Zona Curva

Política análise

Análises de nossos colaboradores sobre a conjuntura política.

No capitalismo, o governo é dos ricos

A lógica do sistema capitalista é sempre garantir vantagens para os mais ricos. Sempre, sempre, sempre. Essa é uma lição que já deveria ter sido aprendida pela população que sofre cotidianamente com as políticas que são impostas para garantir essa máxima. No Brasil, comemos veneno porque o governo abriu as portas para os agrotóxicos, das empresas multinacionais. Também pagamos mais caro os alimentos porque a prioridade é para o agronegócio que planta para exportar, não para gerar comida. No governo atual,  temos visto a destruição sistemática de tudo o que é público com a redução de verbas que vão estrangulando os serviços a ponto de não conseguirem mais atender a população. O motivo: garantir mais lucro para o setor privado. Nesta semana, as redes de televisão mostraram o drama das famílias que precisam de antibióticos. Antibióticos. Os mais baratos, produzidos por laboratórios públicos, estão em falta. Está quase impossível encontrar Amoxicilina nos postos de saúde e nos hospitais públicos. A mídia faz a matéria espetaculosa, mas não conta para a população o motivo disso. Não tem remédio porque o governo tem estrangulado os laboratórios públicos. Muitos fecharam. A saída então, qual é? Comprar os antibióticos das farmacêuticas famosas, que são 300, 500% mais caros. Faz-se isso ou morre. É o governo engordando a conta dos mais ricos. O governo tem também diminuído significativamente a verba para as universidades públicas e para os projetos de Ciência e Tecnologia. Ou seja, impedindo os empobrecidos de estudar e impedindo o país de garantir sua soberania diante da ciência. Com esse estrangulamento o governo enriquece as grandes empresas transnacionais que vendem tecnologia e garante o estudo apenas para a classe dominante. Assim, vai engordando o bolso dos mais ricos. Caso o empobrecido queira estudar, que se lasque para pagar uma faculdade privada, estudando à noite. No último dia 1, a Câmara dos Deputados, que também existe para defender os interesses dos mais ricos, aprovou mais uma lei que é um tapa na cara do povo brasileiro, principalmente os da classe média. O projeto, de autoria do governo Bolsonaro, entre outras aberrações, permite que os bancos tomem o imóvel, a casa, a morada, das famílias que tiverem dívidas, quaisquer dívidas que usem a casa como garantia. Até agora isso não era possível, pois havia o entendimento de que a moradia é um direito e a casa não pode ser usada para quitar dívidas. Bueno, graças a Bolsonaro e seus apoiadores, isso já era. Caso a pessoa se envolva em dívidas e tenha uma casa, ela poderá ser tirada pelo banco. Sem choro e nem vela. Ou seja, aquilo de que tanto acusam o comunismo – esse ente mítico que é usado para colocar medo nas pessoas – agora será praticado mesmo é pelas instituições financeiras, as filhas diletas do capitalismo. Os que lutam por moradia sabem bem o que é isso, quando na batalha por morar conseguem se organizar e ocupar terras para fincar seus barracos. Eles frequentemente são despejados sob a ponta do fuzil, com violência, sem piedade. Agora, até mesmo aqueles que à custa de muito esforço conseguiram comprar sua casa, poderão viver esse drama. No caso deste projeto, votaram a favor dele 260 deputados. Duzentos e sessenta, com 111 votos contrários. Ou seja, uma maioria considerável assinou embaixo de mais uma vilania contra a população, contra os trabalhadores, que são os que se endividam de verdade. Dívidas que contraem para sobreviver e não para investir como fazem os empresários. No Brasil é comum os trabalhadores se encalacrarem por conta de cartão de crédito, esta é a maior causa da inadimplência. E estas são dívidas que triplicam ou quadruplicam em poucos meses em função dos altos juros cobrados, entre 10 e 15% ao mês, conforme o banco, mas podem ser maiores. Alguns bancos chegam a alcançar a taxa de 700% ao ano. Imaginem. O cara compra uma geladeira, não consegue pagar as prestações e em um ano a dívida cresceu 700%? Ou seja, ele acaba pagando por sete geladeiras. E caso não consiga pagar, pelo acúmulo que vai gerando, agora ele poderá ser penalizado com a perda da propriedade. Não é um contrassenso? Um sistema que ancora sua existência em cima da propriedade privada, ideologicamente dizendo que ela é sagrada? Pois se a pessoa ainda não entendeu, lá vai! A propriedade privada que é sagrada no capitalismo é a propriedade do rico. Se o empobrecido, por algum motivo consegue garantir a sua, fique atento: a sua não é sagrada. Ela poderá ser tomada a qualquer momento pelos bancos, financeiras e afins. No comunismo, esse que muita gente teme, a propriedade privada não existe. Nem os ricos. Como pode então tanta gente temer esse sistema? O fato é que os governos, no sistema capitalista, governam para os ricos. Já apontou Marx: o Estado capitalista é o balcão de negócios da burguesia. E nesse Estado, também os deputados e senadores são os gerentes do negócio. No caso do Brasil, é sempre bom lembrar: Bolsonaro não é responsável sozinho por toda essa carga de destruição da vida da maioria. Ele tem o apoio e a chancela dos deputados, senadores, juízes. É por isso que tirá-lo do poder não resolve a coisa toda. Há que mudar tudo, tudo, tudo. Sacar os gerentes não destrói o negócio do dono. Atentem para isso. Em Santa Catarina, onde o projeto Bolsonaro teve mais votos, os deputados federais que representam o povo votaram SIM à proposta que toma a casa dos trabalhadores. Apenas o deputado Pedro Uczai (PT) votou não. Apenas um. Votaram a favor: Angela Amin (PP), Carlos Chiodi (MDB), Carmem Zanotto (Cidadania), Caroline de Toni (PL), Celso Maldaner (MDB), Coronel Armando (PL), Daniel Freitas (PL), Darci de Mattos (PSD), Fábio Schiochet (União). Geovânia de Sá (PSDB), Gilson Marques (Novo), Hélio Costa (PSD), Ricardo Guidi (PSD), Rodrigo Coelho (Podemos). Conheçam bem essas criaturas e tratem de colocá-las na lata do lixo da história, com luta renhida. Ou isso, ou chorem… Um dia na Ocupação Manoel Aleixo, em Mauá Perdemos

Golpe como cortina de fumaça

  Colaborou Isabela Gama   No dia 23 de maio, aconteceu mais uma Live Política de Segunda nos canais do Youtube, Twitter e Facebook do Zonacurva. A live contou com a presença do editor ZonaCurva, Fernando do Valle, Luis Lopes do Vishows e o advogado e membro do Partido Verde Kiko Campos. O encontro coincidiu com a data com a desistência da candidatura à presidência de João Dória, o que acabou desviando do assunto original da live que era como Bolsonaro usa o golpismo como política de tensionamento político.  Então sigamos no que foi discutido na live: a senadora Simone Tebet deve liderar a chapa composta por PSDB, MBD e Cidadania. Para Kiko Campos, Tebet, que foi a primeira mulher vice-governadora do Mato Grosso do Sul, é a vice perfeita para a chapa que compõe a terceira via. Apesar disso, Simone Tebet já teria afirmado que não aceitaria ser vice-presidente, pois isso diminuiria o papel da mulher na política,  Historicamente, desde a redemocratização na eleição de 1989, o PSDB sempre lançou candidaturas à presidência da República, e, na maior parte das vezes, com chances de vencer. Não cumprir com a “tradição” coloca o partido em uma situação ainda mais complicada, resultando em talvez uma perda de prestígio, explica Kiko.  Outro assunto importante da live, que teve uma grande repercussão na semana anterior à live foi o debate entre o humorista Gregório Duvivier e o pré-candidato Ciro Gomes. Após um episódio do programa de Gregório para o HBO, o “Greg News”, onde o tema era a trajetória do ex-governador, Ciro Gomes se sentiu ofendido em diversos pontos e convidou o humorista para um debate em seu canal. A live atingiu mais de 60 mil espectadores online, mas o resultado não foi vantajoso para Ciro Gomes, considerando que a maior parte da transmissão foi protagonizada por alfinetadas e provocações dos dois lados. Para Luis Lopes, Ciro está trabalhando para atrapalhar a candidatura de Lula, em vez de combater o bolsonarismo, visto que é mais interessante para o ex-ministro de Itamar Franco que Bolsonaro permaneça competitivo e enfrente Ciro Gomes em um cada vez mais improvável segundo turno contra ele.   Resumo da ópera golpista no Brasil https://urutaurpg.com.br/siteluis/a-grande-midia-ira-apoiar-bolsonaro-nas-eleicoes-de-2022/ A terceira via morreu?  

Vamos falar de golpe?

Golpe – O campo democrático exibe uma irresponsabilidade chocante apegando-se às frágeis narrativas do TSE sobre a segurança do voto eletrônico. Pessoas que temem um golpe fascista desconsideram os meios potencialmente mais simples de viabilizá-lo. A miopia tem origem na presunção de que a natureza “científica” da tecnologia eleitoral serve como antídoto para o obscurantismo bolsonarista. Assim, a defesa da candidatura Lula se confunde com a defesa do equipamento que registrará seu êxito inevitável. É assombroso que ninguém sequer imagine o cenário oposto. E se a apuração der vitória a Bolsonaro, contrariando a liderança de Lula nas pesquisas? A claque do TSE aceitaria boletins de urna como prova? Ou questionaria o método que não cansou de elogiar? Por outro lado, e se Lula vencer, mas os técnicos descobrirem um comando malicioso supostamente capaz de favorecê-lo? Os votos originais seriam recuperados, para atestar a falta de sentido da manobra? O PT conseguiria evitar a cassação da chapa? Essas hipóteses valem tanto quanto qualquer especulação conspiratória. E as perguntas que as acompanham não são retóricas. Quem confia nos mecanismos de votação deve respondê-las sem apelar para a fácil recusa de sua verossimilhança. Mas nem a credulidade absoluta serve como argumento. Os controles do TSE poderiam ser ludibriados mesmo que não tivessem as lacunas graves que têm. A sofisticação do crime digital amiúde supera os melhores sistemas de vigilância do planeta. Menciono um exemplo já considerado obsoleto: há doze anos, EUA e Israel sabotaram usinas nucleares iranianas, sem recorrer à internet, usando um vírus que apagava seus rastros. E é com o governo israelense que Bolsonaro negocia programas espiões… A esquerda se protege do fatalismo cultivando uma espécie de paranoia desejosa com o tal motim fascista. Apesar da violência que a define, é a mais reconfortante das ameaças antidemocráticas. Começa na derrota do inimigo e termina com sua desmoralização. Seria prudente imaginar também as alternativas incômodas. Certos riscos pedem cautela preventiva ainda que tenham mínimas chances estatísticas, ou sequer admitam cálculos de probabilidade. Basta que envolvam danos gravíssimos e irreversíveis. Uma sabotagem eficaz contra a vulnerável estrutura do TSE consolidaria a reeleição de Bolsonaro. O golpe seria escandaloso, mas não haveria clima político ou bases técnicas para impedi-lo. Afinal, os próprios democratas legitimaram a confiabilidade do sistema. A fantasia de resistência institucional ao fascismo nutre um vício triunfalista. Enquanto faz apelos pragmáticos e moderados, a oposição subestima os adversários e se acomoda numa passiva utopia tecnológica. Não pode haver definição mais precisa de “salto alto”. Resumo da ópera golpista no Brasil Vai ter golpe? A dura realidade brasileira

Gabriel Boric e a questão mapuche

Boric – O governo de Gabriel Boric, através da ministra do Interior do Chile, Izkia Siches, baixou recentemente decreto impondo “estado de exceção” em toda a região da Araucanía e em duas regiões de Biobío (áreas tradicionalmente mapuches). Isso significa que está autorizado o uso das Forças Armadas para enfrentar os protestos, sabotagens e paralisações de estradas que tem acontecido na região e que tem causado conflitos com os caminhoneiros. O estado de exceção tinha sido decretado ainda em setembro do ano passado pelo governo de Sebastián Piñera e foi bastante criticado pela esquerda chilena. Boric chegou a declarar que não iria estender o decreto, buscando outras formas de resolver os conflitos com as comunidades mapuches. Mas, com essa medida, acabou surpreendendo seus aliados. Segundo a ministra, a medida foi necessária para que pudesse “garantir a segurança dos cidadãos, resguardas as estradas. Permitir o abastecimento e a livre circulação das pessoas”. Ou seja, nada mais do que o mesmo discurso do antigo presidente. A região do sul do Chile vive há anos um processo duro de confronto entre a população mapuche e empresas florestais que exploram terras consideradas sagradas e ancestrais pelos mapuches. Por conta dessa reivindicação de território, comunidades mapuches têm, sistematicamente, realizado mobilizações, sabotagens, queima de máquinas, prédios e greves de fome. Essa luta já levou muitos mapuches para a cadeia e também já causou muitas mortes e havia a expectativa de que o novo governo pudesse encontrar uma saída para o conflito. A população mapuche tem uma história muito sólida de luta na região da Araucanía. Durante a conquista espanhola, foi a única etnia que se manteve livre de ocupação, negociando diretamente com o rei de Espanha e seu território só começou a ser recortado com as guerras de independência do século 19. A balcanização da América baixa inclusive dividiu as comunidades, ficando uma parte no Chile e outra parte na Argentina. Desde aí, a invasão das terras mapuches segue sem parada, mas também a luta tem sido implacável. O novo governo chileno, que se elegeu sob certa aura de “esquerda”, causou espanto ao adotar a mesma medida de Piñera. Boric havia decidido não renovar a medida de exceção, apontando que iria trabalhar com uma “estratégia de diálogo” com os mapuches. Mas, a proposta, muito vaga, não encontrou eco junto aos grupos mais radicais que continuaram trancando estradas, queimando máquinas e sabotando as visitas do executivo. Por outro lado, as forças de centro e de direita, estavam pressionando o governo para dar fim aos conflitos e às manifestações, acusando o presidente de ser cúmplice da violência vivida no sul do país. O fato é que para os mapuches, a violência não tem origem nas comunidades. Ela emana justamente dos invasores das terras, das empresas que hoje usam e abusam do território que é considerado mapuche. Também há na região grupos de narcotráfico e ladrões de madeira que impõem dinâmicas de controle por fora do Estado. Existe ali uma complexidade que não pode ser resolvida assim, na força das armas estatais. Esse tem sido o recurso desde a independência do Chile e nunca deu certo. Por que daria agora? O governo, juntamente com a decretação do estado de exceção, também anunciou a indicação de um fiscal para acompanhar os crimes relacionados ao narco e ao roubo de madeira, a criação de um Ministério dos Povos Indígenas e um investimento de 460 milhões de dólares para melhorar a estrutura e os serviços na região sul. Muito provavelmente essas ações não darão conta do problema visto que nas comunidades mapuches, a decisão do decreto caiu como uma bomba. A Coordinadora Arauco-Malleco (CAM), uma das organizações que têm realizado importantes manifestações, lutas e sabotagens desde a década de 1990 já está convocando para uma resistência armada, caso o exército chegue à sua área. E seus dirigentes também estão ameaçados pelo governo de juízos ou prisões. O mesmo enredo desta triste ópera. Analistas de várias cores no Chile, discutindo o tema nos jornais locais, são unânimes em afirmar que o sistemático problema da violência na região da Araucanía e do Biobío é algo que tem inclusive gerado lucros para muita gente, virou negócio e tem gente graúda metida nisso. Portanto, não é insuflando mais conflito que as coisas vão se resolver. pelo contrário. A presença dos militares no território mapuche, desde sempre foi marcada por uma ação extremamente racializada. Ser um mapuche já coloca o sujeito numa condição de “suspeito”, “criminoso”, “baderneiro”. As ações contra as comunidades acontecem sem que se leve em conta que mesmo entre os mapuches há diferentes grupos e diferentes formas de atuar. A decisão de Boric agora, apenas dá continuidade ao que sempre foi. Discutir as demandas das comunidades indígenas é sempre um desafio para os governos, mesmo os de esquerda. Falta conhecimento da realidade originária e falta capacidade para encontrar soluções fora da caixa. Além do mais, qualquer discussão nesse âmbito significa discutir território e esse é um nó difícil de desatar porque mexe na classe dominante e dita proprietária. No caso do governo de Boric, que nem é de esquerda, mas de centro e vinculado a muitas alianças, já era esperado que não haveria muita novidade no trato das reivindicações da população mapuche. Mas, claro, não se imaginava que a primeira saída fosse militar. Agora, é esperar e ver o desastre. Provavelmente nenhuma proposta que venha do governo será ouvida enquanto houver militares na região fazendo o que sempre fizeram. Nem recursos, nem ministério serão recebidos se não houver uma clara disposição em discutir o território e a autonomia. Espera-se que a esquerda chilena também se levante junto com as comunidades, afinal, quando é para lotar as manifestações “callejeras” os mapuches são bem-vindos, mas quando o tema é terra e propriedade, o mar encrespa. Pedro Castillo e os dramas da política Colômbia se prepara para a eleição de domingo Eleição de Gabriel Boric no Chile traz esperança para a esquerda da América Latina

Colômbia se prepara para a eleição de domingo

Os colombianos vão às urnas no próximo domingo, dia 29 de maio, para escolher o novo presidente da nação Eleições Colômbia – No último final de semana, os candidatos realizaram o fechamento da campanha, a maioria deles com atos públicos de massa. Federico Gutiérrez, da coligação de direita Equipo por Colômbia, vinculado ao grupo de Álvaro Uribe, ex-presidente, reuniu seguidores na cidade de Medellín, onde foi prefeito. Ele focou seu discurso nas promessas por uma melhor educação e oportunidades para os jovens. Sergio Fajardo, da Coalición Centro Esperança e ex-prefeito de Medellín, fez visitas em vários bairros de Bogotá, afirmando que ele é a opção entre Uribe e Petro. Gustavo Petro, o favorito até o momento, é o candidato da esquerda pela coligação Pacto Histórico. Enrique Gómez, também da direita,  fechou sua campanha em um hotel em Bogotá, lançando petardos contra Gustavo Petro. Gustavo Petro esteve primeiro na cidade de Zipaquirá e encerrou o dia na Praça Bolívar, prometendo mudar a Colômbia. Rodolfo Hernández, que é considerado a zebra da campanha, crescendo de maneira vertiginosa na última semana, preferiu ficar em casa com a família. Ele tem aparecido de maneira bastante cômica na campanha e é chamado de “o velhinho do TikTok”. Definitivamente um perigo, por conta da alienação e despolitização. Nos últimos dias da campanha, Hernández assumiu a terceira posição nas pesquisas, ficando atrás de Gustavo Petro, o favorito, e de Fico Gutierrez, o representante do uribismo. Sua campanha tem sido baseada no mantra “não à corrupção”. Como ele é um empresário muito rico, seu discurso usa isso como alavanca para crescer junto à população. “Sou muito rico, não precisarei roubar. Vou acabar com as mordomias”. Ele entrou na campanha presidencial sem maiores expectativas, tanto que quando seu nome foi escolhido, ele estava em Nova Iorque fazendo exames médicos. A Colômbia vai às urnas tentando encontrar novos caminhos para sair da espiral de violência que, paradoxalmente, se aprofundou nos últimos anos depois dos acordos de paz com a guerrilha. Desde o final do processo, que foi sistematicamente sabotado por Uribe e sua turma, as mortes, desaparições e despejos têm sido rotina. Assassinatos cirúrgicos de ex-combatentes das Farcs, de sindicalistas e lutadores sociais mostram claramente a cara do estado terrorista que segue sem parada sob o comando de Ivan Duque. Por isso mesmo que o candidato da esquerda é até o momento o favorito para vencer as eleições agora no dia 29. Não há expectativa de levar no primeiro turno, ainda mais agora, considerando esse avanço da candidatura de Hernández e toda sua performance anti-corrupção, tema que ocupa a cabeça de mais de 80% da população. Ainda assim, as primárias deram mais de cinco milhões de votos a Petro e já apontaram uma tendência importante do eleitorado. É bem provável que ele chegue bem nesse primeiro turno, com mais de 45% dos votos. O que virá no segundo turno é o que preocupa agora. Até a última semana, a lógica era a disputa entre Petro e Fico Gutierrez, polarizando a escolha entre o de sempre, a direita terrorista, e uma esquerda matizada, disposta a buscar caminhos pelas vias institucionais. O país vive uma guerra civil desde os anos 1960, passando por conturbados tempos de guerrilha, sistemática ocupação do território por soldados estadunidenses, narcotraficantes e paramilitares. A paz tão sonhada, firmada em 2016, não chegou e parte da guerrilha seguiu armada para se defender dos assassinatos que começaram a acontecer. No interior do país, as famílias seguem sofrendo com a ação do narcotráfico, que desaloja milhares de pessoas em migrações forçadas, e fazer militância política ainda é ter um alvo na testa. Agora, com a nada remota possibilidade de o histriônico Rodolfo Hernández ultrapassar Gutierrez na corrida pelo segundo turno, a situação fica bem indecifrável. O embate entre a esquerda e a direita já é bem conhecido e as armas de combate também. Mas, a presença do “velhinho do TikTok” pode desarranjar tudo. O fato de ele ter começado a campanha sem qualquer chance e ter crescido tanto leva a esquerda a colocar as barbas de molho. Afinal, as experiências de campanhas desse tipo na América Latina mostram que são verdadeira bombas de largo poder de destruição. O Brasil é um exemplo. Bolsonaro era motivo de riso e não passava de 4% das intenções de voto. Nessa semana, a campanha segue nas redes e nas veredas do país, embora os atos massivos não possam mais acontecer. A internet será um território importante. A sorte está lançada. É certo que uma vitória da esquerda na Colômbia balançará as estruturas e a “grande matriz” (os EUA) não ficará de fora. Muita coisa ainda pode acontecer nesses poucos dias que faltam para o domingo decisivo. Gabriel Boric e a questão mapuche Colômbia e a silenciada guerra contra o povo A Colômbia, os Estados Unidos e a guerra às drogas

El Salvador e o autoritarismo em curso

El Salvador é um pequeno país da América Central que tem hoje cerca de sete milhões de habitantes, sendo que quase 9% vivem abaixo da linha da pobreza. Os ditos pobres, que vivem com um dólar ao dia, chegam a quase 40%, conforme dados da Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe). A situação só não é mais grave porque os 2,5 milhões de salvadorenhos que vivem fora do país acabam enviando recursos para os familiares. E é justamente esse estado de pobreza extrema que leva a dois fenômenos: as maras (grupos de jovens ligados ao crime) e a emigração. Não há muita saída para o jovem de El Salvador. Sem condições de estudar ou de trabalhar, as escolhas se esgotam nestas duas opções. Integrar as famosas pandilhas, que são espaços de violência e de morte, ou arriscar tudo na tentativa de chegar aos Estados Unidos para, de lá, tentar dar algum conforto aos pais e avós que ficam no país. O novo presidente do país, que vem fechando o regime desde há tempos, inclusive tentando fechar a Assembleia Nacional, Nayibe Bukele, agora decidiu acabar com as famosas “maras”. Mas, em vez de atacar a causa da formação das gangues está aplicando a velha receita ineficaz que é de capturar e encarcerar os jovens ligados às pandilhas. Decretou estado de exceção no país e começou uma caçada espetaculosa. Há poucos dias anunciou que, entre março e abril, pelo menos 20 mil pessoas já foram presas, acusadas de pertencimento às maras. Destas 20 mil almas, 1.620 são menores de idade entre 12 e 17 anos. Entidades ligadas aos direitos humanos no país apontam que cerca de 65 jovens estão sendo presos a cada dia. Como nem a polícia nem os órgãos do governo permitem acesso aos dados, ninguém sabe a real situação dos presos. Nem se eles realmente pertencem às gangues, nem o paradeiro, se estão em prisões normais ou especiais para crianças e adolescentes. A atual lei em vigor no país estabelece pena de 10 anos para crianças de 12 a 16 anos, e 20 anos para os de 17 em diante, caso provado que sejam parte das maras. Obviamente todos os presos são das camadas empobrecidas. Ninguém também consegue saber também se os jovens estão separados por grau de periculosidade, mas é muito provável que não haja esse cuidado. A intenção do presidente é “mostrar serviço” para parte da população que não suporta mais conviver com as gangues. E, é claro, acaba tendo aprovação tanto dos ricos quanto da classe média, que simplesmente querem ver o problema desaparecer. Ocorre que a decisão de caçar/encarcerar é apenas uma maneira de colocar o problema embaixo do tapete. Serve para a propaganda do presidente, mas não resolve a vida das famílias empobrecidas. Pelo contrário. Com a prisão dos jovens sofrem mais os adultos mais velhos, que ficam ainda mais vulneráveis, sem o aporte dos filhos ou netos. E, não bastasse todo o terror agora desencadeado junto a faixa etária mais desesperada, o governo impediu que a população se mobilize e proteste no dia primeiro de maio, tradicional data de manifestações de trabalhadores. Disse Bukele que os “verdadeiros sindicalistas” deverão estar reunidos com o governo num evento comemorativo no qual ele deve anunciar algumas melhorias. Os que estiverem nas ruas serão tratados como delinquentes. Por conta disso alguns movimentos decidiram suspender as manifestações. Já o Movimiento de Trabajadores de la Policía (MTP), a Alianza Nacional El Salvador en Paz e o Bloque de Resistencia y Rebeldía Popular (BPR) anunciaram que as atividades de rua serão mantidas. O fato é que o regime de exceção nada mais é do que o endurecimento de um governo que não tem qualquer proposta séria para enfrentar o drama da maioria da população que vive desde há décadas no binômio miséria/violência. A proposta de “mão dura” para o crime não acaba com o crime, pelo contrário, o recrudesce. A solução para o problema das maras passa por uma transformação radical do país que garanta educação e oportunidades reais de trabalho e renda. Mudanças estruturais que só podem acontecer com uma revolução. Mantendo a submissão aos organismos internacionais como FMI e Banco Mundial só faz engordar as classes dominantes. Vai daí que essa ação espetaculosa de prisões em massa da juventude fatalmente cobrará seu preço em mais violência e miséria para os salvadorenhos. Gabriel Boric e a questão mapuche Colômbia e a silenciada guerra contra o povo A aposta latino-americana pela conciliação Geopolítica da América Latina: entre a esperança e a restauração do desencanto   O muro da República Dominicana

ONU joga para a plateia

A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas suspendeu a Rússia do Conselho de Direitos Humanos. O motivo foi o chamado massacre de Bucha, que Moscou nega alegando que foi um episódio armado pela Ucrânia. Mas, mesmo sem se levar a cabo uma investigação segura, a Rússia já foi julgada sumariamente. E, a punição foi o banimento do Conselho. Foram 93 países a favor, 24 contra e 58 abstenções. Há denúncias de que o texto não foi discutido previamente e que, é claro, a votação aconteceu sob intensa pressão dos Estados Unidos. Ou seja, é mais ou menos como acontece nas nossas Câmaras de Vereadores: ninguém leu nada, mas vota porque o prefeito mandou. Nenhuma novidade, portanto. Ora, a ONU, historicamente, tem sido absolutamente omissa com relação aos crimes dos Estados Unidos e nem mesmo depois que a verdade aparece, como foi o caso do Iraque, quando os EUA anunciaram aos quatro ventos de havia armas químicas por lá e por isso o destruíram, o país do Tio Sam recebe qualquer sanção. Os EUA podem tudo, mas seus adversários são sempre julgados com rigor. Para quem tem memória curta, é bom lembrar que esse mesmo organismo suspendeu a Líbia em 2011, também sob alegações de que lá, Muammar Kadafi cometia um sem fim de violências contra a população. E, na esteira disso, os EUA promoveram a “primavera árabe”  e garantiram que Kadafi fosse assassinado e arrastado pelas ruas. Com isso destruíram a Líbia – um país não alinhado e afeito ao nacionalismo árabe  – que até hoje não conseguiu sair do atoleiro. A ONU historicamente sempre tem se comportado como um braço longo do imperialismo estadunidense e os países ficam por lá porque entendem que é sempre possível fazer uma batalha por dentro do monstro, denunciando os dois pesos e duas medidas que conformam as decisões. De qualquer sorte, as decisões do órgão que são tomadas contra nações amigas dos EUA nunca são ouvidas e sequer noticiadas com ênfase. Já, agora, com toda a mídia comercial assumindo as relações públicas da OTAN, a medida repercutiu tremendamente. Um exemplo próximo de nós é o dos povos indígenas, que sistematicamente têm denunciado sobre a violação dos direitos humanos no Brasil no que diz respeito às etnias e aos territórios. E o que passou? O Brasil foi escolhido para integrar o Conselho de Direitos Humanos. Não parece estranho? Cuba é um país não alinhado que faz parte desse Conselho, votou contra a resolução de suspensão da Rússia e ainda tem advertido os demais países sobre esse ato que pode se tornar corriqueiro, servindo de moeda de troca dos Estados Unidos com os demais países. Hoje é a Rússia, amanhã pode ser qualquer país que se apresente não alinhado. Para os diplomatas cubanos, o conselho deveria ser um espaço capaz de enfrentar os complexos desafios apresentados pela comunidade internacional nessa área encontrando saídas e não simplesmente aplicando sanções. O embaixador cubano, no seu discurso, questionou: “esta Assembleia alguma vez poderá aprovar uma resolução suspendendo a participação dos Estados Unidos no Conselho de Direitos Humanos? Todos nós sabemos que isto não aconteceu e não acontecerá, apesar de suas flagrantes e maciças violações dos direitos humanos”. O fato é que agora, não adianta querer discutir os crimes estadunidenses. Ao fazê-lo, a maioria das pessoas, já contaminada pelo discurso da mídia servil, só quer saber de julgar o que a mídia mostra. E o que a mídia mostra são os crimes de guerra na Ucrânia. Os demais podem seguir, já que não estão na tela da TV. Para os que não se movem desde a opinião dos poderosos de plantão, os crimes de guerra devem ser julgados, todos. Com apresentação das provas, com a investigação qualificada. Fosse assim, Israel já estaria pagando por seus crimes contra os palestinos, ou os Estados Unidos pelo que fez no Iraque, só para ficarmos em dois exemplos. Mas, ao contrário. Quem está preso e morrendo aos poucos pela tortura é o jornalista Julian Assange, que ousou denunciar – com provas cabais  – os horrores estadunidenses. Para Assange não se vê qualquer manifestação do Conselho da ONU. Ele está prestes a ser extraditado para os Estados Unidos como se fosse um criminoso de guerra, um espião. Uma situação para lá de bizarra que aparece como normal. De qualquer forma isso não é surpresa. A lógica dos organismos que foram criados no pós-guerra é essa mesma: fortalecer sempre o poder do império estadunidense, sob quaisquer circunstâncias.  Todo cuidado com os amigos e toda a força da lei para os inimigos. Provas? Investigação? Justiça? Não, isso não é necessário. Se o “rei” falou, tá falado. A inevitável escalada da guerra nas fronteiras russas 5 perguntas sobre o conflito Rússia x Ucrânia Ucrânia: o jornalismo precisa fazer uma autocrítica

México, a quarta transformação

Passei vários dias na Cidade do México a convite do INFP (Instituto Nacional de Formação Política) do Morena, partido do presidente López Obrador, dirigido pelo cartunista Rafael Barajas, mais conhecido com El Fisgón. Fui convidado a dar curso de educação popular para um seleto grupo de militantes que se propõe a multiplicar a metodologia de Paulo Freire na criação de equipes de trabalho de base nos 32 estados do país. Para López Obrador, a formação política de militantes é prioridade. Tentativa semelhante se fez nos governos Lula e Dilma, quando fundamos a Recid (Rede de Educação Cidadã). Nosso objetivo visava a alfabetização política dos beneficiários dos programas sociais do governo, como Fome Zero e Bolsa Família. Chegou-se a ter 800 educadores populares remunerados pelo governo federal, muito pouco para as dimensões do país. Infelizmente, as conquistas objetivas do governo, que ampliaram os direitos das classes populares, não foram suficientemente complementadas pelo trabalho pedagógico de fomento à subjetividade. Eleito em 2018, o presidente do México resume seu programa de governo no lema “Quarta transformação” (4T). As três primeiras foram a Independência, a Reforma e a Revolução. A independência em relação ao domínio espanhol foi conquistada em 1821. Ao longo do século XIX, o país conheceu reformas liberais e se constituiu em Estado-nação. A Revolução Mexicana, liderada por Emiliano Zapata, Pancho Villa e Francisco Madero, durou sete anos (1910-1917), derrubou a ditadura de Porfírio Díaz, extinguiu o latifúndio e promoveu justiça social. Com mandato de seis anos, AMLO (Andrés Manuel López Obrador), como é mais conhecido, repassará a faixa presidencial em 2024, sem direito à reeleição consecutiva. Seu mandato teve início com alto nível de aprovação: 76%. Hoje, tem 65%. E 70,2% da população concorda com a sua política de reestatizar a administração dos recursos naturais como petróleo, água, gás e mineração. Neste momento, ele trava intensa luta pela reestatização do sistema elétrico. O governo AMLO faz amplo combate à corrupção e promove a reforma da educação. Propôs mudanças constitucionais para fortalecer os programas sociais, como pensão para idosos, bolsas para jovens e portadores de deficiências, inclusive indígenas e negros; e deu aumento salarial à classe trabalhadora. Há sete anos, o preço do metrô da Cidade do México não é reajustado. E embora haja pobreza e miséria no país, não vi pessoas em situação de rua na capital federal. Devido à violência do narcotráfico, atualmente existem 90 mil pessoas desaparecidas no país, embora desde 2019 haja expressiva queda neste índice. A segurança tem sido um dos maiores desafios para a 4T, centrada no desmantelamento da Polícia Federal por sua vinculação com atos corruptos e violações de direitos humanos, como abusos de autoridade, detenções arbitrárias, torturas, desaparições, violência sexual e homicídios. Em seu lugar, o governo criou a Guarda Nacional (GN), concebida como corpo de segurança de caráter civil. Atualmente, a GN possui uma imagem positiva de 64,2%, e sua agenda de capacitação centra-se principalmente no combate ao feminicídio e à corrupção, na defesa dos direitos humanos e na atualização das funções policiais. A pandemia afetou a economia em 25%. Ampliou o desemprego entre os jovens de 18 a 29 anos. Em janeiro de 2021, pouco mais de 5 milhões de jovens não estavam procurando emprego nem estudando, número menor que os mais de 6 milhões registrados em 2010. Para este contingente, um das mais ignorados pelas administrações anteriores, o governo direciona o programa social Jovens Construindo o Futuro e criou 140 novas universidades. O combate à pandemia tem sido exitoso no país, que dispõe de 10 vacinas, inclusive a Abdala, de Cuba. E o governo doa vacinas a países centro-americanos e caribenhos que possuem baixíssimos índices de imunização. O governo da 4T se inclui entre as administrações progressistas latino-americanas do século XXI, que buscam exercer mais soberania nacional frente às diretrizes comerciais, diplomáticas e securitárias dos EUA. Assume postura crítica diante da Organização dos Estados Americanos (OEA) e propõe abertamente sua substituição por “um organismo verdadeiramente autônomo, que não seja lacaio de ninguém.” Leia-se: EUA. AMLO, de postura anti-imperialista, caracteriza o bloqueio dos EUA a Cuba como “desumano e medieval”. E sem desmerecer as portas abertas da Europa Ocidental aos migrantes ucranianos, alerta para o descaso da comunidade internacional frente aos migrantes latino-americanos e caribenhos que atravessam o país movidos pelo sonho de ingressar em território estadunidense. A decisão de dotar o governo mexicano de uma equipe de educação popular, capaz de efetuar o importante trabalho de alfabetização política da população, coincide com igual preocupação do governo cubano, que no momento convoca o Centro Martin Luther King de Educação Popular para implementar no país a pedagogia de Paulo Freire, inclusive na implantação do Plano de Soberania Alimentar e Educação Nutricional, do qual sou assessor. Nosso Continente mostra cara nova nesta segunda década do século XXI e ela é nitidamente progressista. Todos agora esperam a eleição de Lula em outubro deste ano. Emiliano Zapata cumpriu a promessa que fez ao pai Bolívia segue sonhando com saída para o mar    

A guerra e o Brasil

Colaborou Isabela Gama O CONVERSA AO VIVO ZONACURVA de 10 de março (quinta) recebeu novamente a mestranda em Relações Internacionais Giovana Branco. Desta vez para discutir os impactos do conflito russo no Brasil. O bate-papo contou com a presença do editor Zonacurva Fernando do Valle e Luis Lopes do portal Vishows. Os impactos do conflito russo para o Brasil são muitos e a alta do preço da gasolina é o mais relevante. Apesar do Brasil ser considerado autossuficiente em petróleo com suas enormes reservas do pré-sal e a alta produtividade da Petrobrás, a política entreguista de Bolsonaro, que vende as refinarias brasileiras a preços baixos ao capital estrangeiro, coloca o Brasil em uma situação vulnerável no refino e abastecimento de combustíveis. Por isso, houve um aumento da gasolina de quase 20% em 10 de março. Giovana relembra que a Rússia é o segundo maior exportador de petróleo do mundo, atrás apenas da Arábia Saudita, e que a guerra influenciou na alta do barril que chegou a 140 dólares, mais alto valor em uma década. É importante considerar que a importação de derivados de petróleo é realizada em dólar, e a inflação brasileira corrói o poder de compra do real, complementando os motivos que levam a gasolina a alcançar preços exorbitantes para o consumidor final. A pesquisadora afirma que o Brasil não é o mais afetado pela crise energética ocasionada pelo conflito. A situação dos países da Europa Ocidental é ainda mais complicada. A Alemanha é um dos países mais dependentes da energia russa, mais da metade do gás natural vem do país vizinho. Ambos os países terminaram de construir o Nord Stream 2 (gasoduto com 1230 quilômetros entre Rússia e Alemanha) no final do ano passado e que ainda não entrou em funcionamento. Com a guerra, o gasoduto foi bloqueado como sanção à Rússia. O desespero do governo alemão, que corre o risco de falta de gás para o aquecimento das casas às vésperas do inverno europeu, o levou a fechar acordo às pressas com o Catar para fornecimento de gás. A pesquisadora afirma que, na sua visão, essas sanções são egoístas, pois não levam em consideração a situação dos países da Europa. “As medidas parecem muito mais decisões unilaterais tomadas pelos Estados Unidos do que uma conversa com seus aliados”, afirma Giovana. Ela explica que, para os membros da União Europeia, a rivalidade com a Rússia não é benéfica, nem econômica ou politicamente, “são os norte-americanos que se sentem ameaçados com a presença russa”, completa. Outro ponto abordado na live foram as notícias que surgiram nas últimas semanas sobre empresários russos com seus bens bloqueados ao redor do mundo. Um exemplo foi o de Roman Abramovich, proprietário do time inglês de futebol Chelsea, que foi proibido de vender o time, como forma de retaliação à invasão russa na Ucrânia, considerando que o bilionário tem ligações próximas a Putin.  Giovana explica que os ataques aos oligarcas russos não vão ter o efeito que a comunidade internacional espera, visto que as relações entre o governo e esses empresários são diferentes do que estamos acostumados. “É como se houvesse um acordo, enquanto Putin não interfere na economia e nos negócios da elite russa, esses empresários não opinam nas atitudes do presidente”, explica. A paz é possível? A inevitável escalada da guerra nas fronteiras russas   5 perguntas sobre o conflito Rússia x Ucrânia

A paz é possível?

Colaborou Isabela Gama O CONVERSA AO VIVO ZONACURVA de 3 de março (quinta) recebeu a mestranda em Relações Internacionais Giovana Branco para discutir sobre o atual conflito entre Rússia e Ucrânia. O bate-papo contou também com a presença do editor Zonacurva Fernando do Valle e Luis Lopes do portal Vishows. Giovana explica que a Rússia está tentando se reafirmar como uma potência mundial no cenário internacional pós-guerra fria, mas o saudosismo da época de glória da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) não é o suficiente para que o país retorne ao prestígio obtido após a segunda guerra mundial.  “É importante compreender que a Rússia atual é muito distinta da União Soviética, apesar das políticas de Putin lembrarem a de outros líderes lendários russos”, afirmou a pesquisadora, que escreve a dissertação As Relações Rússia-Ocidente: da Cooperação ao Conflito. As Mudanças na Política Externa Russa na Era Putin sob orientação do professor Luís Alexandre Fuccille no programa de pós-graduação de Relações Internacionais San Tiago Dantas. O que despertou o interesse de Giovana pela Rússia foi a leitura dos grandes escritores russos como Fiódor Dostoiévski. Como estudiosa da trajetória do líder russo, Giovana relata que Putin sempre mostrou admiração, e até um certo saudosismo, pelo regime socialista soviético, que foi desmantelado no início dos anos 90. O ex-agente da KGB, serviço secreto russo, defendeu a URSS enquanto pôde, e até o momento conta com forte apoio popular. O nome do filósofo russo Alexander Dugin, apontado por muitos como o “influenciador de Putin” foi trazido à baila por Luís Lopes. “Dugin sempre foi visto como muito radical para o meio acadêmico, mas com a tomada da Criméia em 2014, ele ficou popular por embasar as decisões políticas de Putin” afirma Giovana.  A pesquisadora relembra que o avanço da OTAN sobre o “território de influência russo” gerou a ocupação da Geórgia (antiga república soviética) em 2008 pelos russos, assim como ocorreu com a Ucrânia neste ano. A pesada máquina militar russa tomou Tiblissi, capital da Geórgia, em apenas cinco dias.  Um ponto questionado à Giovana pelo editor Zonacurva Fernando do Valle foi a posição da China no conflito. Por enquanto, a nação tem se mostrado neutra, apesar de ter mantido as relações comerciais com a Rússia. A mestranda acredita que essa suposta neutralidade tenha vindo como um reflexo das severas sanções econômicas impostas pelo ocidente.  Mas, não resta dúvida, de que a Rússia não invadiria seu vizinho sem apoio, mesmo que velado, do gigante chinês. Sobre a ascensão de grupos neonazistas em todo o território da Ucrânia, Giovana explica que na sua visão o governo ucraniano fechou os olhos para o surgimento desses grupos paramilitares. Segundo ela, eles são uma consequência da onda de extrema direita que assolou diversos países do mundo nos últimos anos. Luis ainda reclamou sobre a absurda “normalização” desses grupos, “foi como se brigadas paramilitares se tornassem constitucionais dentro de um determinado país”, afirma o editor do Vishows.  5 perguntas sobre o conflito Rússia x Ucrânia