Zona Curva

Estação Francisco Morato

HOMENS HORA [HH]: – É a soma

das horas consumidas pelo total de

homens que executam determinado serviço.

 

Glossário dos Termos Ferroviários

A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa: A CPTM informa – disse. E essas frases sem paz ressoam entre ouvidos castigados, perturbam os ânimos, esfolam os sentidos e derrubam todo e qualquer ímpeto de esperança.

Os trens da CPTM são comboios sucateados de mortos-vivos que pagam bilhetes num preço absurdo pelo conforto mínimo. Aqui o povo negro e pardo vive explorado e não é figurante no cenário, é a regra da desigualdade: são empregados, repositores de estoque, açougueiros, sapateiros, mães solteiras, enfermeiras, balconistas, faxineiras terceirizadas, ex-presidiários, mecânicos, pedreiros, motoristas, cantineiros, ajudantes, babás, desempregados, chapeiros, jardineiros, pintores, universitários e universitárias, cozinheiras, porteiros, torneiros, manobristas, mc’s, policiais, vigilantes, marceneiros, secretárias, bicheiros, garçons, serralheiros, padeiros, soldados, vendedores & vendedoras, marreteiros, putas, funcionários públicos, atendentes de telemarketings, manicures, caixas de supermercados, pedicures, cuidadoras de idosos, cabelereiras, recepcionistas, temporários, encanadores, eletricistas, camelôs, estudantes etc.

Assalariados e assalariadas que prestam serviços longe de suas casas quase sempre alugadas e que, na maioria das vezes, atendem à gente que jamais imaginou a correria diária na imundice dessas latas de sardinha. As mãos e os pés anônimos que vendem centenas de milhares de horas para oferecerem confortos que desconhecem.

A CPTM informa: estre trem não prosseguirá viagem. Por favor, desembarque nesta estação. ESTAÇÃO FRANCISCO MORATO. Desembarque pelo lado direito do trem.

A fotografia é de 2013, ano das jornadas de junho, mas as cenas de superlotação nunca cessam na CPTM (fonte: http://minutoligado.com.br/mapas/mapa-linha-rubi-do-metro/#)

A baldeação em Francisco Morato é degradante, mas o simples fato de milhares de pessoas passarem uma parte da sua jornada em condições assim não abala os poderosos. Eles disseram que haviam eliminado a necessidade de baldeação, pura lorota politiqueira. Quantos políticos pegam trens lotados? Quantos políticos saem no soco por conta de um lugar para sentar? Quantos políticos suportariam a subaqueira diária? Quantos políticos suportariam o cheiro de mijo, merda e vômito nos banheiros ridículos das estações? Quantos políticos tomam enquadro dos farda-bege? Quantos políticos esperam pelo próximo trem a dar entrada na estação? Quantos políticos economizam para o dinheiro da ida e da volta no dia seguinte? Quantos políticos bebem a água podre desses bebedouros? Quantos políticos transpiram rancor nas plataformas? Quantos políticos andam com os pobres fora da temporada de caça aos votos?

Toda vez que sigo nesta viagem sinto o desconforto em ser um universitário pobre que acompanha a injustiça escancarada das linhas férreas. Há anos que ando de trem e nunca vi melhorias reais. Os inconvenientes das reformas da estação Francisco Morato duraram anos, mais de uma década: licitações, concessões, melhorias nas vias, modernizações da estação, das máquinas, dos sistemas de segurança, dos trilhos, todos esses termos são palavrinhas bonitas para maquiarem o desvio de dinheiro público e a destruição generalizada de um transporte que nunca, jamais, teve vocação pública e digna.

E assim o mundo segue…

Em 2007, usuários e usuárias da CPTM se revoltaram; em 2013 – enquanto muita gente acreditava viver a belle époque dos esportes – também houve manifestações e destruição nas dependências da estação; mas, em 2018, a fúria foi maior: vidros foram quebrados, choveram pedras sobre alguns trens, os pichadores exerceram sua arte da revolta e a bilheteria e todas as catracas foram incendiadas sem dó. Foi lindo e eu, anárquico, estive lá. Foi lindo, apesar da milícia de São Paulo, cães de guarda dos poderes alheios, ter atirado balas de borracha e spray de pimenta contra a população. Foi lindo, apesar dos jornais e canais de tevês retratarem tudo de forma ultraconservadora, hipócrita, sempre com o mesmo discursinho furado de quebra-quebra. A estação Francisco Morato passou quatro dias com as catracas abertas, até quem nem queria fazer viagem de trem deve ter entrado, só pelo prazer – e por que não dizer direito – da gratuidade dos meios de transporte.

Incrível é ver como vidros quebrados chocam mais nossa opinião pública do que o descaso diário e as condições de vida dos empobrecidos. E ainda assim há quem acredite que vandalismo contra o poder é mais nocivo que o próprio poder.

– A CPTM informa: Senhores usuários, boa tarde. Este trem tem como destino a estação LUZ. A CPTM deseja a todos uma boa viagem. – disse.

São quase nove horas da manhã de um dia angusto e, enquanto penso-rabisco isso, um senhor de uns cinquenta anos que viaja ao meu lado no banco exíguo tosse duas vezes, puxa a carteira miúda, e acena para um marreteiro que passa com quatro sacolas pesadas. – Taí, meu patrão, três amendoins e três sorvetes, obrigado meu patrão, toma aí seu troco, gratidão, gratidão.

O senhor de uns cinquenta anos abre os três pacotes de amendoins quase que num só fôlego, come tudo. No instante seguinte ele desembrulha os três sorvetes quase derretidos de milho verde, sorve tudo.

Não quero crer, não quero crer, mas sei que a verdade última do cotidiano me faz ver que a soma dos sorvetes e amendoins será a maior refeição que este homem fará hoje. No trem, todos os estômagos sofrem, são ansiosos. Os marreteiros recomeçam: amendoim salgado, amendoim salgado, amendoim salgado, amendoim salgado, amendoim salgado, amendoim salgado, amendoim salgado, amendoim salgado, amendoim salgado amendoim salgado, amendoim salgado, amendoim salgado, amendoim salgado, amendoim salgado, amendoim salgado, amendoim salgado, amendoim salgado, amendoim salgado.

https://urutaurpg.com.br/siteluis/lucio-um-cadeirante/

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Estação Franco da Rocha

Estação Baltazar Fidélis

Estação Botujuru

Estação Campo Limpo Paulista

Estação Várzea Paulista

Estação Terminal Jundiahy

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