
Haiti: povo em luta, governo títere
Haiti – Desde há semanas que a população do Haiti, principalmente a das grandes cidades, promove protestos, marchas e atos contra a inoperância do governo local, incapaz de organizar a vida e de dar resposta para a situação de violência extrema que se espalha pelo país com a ação de grupos armados. Há denúncias de violação de mulheres, falta de comida, transporte, novos surtos de cólera, falta de água potável e muito mais.
Quem acompanha as notícias sobre o pequeno país do Caribe sabe que o Haiti, ocupado por forças da ONU a mando dos Estados Unidos em 2004, não tem conseguido superar esse momento histórico que retirou do país um presidente democraticamente eleito e colocou nas ruas tropas de diversos países para o que cinicamente chamam de “ajuda humanitária”. Portanto, todo esse processo de destruição e violência não é obra do acaso ou da incapacidade dos haitianos. É ação deliberada dos Estados Unidos que não quer ver surgir no Caribe outro país soberano e livre de sua influência.
As tropas da ONU no Haiti, enviadas para “garantir a paz”, além de gerarem mais revolta na população, instalaram um processo de corrupção na classe dirigente de proporções gigantescas. Afinal, durante os anos de ocupação que ainda teve o trágico terremoto de 2010, o número de doações em materiais, víveres e dinheiro tem sido enorme e sistemático. Só que praticamente nada chega ao povo.
Tudo o que se vê é a sucessão de governantes – marionetes dos EUA – que, ou enchem os bolsos eles mesmos, ou permitem que uma parcela dos mais ricos o faça, sem qualquer controle. O resultado dessa ação criminosa contra o país é a revolta popular. Além disso, como o governo não dá respostas para as demandas, surgem as bandas armadas nas comunidades que passam a ser outro problema para a população. É um carrossel sem fim de desgraças que tem sido enfrentado com valentia pelos haitianos.
Agora, nas últimas semanas intensificaram-se os protestos exigindo a renúncia do primeiro-ministro Ariel Henry. E qual é a resposta que o governo dá para a população? Chamar os ianques com seus tanques, homens e armas para conter a violência do povo em luta, Recentemente foi confirmada a chegada de blindados e armas vindos dos EUA e do Canadá. Segundo o informe governamental: “isso ajudará no combate aos criminosos”.
Os criminosos ao qual Ariel Henry se refere é uma federação de grupos armados conhecida como G9 que está bloqueando a distribuição de combustíveis há mais um mês, exigindo a saída do primeiro-ministro. Esse bloqueio tem gerado inúmeros problemas ao país, mas também conta com o apoio de parte da população que quer ver o governo atuando em seu favor. É fato que as pessoas sofrem com o assédio das gangues que controlam comunidades, mas sabem igualmente que se elas são uma tragédia cotidiana, o governo também é. Afinal, as gangues do colarinho branco também atuam.
A situação é, portanto, dramática, mas é necessário ir além da aparência. O processo de violência, miséria e criminalidade é fruto de anos e anos de invasão por forças estrangeiras e destruição sistemática do tecido social.

Ou seja, os Estados Unidos invadiram o Haiti em 2004 – quando o país tinha um governo mais progressista – para levar a sua democracia e a sua liberdade. Que, para qualquer outro país que não seja os Estados Unidos, significa morte, fome, miséria e destruição. Foi assim no Afeganistão, no Iraque, na Líbia… Enfim, qualquer lugar que os Estados Unidos tocam com sua conversinha de “democracia e liberdade” tem esse triste desfecho.
Assim que não aceitem essa versão de que o povo haitiano é violento e que o país está agora dominado por criminosos. Esse é um movimento que vem de muito longe, desde que a população negra – maioria no Haiti – se levantou contra a escravidão, queimou fazendas, matou proprietários brancos e venceu o exército francês garantindo a independência em 1804. Foi uma vitória acachapante sobre os exploradores e ainda garantiu o apoio a Bolívar para que iniciasse o vitorioso caminho de libertação sobre a coroa espanhola. Esse é o “crime” que cometeu o povo haitiano, pelo qual paga até hoje.
Mas, a despeito de tanta destruição, os trabalhadores haitianos seguem na luta por um país soberano e livre. E, enquanto não garantirem um governo que mande obedecendo, a revolta não tem fim.
Jornalista. Humana, demasiado humana. Filha de Abya Yala, domadora de palavras, construtora de mundos, irmã do vento, da lua, do sol, das flores. Educadora, aprendiz, maga. Esperando o dia em que o condor e a águia voarão juntos, inaugurando o esperado pachakuti.
