por Marceu Vieira Uma notícia curtinha, veiculada sem destaque por alguns sites na quarta-feira 13 de setembro, e ignorada pelos jornais do dia seguinte, deu conta da paralisação pela Justiça da operação da Usina de Belo Monte, na Amazônia paraense. Com os olhos da grande imprensa todos voltados pro depoimento do Lula ao juiz Sérgio Moro, em Curitiba, a decisão tomada pelo Tribunal Regional Federal de Brasília não teve repercussão nem nas redes sociais. Uma pena. Pena mesmo. O Tribunal acolheu um pedido do Ministério Público ainda de 2015. Na ação, os procuradores denunciavam o descumprimento de condicionantes pra que a hidrelétrica pudesse operar – uma delas, o adequado reassentamento do povaréu ribeirinho, despejado de casa pelo desvio descomunal das águas do Rio Xingu. Em março de 2016, eu estive em Altamira, município-sede da usina, na região do Xingu. Fui lá pra uma série de sete relatos/reportagens sobre Belo Monte, publicados pelo querido site #Colabora. Comigo, estava a repórter fotográfica Marizilda Cruppe. É pouco provável que a decisão judicial de agora, tão tardia e ainda sujeita a recurso, resulte em algum benefício concreto pra aquela gente desassistida e afrontada pela construção de Belo Monte. Mas deve ter emprestado alguma alegria aos ribeirinhos que tanto lutaram contra o erguimento da usina. Naquela viagem inesquecível a um Brasil desconhecido da maioria, eu e Marizilda ouvimos os lamentos de muitos índios com quem convivemos. Lembro que uma índia da aldeia Juruna amarrou no meu pulso um bracelete de miçangas e disse mais ou menos assim: – Essa pulseira simboliza a força pra você entrar na guerra. Use até vencer a sua guerra. – Que guerra? – eu perguntei. Ela não respondeu. Mas, pelo sim, pelo não, desde ali, não tirei mais a pulseirinha do pulso. Entendi, pelo tom da jovem índia, que, se tudo desse errado, e ela nem me disse o que seria dar certo ou errado, eu deveria morrer com aquele adorno no pulso, caso não vencesse a “minha guerra”. Acredito que a “minha guerra” já tenha acabado, e que eu a venci. Porque a pulseira se rompeu esta semana, quando eu entrava num botequim da Rua Pinheiros, em São Paulo, e isso bem no dia da decisão de paralisar Belo Monte, tomada pela Justiça. A coincidência não quer dizer nada. Nada mesmo. Como também não quer dizer nada tanta coisa coincidente a que a gente assiste na vida. * * * Por acreditar que tudo continua igual, o cronista digital pede licença pra reproduzir aqui um trecho do primeiro relato daquela série publicada pelo querido site #Colabora. Fim de festa em Belo Monte Até onde a vista já não alcança, de tão vasto, e a poeira vermelha do barro da Transamazônica não deixa mais ver, de tão longe, o fim fica bem depois. Tudo é superlativo em Altamira, imensidão no Sudoeste do Pará. Seus monumentais 161.446 km² de área fazem do município o maior do país em extensão territorial e o terceiro do planeta. Se fosse um estado, Altamira ocuparia, em tamanho, a 16ª posição no mapa brasileiro, à frente de Rio de Janeiro, Espírito Santo, Santa Catarina, Acre, Ceará… Se fosse uma nação, seria, em dimensão, a 92ª do globo terrestre – engoliria uma Grécia e meia; quatro Suíças; quase duas vezes os limites de Portugal. Hoje, porém, também são cada vez mais superlativos os desapontamentos, as dores, as decepções e as tristezas da pobre gigante Altamira, cujo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano, medido pela ONU) mal chega a 0,6, patamar considerado sofrível. As sementes desse dissabor foram plantadas em 2011. Foi quando começou a ser erguida ali, no leito do Rio Xingu, sob a desconfiança severa de movimentos sociais, mas com a esperança de quem acreditava no desenvolvimento da região (sobretudo, empresários e poder municipal), a Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Mamute de 24 turbinas que veio se somar às hipérboles do município como a maior hidrelétrica 100% nacional e a terceira mais imponente do mundo, Belo Monte, esteticamente, nada tem de bela. É um Everest horrendo de concreto e ferro no meio da Floresta Amazônica. Em dimensões e potencial energético, perde apenas para a chinesa Três Gargantas e a brasileira-paraguaia Itaipu Binacional. Ocupa uma clareira impressionante de 37.375.644 m² de área desmatada, imensidão equivalente a 9,11 Copacabanas, ou a 830,5 estádios do Pacaembu. Controlada pelo consórcio Norte Energia, formado pelo grupo Eletrobras (49,98%), pelos fundos de pensão Petros (10%) e Funcef (10%), pela brasileira-espanhola Neoenergia (10%), pelas associações Cemig-Light (9,77%), Vale-Cemig (9%) e pelas minoritárias Sinobras (1%) e J. Malucelli Energia (0,25%), Belo Monte foi orçada em R$ 16 bilhões e leiloada por R$ 19 bilhões em 2011. Hoje, já está custando cerca de R$ 32 bilhões, dos quais pelo menos R$ 22 bilhões foram financiados com dinheiro público pelo BNDES. É tão gigantesca que, para ser levantada, foi preciso um colar de construtoras. Foi erguida por empreiteiras que, mais do que nunca, nestes dias conturbados de Operação Lava-Jato, têm frequentado o noticiário político-policial – Andrade Gutierrez, líder do consórcio construtor; Odebrecht; Camargo Corrêa; Queiroz Galvão; OAS; além de Contern, Galvão, Serteng, J. Malucelli e Cetenco. A sociedade civil organizada da região de Altamira, apoiada por ambientalistas de todo o Brasil e lá de fora, não a queria. Lutou o quanto pôde contra sua construção. Foi acusada de tentar deter o desenvolvimento da Amazônia e do Brasil. Temia pelo Xingu, pelos índios, pelos ribeirinhos, por seus pescadores, pelas remoções que poderia implicar. Quase uma dezena de ônibus que levavam e traziam trabalhadores do Centro de Altamira até o canteiro de obras foi incendiada por manifestantes, índios e operários grevistas em protestos na Transamazônica. Em vão. Mesmo assim, a gigante, projetada 30 anos antes, ainda na ditadura militar, acordou – e foi erguida. Há seis anos, quando o então presidente Luís Inácio Lula da Silva desarquivou o projeto e anunciou o início das obras, atribuindo a “gringos” a grita contra a usina, a promessa oficial era de que Belo Monte levaria à região a contrapartida de desenvolvimento, emprego, renda, mais escolas, mais hospitais,