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Antonio Callado vislumbrou um país mais justo com as Ligas Camponesas antes do golpe de 64

Bem-vindo ao Fatos da Zona, onde adaptamos os textos mais acessados do site do Zonacurva Mídia Livre para o audiovisual. Neste vídeo, falamos das Ligas Camponesas, movimento em prol da reforma agrária e contou com a ajuda da Igreja Católica e do Partido Comunista Brasileiro e de lideranças como Francisco Julião e João Pedro Teixeira.   por Fernando do Valle Antonio Callado – No início dos anos 60, uma revolução social se desenhava em Pernambuco com a luta por justiça social pelas Ligas Camponesas. Milhares de camponeses se organizaram em prol da reforma agrária com a ajuda da Igreja Católica e do Partido Comunista Brasileiro e de lideranças como Francisco Julião e João Pedro Teixeira (cuja história foi contada com maestria por Eduardo Coutinho no documentário Cabra Marcado para Morrer). Entre 7 de dezembro de 1963 e 19 de janeiro de 1964, o jornalista e escritor Antonio Callado publicou uma série de reportagens no Jornal do Brasil sobre o movimento reunidas no livro Tempo de Arraes – padres e comunistas na revolução sem violência. Poucos meses antes, Miguel Arraes havia sido eleito governador de Pernambuco e deu suporte às Ligas. Callado já tinha realizado reportagens para o Correio da Manhã em 1959 em Pernambuco sobre o movimento camponês que combatia os desmandos dos coronéis e latifundiários. Animado com o que viu por lá, Callado vaticinou meses antes do golpe: “sob a liderança de Miguel Arraes, Pernambuco se dedicara a mais escassa das atividades deste país: a de fazer História”. Em 1967, Callado publicou Quarup, livro genial que desvenda o Brasil real através das agruras de Nando, um padre idealista, que se dedica à defesa de índios e camponeses. Entre as medidas que contaram com o apoio de Arraes e favoreceram os trabalhadores no campo, houve a aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural, que entre outras medidas, aumentava em 150% a diária paga aos camponeses da zona canavieira de Pernambuco, que passaram também a ter direito ao 13º salário. O governador Arraes também modificou o trabalho policial, uma das principais engrenagens que mantinha tudo sempre igual há muito, muito tempo. Se antes, a polícia funcionava praticamente como uma tropa exclusiva em defesa dos interesses dos latifundiários e donos de engenhos, agora seus integrantes agiam em defesa do Estado de Direito, respeitando todos, principalmente os mais pobres. “Quem quiser matar camponeses, tem de fazê-lo por conta própria”, sentenciava Callado, denunciando os crimes cometidos pela polícia pernambucana. O convívio com os camponeses das Ligas e o caráter pacífico do movimento enchiam o jornalista Callado de esperança. Ele rechaça o quadro de caos e violência propagado pelos setores conservadores, segundo ele, a situação em Pernambuco “não parece em absoluto encaminhar-se para a guerra civil e sim para uma extrema democratização do Estado”. Óbvio ululante que os latifundiários não embarcaram no entusiasmo de Callado e a reação foi na base da bala para a manutenção do status quo vigente. Entre os resistentes, encontramos Alarico Bezerra, “espécie de latifundiário de literatura de cordel”, que não se conformava com os novos direitos dos trabalhadores como o salário mínimo, 13º salário e indenização pra quem abandonasse suas terras. Com a debandada dos trabalhadores, seu genro sugeriu que ele arrendasse o engenho para outro, Alarico Bezerra revidou: “seu comunista!”. O dono do engenho foi embora para Recife sem pagar os trabalhadores. “O Brasil é um país tão tímido que até hoje não tem História nenhuma. Só temos golpes, a História feita às pressas, envergonhadamente… Pernambuco tomou nojo do Brasil, da injustiça social que a gente procura esconder” (Antonio Callado). A primeira Liga Camponesa surgiu no engenho Galileia, em Vitória de Santo Antão, a 53 quilômetros da capital pernambucana, em 1955. A propriedade congregava 140 famílias de foreiros (trabalhadores que pagam uma taxa para o dono da terra) que não conseguiam mais pagar o valor cobrado pelo proprietário. Aqui vale lembrar o estado de abandono que vivia a população nordestina na época. Só para citar um exemplo, dez anos antes, em 1945, um em quatro bebês morria em Salvador antes de completar um ano. Se em uma das cidades mais importantes da região, a situação era essa, no interior a extrema pobreza, a fome e o analfabetismo eram a rotina de um cenário social dramático. Diante da difícil situação, os trabalhadores rurais fundaram a Sociedade Agrícola e Pecuária de Plantadores de Pernambuco (SAPPP), a elite local passou a chamá-la de liga de forma pejorativa, pois assim eram chamadas algumas tentativas de organização camponesa que não vigaram na década de 40. O nome vingou e a SAPP passou a ser conhecida como Liga Camponesa, e outras semelhantes começaram a surgir em Pernambuco e na Paraíba. O advogado Francisco Julião, que já atuava desde a década de 40 em defesa dos direitos de camponeses, foi chamado para assessorar a formação da Liga Camponesa da Galileia e o nome de Julião passou a ser identificado ao movimento das Ligas. Muitos até hoje ainda acreditam que foi Julião o fundador da Liga da Galileia, o próprio Julião esclarece que foi procurado por um grupo de camponeses com certa militância política. Segundo ele, uma comissão foi à sua casa e propôs que ele assessorasse o grupo, Julião aceitou de pronto. Como em 1954, Julião havia sido eleito deputado estadual pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro), seus discursos na Assembleia Legislativa em defesa de justiça no campo o tornaram símbolo do movimento. Em 1958, Julião foi reeleito com consagradora votação e em 1959, venceu o processo judicial que garantiu a posse das terras do engenho da Galileia para seus moradores, baseando-se em uma lei recém-promulgada que determinava a desapropriação da propriedade com pagamento de indenização ao antigo dono. “Já foi há quatro anos que procuraram Julião no Recife. Sua revolução modesta é hoje uma realidade nacional. Mil pessoas e um bacharel fizeram uma Revolução Francesa em algumas centenas de hectares de terra de cana no Brasil. Julião registrou como sociedade de fins beneficentes a associação dos lavradores (Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco, que

O resumo de tempos idos (ou não) com o cartunista Fortuna

Com economia de traços, os desenhos de Fortuna sintetizavam com fina ironia o cenário político e comportamental brasileiro. Seus trabalhos ocuparam as páginas da imprensa, tanto da alternativa como da tradicional, entre os anos 60 e 90: PIF-PAF, O Cruzeiro, O Pasquim, Correio da Manhã, Folha de S Paulo, Senhor, entre outras. O cartunista e professor Gilberto Maringoni conta que para conseguir desconto no preço dos cartuns de Fortuna, alguns editores o provocavam: “você fez isso em quinze minutos”. Ele retrucava: “fiz em quarenta anos mais quinze minutos, que foi o tempo necessário para eu chegar a essa síntese”.   Fortuna, segundo o PIF-PAF: “Seu nome foi roubado à famosa deusa de Famagusta, aquela que tem na mão a Cornucópia – com licença da palavra. Fortuna é realmente um humorista nato. Muita gente preferia que fosse um humorista morto mas ele ainda chega lá. Em criança também tinha mania de fazer brincadeiras com os pais, das quais ainda conserva inúmeras cicatrizes. Até hoje continua roxo por uma piada, sobretudo no dia seguinte. Com pouco mais de trinta anos, já é descendente, vivo e antepassado. Vive com a mulher no regime de separação de bens (“Meu bem prá cá meu bem pra lá”). Tem um filho enorme, o que prova que mesmo um subdesenvolvido é capaz de grandes coisas quando as faz com amor”. Leia texto sobre o PIF-PAF, revista que mostrou os caminhos para a imprensa independente. Fortuna viveu até seus 14 anos em São Luís onde nasceu. Na capital maranhense, subia as ladeiras à procura do semanário A Manha, do Barão de Itararé  nas bancas de jornais, não perdia um exemplar. Filho único, mudou com a mãe para o Rio de Janeiro após perder o pai. Ainda adolescente, publicou seus primeiros trabalhos na revista infantil do Sesi (“Sesinho”) e A Cigarra no final da década de 40. Uma década depois, fez parte da revista Senhor, que marcou época na imprensa. 10 grafites para (tentar) entender o hoje Nos anos 50, o trabalho de Fortuna foi influenciado pelo romeno Saul Steinberg, reconhecido como um dos maiores chargistas do mundo, principalmente pelo seu trabalho na revista New Yorker. Em 1964, no PIF-PAF, Fortuna ironizava os militares e o golpe de Estado. No início dos anos 70, Fortuna muda-se para São Paulo e assume a direção da redação da revista Cláudia, onde dava conselhos às leitoras sob o pseudônimo de Ana Maria. Fortuna morreu no dia 5 de setembro de 1994, aos 63 anos, de um fulminante ataque cardíaco, em São Paulo. No ano passado, o caricaturista Cássio Loredano com a ajuda do filho de Fortuna, Felipe, organizou o trabalho do desenhista no livro Fortuna – o cartunista dos cartunistas pela editora Pinakotheke. Charges no período da ditadura militar:  

10 músicas contra a ditadura militar (2)

Bem-vindo ao Fatos da Zona, onde adaptamos os textos mais acessados do site do Zonacurva Mídia Livre para o audiovisual. O PRIMEIRO DEU TÃO CERTO QUE VOLTAMOS COM MAIS! Com a segunda lista de mais 10 músicas icônicas contra a ditadura militar (1964-1985). MÚSICAS CONTRA A DITADURA – Após a publicação do texto com 10 músicas contra a ditadura militar em julho, recebemos dos leitores algumas sugestões de outras músicas do período que desafiavam o governo autoritário. Através dessas sugestões e de pesquisa, selecionamos mais 10 canções emblemáticas do período, vamos a elas: 10º “Pesadelo” (Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro)- Inocentes As primeiras bandas punks brasileiras como Inocentes e Cólera só surgiram entre o final dos anos 70 e o início da década de 80 e chegaram para gritar a revolta após duas décadas de regime totalitário. No segundo disco dos Inocentes, Adeus Carne, a banda gravou sua versão de Pesadelo, escrita em 1972 por Paulo César Pinheiro e Maurício Tapajós que dava um recado direto ao regime da época: “você corta um verso/eu escrevo outro/você me prende vivo, eu escapo morto/de repente olha eu de novo/perturbando a paz, exigindo troco”. Punk. Paulo Cesar Pinheiro explica como conseguiu ludibriar a censura: “mandei essa música no meio de um bolo que a Odeon [gravadora musical]  sempre mandava. Era um período em que havia muito material para mandar. Tinha um disco do Agnaldo Timóteo, com aquelas canções derramadas, e outras coisas românticas. Pedi a um funcionário da casa que enfiasse Pesadelo no meio desses discos. Assim, a música veio liberada. E o MPB-4 a gravou”.    9º “Nada será como antes” (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos) – Milton Nascimento e Lô Borges “Que notícias me dão dos amigos?/Que notícias me dão de você?” explicitavam os tempos de incerteza do ano em que a música foi composta: 1972. Lançada no álbum duplo Clube da Esquina que revelou uma nova safra de músicos mineiros como Milton, e Lô Borges, Nada Será como Antes homenageia aos que não esmoreciam: “resistindo na boca da noite um gosto de sol”.   8º “E vamos à luta” (Gonzaguinha) – Gonzaguinha  O cantor Gonzaguinha figurava entre os mais perseguidos pela censura do regime militar e escreveu em 1980 E Vamos à Luta como uma homenagem aos que resistiam há 16 anos os arbítrios da ditadura militar. A canção foi muito tocada no final dos anos de chumbo e no processo de redemocratização do país. A música faz parte do álbum De Volta ao Começo. Se estivesse vivo, o cantor completaria hoje 70 anos. 7º “Disparada” (Geraldo Vandré e Theo de Barros) – Jair Rodrigues Um dos compositores de Disparada, Geraldo Vandré, quase barrou Jair Rodrigues como intérprete da música no Festival de Música Brasileira de 1966. Vandré confessou para Solano Ribeiro, organizador do festival, que “Jair ia cantar esse negócio rindo”. Vandré estava enganado, a interpretação de Jair Rodrigues imortalizou a música como um dos hinos de protesto contra a ditadura militar. O cantor ainda dividiu o primeiro lugar do festival com Nara Leão, que interpretou “A Banda”, de Chico Buarque. A emblemática performance de Jair da canção que narra o despertar da consciência política de um vaqueiro que “aprendeu a dizer não” pode ser explicada pela lembrança de seu pai, Severiano Rodrigues de Oliveira, boiadeiro que segundo Jair, “morreu no lombo de um burro”.   6º “Jorge Maravilha” (Julinho da Adelaide) – Chico Buarque Pra driblar a censurar, Jorge Maravilha e outras músicas foram escritas por Chico Buarque sob o pseudônimo Julinho da Adelaide. Mesmo já desmentido por Chico, a música carrega a lenda de que o compositor a escreveu para Amália, filha do ditador Ernesto Geisel, que gostava do cantor. O verso “você não gosta de mim, mas sua filha gosta” na verdade tem relação com a filha de um contínuo do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), órgão de repressão política. Em entrevista a Folha de S Paulo em 1977, Chico explicou: “fui detido por agentes de segurança no DOPS e no elevador o cara pediu autógrafo para a filha dele. Claro que não era o delegado, mas aquele contínuo de delegado”. O público ouviu a música pela primeira vez quando Chico participou do espetáculo “O Banquete dos Mendigos”, projeto idealizado e dirigido pelo músico Jards Macalé, em 10 de dezembro de 1973 no Museu de Arte Moderna do Rio. Leia texto aqui no blog sobre Julinho da Adelaide.    5º “Primavera nos Dentes” (João Ricardo e João Apolinário) – Secos e Molhados Imagino os militares indignados com aquele “grupo transviado que desencaminhava a juventude”, mas não era só na maneira de dançar de seu líder, Ney Matogrosso, ou na roupa e maquiagem que os Secos e Molhados incomodavam o status quo. Primavera nos dentes (1973), composta por João Ricardo, integrante do grupo, e seu pai, João Apolinário é um rock psicodélico com uma letra com apenas o belo verso que grita: “quem tem consciência para ter coragem/quem tem a força de saber que existe/e no centro da própria engrenagem/inventa a contra mola que resiste/ quem não vacila mesmo derrotado/quem já perdido nunca desespera/e envolto em tempestade decepado/entre os dentes segura a primavera”.   4º “Opinião” (Zé Keti) – Nara leão, Zé Keti e João do Valle “Podem me prender, podem me bater… que eu não mudo de opinião”. Premonitória do que a juventude enfrentaria após o golpe militar, a música foi composta pelo carioca Zé Keti em 1964 e nomeou o show de teatro musical que era uma parceria entre o Teatro de Arena e o CPC-UNE (Centro Popular de Cultura da União Nacional de Estudantes). Na verdade, Zé Keti compôs a canção como resistência ao governo do Estado do Rio de Janeiro que pretendia expulsar as favelas dos morros da capital. Usada como hino de resistência à ditadura, a música foi censurada em 1968. 3º “Carcará” (João do Vale e José Cândido) – Maria Bethânia ou Nara Leão Composta pelo maranhense João do Vale e José Cândido, a música Carcará (1965) fez parte do espetáculo Opinião que marcou

A ideologia trabalhista em prol do desenvolvimento nacional

por Cássio Moreira Partindo da visão de Moniz Bandeira que o trabalhismo é a versão brasileira da social-democracia europeia, escrevi em artigos anteriores que o PT, a partir de 2006-2007, começou a se tornar um partido trabalhista (social-democrata). O PT surgiu fruto da organização sindical de operários no final da década de 1970, dentro do vácuo político criado pela repressão do regime militar aos partidos comunistas tradicionais e aos grupos armados de esquerda existentes. Desde a sua fundação, apresenta-se como um partido de esquerda que defende o socialismo como forma de organização social. Contudo, seu principal líder nunca defendeu abertamente esse pensamento. Durante boa parte da sua existência, sempre teve uma postura crítica ao reformismo dos partidos políticos social-democratas (trabalhistas). Sempre houve uma certa rivalidade entre os dois, entretanto muito é verdade por falta de compreensão histórica do antigo PT. Considero um erro histórico o PT e Lula não terem apoiado Brizola à presidência da república em 1989. Embora, após a redemocratização, foi o partido herdeiro das massas do velho PTB, foi apenas a partir do final do primeiro mandato do governo Lula que passou a tornar-se um partido social-democrata. De um primeiro governo (2003-2006) social-liberal passou a ganhar contornos de partido social-democrata (trabalhista) no segundo mandato de Lula (2007-2010). O Brasil mudou muito nesses últimos 15 anos. Pela primeira vez conseguimos manter um período de crescimento com distribuição de renda. As políticas de inclusão social foram os grandes méritos desses governos. Entretanto, muitas questões ainda estão na pauta do dia. Como reformas estruturais e a desindustrialização do país. Se é verdade que o saldo dos governos do PT são mais do que positivos, o saldo negativo é um profundo desgaste político, com a ausência injustificada de melhores comunicações sociais que alimentam a crise econômica atual. Natural para um partido que há tanto tempo está no poder e que é atacado de forma articulada e sistêmica pelos meios de comunicação, cujo objetivo principal é desconstruir um partido para barrar um projeto nacional de desenvolvimento. O desafio posto é como manter e aprofundar um projeto trabalhista num contexto político cada vez mais conservador. A questão chave é continuar o projeto, e aprofundá-lo, trocando o partido que o encabeçará? Além da possível candidatura de Lula do PT para 2018, surge uma nova esperança nas forças progressistas: o casamento perfeito entre Ciro Gomes e PDT. O primeiro pode ter trocado de partido várias vezes, mas nunca trocou de lado. O segundo é o herdeiro teórico do trabalhismo autêntico e um partido orgânico e, conjuntamente com seu irmão, o PT, com a construção teórica de esquerda. A união da esquerda progressista em prol de um projeto nacional de desenvolvimento O PT vive, assim como os demais partidos, um problema de renovação de quadros. O fato de ser governo traz ao partido uma tendência de ir perdendo espaço no campo eleitoral. Seria muito bom, inclusive para o próprio PT, que surgissem forças políticas consistentes à sua esquerda. Infelizmente, as alternativas existentes ainda não conseguiram superar o pragmatismo, a falta de um projeto consistente e viável à esquerda (baseado na doutrina trabalhista, pois esse é o único projeto viável de esquerda dentro do espectro capitalista) e a obsessão em eleger o PT como principal adversário. O PDT pode e deve ser essa alternativa. Mas pra isso não deve ser uma alternativa ao PT ou antipetista, e sim uma alternativa de esquerda e não ao PT. Deve crescer cada vez mais ao lado do PT e, aos poucos e de forma natural, ser a continuação (e o aprofundar) desse projeto trabalhista em curso (inclusive com o apoio do próprio PT). Esse projeto trabalhista atual tem como núcleo o fortalecimento do Estado, da distribuição de renda. O PDT é um partido que pode, finalmente, construir condições para avançar para as sempre atuais Reformas de Base.  Leia texto do autor deste texto no jornal Correio do Povo sobre Jango e as Reformas de Base. Em síntese, o projeto trabalhista iniciou com Vargas, depois houve uma tentativa de aprofundamento com Goulart do PTB antigo, e estava sendo resgatado com Lula-Dilma do PT até a crise política de 2015. Mas deve ser continuado com Ciro Gomes e o PDT. Conforme palavras da presidenta Dilma na campanha em 2010: ”Nós podemos dizer hoje que somos a continuidade desse processo” (referindo-se a história do trabalhismo) e cita que o objetivo do seu governo é mesmo do governo do ex-presidente João Goulart: “promover progresso com Justiça, desenvolvimento com distribuição de renda”. Em outro discurso na campanha de 2014 faz questão de citar conquistas sociais e econômicas promovidas pelos governos dos presidentes Getúlio Vargas e João Goulart – como a criação da Petrobras, da Vale do Rio Doce e do BNDES e, também, a permanente luta de Brizola e Darcy Ribeiro pela educação pública de qualidade. Dilma salienta a importância e o legado de Getúlio Vargas. “Sem ele não teríamos o Estado nacional e a sua estrutura que temos hoje”. Sobre João Goulart, classificou-o como “um democrata que construía consensos” e que colocou no centro dos debates pautas que até hoje são exigidas pela população. Para definir Darcy Ribeiro, Dilma afirmou que foi “o homem capaz de pensar a Universidade de Brasília, como ela é hoje, e de também projetar os Cieps (Centros Integrados de Educação Pública)”. Por fim, emocionada, referiu-se a Leonel Brizola como o político da legalidade e que “deu início a política de expansão da educação”. Continua, citando que uma das maiores contribuições do PT a esse projeto é a diminuição das desigualdades sociais alcançada nos últimos anos. Segundo ela, houve um aumento expressivo do salário mínimo real. “Enquanto a renda per capita cresceu para os mais pobres, daqueles que saíram da miséria e ascenderam socialmente. Por isso, conseguimos diminuir as desigualdades sociais (que é um problema histórico) nos últimos anos”, enfatizou. Nesse mesmo discurso a presidenta associou a antiga União Democrática Nacional (UDN) (que fazia oposição aos governos de Getúlio e de Jango) com os principais oposicionistas ao governo do PT que

10 músicas contra a ditadura militar

Bem-vindo ao Fatos da Zona, onde os textos mais acessados do site do Zonacurva Mídia Livre. Neste vídeo, apresentamos 10 músicas icônicas que se tornaram verdadeiras expressões de resistência e liberdade durante esse período sombrio. Embarque em uma jornada nostálgica e emocionante, enquanto exploramos o poder da música como forma de protesto.   Naqueles tempos bicudos da ditadura militar, a música denunciava na lata ou de forma velada os arbítrios cometidos pelo regime. O ritmo não importava, podia ser o samba, o rock, o forró, a MPB ou outro, juntos formavam um verdadeiro repertório de resistência cultural. Sem dúvida, os anos 60 e 70 foram um dos períodos de maior criatividade na música brasileira. Se o grito ficava represado na política, o canto serviu como válvula de escape catártica que nos afastava do clima insuportavelmente pesado criado pelos generais e sua repressão, tortura e censura. Aí vai a lista de 10 músicas que marcaram época no período:  10 º “Eu quero é botar meu bloco na rua” (Sérgio Sampaio) – Sérgio Sampaio A galera do desbunde, como ficou conhecido o pessoal, que seguia os preceitos da contracultura em seu comportamento, adotou essa música como seu hino contra a ditadura militar. Eu quero é botar meu bloco na rua participou do IV Festival Internacional da Canção (FIC) em 1972 e fez grande sucesso no carnaval de 1973. Contratado pela gravadora CBS no início de 1971, o músico tornou-se amigo e parceiro musical de Raul Seixas, que logo providenciou para que ele e seu irmão Jorge (Dedé Caiano) fizessem parte do coro de gravações de Renato e seus Blue Caps e outros artistas da gravadora. A música integra o disco homônimo do músico capixaba que foi produzido por Raul Seixas. Sampaio morreu em 15 de maio de 1994 no Rio de Janeiro.   9º “Perseguição” (Mais forte são os poderes do povo) (Sérgio Ricardo/Glauber Rocha) – Sérgio Ricardo “Mais forte são os poderes do povo”, o grito épico de Corisco em Deus e o Diabo na Terra do Sol, filme de Glauber Rocha de 1964, ano do golpe civil-militar, foi premonitório da luta que se avizinhava. Os coronéis e seus jagunços agora tinham como aliados os militares. O músico Sérgio Ricardo, conhecido bossa-novista na época, foi convidado por Glauber para a realização da trilha sonora do filme. Alertado por Glauber de que a música nordestina não era sua praia, Glauber emprestou para Sérgio fitas com músicas de cantadores gravadas em feiras no interior da Bahia. A força da música nordestina, o talento de Sérgio e o a genialidade de Glauber resultaram em uma das cenas mais bonitas da história do cinema:     8º “Cálice” (Chico Buarque e Gilberto Gil) – Chico Buarque e Gilberto Gil O show Phono 73 reuniria duplas de artistas da gravadora Phonogram em maio de 1973. Para o show, Gil e Chico compuseram Cálice no apartamento de Chico em frente à Lagoa Rodrigo de Freitas (“o monstro da lagoa”) bebendo fernet (“essa bebida amarga”) em uma sexta-feira da Paixão. Quando os dois tentaram cantá-la no show no Palácio das Convenções do Anhembi, o som do microfone de Chico foi cortado.  A música faz alusão à oração de Jesus Cristo dirigida a Deus no Jardim do Getsêmane: “Pai, afasta de mim este cálice”. A canção explorou o duplo sentido da palavra cálice que podia significar também cale-se, referência explícita à censura e a repressão. A censura impede que Chico e Gil cantem Cálice no show Phono 73:   Chico canta Cálice com Milton Nascimento:    7º “Sinal fechado” (Paulinho da Viola) – Paulinho da Viola Em dezembro de 1968, o AI-5 avermelhou o sinal de vez e endureceu ainda mais a censura e a repressão. No ano seguinte, 1969, Sinal Fechado venceu o V Festival da Record. A música expressa o desencontro de uma geração que luta para encontrar saídas em uma sociedade cada vez mais sufocada. A esperança que resta está em um “lugar no futuro” já que o presente era sombrio.   6º “É proibido proibir“ (Caetano Veloso) – Caetano Veloso e os Mutantes O rock psicodélico de Caetano foi considerado uma crítica ao militante tradicional da esquerda universitária da época. O título da música foi retirada das pichações dos muros parisienses nas manifestações estudantis de maio de 1968. Em setembro de 1968, Caetano Veloso e os Mutantes apresentaram a música no Festival Internacional da Canção, o FIC, no teatro TUCA, na PUC-SP, e recebem uma sonora vaia do público. Caetano peitou a galera e fez um discurso que ficou até mais conhecido que a canção:  “Mas é isso que é a juventude que quer tomar o poder? Vocês tem coragem de aplaudir, este ano, uma música, um tipo de música que vocês não teriam coragem de aplaudir no ano passado! São a mesma juventude que vão sempre matar o velhote inimigo que morreu ontem! Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada… Se vocês forem em política como são em estética, estamos feitos!” Ouça a música e o discurso de Caetano: https://www.youtube.com/watch?v=4xEz2uva_ZE   5º “Mosca na sopa” (Raul Seixas) – Raul Seixas Raulzito também meteu sua colher na sopa amarga da ditadura militar. Com humor e referências a pontos usados na umbanda e candomblé, Raul avisava aos militares que a repressão não ia calar as vozes contra o governo já que “você mata uma e vem outra em meu lugar”. A música é do disco Krig-há, Bandolo! de 1973. Em entrevista em 1988, Raul relata como foi preso e torturado em 1974.   4º “Que as crianças cantem livres” (Taiguara) – Taiguara Taiguara, em tupi, quer dizer “livre, senhor de si”. Nascido no Uruguai, Taiguara mudou-se ainda criança para o Rio de Janeiro e se apresentou nos festivais dos anos 60 e 70. O cantor foi um dos mais censurados pelos militares no poder, só no período entre 1970 e 1974, teve 48 canções vetadas. Que as crianças cantem livres faz parte do álbum “Fotografias”, de 1973. Na música, Taiguara revela a esperança de tempos melhores: “e

Corrupção na construção da usina de Itaipu pode ter motivado a morte do embaixador José Jobim

O Instituto João Goulart encaminhou no final de novembro denúncia ao Ministério Público Federal do Rio de Janeiro sobre a suspeita de que o embaixador José Jobim foi assassinado por agentes da ditadura militar em março de 1979. Poucos meses antes de sua morte, o embaixador declarou para políticos em Brasília que escrevia suas memórias em que denunciaria o esquema de corrupção na construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu. José Jobim foi sequestrado em frente à sua casa em 22 de março de 1979. Dois dias depois, seu corpo foi encontrado no bairro do Cosme Velho, na cidade do Rio de Janeiro. Segundo a investigação do delegado Rui Dourado, Jobim se enforcou com uma corda. A hipótese é refutada pela filha do embaixador, a advogada Lygia Jobim, que busca a verdade sobre a morte do pai há 35 anos. O documentário Itaipu, a quem interessa e escuridão? fornece mais informações sobre o possível assassinato do embaixador: Em 1964, José Jobim foi enviado pelo presidente João Goulart ao Paraguai para acertar junto ao governo daquele país a compra de turbinas russas. José Jobim foi um diplomata experiente com longa carreira no Itamaraty e ocupou cargos nas embaixadas da Colômbia, Vaticano, Argélia e outras. Após o golpe civil-militar de 64, o consórcio brasileiro e paraguaio responsável pela obra cancelou as negociações com os russos e comprou equipamentos da multinacional Siemens. O projeto ‘Sete Quedas’ de João Goulart, orçado em 1,3 bilhão de dólares, foi substituído por outro que custou dez vezes mais, R$ 13 bilhões de dólares. O primeiro presidente da Itaipu Binacional foi o militar Costa Cavalcanti da linha dura entre os golpistas. Ele conspirou contra Jango, considerava branda a posição política do general Castelo Branco e foi um dos articuladores da candidatura de Costa e Silva à presidência. Votou a favor da implantação do AI-5 em 13 de dezembro de 1968, na época, ocupava o cargo de ministro de Minas e Energia. Por pressão do governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, as investigações sobre a morte de José Jobim foram reabertas em 1983. A promotora Telma Musse Diuana foi designada para cuidar do caso e solicitou novas investigações à polícia, baseando-se na “dubiedade do laudo que concluiu pelo suicídio”. Um inquérito foi finalmente instaurado, o qual considerou os fatores da morte do embaixador “todos incompatíveis com a hipótese adotada pelos legistas oficiais”. O processo acabou arquivado em 1985, sendo a morte de Jobim qualificada de “homicídio por autor desconhecido”. https://www.zonacurva.com.br/em-1970-os-tupamaros-de-mujica-contra-dan-mitrione-o-mestre-da-tortura/ Médici corrupto  

Como ministro de Vargas, Jango revelou as entranhas do Brasil

Bem-vindo ao Fatos da Zona, em que adaptamos os textos mais acessados do site do Zonacurva Mídia Livre. Neste vídeo, mergulhamos na vida e na trajetória política do presidente João Goulart, líder progressista que enfrentou desafios e lutou incansavelmente por justiça social no Brasil. Conheça a história desse presidente popular e suas políticas transformadoras que buscavam garantir direitos trabalhistas e combater as desigualdades.   Jango – Com apenas 34 anos, João Goulart assume o relevante à época Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em junho de 1953, no governo Getúlio Vargas, e passa a receber em seu gabinete pessoas humildes e sindicalistas, muitos deles negros. A reação a nomeação do ministro foi imediata: empresários, militares e imprensa passam a orquestrar uma verdadeira campanha para derrubá-lo. O mandato de Jango como ministro durou apenas 8 meses e mostrou como a proximidade de trabalhadores à esfera do poder politico incomoda uma camada de privilegiados que enxerga o Estado como sua propriedade. Hoje o duro enfrentamento que veio à tona a poucos dias do segundo turno da eleição presidencial demonstra, apesar de nosso considerável amadurecimento democrático das últimas duas décadas, como a sociedade brasileira ainda não equalizou muitas de suas contradições. A oposição a Jango ainda está à espreita e metamorfoseou-se em defensora do MERCADO como a tábua de salvação de nossos ainda sérios problemas. Em 1953, a principal proposta do ministro previa aumento que dobrava o salário mínimo para 2.400 cruzeiros. A virulenta reação da oposição, principalmente dos quartéis, assustou o governo. Para evitar riscos ao mandato de Getúlio, seu padrinho político, João Goulart deixa o ministério em fevereiro de 54 e declara: “os trabalhadores podem ficar tranquilos, porque prosseguirei ao lado deles, mudando apenas de trincheira”. Em primeiro de maio (Dia do Trabalho) do mesmo ano, três meses antes do suicídio, Getúlio dobra o salário mínimo. “Os detratores das classes operárias não compreendem que um ministro de Estado possa falar com espontaneidade e estabelecer laços de afeto com criaturas de condição humilde… enquanto uns estão ameaçados e morrem mesmo de fome, outros ganham num ano aquilo que normalmente deveriam ganhar em 50 anos e até mesmo em um século” (JANGO) Jango alterou as relações entre Estado, classe trabalhadora e empresários. Com isso, os coronéis lançaram manifesto contra ele, os empresários enfureceram-se e a imprensa o atacou. Jango enfrentou a acusação da oposição de maquinar, com a ajuda do presidente argentino na época, Juan Domingo Perón, a implantação da República Sindicalista no Brasil. O jornalista Carlos Lacerda atacava o governo em seu jornal Tribuna da Imprensa. Em surtos de verdadeira psicose, conclamava o Congresso e a opinião pública a reagir contra “a República Sindicalista, a esdrúxula república jangueira, que fará do Sr. Getúlio Vargas, amorfo e dócil homem de quase 80 anos, mal vividos, um ditador que cochila, enquanto Jango age”. O barão das comunicações e à época senador, Assis Chateaubriand, subiu à tribuna do Congresso e disparou: “o político rio-grandense não faz outra coisa senão desenvolver a mais cruel e atormentada luta de classes até hoje vista. Nem o Partido Comunista já produziu uma campanha de atrito de classes tão perfeita, com o colorido que o Sr. Goulart tem desenvolvido”. Em pouco tempo no ministério, Jango conquistou a simpatia dos trabalhadores e passou a mediar inúmeras negociações entre empregados e patrões, o que era inédito na época. Em alguns casos, o ministro até chegava a estimular as mobilizações por melhores condições de trabalho. Em março de 53, a chamada greve dos 300 mil agitou São Paulo e fez surgir o Pacto de Unidade Intersindical (PUI), organização não alinhada à estrutura sindical pelega, comum à época. Em junho, a greve dos marítimos, inaugurou uma estratégia de negociação entre governo e sindicatos. Ao mesmo tempo, desencadeou o temor de muitos, a começar pelo ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, defensor de uma política de contenção de gastos e crítico de qualquer elevação salarial. O I Congresso de Previdência Social no Rio de Janeiro reuniu representantes de todo o país e estabeleceu um maior acesso dos sindicatos aos serviços assistenciais da previdência, além de um maior acesso dos sindicalistas (e também dos petebistas, partido de Jango) aos cargos da administração dos inúmeros Institutos de Pensões e Aposentadorias. A paciência e simplicidade de Goulart davam o tom para longas conversas com diversas lideranças sindicais, empresariais e políticas. Sua jornada estafante de trabalho começava às dez da manhã e terminava no meio da madrugada. Em outubro de 1953, Jango viajou pelo Norte e Nordeste do país e visitou inúmeros sindicatos. No retorno, 78 sindicatos tinham organizado uma recepção consagradora. Cerca de 4 mil pessoas o esperavam no aeroporto do Rio e o celebraram, Jango teve que subir na capota de um carro para que todos o vissem. Goulart mostrou indignação com as condições de trabalho daquela região do Brasil e relatou que havia trabalhadores com jornadas de 30 dias por mês, sem um único dia de descanso. Como pagamento, recebiam 10 quilos de farinha ou 15 de carne. “Acabo de percorrer vários Estados do Norte e do Nordeste e senti de perto a miséria e as privações dos nossos irmãos daquelas plagas. Ouvi trabalhadores de todas as categorias. Esses trabalhadores que vivem abandonados e sem o mínimo conforto” (Jango) Apesar dos esforços de Goulart e do governo, a crise econômica e a inflação deflagraram várias greves no segundo semestre de 1953. No congresso, integrantes da bancada da UDN (União Democrática Nacional), partido de oposição, chamada ironicamente de ‘banda de música’, subiam ao palanque inúmeras vezes para atacar o governo de Getúlio Vargas e em particular, Jango. Não resta dúvida de que a atuação de Jango no Ministério aproximou setores reacionários das Forças Armadas à UDN. O trabalho de Jango no governo colaborou para transformar Getúlio Vargas do ditador do Estado Novo em um líder de massas. Ambos se aproximaram quando Getúlio, após sofrer o golpe de 45, vivia na Estância Itu, a 80 quilômetros de São Borja (RS), terra natal de Getúlio e João Goulart. Isolado,

Livro ‘Estádio Chile, 1973’ traz de volta Victor Jara, um homem armado de música

por Milton Ribeiro (do SUL21) Victor Jara – Com o livro-reportagem Estádio Chile, 1973 – Morte e Vida de Victor Jara, a voz da Revolução Chilena (Editora Unijuí, 328 páginas), o jornalista Maurício Brum finaliza um projeto de três anos. Foram várias viagens ao Chile — passou lá seis meses, somados todos os períodos –, mais de 50 entrevistas e visitas aos locais onde viveu e morreu o compositor, cantor, diretor teatral e militante político Victor Jara. No livro, Maurício busca reconstruir a trajetória do artista e a multiplicidade de versões sobre sua morte. As entrevistas e relatos permitiram a elaboração de uma vasta crônica sobre a vida e morte de Jara, explicando não somente os fatos e as lendas, mas sua permanência na memória do Chile a da América Latina. Maurício falou ao Sul21 no último 11 de setembro, dia dos 41 anos do infame Golpe Chileno. Sul21: Qual foi a origem de Estádio Chile, 1973 – Morte e Vida de Victor Jara, a voz da Revolução Chilena? Maurício Brum: Ao todo foram três anos de trabalho. Comecei a apuração das informações em meados de 2011 e a parte mais importante da pesquisa foram os seis meses que passei no Chile – somadas todas as viagens que fiz para lá. No Chile, pude obter um material muito rico. Ao todo, fiz cerca de 50 entrevistas, inclusive com pessoas que estiveram com ele no Estádio Chile, local onde ocorreu seu assassinato. Também coletei materiais na Fundação Victor Jara. O material era tão rico que me permitiu organizar não apenas tudo o que se sabe sobre sua morte, reconstituindo os acontecimentos no Estádio Chile, como quem era este personagem, escrevendo uma crônica de sua vida. Não tenho a pretensão de ter escrito a biografia definitiva, mas sei que no livro há muito do homem Victor Jara. Sul21: Essas entrevistas foram com amigos, músicos… Maurício Brum: Sim, com pessoas que conviveram com ele, seja na Escola de Teatro, seja como músicos, companheiros de partido, integrantes do Quilapayún, do Inti-Illimani — que foram grupos da Nueva Canción Chilena, movimento do qual ele participou. Também conversei com a viúva Joan Jara Turner, amigos pessoais e outros que se encontraram com ele na prisão política. É um grupo de personagens distintos que cruzaram com ele e que eu procurei juntar. Então, a primeira parte do livro é sobre a vida de Victor Jara e a segunda sobre a prisão política e a morte. Os músicos me ajudaram muito na biografia, mas, obviamente, contribuíram menos para a descrição dos acontecimentos dos dias de prisão, pois não estavam lá. Os povos “chicos” Sul21: Vamos falar sobre a prisão? O golpe foi na manhã de 11 de setembro, há exatos 41 anos…  Maurício Brum: Pois é, neste horário os militares estavam entrando no Palácio. Talvez Allende já estivesse morto. Sul21: Como aconteceu a prisão? Maurício Brum: Na manhã do dia 11, havia uma convocação da CUT chilena — não se imaginava que o Golpe ocorreria, é claro — para que os trabalhadores ocupassem seus postos de trabalho. E eles atenderam ao chamado. Victor Jara foi até a UTE (Universidade Técnica do Estado), pois tinha um compromisso lá. Naquela manhã, Salvador Allende iria ao campus, abriria uma exposição sobre os riscos de uma Guerra Civil e os meios da esquerda pensavam que ele, o presidente, convocaria um plebiscito para definir a continuidade ou não de seu governo. Quando se soube que não haveria o discurso, todos permaneceram na UTE em parte por causa desse chamado da CUT e em parte por causa do toque de recolher imposto pelos militares. Eles ficam o dia inteiro e a noite lá. O campus é cercado e atacado pelos militares. Na manhã do dia 12 eles são presos. As mulheres são quase todas liberadas, mas os homens permanecem detidos e depois são levados para Estádio Chile — que, apesar do nome, é um ginásio, hoje chamado Victor Jara. As mulheres, mesmo liberadas, foram deixadas no centro de Santiago sob toque de recolher. Ou seja, sem transporte, tinham que correr para casa de qualquer maneira passando o risco de serem mortas ou novamente presas. O Estádio Chile era um dos recintos que eles improvisaram como prisão política, era próximo do campus. Dá menos de um quilômetro. Eles foram levados de ônibus e em caminhões. Sul21: Victor Jara foi logo reconhecido? Maurício Brum: Sem dúvida! Victor Jara era uma pessoa extremamente conhecida, um cantor popular. Suas fotos estão em todos os lugares. Primeiro ele tenta se livrar da carteira de identidade. Ele a joga no chão para dificultar a identificação, mas não dá certo. Logo na entrada ele já é identificado e apartado dos demais prisioneiros. E ali mesmo já começa a ser golpeado. Os relatos que temos é que já na fila os militares batiam em Victor Jara. Foram para trás da porta do ginásio e vinham coronhadas, de golpes de fuzil, chutes… Aí ele é isolado e permanece dois ou três dias num corredor interno do Estádio que fica atrás da quadra. Neste período, ele é levado ao menos uma vez por dia aos porões — na verdade os vestiários do ginásio –, onde aconteciam os interrogatórios e as torturas. Em torno do dia 13 ou 14, não se sabe precisamente, há uma chegada grande de prisioneiros que ocupa os militares. Então Jara fica sozinho no corredor. É o momento que os detidos da arquibancada dão um jeito de carregá-lo para as arquibancadas e tentam enfim disfarçá-lo com o que é possível. Cortam seus cabelos com cortadores de unha e tentam que ele passe desapercebido. Era uma tentativa desesperada, claro. É nesse convívio nas arquibancadas que surge a maior parte das versões e lendas que depois ficaram famosas. Ele teria tido suas mãos cortadas em frente aos demais prisioneiros. Nada disso aconteceu. Sul21: Na autópsia posterior, ele tinha as mãos, mas quebradas, certo? Maurício Brum: Sim, ele teve as mãos quebradas provavelmente pelas coronhadas, pelos chutes, pelas pisadas. Era chutado e humilhado o tempo todo. Havia tremendo ódio em relação à figura dele. Era um personagem importante da

Evento Ditadura civil-militar, o que a psicanálise tem a dizer?

Há 50 anos, o Brasil sofria o golpe militar que instituiu um regime de exceção brutal que perdurou por 21 anos. O Instituto Sedes Sapientiae de São Paulo discutirá as relações entre política, memória e psicanálise no evento Ditadura civil-militar, o que a psicanálise tem a dizer? Os debates contarão com a presença de Maria Rita Kehl, psicanalista e integrante da Comissão Nacional da Verdade, o jornalista Alberto Dines, criador do site Observatório da Imprensa, a psicanalista Maria Aparecida Kfouri Aidar e muitos outros profissionais. Haverá também uma exposição com 18 desenhos do cartunista Henfil. Acesse e conheça a programação completa do evento. Em parceria com a Comissão da Anistia do Ministério da Justiça, o Instituto Sedes Sapientiae criou a Clínica do Testemunho, que atende anistiados políticos afetados direta ou indiretamente pela violência do Estado brasileiro. Saiba mais. SERVIÇO: Instituto Sedes Sapientiae (Rua Ministro Godoy, 1484, Perdizes, fone: 3866-2730), email: secretaria@sedes.org.br. Taxas de inscrição: de R$ 60 a R$ 100.   Vargas na penúltima hora  

PIF-PAF tentou curar a ressaca do golpe de 64

Bem-vindo ao Fatos da Zona, onde adaptamos os textos mais acessados do site do Zonacurva Mídia Livre para o audiovisual. ASSISTA:     Em 1964, um mês e meio depois do golpe militar, nascia o PIF-PAF, o pequeno jornal criado por Millôr Fernandes que mostrou novos caminhos para o jornalismo combativo e independente que foi feito mais tarde (e sempre). Charges, tiradas demolidoras, textos de diversos estilos e tamanhos, muitas mulheres (e políticos) de biquíni, embalados por um humor cáustico, foram as armas usadas para a certeira crítica política e comportamental da época. Os leitores aprovaram e já no primeiro número, ele vendeu 40 mil exemplares. Infelizmente, PIF-PAF durou apenas 4 meses e 8 edições. Apesar da boa aceitação dos leitores, a publicação foi fechada por um misto de perseguições políticas e má administração. O jornal PIF-PAF nasceu de uma seção fixa da revista O Cruzeiro, uma das revistas mais lidas da história da imprensa brasileira, que chegou a vender mais de 700 mil exemplares em 1954 no suicido de Getúlio Vargas. Na época, o Brasil tinha cerca de 45 milhões de habitantes. Millôr começou a trabalhar por lá como contínuo com apenas 15 anos, em 1938. Mais tarde, passou a escrever na seção da revista com o codinome de Emmanuel Vão Gôgo e dividia o espaço com Péricles Maranhão, criador do personagem Amigo da Onça, e outros como Borjalo, Ziraldo e Fortuna. Depois de perder o emprego na revista O Cruzeiro por pressões da Igreja Católica por produzir o trabalho satírico A verdadeira história do Paraíso, o humorista e jornalista Millôr conseguiu um empréstimo junto ao banqueiro José Luís de Magalhães Lins, do Banco Nacional, para fundar o PIF-PAF. A trupe do jornal contava com cartunistas como Jaguar, Ziraldo, Claudius, Fortuna e textos de Sérgio Porto, Rubem Braga, Antônio Maria, além de outros colaboradores. O argentino nascido na Áustria, Eugênio Hirsch, foi o responsável pelas inovações gráficas. Millôr explica como funcionava a folha salarial da redação: “ninguém ganhava nada, tudo era sem fins lucrativos”. O jornalista Bernardo Kucinski, em seu livro Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa, explica que essa “precariedade se tornaria marca registrada da imprensa alternativa. Os humoristas entregavam suas colaborações, mas não trabalhavam na revista. Millôr Fernandes, com a experiência de O Cruzeiro, produzia tudo”. 20 frases de Millôr Fernandes O texto da página relata que “Carlota se excedeu nas críticas à ocupante do cargo, apesar de anteriormente tanto tê-la ajudado na posse… Miss Castelinho agrediu-a na presença de inúmeras testemunhas”. Na foto a seguir, os políticos tomam um drinque já “que as brigas entre amigas antigas e verdadeiras não duram muito”. [Carlos Lacerda e o governador mineiro, Magalhães Pinto, forneceram forte apoio ao golpe militar] Millôr explica a perseguição sofrida pelo poder: “o PIF-PAF Paf  foi fechado por um conluio entre o governo federal e o governo estadual aqui [no antigo estado da Guanabara], que naquela época era o Carlos Lacerda…. não tive forças para lutar, eles começaram a apreender um número, depois devolveram o número, depois o oitavo número eles apreenderam todo e eu não tinha mais dinheiro para fazer”. O jornal deixou uma dívida de 21 mil cruzeiros para Millôr, que a quitou após dois anos.   “Não tenho procurado outra coisa senão ser livre. Livre das pressões terríveis da vida econômica, das pressões terríveis dos conflitos humanos, livre para o exercício total da vida física e mental. Livre das ideias feitas e mastigadas, tenho como Shaw [Bernard], uma insopitável desconfiança de qualquer idéia que já venha sendo proclamada por mais de dez anos…” MILLÔR FERNANDES