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Política análise

Análises de nossos colaboradores sobre a conjuntura política.

A novelização da política

Gilberto Felisberto Vasconcellos tem sido nosso Jeremias, gritando na montanha contra a telenovelização da política. Gilberto faz a crítica, mordaz, feroz. Mas, tem sido ignorado nesse quesito. Segundo ele, a política brasileira tem seguido desde 1964 com o advento da Globo, uma estética telenovelizada e a novela real politiza as cabeças no sentido de extrair a mais-valia ideológica. Por isso que ver novela é também entender a política que está na cabeça das massas. Afinal, é pela televisão que a maioria se informa. E não apenas no telejornal, mas nos programas de auditório e na novela. O reacionarismo religioso entrou no Brasil através da novela. Quem não acompanhou as grandes produções da Record não tem como compreender porque os brasileiros estão se tornando “terrivelmente evangélicos”. As sagas dos personagens do velho testamento foram introduzidas na casa das pessoas trazendo mensagens políticas importantes: Israel é o centro do mundo (daí as bandeiras de Israel nas manifestações bolsonaristas), a mulher precisa aceitar seu sofrimento e amar seu marido, há que rezar que deus atende, e há que temer porque deus também vinga. Esther, Sansão e Dalila, Rei Davi, a Bíblia, José, Os dez mandamentos, O Rico Lázaro, A Terra prometida, Lia, Jezebel, Gênesi, Jesus e o Apocalipse, todas essas histórias tem manufaturado uma ideia de deus, de moral, de comportamento, de ser no mundo. Isso não é pouca coisa. Se juntarmos isso às mensagens que são inoculadas pelas novelas globais – tais como as de que existem empresários bonzinhos, ricos generosos e que há que defendê-los – temos aí um caldo extraordinariamente conservador que domestica e amansa. A novela ensina a amar o algoz e mostra que a luta só tem chance de vitória se for em aliança com os ricos bonzinhos. A política, diz Gilberto, reproduz na vida essas mensagens e essa estética. Por isso, as campanhas eleitorais são realizadas via televisão com vídeos emocionais que reeditam as sensações novelísticas. Se a Globo passou durante décadas insuflando as ideias liberais, a Record veio e consolidou o reacionarismo apostando no velho testamento que, inclusive, foi rechaçado por Jesus, embora muitos cristãos não se deem conta disso. Hoje vivemos o drama de ver partidos alinhados ao campo da esquerda votar no perdão da dívida das igrejas. Isso não deveria ser nenhuma surpresa. O sistema eleitoral se alimenta dessas ideias que são plantadas nos cultos e nas novelas. A política telenovelizada não tem pejo em sacanear a população perdoando dívida de um bilhão enquanto os trabalhadores precisam mendigar um auxílio em plena pandemia. A religião romanceada pela telenovela tem sido pródiga em manter os fiéis amarrados aos seus planos de enriquecimento e bem-viver. E isso interessa aos que disputam os votos. É tudo uma questão de cálculo eleitoral. Triste, mas é verdade. O perdão da dívida dos ricos igrejeiros logo cairá no esquecimento. Mas, sobre o povo seguirá recaindo a acusação de alienado, incapaz, massa de manobra de pastores mal-intencionados. O povo, essa abstração para alguns, quer apenas comer, se divertir, gozar, sair do inferno das drogas ou da dor. Por isso busca amparo nos templos, já que não há Estado. Porque lá lhe oferecem isso. Ali está o amor de deus, inculcado pela Record, e o sentimento de que existem ricos que são bons, inculcado pela Globo. Por isso não importa que Edir Macedo tenha uma casa feita de ouro, ele é um desses heróis ricos e bonzinhos das novelas globais. De quebra, é um abençoado pelo deus de Israel. Todo esse drama novelístico que vivemos agora na vida real tem sido sistematicamente traduzido nas telas da ficção. A realidade é essa. O pastor, o empresário do bem, o padre, o político espartano ligado ao povo, são os que estendem a mão na hora da angústia, os que salvam. A novela reforça a realidade e por aí segue a malta. Por isso a classe dominante seguirá perdoando a dívida das igrejas, garantindo subsídios e mantendo as concessões televisivas com os amigos. Aliados a ela, os oportunistas eleitorais. Quem tiver capacidade crítica que pense e se liberte.

O conto de terror da pandemia no Brasil

A realidade brasileira é um conto de terror. Se a pessoa assiste ao Jornal Nacional, da Rede Globo, fica chocada com os números da doença causada pelo novo coronavírus. Mais de 95 mil pessoas já morreram, sendo que muitas dessas mortes poderiam ser evitadas, seja com um bom sistema de atendimento, seja por uma ação nacionalmente coordenada de prevenção. O Brasil não tem nem um, nem outro. No já combalido Sistema Único de Saúde, o que se destaca é a ação quase heroica dos trabalhadores que fazem o impossível para garantir atendimento e bem-estar dos pacientes, mas ainda assim não conseguem fazer milagres e muita gente morre por conta da prosaica falta de um respirador. Os depoimentos de familiares são dramáticos, com pessoas tendo de fazer campanha pública para garantir que um pai, uma mãe ou um irmão possam ocupar um leito de UTI. Por outro lado, no campo do governo federal, toda essa realidade que a televisão escancara parece não fazer cócegas. O presidente do país, que há pouco tempo alegou estar positivo para o coronavírus, segue fazendo aparições públicas, levantando uma caixa de remédio – a hidroxicloroquina – que ele alega ser eficiente para tratar a Covid-19, com a qual se tratou e se recuperou. É uma cena estarrecedora. Ele com a caixa na mão, erguendo como se fosse uma coisa sagrada, e a massa que o acompanha aos gritos de aprovação. Tudo isso num país que está vivendo a pandemia sem um Ministro da Saúde, sendo a pasta comandada por um interino, que é militar e não tem qualquer relação com o setor da saúde. Sem uma ação nacional e com o presidente do país fazendo troça com a doença, a população vai se arranjando como pode. A maioria seguindo com a vida, indo trabalhar, expondo-se ao vírus quase sem qualquer proteção, visto que até o uso da máscara não é incentivado pelo governo federal. Nas ruas das grandes e médias cidades, o comércio está normal e o vai e vem de gente também. A população simplesmente está retomando a vida, mesmo que a curva da infecção esteja crescendo em todo lugar. Os governadores e prefeitos que tentam fazer fechamento ou medidas de restrição são rechaçados e enfrentam movimentações pela abertura total de tudo. Morra quem tenha de morrer. Esse parece ser o pensamento geral. Algo chocante para um país que até pouco tempo era conhecido pela “cordialidade” de seu povo. O fato é que além do coronavírus, uma boa parte da população brasileira está infectada por informações absurdas e mentirosas, que levam a essas ações irracionais. Para se ter uma ideia, no mundo dos bolsonaristas raiz, as notícias que circulam são as de que a pandemia é uma invenção da China comunista para desestabilizar o governo de Bolsonaro e de Donald Trump. Por conta disso, está sendo articulado um plano divino de combate aos chineses e também a todos os inimigos de Trump, que são pedófilos e sequestradores de crianças. Nos canais do Youtube dos apoiadores do presidente a informação que circula – e se espalha pelo whatsapp – é de que está em andamento um plano mundial, divino, sob o comando de Donald Trump, com o apoio do presidente brasileiro, que vai salvar o mundo dos pedófilos e dos comunistas. Segundo os gurus youtubers, o presidente estadunidense é o enviado de deus para acabar com todo o mal neste mundo, e para isso ele vai contar com a ajuda de JFK Filho que, segundo eles, não morreu, e que estava escondido esperando a hora certa de aparecer. Agora, ele vai ser vice do Trump e liderar a caça aos pedófilos em todo o mundo. Importante dizer que qualquer pessoa que seja contra o Trump ou Bolsonaro é pedófilo. Existem montagens monstruosas envolvendo artistas e políticos que são fotografados com crianças. Junto à foto, aparece outra foto com a mesma criança, amarrada, torturada, assassinada. É um negócio surreal. Claro que com a boa ajuda do Photoshop. É impressionante que permitam a circulação desses horrores. Existem também fotos do playboy JFK envelhecido – também trabalhada no photoshop – para “provar” que ele está vivo e que será enviado por deus para salvar o mundo. Argumentam ainda Trump está liderando a implantação de bases militares em cada país do mundo para justamente debelar a rede de pedófilos, que é mundial, e que inclui todos os seus adversários. Essas barbaridades são passadas por youtubers que têm milhões de seguidores que, claro, invocam a deus e nossa senhora. Isso tem levado, inclusive, a pequenos mas raivosos grupos radicais à casa dos artistas ou celebridades que fazem críticas ao presidente, intimidando-os e ameaçando-os, sem que haja qualquer ação por parte da polícia ou da justiça. Outra “verdade” bolsonarística é que a Covid-19, além de ser uma farsa, uma conversa inventada pelos comunistas para acabar com Trump e Bolsonaro – por isso, nesses dois países o número de mortes tem sido grande – é também um grande esquema de corrupção envolvendo muito dinheiro. Assim, para garantir que haja bastante morte nos dois países, esse “círculo do mal” estaria pagando 27 mil reais por cada pessoa morta por covid. Eu disse 27 mil reais. Quem estaria levando esse dinheiro? Os prefeitos e governadores comunistas – o que inclui qualquer um que não seja aliado do Bolsonaro, como o Dória, de São Paulo, ou o governador do Rio Grande do Sul que é do PSDB. Isso não é invenção. São informações passadas nos grupos familiares como verdadeiras. E não há argumentação possível contra elas, nenhuma. É uma irracionalidade elevada à última potência. Qualquer tentativa de refutação a esses absurdos – repito, passados livremente nos canais dos Youtubers – já te coloca na lista ou de pedófilo ou de comunista. Ou seja, já estás marcado para arder no inferno que será criado pela aliança Trump, JFK e Putin (isso mesmo, Putin seria secretamente aliado de Trump) para acabar com todo o mal. Uma guerra mundial que vai purgar os demônios comunistas. Essas pessoas têm

O que pretendem esses manifestos?

A ideia de resguardar a democracia brasileira contra Jair Bolsonaro possui viés negacionista. Para haver normalidade institucional sob ameaça, ela precisa ter sobrevivido aos arbítrios da Lava Jato. Ou o estado de Direito permite conspirações de agentes públicos para eleger um fascista, ou não vivemos nesse regime desde pelo menos 2016. Faz diferença tratar a deposição de Bolsonaro como rito expiatório do golpismo arrependido ou como símbolo corretivo das manobras inconstitucionais que o puseram no cargo. Está em jogo a naturalização do fascismo. O endosso tácito a um sistema, dito “democrático”, no qual procuradores, magistrados, congressistas e militares atuam abertamente a favor do genocida. O recalque do golpe deve muito ao fetiche sadomasoquista que a imprensa cultiva com os blefes presidenciais. Perigos hipotéticos, jamais realizados, eternizam a vitimização mútua que legitima os parceiros desse intercâmbio agressivo. Sua performance verborrágica esconde a harmonia recente dos arquitetos do fascismo com os veículos de comunicação. Diante do que sabemos acerca da eleição de Bolsonaro, divulgar quimeras doutrinárias beira a covardia. Qualquer bolsonarista escolarizado repete chavões cívicos e apelos humanitários. É fácil repudiar a figura asquerosa do presidente. Esses mínimos denominadores comuns traçam um campo moral, não político. Buscam a conversão de fiéis em vez de medidas práticas. A urgente deposição de Bolsonaro ultrapassa a esfera do merecido castigo pessoal. Ninguém confrontou a ditadura pedindo a domesticação do tirano ou a troca de um fardado por outro. A plataforma sufragista implicava o fim do regime, não a sua continuidade com civis biônicos. A admissão do golpe era requisito fundamental da bandeira democrática. Se realmente quisessem promovê-la, os manifestos abordariam as ilegalidades que levaram o fascismo ao poder. Antes que a podridão da Lava Jato virasse trunfo certo para Bolsonaro, denunciariam a simbiose original de ambos e a resultante natureza ilegítima do governo. Jamais criariam uma agenda que se confundisse com a de Sérgio Moro. Essa afinidade perpassa a ideologia conservadora do “frenteamplismo”. Seu ideal resistente limita-se a garantir que o Regime de Exceção sobreviva a Bolsonaro. A demagogia altruísta substitui o discurso justiceiro com o mesmo rancor antipolítico. A doença, eterna metáfora da corrupção, aproxima as mitologias de neutralidade dos respectivos combatentes. O mote “é hora de esquecermos nossas diferenças” revela o espírito da patrulha conciliadora: pedagogia autoritária, amnésia edificante, abandono de princípios. Mínimo valor pragmático, nenhuma reciprocidade. A obsessão gregária dos confinados posta a serviço do antipetismo. Autoanistia preventiva, outorgada em nome do sofrimento alheio. Perdão sem justiça. Apesar das responsabilidades de tribunais, governadores e prefeitos na tragédia sanitária, faz sentido usá-la para uma união em torno do impeachment presidencial. Mas o mínimo que se espera de quem repudia Bolsonaro por suas ameaças à constitucionalidade é mencionar os delitos antidemocráticos, bastante documentados, que nos legaram a tarefa de afastá-lo. Caindo na armadilha adesista, a esquerda se compromete com essas pautas deliberadamente vulneráveis. Um toque de moderação nas atitudes de Bolsonaro e a democracia estará salva. Ou basta apanhá-lo numa das tramas policialescas do STF e da Lava Jato. Primeiro tiramos o capitão, redimindo seus asseclas. Depois comemoramos a liberdade de escrever manifestos. Publicado originalmente no Blog do Scalzilli. Face autoritária do neoliberalismo

Manifestações do povo negro nos Estados Unidos e Brasil

Racismo – O assassinato de George Floyd gerou uma onda de protestos no mundo todo na discussão do racismo e da violência policial contra os negros. Nos Estados Unidos, obviamente, as manifestações foram maiores. A comunidade negra, já calejada nesse sofrimento, explodiu em mais uma onda de protestos que iniciou violenta como reação imediata ao assassinato e, na medida em que foi sendo encampada por outros grupos sociais, passou a marchas pacíficas, inclusive com o apoio das autoridades.  As manifestações do povo negro não são novidade nos Estados Unidos. No chamado “mundo livre” essas comunidades estão excluídas de direitos reais desde sempre, como acontece em quase toda a América. Nem a independência, nem a tão incensada Constituição foram capazes de apagar a lógica escravocrata da sociedade estadunidense, daí que esse estrato da população precisa sistematicamente se levantar em rebelião para garantir o mínimo. E é sempre o mínimo. Lendo algumas análises sobre os levantamentos e vendo a comoção mundial, duas linhas de pensamento se expressam de maneira bastante diferenciada. Uma diz que agora sim os negros estadunidenses farão a revolução há tempos desejada, desde os grandes líderes da luta por igualdade de direitos até os mais radicais como os Panteras Negras. Isso claramente não está dado, mas pode estar, caso os protestos avancem para discussões mais profundas e mobilizem ainda mais gente.  A segunda linha diz que é só mais um levante, entre tantos dos que já aconteceram, que apenas reivindicam inclusão na sociedade capitalista. A falta de consciência de classe é apontada como o grande entrave das mudanças estruturais, visto que os protestos pedem mudanças na polícia, mas não no sistema, deixando a estrutura intocada. Para a professora Cris Sabino, do Serviço Social da UFSC, dizer que a luta do povo preto não está vinculada às mudanças estruturais é totalmente injusta e só denota desconhecimento da realidade. Segundo ela, um negro, aqui no Brasil ou nos EUA, sabe que para que o racismo se acabe é preciso que as mudanças aconteçam no mais profundo das coisas, afinal, ele se expressa em tudo, desde a impossibilidade do acesso a questões básicas, como saúde e educação até o sistemático processo de extermínio. “O negro precisa estar o tempo todo lutando para se manter vivo, para ser tratado como um ser humano e não ser exterminado como um bicho. É um equívoco então dizer que os negros não pautam a luta de classe. A base da luta do povo negro é ter condições de igualdade perante a sociedade e a gente sabe que isso não vai acontecer sem uma mudança estrutural. Veja que quando as pessoas negras se movimentam elas movimentam toda a base da sociedade. O que falta, na verdade, é que os demais movimentos tradicionais e sindicais, pautem o racismo, isso sim”.  Nos Estados Unidos, em meio à comoção provocada pela violência contra George Floyd,  boa parte dos governantes – governadores, prefeitos, congressistas – têm se posicionado a favor da pauta dos manifestantes no que toca a reformar as polícias e já se fala até em excluir dos protocolos de abordagem o tal do estrangulamento que acabou matando George. Mas, não se vê qualquer deles falando em mudar a estrutura do poder repressor, muito menos a sociedade como um todo. Os candidatos presidenciais, por exemplo, desviam o tema estrutural. De Trump, nada se espera, e o candidato democrata Joe Biden já declarou que não vai reduzir orçamento para as polícias. Ou seja, os partidos da ordem não têm propostas para os conflitos raciais, que se expressam mais concretamente na relação comunidade x polícia. Isso também pode ser percebido na relação da polícia, não apenas com os negros, mas também com os imigrantes de toda cor: latinos, árabes, chineses, etc… O racismo seguirá intacto, a menos que os protestos encontrem outros elementos de luta que mantenham as pessoas – negras e não-negras – mobilizadas e dispostas a mudanças maiores do simplesmente um protocolo de abordagem.    As mortes negras e o Estado racista   No Brasil, por exemplo, onde o extermínio do povo negro é uma realidade cotidiana nas grandes e médias cidades, que protocolos poderiam ser mudados? Não atirar 80 vezes num carro em movimento com uma família dentro? Não atirar mais de 70 balas em uma casa particular onde adolescentes negros estão jogando vídeo-game? Não sumir com os corpos negros, como o do Amarildo?  Agora, durante o caos gerado por uma estudada e planejada “incompetência” do governo federal no enfrentamento ao novo coronavírus, são os corpos negros os que estão pagando o preço alto da morte. São eles – em maioria – que estão nas ruas, trabalhando, e são eles os que ficam à espera de respiradores em postos de saúde, muitas vezes por dias, sem conseguir. Número do Sistema Único de Saúde mostram que 67% dos usuários são negros e uma boa parte pertencente ao grupo de risco, com diabetes, tuberculose, hipertensão e doença renal. O racismo estrutura a sociedade capitalista: nos países do centro do sistema por terem sido os traficantes de gente, e nos países de periferia por terem sido os espaços onde os povos originários foram violados e os negros sequestrados da África amargaram a dor de ser escravizado. Esses, depois da chamada libertação, foram lançados no mundo sem o direito à propriedade, o que, de cara, já colocou uma pedra gigante na proposta de igualdade de direitos. Como ter igualdade no capitalismo sem propriedade? Impossível. Nos Estados Unidos, um dos pais da Pátria, Thomas Jefferson, tinha como proposta mandar embora do país todos os negros libertos, porque tinha medo que eles tivessem de roubar para sustentar-se, visto que obviamente formariam um bloco de miseráveis.  Assim que os protestos dos negros nos Estados Unidos, bem como em todo o mundo são efetivamente uma chispa perigosa para o sistema, mas que precisa de mais lenha para queimar até colocar em queda o racismo estrutural.  Não existem raças, existe racismo  

O coronavírus e o poder político norte-americano

CORONAVÍRUS – Os Estados Unidos são tidos como um dos países mais ricos do mundo, e provavelmente é. E, agora, com a explosão do coronavírus, fica bem fácil ver o porquê. No mundo capitalista, a riqueza é produzida pelos trabalhadores e se concentra na mão de um número pequeno de pessoas, que são as que detêm os meios da produção. Justamente por ser assim, aqueles que são os responsáveis pela produção da riqueza, dela não podem usufruir. A eles falta educação, saúde, moradia, segurança, lazer, arte, tudo. Sua função é unicamente rodar o moinho do capital. Com a chegada do novo vírus mortal, a realidade aparece na sua expressão mais crua. Esses trabalhadores não têm a menor importância para o capital. Eles não têm nome, não têm sonhos, não tem sentimentos, não têm família, não têm existência real. São números. E, como tal, facilmente trocados sem que haja qualquer turbulência no andar da carruagem. Os Estados Unidos, sendo o país mais rico do mundo, tem a maior taxa de pessoas infectadas – quase 600 mil –  e o maior número de mortes, chegando hoje (dia 17 de abril) a 34 mil pessoas. Números que não são os números reais pois pode haver muito mais, uma vez que não há testagem em massa. Portanto, provavelmente há muita gente circulando pelas ruas com o vírus e o transmitindo. O presidente Donald Trump, no começo da pandemia havia tripudiado da letalidade do vírus, dizendo que era apenas uma gripe, mas com a explosão dos casos, foi obrigado a tomar algumas atitudes, afinal, é candidato à reeleição. Ainda assim, as medidas tomadas continuam não sendo as ideais e é por isso que as mortes se aceleram. Pela primeira vez na história do país o presidente foi obrigado a declarar desastre em todos os 50 estados. Não obstante, tal como o presidente brasileiro – que lhe segue os passos – Trump confunde os estadunidenses, hora falando bobagens, ora dizendo que agora, com essa declaração de desastre os EUA, vencerão o vírus. Ele também trabalha contra os cientistas ligados à própria Casa Branca, que continuam afirmando: se as medidas de isolamento tivessem sido tomadas, a crise não seria tão violenta. Trump brinca no seu twitter, republicando opiniões de pessoas que pedem a demissão desses profissionais. As semelhanças com o Brasil não são coincidências. É o mesmo descaso com a maioria das pessoas. Trump, ignorando o avanço da doença, insiste que o país deve retomar a “normalidade” no primeiro de maio. Enquanto isso, a cidade de Nova Iorque, o coração pulsante da nação, é a que está mais fortemente impactada com a letalidade do vírus, com 14 mil mortos nessa quinta na o estado de Nova Iorque, a maioria da base da pirâmide social. E morrem justamente porque os pobres, nos Estados Unidos, não têm acesso à saúde. Ou a pessoa paga um seguro ou está morta. Não existe um sistema público capaz de dar suporte a toda essa gente. É por isso que muitos, mesmo doentes não procuram os hospitais. Sabem que se saem vivos, devem até a alma. E, como dever o que não têm? Lá, como cá, também o governo busca formas de salvar os ricos, colocando a conta para os trabalhadores. É o caso do pessoal do agronegócio que deverá ser beneficiado com uma ajuda direta da Casa Branca, podendo ainda reduzir o salário de pelo menos 250 mil trabalhadores estrangeiros que têm permissão temporária para ficar no país trabalhando nos campos. São trabalhadores essenciais porque, sem eles, a cidade não come. Ainda assim, serão penalizados para que os fazendeiros não percam lucros. É o uso cirúrgico de uma gente que o país odeia (os migrantes), mas da qual necessita. Eles que sobrevivam como puderem. Caso morram, amanha terá mais gente chegando e tudo bem. Outro drama que não encontra visibilidade é o dos imigrantes que estão presos nos centros de detenção em todo o país. Gente que não cometeu crime algum, unicamente tentou entrar no país e está confinado em prisões insalubres e violentas. E agora enfrentam essa pandemia sem qualquer preocupação por parte do governo. Tanto que as entidades de Direitos Humanos têm se manifestado em frente aos cárceres, exigindo que o Serviço de Imigração garanta a saúde das pessoas, embora sem sucesso. Inclusive, há cárceres exclusivos de crianças, separadas dos pais e sem cuidados. Ou seja, a teoria que sustenta a forma de enfrentamento do coronavírus nos Estados Unidos é a mesma levada no Brasil. Que se infecte logo a maioria das pessoas, que morram os doentes, os fragilizados, os criminosos e que sobrem só os “fortes”, os que passarem pelo vírus sem sintomas ou com sintomas leves. Assim, a economia não para e os ricos continuam acumulando lucros. Num mundo de sete bilhões de almas, não importa para o sistema capitalista e seus controladores que pereçam um milhão de vidas. Elas são facilmente substituídas. E segue o baile. Essa lógica perversa encontra seguidores em todo o mundo. Alguns, por que acreditam mesmo numa “melhoria” da raça e outros porque acreditam cegamente nos seus líderes a ponto de disseminarem pelas redes sociais e nas suas relações interpessoais as mentiras que sustentam a racionalidade certeira do capital. No Brasil, um vídeo de uma moradora do interior de São Paulo, resistindo a um pedido de policiais para que fosse para casa, respeitando o isolamento social, conseguiu, em poucos minutos, expor os argumentos que sustentam uma espécie de insanidade, que só é para as gentes, não para os governantes. Segundo ela, o vírus é uma invenção dos chineses, com o apoio do PT, para derrubar Bolsonaro. Ou seja, ela crê, sem pejo, que foi criada uma pandemia mundial unicamente para atacar o presidente do Brasil. Cenas semelhantes se multiplicam não só no Brasil, mas com versões locais em outros países que adotaram a lógica do “morram logo”, tal como os Estados Unidos. E assim, o planeta vai, mergulhado numa loucura sem precedentes. Uma loucura muito bem dirigida e direcionada. Nas altas camadas dos

Reflexões sobre a quarentena do brasileiro

O isolamento num país de terceiro mundo como o Brasil é muito mais complicado do que na Europa, e até mesmo na China. Assisti diversos vídeoebs nos últimos dias de moradores da Itália, Espanha e da região chinesa de Wuham, e ficou muito claro que são sociedades com menor diferença social e econômica. Além disso, contam com estruturas de serviços públicos muito superiores a nossa. Para não ficar na teoria, pesquisei alguns impactos evidentes que deveriam ser levados a sério, pois afetam as condições de saúde, física e psicológica que serão essenciais para passarmos por essa travessia. 1 – Fechamento de escolas públicas Ação mais do que correta, mas a consequência negativa é enorme para milhares e milhares de jovens que têm na alimentação escolar uma forma de garantia de proteínas e calorias na fase de crescimento. O governo e a sociedade não tiveram tempo de refletir e de se preparar, mas é óbvio que o incremento no programa do Bolsa Família ou outra forma de ajuda financeira aos mais pobres devem ser pensados em termos de proteção social.   2 – Quem trabalha e quem não trabalha Sim, todo mundo deve ficar em casa, mas quem vai fabricar os remédios, alimentos, transportá-los, vendê-los e tudo mais? Esses profissionais, bem como os da saúde, correrão maior risco. Como a sociedade irá recompensá-los pelo trabalho?   3 – Segurança Num país comandado por governantes com fortes ligações com as milícias policiais, como se sentir seguro?  A polícia vai trabalhar sob que condições? E se todos forem dispensados, como fica a área de segurança privada (aquela que emprega e arma os pobres para proteger os ricos dos outros pobres)? Para quem investiu em automação nos prédios modernos, a coisa pode até funcionar, mas não é essa a realidade urbana e rural do Brasil, um país extremamente violento e com o crime presente em diversas esferas. Mas quem sabe o jeito seja mesmo torcer para os bandidos e oportunistas armados ficarem em casa na quarentena.   4 – População em condição de rua No Brasil e em toda América Latina, existe uma grande população de rua. Em São Paulo, as pesquisas mais conservadoras falam em 40 mil pessoas vivendo nessas condições e provavelmente esse número seja bem maior. Ignorá-los, como muitos conseguem sem culpa, não é mais conveniente pois a doença do morador na frente de sua casa ou edifício também chega na segurança de sua casa. Passou da hora do poder público usar de fato todas as ferramentas para abrigá-los, localizar suas famílias e, se possível, impedir que fiquem doentes, já que a lógica minimamente humanista indica que devemos impedir de que toda e qualquer pessoa adoeça. Nesse item, a única solução real é deixarmos de sermos tão individualistas e enxergarmos todos como membros da mesma sociedade, engraçado é ter que precisar da pandemia para sacarmos isso, mas antes tarde do que nunca. 5 – Comunicação e Verdade Apesar do avanço tecnológico absurdo, o mundo todo é vítima das fake news. Não tenho a menor ideia de como resolver isso, mas é importante que todos sejamos mais responsáveis na hora de compartilhar qualquer informação. Avise seu tio do grupo de zapzap da família para ele se ligar e falar do que ele realmente sabe. Não será fácil, afinal nessa era onde todos falam, é raro conseguir ser escutado. Nessas horas, a ciência faz toda diferença, recomendo também rezar e meditar sempre, mas ouvir e empoderar cada vez mais quem entende de cada assunto é prioridade. Até no desgoverno Bozolino é tranquilizador ouvir o Ministro da Saúde, torço até para que ele consiga enquadrar o chefe do hospício-mor de Brasília.   6 – Esporte e Cultura  Sem futebol, sem basquete, nem vôlei ou tênis, todos esportes pararam, o que fazer além de usar o Youtube para assistir jogos do passado? Só ontem vi a final de tênis de Wimbledon de 1979 e 1980, procurei gols dos anos 80, jogos que eu fui no estádio e etc, mas uma hora a nostalgia cansa e afinal, até já sei quem vai ganhar. Sem festivais e shows, também fica claro que a música é muito importante. Acredito que ouvir bandas e artistas iniciantes é uma boa saída e você tem a oportunidade inclusive de ajudá-los. Acho que prestigiar os locais de espetáculos, teatros e todos os artistas devia ser uma preocupação urgente para toda comunidade, em cada cidade, região e país impactado pela pandemia. Para os atletas, que continuam treinando na medida do possível, também seria importante pensarmos em algo concreto que possa ser feito. Seguramente existem vários outros fatores importantes e que não passaram nesse meu radar, mas é fato que teremos que encarar desafios nunca dantes enfrentados pelas gerações atuais, que seja uma oportunidade para que possamos voltar a ser humanos e dar um basta no egoísmo doentio que destrói a terra e a nós mesmos. https://urutaurpg.com.br/siteluis/coronavirus-o-virus-e-os-trabalhadores/ https://urutaurpg.com.br/siteluis/o-plano-e-assaltar-o-estado/

Coronavírus: o vírus e os trabalhadores

Quem está acostumado a ver filmes de tragédias biológicas de roliúde sabe qual é a fórmula da desgraça: governos corruptos, um maluco que fez a merda, milhões de pessoas morrendo, um pequeno grupo de heróis tentando salvar o mundo. Ao final, os heróis revertem a coisa, salvam seus entes queridos, salvam os governantes, mas os milhões que morreram parecem não ter qualquer importância e a vida segue normal com os que sobraram. Agora, estamos vivendo como num desses filmes com o surto do novo vírus. E nada escapa do roteiro. É exatamente como na arte. Há uma parcela da população que simplesmente não importa pra ninguém. Ouvindo as orientações para a população logo se percebe que os médicos e governantes estão falando para um grupo bem específico de pessoas, excluindo A maioria. Simón Rodríguez, educador venezuelano, já anunciava lá no começo do 1800 que aos latino-americanos era preciso inventar ou morrer. Pois é disso que se trata agora. O que essa parcela gigantesca de gente, que não tem qualquer possibilidade de proteção contra o vírus, precisa fazer para sobreviver? Há que inventar. Eu gostaria de ver algum médico ou cientista dizendo a essas pessoas como reduzir os danos para não morrer na epidemia. Há milhões de pessoas que seguirão tendo de ir ao trabalho nos ônibus e trens lotados? O que fazer? Há milhares que precisarão trabalhar em espaços lotados de outros trabalhadores sem a possibilidade de ficarem dois metros de distância. Que fazer? Milhares de pessoas ficarão infectadas em casas pequenas, apartamentos ou barracos  sem condições de manter a regras de isolamento. Que fazer? Há centenas de moradores de rua, sem qualquer possibilidade de prevenção. Que fazer? E se a pessoa cuida de um velho ou de uma criança e pega o vírus, não tendo com quem deixar a pessoa cuidada, que fazer? Ou seja, é necessário que os médicos, governantes e cientistas encontrem respostas para essa gente que não se enquadra na lógica burguesa/classe média de lavar as mãozinhas, passar álcool gel e fazer isolamento social. Por que não o fazem? Porque não importam. Esse é o ponto. Sendo assim, é mais do que necessário que nós mesmos comecemos a testar formas de proteção nessas condições adversas das quais não sairemos. E aí, talvez as redes nos ajudem, com um ajudando o outro nas suas invenções. Nos espaços da produção capitalista alguns trabalhadores já estão dando o tom. Fábricas e empresas estão parando por decisão dos trabalhadores, que organizam paralisações e greves. Mas, e os serviços essenciais, que precisam ser feitos: o tratamento de água, a manutenção da energia, os trabalhadores da saúde e outros. Esses precisam se deslocar e estão a descoberto. Para eles temos de ter estratégias. Não creio que elas venham do governo ou dos cientistas que se limitam a regras genéricas. Vejam que no Brasil o presidente da nação foi o primeiro a quebrar as regras da proteção, incentivando atos públicos e compartilhando secreções com centenas de pessoas na porta do palácio, numa irresponsabilidade que pode ser considerada crime de lesa-pátria. Por isso que a proteção da massa abandonada tem de vir dela mesma. Que a gente possa compartilhar e se proteger. Porque não há ninguém por nós a não ser nós mesmos. Isso em tempos de epidemia como em qualquer tempo. Esses momentos dramáticos servem para nos fazer lembrar. A mudança do mundo está na nossa capacidade de inventar e caminhar juntos. Só a solidariedade entre os esquecidos pode nos salvar. O movimento dos sem direitos A luta necessária dos trabalhadores hoje

A conciliação perpetuará o fascismo

A direita gosta de ver Lula prometendo uma candidatura que se destrói com meia-dúzia de canetadas amigas. O incômodo surge quando ele ameaça expandir essa perspectiva, abraçando uma agenda democrática que inclua sua elegibilidade em tópicos de interesse geral. Então os ideólogos da pacificação vêm negar-lhe o direito de falar em nome da boa causa. Romper esse bloqueio tornou-se uma obrigação moral e estratégica do lulismo. Se Lula causa embaraço, é porque suas manifestações iluminam a natureza judicial do fascismo e o endosso hipócrita que este recebe dos apoiadores da Lava Jato. A pecha da radicalização estigmatiza o diagnóstico mais óbvio da conjuntura brasileira e impõe uma via suicida à luta oposicionista. Seria indecente pedir que Lula participasse do teatro de normalidade envolvendo sua ausência na disputa contra Jair Bolsonaro. E isso vale para todo cidadão que se diga preocupado com a escalada arbitrária. Não resta dúvida razoável de que a Lava Jato conspirou para eleger o fascista, além de manter preso, ilegalmente, seu maior adversário. Bolsonaro é uma distração para o verdadeiro problema. Enquanto o bode faz pinotes na sala, os cômodos da casa vão sendo tomados pelo bolsonarismo judicial, que dá alicerce ideológico e repressivo ao governo dos patetas úteis. Sem denunciar a Lava Jato de maneira inflexível, a plataforma antifascista flerta com o desastre. Derrubará o capitão para eleger Sérgio Moro. Não há perigo de conflito social no país, e sim um avanço de práticas delituosas e golpistas, muito bem documentadas, que a covardia pacificadora julga prudente eufemizar. Mais do que premissa ética, enfrentá-las é uma exigência constitucional. Agendas libertárias polarizam radicalmente com o fascismo, e com seus adeptos, em qualquer contexto. Por natureza. O atual mote conciliador vem da Anistia, imposta pela ditadura militar como proteção para seus criminosos. Os setores que aderiram àquela impunidade amnésica tentam reproduzi-la, exatos 40 anos depois, no desastre de outra loucura autoritária que eles apoiaram. Desta vez, contudo, as vítimas só podem participar se fizerem autocrítica e pedirem desculpas. A animosidade entre petistas e antipetistas, que serve de pretexto à ação de pacificadores, constitui um falso dilema para o campo democrático. Além de favorecer o polo reacionário, trivializando seus valores abjetos, essa partidarização faz leitura mesquinha do desafio. Basta usar a legalidade como referência positiva que o meio-termo deixa de parecer tão razoável. Quisesse de fato derrotar Bolsonaro, o centrismo anteciparia a postura pragmática que exige do PT. Admitindo que o partido será essencial a qualquer projeto oposicionista, veria na rejeição hidrófoba a Lula um grande obstáculo para o êxito da aliança. E faria do petista um símbolo dos podres da Lava Jato, convertendo-a em vulnerabilidade ética do governo. Tamanho desperdício tático é também sintoma de naturalização do fascismo. A ideia de atrair o eleitorado conservador afagando suas taras vingativas só pode fazer sentido para quem distingue Bolsonaro e o “legado” da Lava Jato, ou a corrupção dos justiceiros e a que dizem combater. Não surpreende que Lula, hábil negociador, seja visto ali como incendiário. Nenhuma vitória democrática será viável se depender de concessões do bolsonarismo judicial. E não me refiro apenas aos recuos inaceitáveis que isso exige, mas também à esfera prática: o grupo capaz de arrancar do páreo alguém como Lula, com 40% das intenções de voto, daquela maneira, parece indisposto a reconhecer limites. Ou mesmo a permitir disputas imprevisíveis. Para vencer democraticamente o fascismo é preciso reconstruir a própria democracia. O apoio popular a Sérgio Moro, verdadeira base estatística da força reacionária, aponta para um nível de manipulação que destrói fantasias sufragistas. A inação do STF, do STJ e do TSE diante das reportagens do Intercept antecipa o nível das campanhas eleitorais futuras. O republicanismo inflexível pode agregar moderados políticos, inclusive porque a moderação é necessária ao reconhecimento dos direitos de um adversário. Mas esse consenso envolve clareza sobre o objetivo comum e, acima de tudo, a natureza inconciliável das demandas. Em suma, o comprometimento por uma ética radical alicerçada na firmeza de seus propósitos. Fascistas, no pasarán

O Equador e o sentido de comunidade

#ElParoNoPara -Por conta do advento da internet, muita coisa que nos era desconhecia hoje chega com facilidade ao conhecimento. Uma delas é a mobilização indígena do Equador. Há quem se surpreenda ao ver as massas originárias enfrentando com paus e pedras a polícia fortemente armada, ou avançando pelas estradas como se fosse uma força da natureza. Mas, não há qualquer surpresa nisso. O nome dessa reação massiva e unificada chama-se comunidade. Uma das coisas que o mundo moderno fez desaparecer foi justamente o sentido de comunidade. Muitos teóricos já se debruçaram sobre esse tema entendendo que nas sociedades modernas, formadas por grandes e médias cidades, só pode ser considerada comunidade a união de pessoas através de laços políticos na batalha por causas comuns. Ou seja, num mesmo bairro pode haver várias comunidades. É o que se consegue produzir coletivamente num universo tão partido e no qual é indivíduo que parece ter mais importância. Mas, nas comunidades indígenas o sentido de comunidade não é uma ideia. É uma práxis. Ou seja, está entranhada no viver e no pensar. Muitos povos sequer têm na sua língua originária uma palavra para o “eu”. Porque o que existe desde sempre é o “nós”. No Brasil nos custa perceber isso porque nossos povos originários foram dizimados e os que restaram – cerca de um milhão – estão espalhados e discriminados num país que é praticamente continental. Mas,  em países como a Bolívia ou o Equador, a maioria da população é indígena, então, não é possível viver separado dessa realidade concreta. Nas pequenas e médias cidades o viver é comunitário, esse comunitário original, carregado no gen, que faz com que a maioria se articule em torno de causas comuns, que exista organizativamente como nos ayllus ancestrais. Por isso que quando o sentido da vida é atacado por qualquer governo, essas comunidades se levantam em rebelião. E não é coisa simples ou singela. É uma reação visceral, violenta e poderosa. Podem viver em paz nos seus povoados e até negociar com governos de todas as cores – direita, centro ou esquerda – mas, se qualquer um deles resolve atacar a terra, a água, o equilíbrio do viver, a reação é imediata. No Equador a história mostra que as rebeliões são frequentes e arrasadoras. Na história recente foram os povos indígenas que colocaram para correr o presidente Lucio Gutierrez, depois de terem sido engadas por promessas que não se cumpriram. Tomaram as ruas e o país inteiro. Depois, vitoriosos, voltaram para seus povoados, deixando o poder na mão da mesma velha elite que domina desde a invasão. São chamados de “capachos da direita” quando se aliam aos da direita, e são chamados de “comunistas” quando se aliam aos da esquerda. Mas, eles mesmos, não se vinculam a esses conceitos forâneos, coloniais. Preferem atuar dentro da sua historicidade permanente. Outros conceitos, outra práxis, outro ethos. Agora estão mobilizados contra as recorrentes más decisões do governo de Lenín Moreno, de corte neoliberal, bem como se levantaram contra Rafael Correa, que se chamava progressista. Tanto um como outro tocaram no ponto central das gentes originárias: a terra-mãe. O extrativismo entreguista, a falta de diálogo no trato dos recursos naturais, o desconhecimento das autonomias, tudo isso põe os indígenas em pé de guerra. Os movimentos indígenas do Equador sabem que o país é berço de riquezas minerais incontáveis e também sabem que vivem num sistema capitalista, integrado e globalizado. Compreendem as razões de estado sobre o uso do petróleo ou dos minérios, mas querem ser consultados, querem decidir junto. E isso não acontece. Hoje, já estão aos milhares nas estradas seguindo para Quito, muitos já estão na capital. Lá se juntam aos demais trabalhadores atingidos pelo pacotaço de Lenín Moreno, que mexe não apenas no subsídio da gasolina, mas também nos direitos laborais. É uma guerra de classe. E todos estarão juntos na tentativa de derrotar o governo. Como sempre, a eles pouco importa quem fique na cadeira presidencial. O que querem é que governe obedecendo. E se isso não acontece, derrubam. É simples e singelo. Aos atordoados brasileiros que observam os vídeos nos quais as comunidades enfrentam a polícia, os tanques, os drones, ou os grupos que chegam armados de paus e foices na grande capital, saibam que essa é a toada no Equador, bem como na maioria dos países indígenas. O que avança pelas estradas é a comunidade, o nós. Os que caem são pranteados e reverenciados, mas a coluna segue em frente, porque é uma coisa só. O mundo indígena é complexo e belo. Há que conhecer e fazer esforço para entender.   https://www.zonacurva.com.br/luta-contra-o-abuso-das-petroleiras-e-mineradoras-no-equador/ Índios sob ameaça  

O ataque agora é contra os trabalhadores públicos

Sempre é preciso repetir. Não há surpresa nas ações do governo federal. Tudo que está fazendo, foi anunciado. Em meio às mentiras escabrosas como a da mamadeira de piroca, estavam também as verdades. Assim que não há nenhuma enganação. O que está sendo feito foi aceito pela maioria dos eleitores que colocou na presidência Jair Bolsonaro. O ódio aos indígenas, aos sem-terra, aos pobres, aos trabalhadores públicos, tudo anunciado.  Por isso não é novidade que toda a ação econômica prevista e planejada pelo ministro Paulo Guedes seja contra a maioria da população, que se encaixa no perfil acima citado. Esse é um governo dos ricos, dos banqueiros, dos fazendeiros, dos mineradores e das transnacionais. Foi assim que se fez a reforma trabalhista, arranjada para aliviar a vida dos empresários, dos patrões. Os trabalhadores pagarão a conta da crise e permitirão que em meio ao caos os seus patrões sigam levando os filhos à Disneylandia e tomando vinho francês. Enquanto isso se observa  o crescimento exponencial de gente trabalhando na rua, em subemprego, bem como a volta da fome, dos moradores de rua e a exacerbação da violência. Feito o “ajuste” com os trabalhadores da iniciativa privada, o governo agora se volta para o serviço público. Algumas carreiras são admitidas como essenciais, mas a maioria é vista como entrave ao projeto de lucro acima de tudo da elite nacional. Segura-se a onda do judiciário, que serve aos interesses da horda, da receita federal, talvez, e os demais começam a sofrer o processo de destruição.  A última agora é economizar em cima dos trabalhadores públicos. Segundo o ministro da economia os “gastos” com a máquina pública são altos. Como se o serviço público não fosse um direito.  A proposta inicial é acabar com os planos de carreira conquistados com muita luta pelos trabalhadores, que sequer conseguiram ainda garantir uma data base. Isso significa que os aumentos salariais sempre têm de ser arrancados na luta. Com muita batalha vieram os planos de cargos e salários, que garantem progressões sistemáticas por tempo de serviço. Coisa muito pouca. No caso dos trabalhadores das universidades, por exemplo, há 16 degraus para subir na carreira, que são escalados de dois em dois anos, com um reajuste ínfimo de 3,7%. E é aí que o governo quer “economizar”. Tirando o direito dos trabalhadores. Segundo Guedes, haveria uma economia de 10 bilhões. E tudo deve ser feito autoritariamente com Medida Provisória. Ou seja, não passa pela cabeça do ministro, nem dos demais governantes, discutir a dívida pública, por exemplo, que transfere quase a metade do orçamento total brasileiro para os bancos, pagando juros de uma dívida ilegal e ilegítima. O sacrifício só é exigido dos trabalhadores. Nenhum problema em perdoar as dívidas dos fazendeiros que chegam a 17 bilhões. Só isso já ultrapassaria o valor que o governo quer “economizar” com o serviço público. E não estão contabilizadas aí outras dívidas não pagas, como as dívidas previdenciárias de outros empresários, cujo montante chega a 331 bilhões. Por que não cobrar dessa gente? Por que tentar colocar a culpa do chamado “rombo” sobre o serviço que se presta ao cidadão? Ora, porque que essa é a proposta do governo: proteger os ricos. Só o violento dono da Havan deve mais de 160 milhões aos cofres públicos. E a ele, nada toca. As universidades públicas já estão sofrendo com o corte de verbas, com o qual o governo pretende chantagear as administrações e comunidades para a adesão a um projeto que finalmente privatiza a universidade. Também estão vendo sumir todos os serviços terceirizados, os quais não podem mais ser bancados pela falta de recursos. Agora, com a retirada de direitos dos trabalhadores, pretendem colocar mais uma pá de cal sobre a já combalida instituição. E assim, como um castelo de cartas, pegando todo o serviço público que realmente chega à população como saúde, educação, segurança, alimentação etc… Por isso que pouco importa falar sobre a mulher do presidente francês. Mais valeria estarmos atentos a toda essa perda de direitos. Porque a hora de todos vai chegar. Já foram os trabalhadores do mundo privado, agora os públicos. E amanhã?  Previdência por um fio