Zona Curva

“A ameaça é o pão de cada dia”, diz indigenista exilado

Colaborou Letícia Coimbra

 

O CONVERSA AO VIVO ZONACURVA de 23 de junho recebeu Ricardo Rao, indigenista que está exilado em Roma, na Itália, devido às ameaças que sofreu quando trabalhava como agente da Funai no Maranhão. O programa foi apresentado por Fernando do Valle, editor do Zona Curva, e contou com a participação do advogado Roberto Lamari.

Hostilidade a partir do governo Bolsonaro

Segundo Ricardo, as ameaças feitas ao seu trabalho antecedem à gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL), mas foi a partir daí que passaram a ser cumpridas. O indigenista acredita que antes não os atacavam devido à proteção do Estado, porém o “discurso de ódio” que o atual chefe do Executivo vocifera contra os indígenas desde 2018 funcionou como um aval para fazerem ataques deliberadamente. De acordo com ele, o presidente utiliza os indígenas como “inimigo interno”.

“Nunca foi [tranquilo]. A ameaça é o pão de cada dia de quem na Funai trabalha na proteção das aldeias […] mas a gente conseguia fazer uma triagem.  E eram ameaças só, ninguém cumpria”

Quando questionado por Lamari, Ricardo disse que seu trabalho não costumava incomodar as instituições governamentais, mas alegou que, após a posse de Bolsonaro, a relação entre os funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai) e a polícia piorou, e muito. 

“A polícia sempre teve uma participação muito relutante, era muita má vontade, e o exército também… ‘Não tem verba, não tem isso, não tem aquilo’. Mas a partir do governo Bolsonaro, passou para uma hostilidade muito grande. Hostilidade aberta ”

O indigenista Ricardo Rao (de barba e bigode) acusa o governo federal de desmonte na Funai (Fonte: cervo pessoal

Ameaça e exílio

No início de 2019, Rao apreendeu uma moto usada por madeireiros que estavam cometendo crime ambiental. Alguns dias após a apreensão, um oficial da PM apareceu no seu local de trabalho exigindo o veículo de volta, porém o indigenista não atendeu o pedido e o destruiu, o que é permitido pela lei. A medida é autorizada para que o criminoso não recupere seu material.

A partir disso, o indigenista percebeu que os órgãos governamentais estavam corrompidos e que não poderia exercer livremente sua função. Em meados daquele ano, teve uma discussão com um servidor que, segundo ele, estava sabotando seu trabalho. 

Poucos dias depois, funcionário da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) apareceu na base da Funai em Imperatriz, no Maranhão, procurando por Ricardo. No dia seguinte, a Funai abriu um processo administrativo disciplinar contra ele devido à discussão, mas o indigenista alega não ter cometido delito algum.

A situação ficou ainda pior depois que um investigador conhecido como  “Carioca” o ameaçou com uma pistola, dizendo que “quem fica lambendo cu de índio aqui não dura” e que “aqui namoradinho de índio morre cedo”.

Após a morte de Paulino Guajajara, indígena, ativista ambiental e uma das lideranças locais, que foi morto por madeireiros ilegais em uma emboscada, o sentimento de desconfiança sobre as autoridades policiais locais aumentou.

Com isso, Ricardo começou a preparar dossiê relatando as atividades criminosas, denunciando milícias, madeireiras e traficantes no Maranhão, e o encaminhou para a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Partindo do princípio que a Polícia Federal não iria defendê-lo, ligou para alguns indígenas que vivem na Noruega, protocolou o dossiê na Câmara dos Deputados e foi para Oslo dois dias depois. De acordo com o indigenista, o relatório entregue não resultou em nada.

“A ideia era fazer espuma naquele momento […] Um oficial da PM invadindo a sala de servidor federal, me pedindo para devolver produto de crime”, disse. “Foi muito grave o assassinato do Maxciel (servidor da Funai assassinado com dois tiros na cabeça no Amazonas em 2019), foi muito grave o assassinato do Paulino, foi muito grave a Abin indo na Funai. Eu esperava que esse dossiê criasse um escândalo que talvez tivesse evitado a morte de Bruno”

Ricardo, que fez o treinamento com Bruno e esteve junto com o indigenista assassinado recentemente em algumas missões, lamenta o homicídio do colega de profissão e afirma acreditar que o relatório entregue por Bruno à PF pouco antes de seu desaparecimento no dia 5 de junho motivou sua morte. 

“Tanto o Bruno quanto o Travassos (antecessor do indigenista) conheciam aqueles homens. Por que nunca houve nenhuma violência? Qual o fato novo? Eu parto do que foi divulgado pelo g1, que informou que pouco antes de ser assassinado o Bruno entregou (o relatório) no MPF e na ‘milícia federal’ […]”, afirmou Ricardo, que exaltou o trabalho feito por Bruno. “Nunca antes foram vítimas de violência. Por que agora, quando nem na Funai o Bruno estava? Eu acho que a minha teoria faz muito sentido”

Ricardo acredita que a mudança virá, mesmo que distante. 

“O retrocesso que Bolsonaro nos impôs é grande demais para que não haja uma reação dos oprimidos”.

Queixa-crime contra Bolsonaro

Atualmente Ricardo vive na região central de Roma com apenas 150 euros que sua mãe lhe envia todo mês. Junto a alguns colegas, ele está mapeando ítalo-brasileiros que morreram em decorrência da covid-19 no Brasil, a fim de montar uma queixa-crime contra o presidente Jair Bolsonaro (PL) pela má condução do governo durante a pandemia. A justificativa para a ação é o precedente do coronel brasileiro Átila Rohrsetzer, que assassinou um cidadão ítalo-uruguaio durante a Operação Condor e foi julgado pela justiça italiana.

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