Zona Curva

Manifestações do povo negro nos Estados Unidos e Brasil

Racismo – O assassinato de George Floyd gerou uma onda de protestos no mundo todo na discussão do racismo e da violência policial contra os negros. Nos Estados Unidos, obviamente, as manifestações foram maiores. A comunidade negra, já calejada nesse sofrimento, explodiu em mais uma onda de protestos que iniciou violenta como reação imediata ao assassinato e, na medida em que foi sendo encampada por outros grupos sociais, passou a marchas pacíficas, inclusive com o apoio das autoridades. 

As manifestações do povo negro não são novidade nos Estados Unidos. No chamado “mundo livre” essas comunidades estão excluídas de direitos reais desde sempre, como acontece em quase toda a América. Nem a independência, nem a tão incensada Constituição foram capazes de apagar a lógica escravocrata da sociedade estadunidense, daí que esse estrato da população precisa sistematicamente se levantar em rebelião para garantir o mínimo. E é sempre o mínimo.

Lendo algumas análises sobre os levantamentos e vendo a comoção mundial, duas linhas de pensamento se expressam de maneira bastante diferenciada. Uma diz que agora sim os negros estadunidenses farão a revolução há tempos desejada, desde os grandes líderes da luta por igualdade de direitos até os mais radicais como os Panteras Negras. Isso claramente não está dado, mas pode estar, caso os protestos avancem para discussões mais profundas e mobilizem ainda mais gente. 

A segunda linha diz que é só mais um levante, entre tantos dos que já aconteceram, que apenas reivindicam inclusão na sociedade capitalista. A falta de consciência de classe é apontada como o grande entrave das mudanças estruturais, visto que os protestos pedem mudanças na polícia, mas não no sistema, deixando a estrutura intocada.

Para a professora Cris Sabino, do Serviço Social da UFSC, dizer que a luta do povo preto não está vinculada às mudanças estruturais é totalmente injusta e só denota desconhecimento da realidade. Segundo ela, um negro, aqui no Brasil ou nos EUA, sabe que para que o racismo se acabe é preciso que as mudanças aconteçam no mais profundo das coisas, afinal, ele se expressa em tudo, desde a impossibilidade do acesso a questões básicas, como saúde e educação até o sistemático processo de extermínio. “O negro precisa estar o tempo todo lutando para se manter vivo, para ser tratado como um ser humano e não ser exterminado como um bicho. É um equívoco então dizer que os negros não pautam a luta de classe. A base da luta do povo negro é ter condições de igualdade perante a sociedade e a gente sabe que isso não vai acontecer sem uma mudança estrutural. Veja que quando as pessoas negras se movimentam elas movimentam toda a base da sociedade. O que falta, na verdade, é que os demais movimentos tradicionais e sindicais, pautem o racismo, isso sim”. 

Nos Estados Unidos, em meio à comoção provocada pela violência contra George Floyd,  boa parte dos governantes – governadores, prefeitos, congressistas – têm se posicionado a favor da pauta dos manifestantes no que toca a reformar as polícias e já se fala até em excluir dos protocolos de abordagem o tal do estrangulamento que acabou matando George. Mas, não se vê qualquer deles falando em mudar a estrutura do poder repressor, muito menos a sociedade como um todo. Os candidatos presidenciais, por exemplo, desviam o tema estrutural. De Trump, nada se espera, e o candidato democrata Joe Biden já declarou que não vai reduzir orçamento para as polícias. Ou seja, os partidos da ordem não têm propostas para os conflitos raciais, que se expressam mais concretamente na relação comunidade x polícia. Isso também pode ser percebido na relação da polícia, não apenas com os negros, mas também com os imigrantes de toda cor: latinos, árabes, chineses, etc… O racismo seguirá intacto, a menos que os protestos encontrem outros elementos de luta que mantenham as pessoas – negras e não-negras – mobilizadas e dispostas a mudanças maiores do simplesmente um protocolo de abordagem. 

 

As mortes negras e o Estado racista

 

No Brasil, por exemplo, onde o extermínio do povo negro é uma realidade cotidiana nas grandes e médias cidades, que protocolos poderiam ser mudados? Não atirar 80 vezes num carro em movimento com uma família dentro? Não atirar mais de 70 balas em uma casa particular onde adolescentes negros estão jogando vídeo-game? Não sumir com os corpos negros, como o do Amarildo? 

Agora, durante o caos gerado por uma estudada e planejada “incompetência” do governo federal no enfrentamento ao novo coronavírus, são os corpos negros os que estão pagando o preço alto da morte. São eles – em maioria – que estão nas ruas, trabalhando, e são eles os que ficam à espera de respiradores em postos de saúde, muitas vezes por dias, sem conseguir. Número do Sistema Único de Saúde mostram que 67% dos usuários são negros e uma boa parte pertencente ao grupo de risco, com diabetes, tuberculose, hipertensão e doença renal.

O racismo estrutura a sociedade capitalista: nos países do centro do sistema por terem sido os traficantes de gente, e nos países de periferia por terem sido os espaços onde os povos originários foram violados e os negros sequestrados da África amargaram a dor de ser escravizado. Esses, depois da chamada libertação, foram lançados no mundo sem o direito à propriedade, o que, de cara, já colocou uma pedra gigante na proposta de igualdade de direitos. Como ter igualdade no capitalismo sem propriedade? Impossível. Nos Estados Unidos, um dos pais da Pátria, Thomas Jefferson, tinha como proposta mandar embora do país todos os negros libertos, porque tinha medo que eles tivessem de roubar para sustentar-se, visto que obviamente formariam um bloco de miseráveis. 

Assim que os protestos dos negros nos Estados Unidos, bem como em todo o mundo são efetivamente uma chispa perigosa para o sistema, mas que precisa de mais lenha para queimar até colocar em queda o racismo estrutural. 

Não existem raças, existe racismo

 

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