Zona Curva

Réquiem para Diego

Ontem foi um dia que chorei um bocado. Cada vez que entrava na internet e via algum escrito sobre Diego Maradona, era uma sensação de perda profunda e dolorida. O Maradona era um cara especial. Um tipo que ficou famoso e poderia ter simplesmente vivido sua fama, sua grana, tornando-se um babaca como tantos que conhecemos.

Não é fácil sair da pobreza, conquistar o mundo e não se perder. Diego perdeu-se em muitas coisas. Álcool, drogas, mulheres. Sabe-se lá que dores o atormentavam. Sabe-se lá se foi apenas deslumbramento. O pequenino de Lanús aproveitou a vida à larga. Teve seus ataques, mostrou sua sombra, expôs os demônios. E ele poderia ter ficado nisso. Mas, não.

Diego decidiu caminhar pelas estradas conflagradas. De repente, lá estava ele com Fidel, o demônio comunista. Declarava seu amor à Cuba e tatuava-se com a cara do Che, seu irmão geográfico. E amou Chávez, e amou o bolivarianismo, e se misturou com as gentes sofridas desse imenso continente. Diego latino-americano, Diego cubano, venezuelano. E ficou feliz com Mujica, com Lula, com os Kirchner, com Evo. Maradona caminhava pelas nossas estradas, sonhava os sonhos da gente, de uma Pátria Grande, de uma Abya Yala soberana. Diego era parça.

Diego Maradona já era um saco de pancadas pela forma como vivia. Não precisava achar mais motivos para ser demonizado. Mas não se achicou (apequenou). Mostrou-se na sua inteireza, como um sujeito político, como um homem engajado, e levantou as bandeiras que acreditava serem necessárias para as gentes latino-americanas. Diego foi pura paixão. Pelo futebol, pela Argentina, por Nuestra América. Por isso essa tristeza. Encantou um irmão. Cheio de defeitos, de ambiguidades e contradições, mas absolutamente certo acerca do que deveria amar.

maradona esquerda
MARADONA – O sírio Aziz Asmar pintou ontem a imagem do ex-jogador na parede de um prédio em escombros na cidade de Binnish, noroeste da Síria (fonte: jornal Extra)

Não é sem razão que hoje choram os amantes do futebol, os argentinos, os cubanos, venezuelanos, bolivianos, uruguaios, equatorianos, colombianos, paraguaios, peruanos, brasileiros, salvadorenhos, guatemaltecos, nicaraguenses, enfim, todos os que aprenderam a amá-lo, em campo e fora dele.

Diego foi um deus do futebol, e poderia ter ficado ali, naquele pedestal inútil de conversinha mole. Mas não, ele desceu, fez-se irmão, parceiro, amigo. Fumava charuto cubano, usava boné com estrela, sapateava na cara dos que apenas o queriam como um macaquinho amestrado.

Diego viveu. Atormentado, sofrido, mas também alegre, pleno, cheio de amor por esse mundo ainda não-visto, ainda não-constituído, mas que caminha em cada um de nós que coloca seu tijolinho na luta pelo mundo novo. esse meio-dia que virá.

Que as nossas lágrimas lavem todas as suas trapalhadas e que ele possa entrar no céu dos bons, abençoado pela Compadecida de Suassuna. E que lá de cima, com seus parceiros de vida que também já encantaram, sopre segredos para que possamos enfrentar melhor a caminhada.

Gracias, gordo, gracias… por ter escolhido nossa gente em vez de ficar na indiferença.

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