Zona Curva

Sem mais frutas estranhas

Nos anos 30, o professor e poeta Abel Meeropol lecionava na Dewitt Clinton High School em Nova Iorque e não conseguia esquecer a foto de Thomas Shipp e Abram Smith, dois jovens negros linchados e dependurados em uma árvore no estado de Indiana. Com a imagem na cabeça, Meeropol escreveu o poema “Strange Fruit”, que foi publicado no jornal do colégio.

Anos mais tarde, a cantora Billie Holiday imortalizou seu poema. O poema revoltado do professor judeu de Nova Iorque (Meeropol) entoado pela força existencial e musical de Billie Holiday, uma cantora negra da Filadélfia, fez surgir um hino pela luta por igualdade dos negros nos bicudos tempos da segregação racial. Os estranhos frutos (“black bodies swinging in the southern breeze”) brotavam da cultura da intolerância e do racismo de Estado, em particular no sul dos Estados Unidos.

Billie Holiday interpreta “Strange Fruit”:

Foi o saxofonista Lester Young que apelidou Billie de Lady Day. Amigos, eles formaram um dos mais talentosos duos da história da música. Lester morreu poucos meses antes de Billie, em 1959. Saiba mais.

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Billie Holiday no estúdio de gravação (fonte: Associated Press)

Eleanora Fagan, conhecida como Billie Holiday, nasceu há 100 anos na Filadélfia em 7 de abril de 1915 e morreu em Nova Iorque no dia 17 de julho de 1959. 

Em entrevista ao jornal Pasquim em julho de 1972, o escritor negro James Baldwin ressalta a importância da música negra norte-americana: “nós [os negros] demos o que essa cultura que você [o entrevistador Paulo Francis] insiste em chamar de americana tem de melhor, de mais aceita no mundo inteiro, a música”. Depois de ouvir Billie Holiday, quem ousa discordar de Baldwin.

Billie sobreviveu a vários perrengues. Filha de pais adolescentes, abandonada pelo pai ao nascer, vítima de tentativa de estupro por um vizinho, prostituta aos 13 anos e viciada em drogas e álcool, Billie começou sua carreira imitando a cantora Bessie Smith, que idolatrava, em bares de Nova Iorque. Ela retirou seu nome artístico de seu pai, o músico Clarence Holiday, e da atriz Billie Dove, que admirava na infância.

Billie se arriscou apenas uma vez no cinema. Em 1947, interpretou uma empregada doméstica, reflexo do preconceito existente na indústria cinematográfica à época, no filme New Orleans. Com talento para cantar, a personagem de Billie se envolve com um músico famoso, interpretado Louis Armstrong.

Billie foi perseguida por anos pelo chefe do Departamento Federal de Narcóticos, Harry J. Anslinger, que colocava agentes no encalço da cantora. O policial Anslinger odiava jazz e acreditava que o ritmo não passava de “sons de uma noite na floresta”. Após algumas detenções, Billie foi internada no Hospital Metropolitano de Nova Iorque em maio de 1959 com problemas no fígado e coração. No hospital, recebeu voz de prisão e morreu aos 44 anos em 17 de julho de 1959 sob custódia policial no hospital, inclusive com agentes até dentro do quarto.

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Billie Holiday (novembro de 1958)

Billie Holiday em “Please Don´t Talk About Me When I’m Gone” (1959) em sua última apresentação ao vivo:

Em “Fine and Mellow”, de 1957, Billie canta acompanhada de uma espetacular banda com Gerry Mulligan, Coleman Hawkings e Ben Webster nos saxofones e outros talentosos músicos:

“Crazy he calls me” (1949):

Fonte usada: Open Culture.

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