira ele passou a ser perseguido de novo, proibido mais uma vez, um palavrão da ditadura novamente, apesar de ser o brasileiro mais vezes laureado com títulos de doutor honoris causa na maioria das universidades do mundo. Ou será por isso mesmo, por essa razão que ele sofre, num governo fascista que odeia os educadores e a educação? Vale a pena lembrar uma brevíssima história da sua prisão em 1964, no quartel do exército em Olinda. Ali, um dos oficiais responsáveis pelo quartel de Obuses, sabendo que ele era professor famoso, solicitou a Paulo Freire que alfabetizasse alguns recrutas que não sabiam assinar nem o nome. Com paciência, Paulo explicou ao militar que estava preso exatamente por causa disso. “Eu estou preso porque alfabetizo, viu?”. Na admiração que desperta no exterior, algumas vezes Paulo Freire é destacado até por motivos errados. Quem o lê e estuda, não pode fugir da marca da própria ideologia. Segundo Eeva Anttila, professora da Universidade de Artes de Helsinque, na Finlândia, ” suas ideias têm sido usadas para fins políticos – o que, em meu entendimento, nunca foi seu propósito inicial”. E, no entanto, sabemos que era indissolúvel no trabalho do educador a política de libertação e a pedagogia. Se não, vejamos. Em “Educação como prática da liberdade”, escrito do Chile em 1965: “Na experiência realizada no Estado do Rio Grande do Norte, chamavam de ‘palavra de pensamento’, as que eram termos e de ‘palavras mortas’, as que não o eram. Num dos Círculos de Cultura da experiência de Angicos, no quinto dia de debate, em que apenas se fixavam fonemas simples, um dos participantes foi ao quadro-negro para escrever, disse ele, uma ‘palavra de pensamento’. E redigiu: ‘o povo vai resouver os poblemas do Brasil votando conciente’… Quando um ex-analfabeto de Angicos, discursando diante do Presidente Goulart, que sempre nos apoiou com entusiasmo, e de sua comitiva, declarou que já não era massa, mas povo, disse mais do que uma frase: afirmou-se conscientemente numa opção. Escolheu a participação decisória, que só o povo tem, e renunciou à demissão emocional das massas. Politizou-se” Em Pedagogia do Oprimido, escrito em 1968, o terceiro livro mais citado na área de humanidades em todo o mundo, Paulo Freire aprofunda o pensamento de como vê a educação: “Nenhuma pedagogia realmente libertadora pode ficar distante dos oprimidos, quer dizer, pode fazer deles seres desditados, objetos de um ‘tratamento’ humanitarista, para tentar, através de exemplos retirados de entre os opressores, modelos para a sua ‘promoção’. Os oprimidos hão de ser o exemplo para si mesmos, na luta por sua redenção. A pedagogia do oprimido, que busca a restauração da intersubjetividade, se apresenta como pedagogia do Homem…. Se, porém, a prática desta educação implica no poder político e se os oprimidos não o têm, como então realizar a pedagogia do oprimido antes da revolução? Esta é, sem duvida, uma indagação da mais alta importância”. Em outros pontos da Pedagogia do Oprimido, Paulo Freire fala melhor do seu diálogo com o marxismo, na sua prática educativa: “A tão conhecida afirmação de Lênin: ‘Sem teoria revolucionária não pode haver movimento revolucionário’ significa precisamente que não há revolução com verbalismo, nem tampouco com ateísmo, mas com práxis, portanto, com reflexão e ação incidindo sobre as estruturas a serem transformadas… De uma pedagogia problematizante e não de uma ‘pedagogia’ dos ‘depósitos’, ‘bancária’. Por isto é que o caminho da revolução é o da abertura às massas populares, não o do fechamento a elas. É o da convivência com elas, não o da desconfiança delas. E, quanto mais a revolução exija a sua teoria, como salienta Lênin, mais sua liderança tem de estar com as massas, para que possa estar contra o poder opressor”. As citações acima vêm como esclarecimento de que a sua pedagogia também era política, de um educador de esquerda. Mas não de um marxista ortodoxo, ou de um marxista organizado, pode ser dito. Ele possuía diferenças com o sectarismo do partido no Recife dos anos 60. Mas sempre guardava um diálogo fraterno, de futuro camarada, também pode ser dito. Na leitura de suas obras, percebemos uma cultura ampla, filosófica, que se nutre dos clássicos marxistas e dos não-marxistas como Bergson, que vai das fontes de educadores nacionais e estrangeiros. Os conceitos que Paulo Freire descobre são de um pesquisador e pensador. Não sei em que ordem, se primeiro vêm da pesquisa nas ruas, no campo, ou do pensar. É da sua formação o trabalho no meio do povo e a reflexão sobre esse trabalho no gabinete. Ou de modo mais claro, no que ele chama com muita razão de práxis: “A práxis, porém, é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela, é impossível a superação da contradição opressor-oprimidos. Neste sentido, em si mesma, esta realidade é funcionalmente domesticadora. Libertar-se de sua força exige, indiscutivelmente, a emersão dela, a volta sobre ela. Por isto é que, só através da práxis autêntica, que não sendo ‘blablablá’, nem ativismo, mas ação e reflexão, é possível fazê-lo”. Práxis viva, que não foi um objetivo retórico, mas viva em obra. Ou como ele fala em outra frase do livro Pedagogia do Oprimido, que denuncia o núcleo do seu ser: “só na plenitude deste ato de amar, na sua existenciação, na sua

53ª Ocupação Itaú Cultural, Sesc TV e artistas homenageiam centenário de Paulo Freire

Paulo Freire – O próximo domingo (19) será marcado pelo centenário de uma figura historicamente importante para a educação não só do Brasil, mas do mundo todo: Paulo Freire. Na última semana, diversas organizações divulgaram projetos com o nome do professor, entre elas o Itaú Cultural. Paulo Freire será celebrado na 53ª “Ocupação Itaú Cultural” a partir do dia 18 de setembro. A mostra terá painéis digitais que mostrarão desde páginas manuscritas até um esquema com os locais pelos quais o professor passou lecionando. De acordo com o Itaú Cultural, a exposição será subdividida em quatro partes: Formação, Angicos, Exílio e Retorno, que contarão com fotos, vídeos e documentos de obras originais, como poemas e cartas. O eixo “Formação” trará materiais sobre sua vida pessoal, enquanto “Angicos” abordará seu processo de formação acadêmica. Já “Exílio” abrangerá os anos de 1964 até 1980, período em que foi exilado pela ditadura militar. Ao final, “Retorno” contará sobre a sua volta ao Brasil e o trabalho desenvolvido na educação dos mais pobres. A Ocupação disponibilizará também um site com experiência complementar ao evento presencial. Ocorrerão, de forma online, conversas semanais com estudiosos e pessoas que conviveram com Freire, além do lançamento de podcast sobre o educador. Também será publicado material impresso com artigos, depoimentos e entrevistas de convidados que conviveram com Freire. Já em programação 100% online, o SescTV transmitirá, via YouTube, às 16h do dia 18 de setembro (sábado) , a live “Paulo Freire 100 anos: pensamento, experiências e derivações”. No dia seguinte, próximo domingo (dia 19), o canal apresentará também cinco episódios da minissérie do eterno professor. Das 14h às 18h, os telespectadores poderão assistir a “Paulo Freire, um homem do mundo”, obra dirigida por Cristiano Burlan, que visa relembrar aspectos da sua vida profissional e pessoal. Outra live de homenagem a Freire contará com a presença de Alceu Valença. O cantor pernambucano participará do evento de caráter político e cultural, previsto para começar às 18h do dia 19 de setembro (domingo). A CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), a UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), a IEAL (Internacional da Educação para a América Latina), a Red Estrado (Rede de Estudos Latino Americano sobre o Trabalho Docente), o CEAAL (Conselho de Educação Popular da América Latina e do Caribe) e as entidades que compõem o FNPE (Fórum Nacional Popular de Educação) são os responsáveis pela organização do evento online. Além de Alceu Valença, outros ativistas políticos farão parte da live, como o ex-presidente Lula, a deputada federal Luiza Erundina, e outras pessoas importantes na vida do homenageado, como a viúva Nita Freire. Nascido em Recife, em 1921, o professor, escritor, filósofo e responsável por inspirar muitas pessoas, Paulo Freire ganhou mais de 40 títulos de doutor honoris causa e o importante Prêmio da Educação pela Paz da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Ex-professor da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e de Cambridge, na Inglaterra, Paulo Freire lutou para ampliar o acesso à educação e dar a oportunidade para que todos tivessem a possibilidade de transformar positivamente a realidade. Preso e exilado pela ditadura militar, Freire continua sendo perseguido pela extrema direita que nos governa atualmente.   SERVIÇO: O ITAÚ CULTURAL fica na Avenida Paulista, próximo à estação Brigadeiro do metrô,. A Ocupação Paulo Freire estará aberta até a primeira semana de dezembro de terça a domingo das 11h às 19h.   Colaborou Carolina Raciunas. Paulo Freire, 100 Paulo Freire, educador do mundo Exposição homenageia Rita Lee no MIS  

Nelson Rodrigues: o reacionário da boca pra fora

Nos textos que publicava na imprensa durante a ditadura, eram impagáveis as suas caricaturas contra ídolos da esquerda brasileira, até o dia em que prenderam o seu filho Nelsinho como terrorista. Nelson Rodrigues, conhecido como “o dramaturgo carioca”, é o recifense que os cariocas querem naturalizar. Não digo isso por gosto da frase ou provocação. A justificativa para o deslocamento da identidade é o seu teatro, que retrataria a sociedade do Rio de Janeiro. Acredito que isso geraria uma boa discussão na Bodega de Véio, no Recife. Mas vamos a um ou dois argumentos. O recifense Nelson Rodrigues, desde o nascimento em 23 de agosto de 1912, uma sexta-feira, atravessou muitas vidas, rostos e as mais diversas contradições. Entre muitas, falam sempre de Nelson como um escritor do Rio pelos temas e pela formação. De passagem, olhemos a referência mais ressaltada de Nelson Rodrigues: a obra teatral. Ora, o seu teatro exigiria um estudo além da frase exterior no palco, além da paisagem, do “óbvio ululante”, como ele diria. Penso que o seu teatro vem de certo e tenebroso Pernambuco. Aqueles delírios patológicos dos personagens, aqueles conflitos profundos que sobem à cena, fazem parte da repressão sexual da casa-grande de Pernambuco. Das sinhazinhas e senhores escravocratas vêm aqueles incestos, paixões impossíveis dentro do lar mais suburbano. Aqueles devaneios à margem da sala de visitas não são bem a escolha de um escritor carioca à procura da originalidade. Vêm antes de uma herança espiritual de senhores de engenho que se espraiou pela gente do Recife. De um ponto de vista factual e do ser, a opressão dos engenhos acompanhou a família pernambucana de Nelson Rodrigues até o Rio de Janeiro, como ele próprio confessou numa entrevista ao psicanalista e escritor Hélio Pellegrino: “Eu tenho uma experiência, aliás, já citei isso. A minha primeira experiência erótica é anterior à minha memória. Eu não me lembro de nada e este fato só foi referido muito posteriormente. Um dia apareceu lá em casa uma santa senhora, vizinha, mãe de uma menina de uns quatro anos, para dizer que qualquer filho de minha mãe poderia entrar na casa dela, menos eu. O negócio teve um tal toque de inocência e de pureza que eu não me lembro de nada. De vez em quando faço um esforço, começo a escavar na memória e não tenho a menor noção do que eu teria feito para justificar a ira da santa senhora. O meu ambiente familiar era, sob este aspecto erótico, de um grande rigor. Eu disse o meu primeiro palavrão aos doze anos de idade”. Isso posto, mal posto, já se vê, porque somos breves, passemos a seu reacionarismo. Depois do golpe de 64, em muitas oportunidades defendeu amigos comunistas, inclusive João Saldanha. Mas nos textos que publicava na imprensa durante a ditadura, eram impagáveis as suas caricaturas contra ídolos da esquerda brasileira. Sobre Mao Tsé-Tung, ele escreveu que o grande chinês não poderia nadar, porque tinha uma barriga insubmersível. Sobre Dom Hélder Câmara, dizia que o extraordinário arcebispo se defendia na batina, mas queria mesmo era vê-lo na praia de Ipanema com short de bolinhas. Sobre Antônio Callado, repetia ao infinito que o romancista e jornalista era o único inglês do mundo real. E haja gozações contra os estudantes que militavam contra a ditadura. Mas isso foi até o dia em que prenderam o seu filho, Nelsinho, como militante que foi torturado, o que era hábito dos militares na época. Mais adiante, o genial teatrólogo e cronista se integrou à luta pela Anistia. Na obra, o teatro Nelson Rodrigues, o mais importante da sua permanência, destrói o reacionarismo declarado pelo autor. Nada nele fala aos valores proclamados pela santa família brasileira, moral, costumes, rigor da religião, tão ao gosto da direita nacional. Pelo contrário, os incestos e traumas familiares pululam nas tragédias. Em “Beijo no Asfalto”, um homem beija a boca de outro e nisso se faz o maior escândalo na imprensa marrom retratada na peça. Mas prefiro ir agora às sua crônicas revolucionárias sobre o futebol brasileiro. Retiro alguns trechos da homenagem a ele no Dicionário Amoroso do Recife. Para mim, Nelson Rodrigues foi, de longe, o maior e melhor e excelso gênio da literatura de futebol no Brasil. Disse tudo? Não, disse menos. Quero dizer: o sonho de todo escritor, o de ser lido pelas massas, discutido por elas, sem cair um só milímetro da sua dignidade artística, o sonho de escrever para todos, mas sem as quedas demagógicas de baixar o nível para falar aos trabalhadores, que nem servem ao povo nem à literatura, esse possível um dia Nelson Rodrigues conseguiu. Disse tudo? Menos ainda, porque devo dizer: não conheço, na literatura mundial, alguém que tenha sido tão magnífico quanto Nelson Rodrigues na crônica esportiva. Se pensam que me engano, olhem e amaciem na boca feito fruta rara o que Nelson Rodrigues escreveu sobre um jogo de Pelé, antes de começar a Copa do Mundo de 1958. Para não dizê-lo um profeta, devo dizer: a sensibilidade, a genial arte de um escritor, descobriu e revelou um fenômeno: “Depois do jogo América x Santos, seria um crime não fazer de Pelé o meu personagem da semana. Grande figura que o meu confrade Laurence chama de ‘o Domingos da Guia do ataque’. Examino a ficha de Pelé e tomo um susto: — 17 anos! Há certas idades que são aberrantes, inverossímeis. Uma delas é a de Pelé. Eu, com mais de 40, custo a crer que alguém possa ter 17 anos, jamais. Pois bem: — verdadeiro garoto, o meu personagem anda em campo como uma dessas autoridades irresistíveis e fatais. Dir-se-ia um rei, não sei se Lear, se ‘Imperador Jones’, se etíope. Racialmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis. Em suma: — ponham-no em qualquer rancho e sua majestade dinástica há de ofuscar toda a corte em derredor. O que nós chamamos de realeza é, acima de tudo, um estado de alma. E Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável:

Até quando as mazelas políticas vão se sobrepor às narrativas culturais no Brasil?

Desde que entendida por gente, a sociedade brasileira convive de modo “natural” com extremos de desigualdades social e econômica a compor (com todos os seus artifícios) abismos intransponíveis entre os cidadãos em camuflada luta de classes. O mais emblemático dos sintomas a recordar é termos sido o último país do mundo ocidental a abolir a escravidão. E não se pode deixar de recordar em quais condições ocorreu a dizimação genocida de indígenas, também submetidos à exploração, além da mão de obra de negros e negras importados da África, em que pese a abolição após mais de 300 anos. Deixados ao léu. Desde o osso do eixo da história brasileira, constata-se o sentimento antipopular das elites, somados os altos comandos militares e as velhas camadas de oligarquias provenientes da classe média. Sim, vem desde o período colonial e com esse mesmo espírito chegaram ao século XXI. Sem temer o excesso, pode-se afirmar que a indisposição para a solidariedade só piorou diante do avanço do individualismo, onde a cultura da indiferença é regra e, por que não enfatizar, ninguém se sente verdadeiramente responsável por nada. Tendemos a transferir para outros a solução de nossos problemas; no caso do governo, contra o desejo de que haja como um Mecenas a nos bancar a sopa e a cuia, o revés do desmonte de estruturas, a exemplo da Ancine, do Inpe, universidades federais e a própria Ciência, emparedadas nessa nova órbita de presumida ordem da danação ambiental. Em meio à controversa conjuntura de “bolsominions robotizados”, ao vencer eleições de modo controverso, dado o uso de manipuladoras fake news e “facadas emocionais”, ao assumir as rédeas da sociedade o bolsonarismo revela, nitidamente – como já delineado no golpe parlamentar, jurídico e midiático de 2016 – o propósito de recapturar o Estado para recolocá-lo ao seu serviço, no berço esplêndido de recompensas e malversações, como visto, aliás, a saltar aos olhos. Mesmo com o golpe militar que levou à proclamação da República, também motivada por notícias falsas, o Brasil continuou a ter um sistema político regido por uma elite econômica. As restrições à participação eleitoral, até a Revolução de 1930, mostram que o “direito ao voto” alcançava não mais que percentuais pífios de “homens de bem”, algo entre 2% e 5% da população. Após a restauração da democracia, contra o Estado Novo, em 1945, a proporção subiu, mas permaneceria em cerca de 15%, já computados os votos do eleitorado feminino. O cenário sobre o qual se consolidaria o golpe de 1964 era composto por apenas um terço da população adulta com representação política ou, diga-se, dois terços sem nenhuma representatividade. Por todo o século XX, a normalidade democrática no país foi exceção. A sociedade brasileira foi submetida a duas longas ditaduras e sofreu mais de uma dezena de golpes de Estado, considerando os bem e os malsucedidos. Oficiais das Três Armas não titubearam em deixar os quartéis para derrubar governos eleitos ou impedir a posse do vencedor, movidos por apelos de civis inconformados com a democracia, como revisto nos últimos anos. Não é difícil concluir, portanto, o quanto o golpismo está inscrito nos genes da cultura política brasileira. Aqui, a tendência antidemocrática é alimentada, sobretudo, pela aversão à presença do povo no centro da vida política nacional. Continuamos no limite tênue dos quadrados da Casa Grande e da Senzala, oh Gilberto Freire. Uma das características mais destacáveis na elite e legitimada pela classe média é o culto à excepcionalidade, ou pretensa meritocracia, a exigir líderes “notáveis” e a excluir o cidadão comum como inapto para ocupar “cargos elevados”, em particular a Presidência da República. Lula da Silva é o mais reconhecido exemplo e – diante do clamor público e de extenso âmbito internacional pela libertação do ex-presidente – frente a arguida demonstração de imparcial julgamento pelo juiz Sergio Moro, surpreendentemente desmascarado pela revelação de conluio com procuradores da Operação Lava-jato, através denúncias pelo The Intercept/Brasil e outros veículos de imprensa, após ação de hackers. Se, afinal, é sutilmente visível o quanto nossos problemas envolvem graves e históricas desigualdades social e econômica, diria mesmo, como um paradoxo, que tal crise é cultural antes de ser política, cabe perguntar até quando as mazelas políticas vão se sobrepor às narrativas culturais no Brasil de tanta e fascinante diversidade? Sim, mas, do mesmo modo, até quando a cultura, notadamente a produzida pela mídia, servirá apenas como artifício de sedução a embalar o sono da pachorrenta rotina? Até porque sabemos o quanto a Arte, como instrumento recorrível, é subversiva por nos tirar do imobilismo. O poder é coletivo e a Cultura – revolucionária como ente de agitação social – requer mobilização contra a passividade que serve sempre e apenas àqueles que defendem a perpetuação do status quo. Precisaremos considerar nossas escolhas para a travessia dessa conjuntura pela substituição de mandatários como um exercício de identificação com propostas que prometam mais do que o emprego, mais que a subsistência, a qualidade de vida. E hoje, mais do que nunca, de modo constante, necessitamos cobrar a dívida cultural e civilizatória, contra a tendência governamental, não enquanto meros consumidores prostrados à frente da vitrine de desejos, mas sob intransferível rebeldia cidadã. Desse modo, tendo como objetivo ser anunciadores de um futuro digno para novas gerações, acreditar que a Cultura, superando o divórcio não pactuado – quiçá possa se reconciliar com os propósitos maiores da política e vice-versa. Publicado originalmente no Blog do Albenísio. A crise da Cultura O bolsominion

Hoje é dia nacional do Saci Pererê

por Elaine Tavares Até os anos 60 do século passado a vida da gente era completamente imbricada com a natureza. As grandes cidades ficavam muito distantes e as crianças vivenciavam toda a beleza de conhecer e compartilhar as figuras míticas, moradoras das florestas e dos cantos escuros dos lugares onde viviam. Desde pequenos, os meninos e meninas aprendiam que no meio da noite vagava um negrinho, pastoreando uma boiada, e que se alguma coisa se perdesse dentro de casa era só acender uma vela, e o negrinho ajudava a encontrar. O negrinho do pastoreio era visto nas noites de chuva, quando os relâmpagos riscavam o céu, imponente, no seu baio, cavalgando no rumo das estrelas. Nas tarde de inverno, quando os redemoinhos varriam as ruas, a gurizada saia como foguete, com suas garrafas de bocas abertas, buscando aprisionar os Sacis Pererês. Porque afinal, desde sempre aprendiam que o negrinho de uma perna só costumava estar sempre no meio do redemoinho e só aí, quando estava distraído, girando no vento, é que se podia pegá-lo. De resto era sempre um tal de fazer estripulias, batendo janelas, quebrando as louças, levantando as saias das moças. O Saci é guri frajola, serelepe, cheio de alegria e de liberdade. E se vinha a noite fechada, as crianças entravam em casa, porque sabiam que lá fora, na mata, haveria de andar o boitatá, a cobra de fogo que come os olhos dos bichos, ou ainda o lobisomem, buscando sangue fresco, e o curupira, arrastando os pés virados, procurando pela mula-sem-cabeça. Esse era um universo conhecido e reproduzido nas escolas, na família, nas rodas de conversa ao pé do fogo. Já na ilha de Florianópolis, além de todos esses animais míticos também voejavam as bruxas, fazendo rodar as saias, empurrando as canoas para o alto mar, encantando os pescadores, fazendo sortilégios. Era bater o vento sul e as famílias já ficavam de orelha em pé. Mas, aí veio a urbanização, o crescimento das grandes cidades, o capitalismo apertou seus laços, infundiu a ideia do consumo. E, além da dominação econômica que já se apresentava, com o Brasil subordinado a bacos internacionais e governos de fora, outra dominação foi tomando conta da vida das gentes: a cultural. Já não bastava mais importar o jeito de produzir, a maneira de fazer as coisas, mas era necessário também copiar a cultura, o modo de ser no mundo daqueles que economicamente já dominavam a vida por aqui. Foi assim que se introduziu a moda, com a calça jeans, a minissaia, ou a música, com a introdução da guitarra elétrica e o rock, abafando de vez a marchinha, o xaxado, o baião e a vaneira. No cinema, dava-se adeus aos musicais inocentes e aos filmes do caipira Mazzaropi, recheados da vida nacional. Era chegada a hora de Roliúde e seus enlatados repletos de ideologia, colonizando as mentes, apresentando mentiras. Os faroestes estadunidenses endeusavam os cowboys e demonizavam os índios. Os filmes de ação apresentavam os soldados estadunidenses como heróis, salvando o mundo dos horrores das guerras, dos comunistas, e os dramas consolidavam a certeza de que bom mesmo era viver em apartamentos com carpete, fumar Malboro e encontrar o homem dos sonhos, que seria branco, alto e de olhos claros. A partir daí foram-se ocupando os territórios mentais. As cidades cresceram, se modernizaram, e as gentes se faziam cada vez mais parecidas com aqueles que, de certa forma, já dominavam no terreno da economia e da política. Bom mesmo era cantar em inglês e não foram poucos os jovens cantores brasileiros que iniciaram suas carreiras cantando na língua estrangeira. Um bom exemplo foi Morris Albert, que fez sucesso no mundo todo com a música “Feelings”. Cantar em português era coisa de brega. Nas festinhas, a juventude enrolava um inglês que sequer se entendia. Papagaios. O conceito de colonização diz que essa situação se faz real quando se conquista um território e se estabelecem novos moradores de acordo com o desejo dos que dominam. Pois foi exatamente isso que aconteceu com a gente. Nas cabeças das crianças, desde a mais tenra idade, foram sendo plantados novos conceitos, totalmente alienígenas. E esse tipo de controle chegou também no campo dos mitos. De repente, já ninguém mais falava em Saci, Curupira, Boitatá, Mula-sem-cabeça. Pela via do cinema cresceu a figura do vampiro e das festas estadunidenses. Uma delas é o Dia das Bruxas. Até uns 20 anos atrás o tal do “Raloim” era celebrado apenas nas escolas de inglês, o que até tinha certo sentido, uma vez que quando se aprende uma língua há que se aprender algo da cultura do povo. Mas, depois, de mansinho, a festa foi se imiscuindo na vida cotidiana dos jardins de infância das escolas públicas e particulares, espaço de terra virgem, onde a colonização mental tem uma força tremenda. Sem que as famílias percebessem, os elementos mais enraizados da cultura estadunidense começaram a fazer morada na vida da criançada brasileira. Abóboras, a lenda do Jack, enfim, todos os elementos da belíssima lenda de origem celta que foi trazida aos Estados Unidos pelos colonos ingleses. Coloniza-se a cultura e movimenta-se a máquina do capital. Ao contrário do significado cultural e místico que o Raloim tem nos Estados Unidos, aqui, ao ser transferido de forma artificial, o tal “dia das bruxas” nada mais é do que uma data a mais para vender coisas, que aparecem em profusão nas lojas: abóboras, máscaras, fantasias. Desafortunadamente, essa colonização mental não acontece unicamente no Brasil, ela toma conta também de quase todos os países latino-americanos, onde se pode ver a indefectível abóbora nos 31 de outubro de cada ano. No Brasil, um grupo de ativistas da cultura do interior de São Paulo começou desde há anos um importante trabalho de conscientização sobre a história da cultura nacional. Grupos como a Sociedade dos Observadores do Saci, a Sosaci, tem dado contribuição importante nesse processo, produzindo vídeos e outros materiais educativos visando recuperar os antigos mitos e lendas da cultura indígena e negra. Levando esse

Museu, memória e patrimônio

Originário do ato de colecionar e preservar, os museus chegaram ao século XXI como instituições indispensáveis à vida e à memória das comunidades, pelo menos em teoria. Inseridos na vida das cidades e amparados por políticas públicas de cultura, muito bem argumentadas no papel, mas sem atrativos para atrair o grande público que prefere o espetáculo dos shoppings ou o paraíso dos templos evangélicos, que oferecem muito mais em troca de um pequeno dízimo: a memória do futuro, a esperança de vida eterna. Precisamos do bom humor para falar de museu, como no personagem do romance “O Nome da Rosa”. Hoje em dia, no Brasil, em particular na Bahia, falar de museu, e nunca se falou tanto, corre-se o risco de cair no discurso da reserva de mercado. Museus para que e para quem? Fala-se em democratização e facilidade de acesso, mas campanhas publicitárias são dirigidas para a divulgação de atividades reservadas aos profissionais da área em detrimento de programas educativos para formação de público. Como patrimônio público, qualquer cidadão tem direito de entrar no museu e ver o que tem dentro dele. Mas é preciso despertar o desejo de ver, de conhecer, de mergulhar na memória nele depositada. Precisa-se que alguma coisa seja previamente dada para provocar o olhar, o pensar e produzir conhecimento. Poucos são seduzidos pelo desconhecido, nem se produz conhecimento sem olhar o passado. “Não se inventa ideias sem retificar o passado” (Bacherlard). Museu e Memória, um tema para se pensar a reafirmação e a transformação da cultura e da arte. É um direito da comunidade, conhecer e refletir sobre o passado, o presente e o futuro, e decidir sobre a memória que deseja preservar. Perdemos as referências do absoluto, e estamos às voltas com a pluralidade. A memória como a realidade é construída em função de interesses, paixões e desejos, e o que resulta, não é absoluto ou universal. Cada um vê o que está no museu como lhe convém, da mesma forma que coisas, objetos e linguagens chegaram ao museu por interesses e critérios que não são absolutos nem indiscutíveis. Mas nem por isso deixam de ser um patrimônio à espera do olhar clínico e crítico. Os museus se modernizaram conceitualmente, ressaltando sua importância para a sociedade e o direito à memória. Os de arte, a partir da década de 1960, foram ideologicamente questionados pelas vanguardas artísticas, como o Minimalismo, a Arte Conceitual e a arte contemporânea, mas sua estrutura não foi abalada, ao contrário; foi reforçada. A autenticidade das experiências artísticas depende da legitimação do museu. Falar de museu de arte no Brasil é difícil não lembrar Mário Pedrosa. Vejam a atualidade de seu pensamento, no texto “Arte Experimental e Museus”, publicado em 1960: “Diferente do antigo museu, do museu tradicional que guarda, em suas salas as obras primas do passado, o de hoje é, sobretudo, uma casa de experiências. É um paralaboratório. É dentro dele que se pode compreender o que se chama de arte experimental, de invenção.” Esse lugar de experiências é também ocupado por um acervo, é um lugar privilegiado do pensamento, da crítica e do lazer criativo para uma apropriação consciente do patrimônio. Um museu não é uma instituição de eventos culturais, o que nele é exposto não deve ser uma experiência isolada de uma política pública de cultura, sem a responsabilidade de um conselho curador, formado por especialistas da área. O gestor deve ser uma espécie de maestro que rege uma orquestra de intelectuais, críticos e técnicos especializados, para desenvolver enunciados para ser praticados e estabelecer relações mais estreitas com a comunidade. Dentro de uma cidade existem várias cidades, habitam várias culturas e várias linguagens artísticas, algumas até contraditórias. O museu, em particular o de arte, no seu acervo e na sua programação, deve refletir essa pluralidade, porque ele não é o lugar da exclusão, e sim; do confronto, do diálogo com diferentes manifestações, compatível com a sua função e sua especificidade. Ele guarda uma história, e sem o conhecimento da história, a experiência vira entretenimento. Cultura dos editais: o remédio amargo dos artistas    

Matrículas abertas para o curso online de Cinema Japonês

inscrições só até dia 6 de setembro O site Tudo Vai Bem, em parceria como Zona Curva, apresenta o Curso Online de Cinema Japonês: Do Clássico a Nouvelle Vague Japonesa, uma maneira prática, rápida e bem contextualizada de aprender e conhecer as características do cinema japonês e seus filmes que formam uma das mais importantes e brilhantes cinematografias da história. As matrículas estão abertas somente até o dia 6 de setembro (quinta-feira). Este é um curso online básico e introdutório que você pode fazer a hora que quiser, onde quiser. As 4 vídeo-aulas são ministradas pelo crítico, professor e pesquisador de cinema Fernando Oriente*, editor do site Tudo Vai Bem. O curso completo, com todas as aulas e apostila com conteúdo resumido, custa  R$ 119,90. E você pode parcelar em até 12x no cartão. As matrículas estão abertas somente até o dia 6 de setembro Conteúdo do Curso Online de Cinema Japonês: Do Clássico a Nouvelle Vague Japonesa: O curso online é composto por 4 vídeo-aulas  (com trechos de filmes comentados), totalizando 1h50, e aborda as características do cinema japonês do período Clássico por meio dos principais filmes de três mestres: Yasujiro Ozu, Kenji Mizoguchi Akira Kurosawa Também é trabalhada a Nouvelle Vague japonesa, movimento marcante do cinema moderno mundial que revelou grandes autores e novas formas de se fazer e pensar cinema. São destacados dois de seus principais representantes, os cineastas: Shohei Imamura Nagisa Oshima O curso completo, com todas as aulas e apostila com conteúdo resumido, custa  R$ 119,90. E você pode parcelar em até 12x no cartão. As matrículas estão abertas somente até o dia 1º de agosto. Ao comprar o Curso Online Cinema Japonês: Do Clássico a Nouvelle Vague Japonesa você recebe: 4 vídeo-aulas em  linguagem objetiva e direta, com trechos de filmes para ilustrar o conteúdo Apostila de apoio em PDF com todo o conteúdo resumido  Certificado digital – que pode ser requisitado ao término do curso  Informações sobre a compra: É 100% seguro comprar o curso: As vendas são realizadas por meio de uma parceria do Tudo Vai Bem com o site Eduzz, uma plataforma de vendas de produtos digitais no Brasil totalmente segura e confiável. Logo após a efetivação da compra, você já recebe acesso imediato ao seu produto por email, enviado pela Eduzz. A entrega do seu produto digital é 100% garantida e sem riscos. Assim que você receber, é só fazer o download das vídeo-aulas e da apostila e começar o curso. A compra é totalmente protegida:  você tem opção de pagar no boleto, no cartão ou via PayPal com a tranquilidade de compartilhar suas informações de maneira 100% segura. Como comprar: Ao clicar no botão abaixo você já será direcionado para uma página vinculada ao Eduzz e lá poderá fazer a sua compra com total segurança e pode parcelar em até 12 vezes no cartão. Após o pagamento, você tem acesso imediato ao conteúdo completo do curso. Aproveite essa oportunidade para aprender de forma prática e rápida, onde você estiver e quando quiser. As matrículas estão abertas somente até o dia 1º de agosto. Descrição das aulas: Aula 1 –Introdução, características gerais do cinema japonês cinema clássico japonês: Ozu, Mizoguchi e KurosawaO cinema de Yasujiro Ozu   Aula 2 – O cinema de Kenji Mizoguchi Aula 3 – O cinema de Akira Kurosawa Aula 4 – Nouvelle Vague Japonesa: introdução, noções e conceitos o cinema de Imamura e Oshima Qualquer dúvida entre em contato conosco! tudovaibemcine@gmail.com *Fernando Oriente é crítico, professor e pesquisador de cinema. É editor e crítico do site de cinema Tudo Vai Bem – www.tudovaibem.com, além de colaborador das revistas Interlúdio e Teorema, entre outras publicações. Escreve regularmente para catálogos de mostras e festivais bem como para livros de cinema. Ministra cursos de cinema em diversas localidades como unidades do SESC, a Escola de Cinema do Maranhão – IEMA,  cinemas, cineclubes e espaços de pesquisa cinematográfica. Participa de debates e palestras em mostras, festivais e diferentes eventos ligados ao cinema e ao audiovisual. É membro da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) desde sua fundação. Foi um dos editores e críticos do site Cinequanon entre 2007 e 2012. Cinema no rumo certo com ‘Eles Voltam’ Mostra Internacional de Cinema começa no dia 18

O Tropicalismo na visão dos jovens na ditadura

As informações na internet falam que a Tropicália mudou o cenário musical brasileiro e influenciou outras áreas, como por exemplo, as artes plásticas e o cinema. Ela encontrou eco em boa parte da sociedade que, ainda que sufocada pela censura da ditadura militar, aplaudiu com entusiasmo as suas manifestações tanto nos festivais de Música, quanto nas artes cênicas. A consolidação veio com um álbum específico, lançado em Julho de 1968: Tropicalia ou Panis Et Circencis, falam os sites e sítios. Mas a Tropicália é um disco que não ficou datado, como um fóssil daquele tempo. Não. Melhor, esse disco tocou e fez eco e aço muito além do ano de 1968, tanto pela qualidade artística quanto pelo engajamento, um reflexo imediato no corpo da jovem esquerda do Brasil.  Os 50 anos do Tropicalismo acordam na gente várias lembranças. A primeira delas é a sua estranheza, não bem esquisitice na época. O seu conceito, a que vinha, ganhou conteúdos que os próprios Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato Neto, Tom Zé, então nem imaginavam em 1968. Mas assim é com todos nós, famosos e anônimos, sobre o nosso papel no momento em que o vivemos. Ou dizendo de outra maneira, no momento em que fazemos história não estamos conscientes da repercussão e alcance de nossos atos e dias. Se assim tivéssemos a consciência, pararíamos tudo e ficaríamos surpresos, tontos, sem chão. Pior que o burguês de Molière, a falar em 1968: “então estou fazendo história e não sei”. Na melhor das hipóteses, temos intuições, desconfianças, vozes internas.  Quando veio Alegria, Alegria em 1967, e depois, quando ouvimos “sobre a cabeça os aviões, sob os meus pés os caminhões…”, comentávamos “tá, é legal, mas bom mesmo é Chico Buarque”. Então, com Domingo no Parque, de Gil, começaram a se quebrar as resistências. Aquilo era novo, era guitarra, mas ao mesmo tempo saía daquele narciso “eu sou o superbacana”. Vinha uma música que cantava trabalhadores. “Amanhã não tem feira / Ê, José! / Não tem mais construção / Ê, João!”. Depois, houve Lindoneia, Baby em 1968, e a nossa sensibilidade se alargou: que coisa mais arretada é essa? “Você precisa saber da piscina, da margarina, da gasolina, você precisa saber de mim….”. Que coisa bonita.  Então veio o sol da política, as adesões entre os jovens contra a ditadura, que os próprios Gil e Caetano não podiam então prever. E aqui acrescento uma informação muito pessoal, que até hoje não havia revelado. Eu fui amigo, colega de escola de Bartolomeu, cujo nome completo era José Bartolomeu Rodrigues de Souza. Um dia, depois de muito tempo sem vê-lo, desde o Ginásio Ipiranga, onde estudamos na infância, eis que o reencontro em 1970 no Colégio Alfredo Freyre, em Água Fria. E lá iniciamos uma discussão, da qual me lembro esta frase:  – Esse Chico é o cara dos olhos verdes das meninas Carolina. A música da revolução é o Tropicalismo. Presta atenção: el nome del hombre muerto, isso é Guevara. É a música dos revolucionários, rapaz!  Não à toa, Bartolomeu era conhecido na clandestinidade pelo nome de guerra Tropi. Como uma supressão dolorosa, ele não citou os versos “Estou aqui de passagem / Sei que adiante / Um dia vou morrer / De susto, de bala ou vício”. Em 1972, com a idade de 23 anos, Bartolomeu foi morto em “troca de tiros”, expressão com que a ditadura carimbava os mortos sob tortura, presos e desarmados. Mas naquele dia, no Alfredo Freyre, eu não me dei conta da antevisão dos tropicalistas na esquerda armada.  Então chega fevereiro de 2007. Numa entrevista que Gilberto Gil me concedeu, ele se referiu a uma parcela do público brasileiro que adorava o Tropicalismo. Em nenhum momento ele explicitou que eram jovens militantes da luta armada, foquistas, como a grande maioria da resistência estudantil os chamava. Mas ele dirá isso de outra maneira, por um método de aproximação. À minha pergunta: – Na ditadura militar, eu lembro que o movimento tropicalista era relacionado a determinada linha de combate clandestino. Você faz essa relação? Por exemplo, tinha a ala da esquerda que era do lado de Chico Buarque, tinha outra ala da esquerda que era do Tropicalismo, você vê isso? Gil me respondeu: – Acho que sim. Acho que era. As pessoas associavam sua política, seu compromisso… (tosse) a determinados campos, na própria política e no campo estético também. Então o Tropicalismo estava ligado às correntes mais … mais audaciosas, mais, que predicavam uma ruptura maior, que predicavam uma ruptura de um convencionalismo estético, artístico, e etc., e também político, não é? Nós gostávamos das correntes políticas mais autônomas, mais abertas, menos subordinadas a linhas programáticas clássicas.  Para mim isso era claro desde a vida e morte José Bartolomeu Rodrigues de Souza, o Tropi. A música dos tropicalistas me deu um referencial preciso de reconstrução da vida na memória, no romance. E a eles voltei no livro “A mais longa duração da juventude”, para expressar uma discussão viva dos anos da ditadura:  “A depressão se anuncia, sinto. Não sei se acontece somente comigo, se é um fenômeno isolado, mas quando não estou com amigos, quando não estou “na luta”, ou seja, em reuniões, pontos, panfletagem, estudo do marxismo em textos mimeografados, em resumo, quando não estou em atividade, caio na mais funda depressão. Eu me deito lá na pensão e vejo o teto baixar, baixando, os objetos em volta ficam cinza, e pouco importa se o sol lá fora brilha em céu azul. Um desconcerto e desacordo sem fim. É como uma angústia imóvel. Vem à semelhança do expresso nos versos de Camões, “Que dias há que na alma me tem posto / Um não sei quê, que nasce não sei onde / Vem não sei como e dói não sei porquê”. Um vazio, isto, um vácuo de substância cujo significado imagino saber agora. É a solidão, o estar só e sozinho num drama sem palco onde passa longe a solidariedade. E me falo ou perambulo nas sombras: “O que estou fazendo?