Zona Curva

Cultura

O jornalista e escritor Fausto Wolff escreveu: “cultura é arma de defesa pessoal”, esse é o guia dos textos aqui publicados.

Cultura dos editais: o remédio amargo dos artistas

por Almandrade O artista que passa o tempo recluso na solidão do atelier, trabalhando, desenvolvendo sua experiência estética, como um operário da linguagem e do pensamento, está em extinção. É coisa de museu. Ou melhor, é raridade nos museus de arte, hoje em dia, que estão deixando de ser instituições de referência da memória para servir de cenários para legitimação do espetáculo. Às vezes com míseros recursos que ficamos até sem saber, quando deparamos com baldes e bacias nessas instituições, se são para amparar a pingueira do telhado ou se trata de uma instalação, contemplada por um edital para aquisição de obras contemporâneas. O que interessa na politica cultural nem sempre é a arte e a cultura, e sim, o glamour. Em nome da arte contemporânea faz-se qualquer coisa que dê visibilidade. As políticas públicas foram relegadas às leis de incentivo à cultura e aos editais públicos. Nunca se fez tanto editais neste País, como atualmente, para no fim fazer da arte um suplemento cultural, o bolo da noiva na festa de casamento. Na fala do filósofo alemão Theodor Adorno: “as obras de arte que se apresentam sem resíduo à reflexão e ao pensamento não são obras de arte”. Do ponto de vista da reflexão, do pensamento e do conhecimento, a cultura não é prioridade. Na política dos museus, o objeto já não é mais o museu que se multiplicou, juntamente com os chamados centros culturais, nos últimos anos. Com vaidade de supermercado, na maioria das vezes eles disponibilizam produtos perecíveis, novidades com prazo de validade, para estimular o consumo vetor de aquecimento da economia. A qualificação ficou no papel, na publicidade do concurso. Esses editais que bancam a cultura são iniciativas que vem ganhando força. Mostram ser um processo de seleção com regras claras para administrar o repasse de recursos, muito bem vendido na mídia, como um método de democratizar o acesso e a distribuição de recursos para as práticas culturais. Mas nem tão democrático assim. Podem ser um instrumento possível e eficiente em certos casos, mas não é a solução, é possível funcionar também, como escudo para dissimular responsabilidades pela produção, preservação e segurança do patrimônio cultural. Considerando-se ainda a contratação de consultorias, funcionários, despesas de divulgação, inscrição, o trabalho árduo e apressado de seleção, é um custo considerável, em último caso, gera serviços e renda. O artista contemporâneo deixa de ser artista para ser proponente, empresário cultural, captador de recursos, um especialista na área de elaboração de projeto, com conhecimentos indispensáveis de processo público e interpretação de leis. Dedica grande parte de seu tempo nesse processo burocrático de elaboração e execução de projeto, prestação de contas, contaminado pela lógica do marketing, incompatível para o artista que aposta na arte como uma opção de vida e meio de conhecimento que exige uma dedicação exclusiva. Ou então, ele fica à mercê de uma produtora cultural, para quem essa política de editais e fomento à cultura é um excelente negócio. Uma coisa é preocupante, se essa política de editais se estender até a sucateada área da saúde. Imaginem uma seleção pública para pacientes do Sistema Único de Saúde que necessitam de procedimentos médicos, os que não forem democraticamente contemplados, teriam que apelar para a providência divina, já engarrafada com a demanda de tantos pedidos. Nem é bom imaginar. Que esta praga fique restrita aos limites da esfera cultural, pelo menos é uma torneira que sempre se abre para atender parte de uma superpopulação de artistas / proponentes pedintes. O artista, cada vez mais, é um técnico passivo com direito a diploma de bem comportado em preenchimento de formulário, e seu produto relegado ao controle dos burocratas do Estado e aos executivos de marketing das grandes empresas. Se o projeto é bem apresentado com boa justificativa de gastos e retornos, o produto a ser patrocinado ou financiado, mediano, não importa. O que importa é a formatação, a objetividade do orçamento, a clareza das etapas e a visibilidade, o produto final é o acessório do projeto. Claro, existem as exceções. Museu, memória e patrimônio

1984 é agora, ou o real invadiu a ficção?

por Albenísio Fonseca A transformação da realidade e seu total controle é o tema principal de 1984, o livro de George Orwell, escrito em 1948.  A ação se passa em Oceania, um fictício bloco de países que, simulando uma democracia, vive sob o totalitarismo desde que o IngSoc (o Partido) chegou ao poder sob a batuta do onipresente Grande Irmão (Big Brother). O controle total é a norma sobre a população, numa política de subordinação implacável. Inspirado na opressão dos regimes totalitários das décadas de 30 e 40 do século XX, o livro  (escrito na terceira pessoa) não se resume a apenas criticar o stalinismo e o nazismo, mas toda a submissão da sociedade, a conversão do indivíduo em peça para servir ao estado ou ao mercado, através do controle sobre o pensamento,  a redução do idioma e descartada toda e qualquer noção de esperança. O personagem principal do livro, Winston Smith, membro do partido externo, funcionário do Ministério da Verdade, tem como função apagar o passado, reescrever e alterar dados de acordo com o interesse do Partido. Mas Winston passa a refletir e questionar a opressão exercida sobre os cidadãos. Na Oceania, se alguém pensasse diferente, cometia crimidéia (crime de ideia em novilíngua) e fatalmente seria capturado pela Polícia do Pensamento, torturado e morto ou coisa pior. Desaparecia. Winston não sabia de qual modo, mas precisava extravasar o que sentia. Como não seria seguro comentar suas angústias e sem dispor de respostas satisfatórias, compra clandestinamente um bloco e um lápis (artigos de venda proibida, adquiridos num antiquário). Para verbalizar seus sentimentos, Winston atualiza seu diário usando o canto “cego” do apartamento. Onde a teletela – o olhar do Grande Irmão, a vigilância do Big Brother – não pudesse vê-lo. A primeira frase que Winston escreve é justificável e, há de se convir, permanece atual: Abaixo o Big Brother! Winston, uma representação do homem comum – protótipo do anti-herói – também tinha dificuldades para lembrar do passado e da vida pré-revolucionária. Os esforços da propaganda do Partido com números e “duplipensamento” tornavam a tarefa quase impossível já que o futuro, presente e passado eram controlados pelo Partido. No Miniver (Ministério da Verdade), ele alterava dados e jogava no incinerador (Buraco da Memória) os originais de tudo que pudesse contradizer as verdades do Partido. Metáfora dos anos pós-guerra com reflexos na contemporaneidade, a função de Winston é uma crítica à fabricação da verdade pela mídia, à impossibilidade de acesso ao conhecimento e à ascensão e queda de ídolos de acordo com alguns interesses. Seu envolvimento amoroso com Julia também constitui uma transgressão. As normas do Partido deixavam claro que membros da organização, principalmente dos sexos opostos, não deviam se comunicar a não ser a respeito de trabalho. O sexo só é permitido para a reprodução. O Partido informa: a ração de chocolate semanal aumenta para 20g para cada cidadão. O trabalho de Winston consistia em coletar todos os dados antigos que descreviam que a ração antiga era de 30g e substituí-los pela versão oficial. A população agradece ao Grande Irmão pelo aumento devido aos propósitos midiáticos do poder. E extravasa no lazer dos “dois minutos de ódio” um medonho êxtase de medo e vingança contra os “traidores”, a desejar que outros morram, numa explícita associação à perseguição de Stálin a Trotsky. A Oceania vive em guerra permanente contra outros dois blocos, a Eurásia e a Lestásia. Sem perceber uma câmera oculta, Winston é preso pela polícia do pensamento ao expressar sua constatação sobre a plebe, “nós somos os mortos”. O amigo O’brien converte-se no seu torturador. Solto, rebaixado a um subcomitê, o pretenso revolucionário que acreditava na Fraternidade termina seus dias jogando xadrez sozinho no ambiente malvisto do Castanheira Café. Como se lobotomizado – à semelhança de Alex, o anti-herói de A Laranja Mecânica (livro de Anthony Burgess, publicado em 1962 e levado cinema por Stanley Kubrick, em 1971),  submetido a uma  “terapia experimental de aversão” – Winston “aprende” a amar o Grande Irmão. Antes, escreveria um extraordinário paradoxo em seu diário: “Eles só se libertarão quando se revoltarem. Mas eles só se revoltarão quando se libertarem”. Afinal, somente seria possível concordar com o ficcionista David Bryn, para quem “a forma mais poderosa de ficção não está num livro, num filme ou numa história que preveja o futuro, mas numa história que impeça o futuro”, na medida em que tivéssemos escapado ilesos ao vaticínio contido neste magnífico livro. Publicado originalmente no Blog do Albenísio. Diretas já?

A crise da Cultura

por Almandrade Nunca se falou tanto em política cultural como nos últimos anos nesse País: conferências, conselhos, encontros, inventaram até economia criativa, no entanto, a cultura vive uma recessão e a ética, a cidadania e a educação escorrem pelo ralo. De um lado, as leis de incentivo e os editais, e do outro o entretenimento e a festa como alvos. As linguagens artísticas, instituições culturais como museus, bibliotecas, teatros, centros culturais, o patrimônio e as práticas contemporâneas são fantasmas, quando aparecem não mais assustam. Diante da crise da política e da economia, a crise da cultura é pouco visível, mas é sentida nos mínimos atos do cotidiano. Enquanto fecham-se livrarias e cinemas. Teatros, museus e bibliotecas são esquecidos na UTI da cultura. Centros destinados ao comércio de Jesus surgem da noite para o dia, delegacias e leis especiais são criadas para euforia de muitos, como uma conquista dos que estão à margem. Perdemos o bom humor, até nossos afetos, desejos e comportamentos são intermediados pelo aparelho judicial e/ou policial. É a legitimação do estado de barbárie. O que poderia ser um probleminha solúvel via cidadania cultural, de repente, vira caso de polícia. “Esta é uma sociedade na qual as leis sempre foram armas para preservar privilégios, sendo o melhor instrumento para a repressão e a opressão e jamais definindo direitos e deveres concretos e compreensíveis para todos”, conforme afirma Marilena Chauí. E continua sendo. Não vamos harmonizar a sociedade compartimentando violências e inventando aparelhos repressivos. A questão é também cultural, não quero dizer que vamos salvar o mundo com a cultura, mas poderemos transformá-lo. Em vez de, melhorar o relacionamento das pessoas e dos grupos sociais com esses aparelhos, ao contrário, observamos um aumento da discriminação, da revolta e a manifestação do ódio reprimido. Basta a fumaça de um cigarro fora de hora para o circo pegar fogo. Cultura dos editais: o remédio amargo dos artistas Faz-me lembrar que certa vez, acordei e vivi a triste experiência de ser um personagem de romance de Kafka, fui premiado com uma sentença. As humilhações foram muitas, como: – “A guarda de B. é minha e abro concessões pra que ele te veja …  B. é novo e pode se adaptar bem a uma vida sem pai. Talvez eu faça valer de fato essa proibição judicial de ele não poder te ver…” Pensei, uso do aparato de proteção para tirar partido e manifestar o descontrole emocional? Longe de mim fazer qualquer diagnóstico. Sem o princípio da imparcialidade, é difícil provar que elefante não voa. Sete anos depois, renunciei ao meu afeto e a convivência, me restou a saudade a tristeza e hipertensão do estresse. Apenas um pequeno exemplo da nossa cultura da barbárie doméstica. É o País de Macunaíma: “cada um por si e Deus contra todos” e a certeza de que chegamos ao século XXI mais bárbaros do que os bárbaros da Idade Média. Em outros tempos, mais difíceis, éramos mais cordiais, o inimigo era conhecido. A cultura sobrevivia, mesmo que precariamente, sem lei de renúncia fiscal, ceder o lugar para o idoso ou a grávida no coletivo, era um privilégio de ser educado, dispensava a obrigatoriedade da lei. Um País civilizado, escolas e instituições culturais se destacam na paisagem da cidade ou nas reivindicações da população. Uma população melhor educada, reconhece o direito do outro como regra social, questão de cidadania. “Todos os seres nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, independentes de raça, sexo etc. A importância que se dá aos conflitos localizados é porque eles funcionam para disfarçar o conflito maior no qual estamos atolados, o da “luta de classes”, esquecemos a lição do velho Marx, abandonado em alguma biblioteca empoeirada que ninguém mais frequenta. A cultura é muito mais do que o que aparece nas salas dos conselhos, conferências, nos recintos da academia e nas metas dos planos de cultura. É uma prática diária, ou seja, o dispositivo que permite ao homem ocupar seu lugar no tempo e no espaço, se relacionar com o outro e o meio ambiente de forma confortável, humorada e cordial.

Gabriel García Márquez aos 90 anos

No último dia 6 de março, Gabriel García Márquez completaria 90 anos por Urariano Mota   Na sua ótima biografia escrita por Gerald Martin, podemos ler: “Gabo se mostrava claramente angustiado. Depois que conversamos sobre seu trabalho e planos por algum tempo, declarou que não tinha certeza se voltaria a escrever. Então ele disse, quase melancólico: ‘Escrevi bastante, não escrevi? As pessoas não podem ficar frustradas, e não podem esperar mais nada de mim, não é?’ Estávamos sentados em imensas poltronas azuis, numa saleta íntima do hotel, de onde se via o anel rodoviário do sul da Cidade do México. Lá fora estava o século XXI, voando. Oito pistas de tráfego incessante. Ele me olhou e disse: – Sabe, algumas vezes fico deprimido. – Como? Você, Gabo, depois de tudo que realizou? Não acredito. Por quê? Ele gesticulou para o mundo além da janela – a grande artéria de tráfego intenso, a intensidade silenciosa de todas aquelas pessoas comuns vivendo a vida num mundo que não era mais seu –, depois voltou o olhar para mim e murmurou: – Porque percebo que tudo isso está chegando ao fim. Não chegou ao fim. Jamais chegará. Para todos nós, a obra de um criador é sempre um recomeço. Lembro que seus romances em nossa juventude nos deram conforto, humor e um estado de graça para suportar o risco da morte. Uma revelação. As palavras, a frase e o modo de contar de García Márquez nos ensinaram a ler, escrever e contar o mundo. Isso, é claro, já havíamos visto, de modo fundamental, em Cervantes, no Padre Vieira, em Machado de Assis. Isso quer dizer, amigos: narrar, contar uma história, não é dizer, não é o mesmo que falar. Narrar é retirar da realidade mesma, da própria realidade a frase que encarna, que concretiza, que torna imorredoura a sombra, que antes era vaga ou apenas entrevista. Narrar é dar forma ao que antes mostrava apenas traços informes. Gabriel García Márquez se fez o Cervantes do século XX, um criador absoluto. O cara que devolveu a autoestima aos latino-americanos. Em livros de entrevista, autobiográficos ou biográficos lemos e conhecemos a trajetória da sua vida, e vemos e notamos e aprendemos e apreendemos o escritor antes do sucesso absoluto em todos os continentes, antes de ser o Maestro, o mestre Gabo. Gabriel García Márquez, antes de ser escritor, enfim, era uma alma errante, uma alma perdida a vagar, sem rumo definido. Mas com uma vontade louca de entender o mundo, com uma fome voraz de alimentos de toda sorte, principalmente de literatura. É exemplar, modelar, a forma com que ele faz tributo e rende homenagens aos grandes que o precederam, inclusive aos grandes que só ele conheceu, porque não ganharam fama. E de tal modo ele lhes reconhece excelência, que parece nos dizer: “olhem, este sim era maior”. E também dos grandes que alcançaram status de criador, como Juan Rulfo, por exemplo, o fecundo romancista que o influenciou, mas não conheceu o boom literário como ele, García Márquez. Lembro que na pensão, em atividade clandestina, a sua literatura era melhor que cinema, viajar ou beber cerveja. Em meu romance “A longa duração juventude” escrevo: “Nas mãos de Luiz do Carmo, as páginas de Cem Anos de Solidão voavam, de voo mesmo, não só pela rapidez com que eram passadas, mas com o bater de asas que pareciam se agitar no espaço do quarto da pensão, onde as palavras eram pássaros. Então, se naquela imobilidade ele estava bem, todos estávamos seguros. Enquanto os fascistas não vinham, Luiz do Carmo estava defendido pelo romance de García Márquez”. Bem compreendíamos. Na adesão de Gabriel García Márquez ao socialismo havia um humanismo luminoso, aquele que narrou as pessoas do povo, o seu lugar, a sua terra, o seu barro fundador, que se fez também nosso. Então voltemos a seu livro máximo, Cem Anos de Solidão, que neste 2017 faz 50 anos de luz. Nele vemos: “O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para nomeá-las se precisava apontar com o dedo”. Assim foi, assim é. Tudo enfim que continua a ser tão recente, que ainda precisa receber nomes apontados com o dedo. América Latina e seus dilemas  

O carnaval da Tropicália

por Albenísio Fonseca A Tropicália é o movimento que não acabou, foi impedido de continuar. Por si só verdadeira carnavalização estética, surge com uma instalação de Hélio Oiticica, em 1967. No mesmo ano, a canção Tropicália, de Caetano Veloso. Só em 68 seria lançado o emblemático disco-manifesto. Aliás, com um erro crasso ao cravar o plural do simbólico emblema latino dos romanos “panis (em lugar de “panem”) et circenses”. Oiticica dizia que criou a Tropicália e que os demais criaram o Tropicalismo. Sob o céu anil, havia fortes influências da pop art e do flower power norte-americanos; do processo de industrialização brasileiro e do ambiente de repressão instaurado desde o golpe de 64. Bob Dylan, Beatles, Rolling Stones, Carmem Miranda, Chacrinha e a Jovem Guarda eram alguns dos ingredientes que compunham o caldeirão cultural na efervescente antropofagia tropicalista. O movimento se erige sobre quatro marcos inaugurais, todos transcorridos em 1967: a instalação Tropicália, manifestação ambiental, de Hélio Oiticica, no MAM do Rio de Janeiro, em abril; a estreia do filme Terra em Transe, de Glauber Rocha, em maio; a montagem de O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, encenada em setembro pelo Grupo Oficina, sob direção de José Celso Martinez Corrêa, e as participações de Caetano Veloso e Gilberto Gil no III Festival da Record, em outubro, interpretando respectivamente Alegria, Alegria e Domingo no Parque, que instauravam uma nova linguagem e inseriam a guitarra elétrica na MPB. O choque do provincianismo com o moderno gerando a síntese dialética de uma nova forma de pensamento. A um só tempo, o corte e a sutura. Algo como a Semana de 22, entre 67 e 69, converteu-se na nova ótica brasileira da transformação de costumes, valores culturais e comportamentos, liderada pela juventude daquela geração. Nossa “geleia geral”, diriam Gil, Caetano, Waly, Torquato Neto e Capinan. Toda a rede universal de comunicação hoje consolidada já estava instalada de modo embrionário naquele momento histórico. O Tropicalismo se instaura em diálogos e interinfluências, atravessando a indústria cultural em áreas profissionalizadas, como o cinema, o teatro, a TV (vide o programa Divino Maravilhoso, na Tupi, em 68); semiprofissionais, como a literatura; e as marginais: cinema super-8, escultura, música erudita. Diante do establishment cultural erudito nacional e distinta da explícita canção de protesto, a produção musical tropicalista, face proeminente do movimento, sempre tensionando extremos, vai se relacionar com as antenas mais sensíveis da intelectualidade, os segmentos de vanguarda: Medaglia, Duprat, Cozzela, maestros da avançada música de concerto e o operístico Vicente Celestino; berimbau e guitarra; latinidade, poesia concreta e literatura de cordel; o fino e o cafona; cidade e sertão. No caleidoscópio montado pelo Tropicalismo, a cintilar também nas vozes de Gal Costa, Nara Leão ou Maria Bethânia, passamos a habitar uma nova dimensão simbólica da realidade brasileira. Sob o fascínio irreverente dos Mutantes, nos ícones da urbanidade e do parque industrial satirizados por Tom Zé, a atualização dos paradoxos que delimita(va)m nossa brasilidade, redesenhados por Rogério Duarte. Em suma, a nova consciência crítica gerada pela estética tropicalista veio proporcionar uma ampla liberação para a criação artística que, infelizmente, o artista brasileiro, em geral, não soube dar sequência. Vale lembrar, ainda, o quanto Gil e Caetano produziram marchas e frevos antológicos para a folia. Mais do que pelos militares, a Tropicália foi “derrotada” pelo conservadorismo e pelo subdesenvolvimento brasileiro. Sem possibilidade de cooptação política à esquerda ou direita, as prisões e exílio de Gilberto Gil e Caetano Veloso não impediriam, contudo, que o Tropicalismo ultrapassasse o próprio rótulo como possibilidade da cultura e da vida no Brasil.  Em 2012, a Escola de Samba Águia de Ouro desfilaria na pauliceia sob o samba-enredo “Tropicália da Paz e Amor: O Movimento que não acabou”. Trazia Gil, Caetano, a roqueira e tropicalista Rita Lee entre os destaques e Cauby Peixoto e Ângela Maria como rei e rainha da MPB. Que todos possam divertir-se a valer no País do Carnaval, ainda que, em Salvador, blocos como o Boca de Brasa – com personagens culturais redivivos – e o da Capoeira – um dos mais emblemáticos ícones da baianidade – tenham sido excluídos do apoio do estado e das programações oficiais. Agora, 50 anos depois, face à improbabilidade de horizontes claros em nosso triste trópico e no limite tênue do nosso luxo e miséria cultural, com a Tropicália convertida em tema de carnavalização da primeira capital do país, quiçá ainda seja possível resgatar a velha audácia e perpetuar a paixão pelo moderno e a pretensão futurista dos tropicalistas em plena virtuália do blá blá blá das redes sociais nessa transdigitada era da banda larga e comunicações instantâneas. A resistência de Gal Costa à ditadura civil-militar Canis et circenses Roger Waters apela pelo cancelamento de show de Gil e Caetano em Israel  

Não se fazem mais intelectuais com a verve de Emílio de Menezes

por Fernando do Valle O poeta e jornalista Emílio de Menezes vivia durango e para sobreviver vendia entradas de suas próprias conferências nos bares que frequentava, com isso garantia sua dieta de glutão que continha até aipos e beterrabas crus que mastigava com frequência. Mas nem só de aipos e beterrabas era fornida a enorme pança de Emílio. Ele adorava bater ponto nas mesas de botecos e confeitarias do centro do Rio no início do século passado. Antes de dormir, era sagrado arrematar sua comilança com meia dúzia de ovos cozidos. Certa vez, enrolou um alemão dono de uma birosca com o papo de que seu cachorro tinha muita fome e ele precisa levar um pouco de comida para casa. Pediu salame e rosbife. Ao lado dos dois, um enorme pote de picles. O poeta pediu também dois picles. O alemão se enfureceu: “desde quando cachorro come picles, Emílio”. Emílio de Menezes nasceu em Curitiba, a 4 de julho de 1866, e faleceu no Rio de Janeiro, em 6 de junho de 1918. Emílio de Menezes é daqueles personagens que a figura pública torna-se maior do que a obra. Conviveu com Oswald de Andrade, Bastos Tigre, Olavo Bilac e Barão de Itararé. Oswald admirava seu espírito iconoclasta, chegou a apresentá-lo ao futuro presidente Washington Luiz e tecia loas ao amigo: “posso afirmar sobre o caráter pessoal do poeta que não admitia patifaria mesmo de amor. E era iracundo nas suas críticas e investidas”. Oswald não era fã dos poemas de Emílio, mas em 1917 dedicou um volume da revista Pirralho, da qual foi editor, aos escritos do colega. Talvez Emílio esperava ser lembrado por seus poemas parnasianos, mas o que ficou na lembrança da época foi sua enorme figura de rosto redondo e longos bigodes que se postava como parte da paisagem na frente da Confeitaria Colombo para ironizar a vida e a intelectualidade da época. “Emílio de Meneses satírico foi grande mestre; o lírico, salvo em três ou quatro sonetos, era empolado e oco”, diagnosticou Manuel Bandeira. Para falar a verdade, o que li dele não vale lá muito a pena perto do folclore criado sobre ele e sua verve. Como muitos poetas da época, Emílio de Menezes escreveu também poemas para campanhas políticas, como versos para o marechal Hermes da Fonseca (1855-1923), candidato à presidência em 1910. Em uma pendenga com o historiador e diplomata Oliveira Lima, obeso como ele, escreveu: “atravancando a porta que ambiciona/ Não deixa entrar nem entra. É uma mania!/Dão-lhe por isso a alcunha brincalhona/De paravento da diplomacia….Eis em resumo essa figura estranha:/Tem mil léguas quadradas de vaidade/Por milímetro cúbico de banha.” Mais uma: apertado para aliviar a bexiga, Emílio correu até um terreno baldio. Muito gordo, estava terminando de desafogar-se quando um menino grita: — Ih, eu vi seu negócio! Emílio recompõe-se, chama o pirralho e lhe dá uma moeda: — Tome, você merece! Há anos não o vejo… Filho de outro poeta, Emílio Nunes Correia de Menezes, e de Maria Emília Correia de Menezes, era o único filho homem na família, ao lado de oito irmãs. Em certa época, já vivendo no Rio, Emílio ganhou boa grana especulando na bolsa, comprou carros de luxo e objetos de arte. Mas o dinheiro durou pouco e ele logo voltou aos bares e aos poemas. Monteiro Lobato também se rendeu à figura, após um encontro com o poeta, soltou: “Emílio tem a fama de ser o homem de mais espírito desse país. É o moto-contínuo da graça. Ri-me tanto que voltei para casa com os músculos faciais doloridos”. “A grafonola deu uns estálos mysteriosos!… Estou com medo! Será a alma de Emílio!…” (Ventania, pseudônimo de Ignácio da Costa Ferreira, em O Perfeito Cozinheiro das Almas deste mundo). Emílio foi eleito em 1914 para a Academia Brasileira de Letras. Segundo Oswald de Andrade, Machado de Assis foi contra a entrada de Emílio na Academia devido à sua conhecida fama de boêmio. Seu discurso de posse foi vetado por excesso de ironias e ele morreu sem assumir seu assento. A vida boêmia trouxe problemas de saúde e por ironia Emílio morreu magro aos 52 anos, mas não perdeu a piada: “estou apenas enganando os vermes, eles esperam mais de cem quilos de banha, e estou levando ossos duros de roer”.

Embarque no sax de John Coltrane

por Fernando do Valle Coltrane – O ar introspectivo de Coltrane com o sax a tiracolo representa uma das imagens mais marcantes da história do jazz. O olhar melancólico era a senha para a possibilidade da construção de um mundo paralelo pelo som de sua música. Mundo por vezes cheio de quebradeira e barulho, em outras cheio de lirismo ou ainda atrás de algum contato espiritual com outras dimensões. Coltrane foi um desses caras que só estão entre nós para mostrar novas possibilidades além do banal e do cotidiano, hoje tão aceito por hordas de conformados. Em Los Angeles, na pequena Igreja Ortodoxa Africano Santo John Coltrane o músico não deixou apenas fãs, e sim ardorosos fiéis. Franzo King, fundador da igreja, assistiu um show de John Coltrane em um clube de São Francisco. Ele e sua esposa tiveram suas vidas transformadas como em culto epifânico, como se aquele homem fizesse de sua música o evangelho. Deus em pessoa. Leia sobre a Igreja que venera o som de Coltrane no texto do portal Geledés.   “In A Sentimental Mood”: Escrevo agora sobre jazz, o que infelizmente para muitos parece menor. Menor não pode ser o fascínio pela música que pode te levar a uma reminiscência, um sentimento de plenitude, de paz, de confusão. Não subestimo a confusão. Alguns têm dificuldade em viajar no som e soltam comentários como: “nossa, que som chato” e desistem. Desistir de escapar da realidade cheia de empulhações da vida rasa nem se for por poucos minutos é oportunidade rara.  No último dia 23 de setembro, John Coltrane completaria 90 anos. Ele nasceu em Hamlet, Carolina do Norte em 1926 e morreu em Long Island, Nova Iorque, em 17 de julho de 1967. “Kind of blue” – Coltrane e Miles Davis: O clarinete foi o primeiro instrumento de Coltrane ainda na infância incentivado pelo seu pai fanático por música e que arranhava alguns instrumentos. Foi Lester Young e seu sax tenor, marcante para toda uma geração de músicos tanto na banda de Count Basie como em outras, que inspirou Trane a adotar o saxofone. Nas escolas de música da Filadélfia durante a adolescência, o futuro músico começou a criar certa intimidade com o sax alto. Durante a Segunda Guerra Mundial, John Coltrane retornou ao clarinete na banda Melody Makers da Marinha quando serviu às Forças Armadas no Havaí. Antes de entrar na banda de Dizzy Gillespie, Coltrane tocou sax tenor na banda de Eddie “CleanHead” Vinson. Nos meados da década de 50, tocou no Quinteto de Miles Davis e sempre afirmava que ali encontrou a liberdade que buscava para sua música. Com a inspiração e mais seguro, Coltrane montou seu icônico quarteto com o pianista McCoy Tyner, o baterista Elvin Jones e o baixista Jimmy Garrison em 1960. “Naima”: Leia sobre e escute Lester Young no curta Jammin’ The Blues. “My favorite things”: “Lazy Bird”:   Fonte usada: site oficial de John Coltrane. Sem mais frutas estranhas  

O lirismo de Leonard Cohen em um mundo rude  

por Fernando do Valle Leonard Cohen -O bardo canadense Leonard Cohen se foi na noite de quinta (10 de novembro) na cidade norte-americana de Los Angeles aos 82 anos. O lírico Cohen transformava dores de cotovelo, paixões desesperadas, despedidas que habitam nosso mundo rude em canções lapidadas com sua sensibilidade, foi alquimista da metamorfose do subjetivo em arte de alto quilate. Confesso que sua voz rouca e meio cética me acompanhou em momentos difíceis, com algum álcool na cabeça, me irritava: “acorda para a vida, Cohen, ninguém dá a mínima para a sensibilidade, a vida é bruta, punk, ELES na verdade não estão nem aí”. Após alguns minutos, me arrependia, ouvia de novo, de novo, de novo e a vida seguia e eu tinha a certeza de que podia contar com suas canções. Colocava para tocar Cohen para muitos e cheguei a ouvir que sua música é depressiva, triste, desesperançosa. Fazer o quê. Mas sensação boa era o momento de encontrar outro fã de Cohen, “impossível que esse cara ou essa mulher não seja gente boa”, isso lá não é bem verdade, mas mostra como ele tocava algum lugar profundo no coração, no id, no ego, no cérebro, sei lá. Em 1992, no álbum The Future, o Cohen político exaltava na música “Democracy”: “Democracy is coming to the U.S.A”. Cohen nos deixou poucos dias após a eleição de Donald Trump como presidente norte-americano, talvez nem o ceticismo de Cohen  aguentaria os tempos sombrios que nos aguardam. “Democracy”: Além de canções, Cohen escreveu poemas e literatura. Em 1956, publicou seu primeiro livro, Let Us Compare Mythologies, lançou a novela O Jogo Favorito em 1963, Poemas para Hitler em 1964 e Lindos Perdedores em 1966. Os livros não venderam. Era apaixonado por Yeats e Lorca e chegou a batizar uma de suas filhas com o sobrenome do poeta espanhol. Leonard Cohen escreveu seus poemas em forma de flor para o psicopata Hitler na vila grega de Hydra, nas margens do mar Egeu. A energia do sol mediterrâneo e a boêmia atraiu Cohen no início dos anos 60 para a pequena cidade, onde circulava uma comunidade de artistas, muitos deles viviam em casas sem água encanada e eletricidade. Quando chegaram os primeiros cabos telefônicos em Hydra, Cohen celebrou com a canção Bird on the wire. Foi ali que Cohen conheceu a norueguesa Marianne Ihlen, o relacionamento dos dois durou 7 anos e a despedida inspirou a música So long, Marianne. A norueguesa tinha um filho do casamento com o escritor também norueguês Axel Jensen. Há duas versões sobre o encontro entre Cohen e Marianne, na primeira, o poeta conheceu Marianne após uma briga com seu marido. As más línguas contam outra história: Axel teve um caso com a namorada de Cohen, Lena, e Marianne e Cohen uniram-se na dor de corno. O tempo transformou Marianne em musa como as dos antigos poetas líricos. Marianne morreu em 28 de julho deste ano de leucemia aos 81 anos e Cohen escreveu: “Bem, Marianne, chegamos ao tempo em que somos tão velhos que nossos corpos caem aos pedaços; penso que te seguirei em breve. Saiba que estou tão perto de você que, se esticar sua mão, poderá tocar a minha. Já sabes que sempre te amei por sua beleza e sabedoria, mas não preciso me estender sobre isso já que você sabe de tudo. Só quero te desejar uma boa viagem. Adeus, velha amiga. Todo meu amor, te verei pelo caminho”. “So long, Marianne”: Cohen cantava sempre com um olho no passado e outro no presente para nos munir de sensibilidade para enfrentar as incertezas do futuro. Foi assim que compôs sua música mais conhecida: Hallelujah, lançada no álbum Various Positions em 1984. Calcula-se que cerca de 200 artistas gravaram versões da música. “Hallelujah”: “Hallelujah” participou da trilha do filme alemão Edukators na voz de Jeff Buckley: Leia texto sobre o filme Edukators neste blog. Muitos identificam parentesco entre a obra de Bob Dylan, recém agraciado com o Nobel de Literatura, e Leonard Cohen, talvez pelo estilo de trovador solitário, pela melancolia, ambos de origem judia, mas deixando as comparações de lado, os dois mantiveram contato na época em que Cohen morava em quarto do quarto andar do Chelsea Hotel em Nova Iorque. Durante a noite, Cohen cantava em pequenos clubes em que conheceu Jimi Hendrix, Patti Smith, Lou Reed, entre outros. Durante o dia, Cohen escrevia poemas e suas canções. “Hallellujah” por Bob Dylan: Leonard Norman Cohen nasceu em Westmound, Quebec, no Canadá em 21 de setembro de 1934. Perdeu o pai muito cedo, aos nove anos, sua mãe Masha, ele e sua irmã Esther contaram com a ajuda dos tios. Leonard sempre foi apaixonado por blues e figuras como Robert Johnson e Bessie Smith, além de cantores franceses como Édith Piaf e Jacques Brel. O primeiro álbum, Songs of Leonard Cohen, foi lançado em 1967, quando Cohen tinha 33 anos. Seguiram-se mais treze. O último, “You Want it darker”, foi lançado no mês passado. No lançamento, em entrevista à revista New Yorker, Cohen falou que “estava preparado para morrer”. “You Want It Darker”: “Dance Me to the End of Love”: “In my secret life”: Nos anos 70, Cohen foi casado com Suzanne Elrod. A fotógrafa Lorca Cohen e o músico Adam Cohen são frutos do relacionamento como a música “Suzanne”: Em 1995, Cohen foi ordenado monge no centro budista Monte Baldy e batizado como Jikan (silêncio).  O artista viveu por um período entre os budistas e serviu ao mestre Kyozan Joshu Sasaki Roshi, que morreu com 104 anos em 2014. Fonte usada: Revista New Yorker. Uma jam com Lester Young  

É possível VER com Dom Juan e Carlos Castañeda

por Fernando do Valle CARLOS CASTANEDA – O índio Dom Juan tenta ensinar ao jovem Carlos Castañeda a VER, o que parece uma das atividades humanas mais básicas não é tão simples como parece. O velho bruxo índio mostra o caminho para enxergar a essência das coisas, para perceber além da aparência, sem julgamentos morais e preconceitos. Se conseguir, Carlos pode se tornar um homem de conhecimento, aquele que derrota seus medos e domina suas vontades. Durante as aulas metafísicas de Dom Juan, Carlos passa por duras provas e o bem-humorado índio tira sarro das tentativas do aprendiz Carlos. Dom Juan ri de mim, de você que lê este texto, ditos homens civilizados que complicam a vida e correm tanto para chegar em lugar algum.  “Para mim, não há vitória, nem derrota, nem vazio. Tudo está cheio até a borda; tudo é igual, e minha luta valeu a pena. A fim de se tornar um homem de conhecimento, a pessoa tem de ser um guerreiro, não uma criança choramingas. É preciso lutar sem desistir, sem reclamar, sem hesitar, até VER, só para compreender então que nada importa” (Dom Juan em trecho de Estranha Realidade, página 86). Castañeda conta que seu primeiro encontro com o índio da tribo Yaqui Juan Matus ocorreu em uma estação rodoviária por indicação de um amigo que sabia da procura do então estudante de antropologia Carlos Castañeda por informações sobre antigos rituais xamânicos para uma tese de doutorado na Universidade da Califórnia (UCLA). Daí para frente, muitos livros foram escritos por ele sobre seu mergulho nos mistérios da sabedoria ancestral indígena. Estima-se que Castañeda tenha alcançado a impressionante marca de 8 milhões de livros vendidos em 17 línguas. Em 1973, seus livros chegaram a vender 16 mil cópias por semana, mostrando como o autor foi um dos preferidos entre a geração da contracultura que buscava caminhos alternativos entre os anos 60 e 70. O primeiro livro de Carlos Castañeda, The teachings of Dom Juan (com o infeliz título em português de A erva do diabo) foi lançado em 1968, o ano que ainda não terminou. Três anos mais tarde, em 1971, o escritor publicou A separate reality (em português: Uma estranha realidade). Os dois primeiros livros mostram o esforçado estudante Carlos no duro aprendizado dos mistérios indígenas turbinado pelo mescalito, assim chama Dom Juan o peiote, usado amplamente em rituais dos povos originários das Américas. Do peiote se retira a mescalina, que o escritor britânico Aldous Huxley  fez uso em suas experiências que resultaram em As Portas da Percepção (1954), livro de cabeceira de Castañeda. No leito de morte, a mulher do escritor Aldous Huxley injetou no marido duas doses de LSD para seu despertar espiritual. Conheça essa história. Carlos Castañeda concedeu raras entrevistas, uma delas ao estudante bolsista da UCLA Luiz André Kossobudzki em 1975 e publicada na revista Veja (na época uma boa revista, não a publicação de quinta categoria encontrada hoje nas bancas). Para Kossobudzki, o escritor explicou assim sua caminhada na trilha dos ensinamentos de Dom Juan: “o guerreiro-pirata age por si mesmo, e assume a responsabilidade por suas ações. No processo de me tornar guerreiro-pirata eu encontrei poder pessoal, isto é, o poder da coragem e disciplina. Don Juan me ensinou a enxergar, ver o mundo ao invés de simplesmente olhar”.  “Só um doido empreenderia a tarefa de se tornar homem de conhecimento por sua própria vontade. Um homem sensato tem de ser levado a isso” (Dom Juan em trecho de Estranha Realidade, página 30).  “Sempre que você olha para as coisas, não as vê. Apenas olha para elas, suponho que para se certificar de que há alguma coisa ali. Como não está preocupado em ver, as coisas parecem as mesmas cada vez que olha para elas. Mas quando aprende a VER, por outro lado, uma coisa nunca é a mesma cada vez que você a vê, e no entanto é a mesma” (Dom Juan em trecho de Estranha Realidade, página 38).   O enigmático Dom Juan Dom Juan Matus, pseudônimo do índio yaqui mexicano que guiou Castañeda, teve seus pais assassinados por soldados mexicanos, viveu em vários lugares e era adepto da linhagem conhecida como nagualismo ou toltequismo, tradição xamânica de centenas de anos do México e América Central. Outros povos além do tolteca praticavam essa modalidade de xamanismo, ou seja, não se pode confundir o povo tolteca com a tradição xamânica tolteca. Alguns leitores suspeitam que Dom Juan sequer existiu, e ele foi um personagem ficcional criado por Castañeda baseado no contato com alguns xamãs e em seus estudos sobre o tema. Até a esposa de Carlos, Margaret Runyan Castañeda, mesmo admirando os livros do marido, afirma que nunca conheceu Dom Juan e dizia que o vinho preferido de Carlos, um português chamado Mateus, pode ter inspirado o nome do bruxo indígena, provocava Margaret. Muitos dos ensinamentos passados por Dom Juan têm origem na cultura indígena de dois, três mil anos atrás. Cinco séculos de perseguições aos cultos dos povos chamados pré-colombianos pelos colonizadores europeus em sua maioria católicos transformaram os ritos toltecas em subcultura desprezada pela elite local. “Talvez algum dia você aprenda a VER, e então saberá se as coisas importam ou não. Para mim nada importa, mas talvez para você tudo importará. Você já devia saber que um homem de conhecimento vive pelos seus atos, não por pensar nos atos, e não por pensar no que vai pensar depois que acabar de agir. Um homem de conhecimento escolhe um caminho de coração e o segue; e depois olha e se regozija e ri; e então ele vê e sabe. Sabe que sua vida terminará muito depressa; sabe que ele, como todos os outros, não vai a parte alguma; sabe, porque vê, que nada é mais importante do que qualquer outra coisa” (trecho de Estranha Realidade, página 83). Os xamãs eram conhecidos como guias espirituais livres de ambição e medo e conhecedores dos caminhos espirituais pelos povos originários das Américas. Eles também possuíam a capacidade de identificar as

Jana Lauxen lança novo livro, O Duplo da Terra

por Zonacurva A escritora gaúcha e colaboradora Zonacurva, Jana Lauxen, acaba de lançar seu novo e terceiro livro, “O Duplo da Terra” que narra o desparecimento de um avião com 194 pessoas a bordo nos céus de Florianópolis em 13 de setembro de 1989. Vinte e cinco anos depois, no mesmo 13 de setembro de 2014, no mesmo horário e local do desaparecimento, o Boeing 757 reaparece voando com os passageiros a bordo e revela o primeiro contato imediato de quinto grau indiscutivelmente comprovado da história da humanidade, Assista ao book trailer: – A maioria das obras que abordam contatos alienígenas retrata os ETs como hostis e mercenários, cujo único objetivo é dizimar os terráqueos. Não acredito que seria assim. No caso d’O Duplo da Terra, os alienígenas não são apenas mais evoluídos do que nós, moral e cientificamente, mas também são mais pacatos e racionais– afirma a autora.  Ao final do livro direcionado ao público infanto-juvenil, há um Desafio Cultural, com quinze questões para serem realizadas em sala de aula, envolvendo criação de textos e desenhos, colagens, teatro e música. A ideia faz parte de uma série de ações educativas promovida pela Editora Os Dez Melhores desde sua fundação, em 2013. Através do Projeto Nascedouro, diversas escolas já foram visitadas, quatro coletâneas já foram lançadas, e mais de 120 estudantes gaúchos tiveram seus textos e desenhos publicados em livro. O Duplo da Terra custa R$ 25 e pode ser adquirido na livraria virtual da Editora Os Dez Melhores (www.editoraosdezmelhores.com.br/livraria). Para outras informações, entre em contato através do e-mail contato@editoraosdezmelhores.com.br