Zona Curva

50 anos do golpe militar

Julinho da Adelaide driblou a censura nos anos 70

Com o sucesso da música Apesar de você, em 1970, as canções de Chico Buarque passaram a sofrer uma espécie de censura prévia. Os integrantes do governo militar não se perdoaram por liberar a música e proibiram sua execução nas rádios. Irritada, a cúpula do regime considerou a letra uma ofensa ao presidente Médici, o evidente você. Acuado, Chico passou a assinar algumas músicas como Julinho da Adelaide. Julinho/Chico escreveu músicas como Jorge Maravilha, Milagre Brasileiro e Acorda Amor, aprovadas pela censura sem nenhum impedimento. Em Jorge Maravilha, Chico cantava: “você não gosta de mim, mas sua filha gosta”, o que gerou a especulação de que Amália Lucy, fã declarada dele e filha de outro presidente militar, o general Geisel, tinha sido a homenageada da canção. Chico sempre negou que tenha composto a música para Amália. Chico começou a contar para o público em suas apresentações que Julinho da Adelaide era um “compositor de morro carioca que vivia mais nas páginas policiais e que de repente passou para as páginas das crônicas musicais”. Imagens da ditadura e Apesar de você (considerada pelo governo da época um ataque direto ao presidente Médici): Será que a filha de Geisel gostou de “Jorge Maravilha”? Julinho da Adelaide concedeu uma entrevista ao jornalista e escritor Mario Prata, que a publicou no jornal Última Hora. Leia a entrevista completa em que Julinho declarou: “embora eu não seja cantor, um dia eu pretendo gravar um disco. Você vê, gente que não canta bem como o Chico Buarque, o Vinícius de Moraes, o Antonio Carlos Jobim, estão cantando”. Mario Prata comenta a entrevista histórica com Julinho em 1998: “Julinho, ao contrário do Chico, não era tímido. Mas, como o criador, a criatura também bebia e fumava. Falava pelos cotovelos. Era metido a entender de tudo. Falou até de meningite nessa sua única entrevista a um jornalista brasileiro. Sim, diz a lenda que Julinho, depois, já no ostracismo, teria dado um depoimento ao brasilianista de Berkeley, Matthew Shirts. Mas nunca ninguém teve acesso a esse material. Há também boatos que a Rádio Club de Uchôa, interior de São Paulo, teria uma gravação inédita. Adelaide, pouco antes de morrer, ainda criando palavras cruzadas para o Jornal do Brasil, afirmava que o único depoimento gravado do filho havia sido este, em setembro de 1974, na rua Buri, para o jornal Última Hora. Para mim, o que ficou, depois de quase 25 anos, foi o privilégio de ver o Chico em um total e super empolgado momento de criação. Até então, o Julinho era apenas um pseudônimo pra driblar a censura. Ali, naquela sala, criou vida. Baixou o santo mesmo. Não tínhamos nem trinta anos, a idade confessa, na época, do Julinho.” LEIA TAMBÉM “HENFIL E AS DIRETAS JÁ” O militante Chico Buarque O trecho acima mostra a combatividade de Chico na época. Francisco Buarque de Hollanda ou Chico Buarque, como é conhecido, talvez, seja o representante-mor de toda uma época da música brasileira. Filho de um grande historiador brasileiro (Sérgio Buarque de Hollanda) e de uma pianista amadora, desde cedo teve o passado, presente e futuro ligados à música como forma de mensagem e ideologia para si e para quem quisesse ouvi-lo. Autor de clássicos odiados pelos homens fardados, Chico era, talvez, o principal combatente com lápis e papel do regime militar. Além da militância política, a arte e, em particular a música, foi uma grande arma no combate à política repressora do Estado brasileiro. O endurecimento do regime que veio com o Ato Institucional número 5, o AI-5, em dezembro de 1968, levou Chico Buarque a mudar para a Itália, onde chegou a realizar espetáculos com Toquinho. Se tornou amigo do compositor italiano Lucio Dalla, e verteu a música “Gesù Bambino”, de Dalla, para o português em “Minha História” (1970). Chico compôs outras tantas músicas consideradas verdadeiros hinos de resistência à ditadura militar: “Mulheres de Atenas”: música composta por Chico Buarque e Augusto Boal em 1976 para a peça Mulheres de Atenas de Boal. “Cálice”: composta em parceria com Gilberto Gil em 1973, a música foi censurada e seu título pode ser lido também como Cale-se, clara referência à censura e repressão vivida no país na época. “Vai Passar”: composta por Chico Buarque e Francis Hime em 1979, a música foi o hino da Campanha das Diretas, em 1984. “Meu Caro Amigo”: também composta por Chico em parceria com Francis Hime, é uma carta em forma de música e foi composta para o amigo de Chico, o dramaturgo Augusto Boal, exilado em Lisboa. Nela, Chico retrata a situação em que se encontrava o Brasil. Miúcha interpreta Milagre Brasileiro de “Julinho da Adelaide”: https://www.youtube.com/watch?v=sO43EW7falc A resistência de Gal Costa à ditadura civil-militar

Protesto com samba na DEScomemoração do golpe de 64

O bloco carnavalesco Cordão da Mentira irá desfilar em DEScomemoração aos 50 anos do golpe militar de 64. Com intervenções artísticas e sambas de autoria própria, o Cordão volta às ruas no dia 1º de abril (terça) a partir de 17h30 em frente ao Memorial de Resistência, no Largo General Osório, na cidade de São Paulo. O bloco realizou seu primeiro desfile em 1º de abril de 2012. O mote do desfile deste ano é “64 +50: Quando vai acabar a ditadura civil-militar?” em que o Cordão promete samba, batucada e escracho popular nas ruas do centro de São Paulo. Dentre as paradas escolhidas, a Praça da República e a rua Maria Antônia, palcos  de protestos e conflitos durante a regime militar. Assista ao vídeo-convite do Cordão da Mentira: Acesse a página do facebook do bloco. As ruas são pra lutar e quem não luta dança!

Líder estudantil, Honestino Guimarães foi morto pelo regime militar em 1973

Honestino Guimarães – O desaparecimento do líder estudantil Honestino Guimarães em 1973 comprova como o regime de exceção matou e torturou de forma indiscriminada. Honestino, eleito presidente da UNE em 1971, sempre foi contrário a qualquer tipo de ação armada e morreu após dar entrada no temido Cenimar (Centro de Informações da Marinha) no Rio de Janeiro em 1973, com apenas 26 anos. A história de Honestino (como muitas outras) cala de uma vez por todas o patético argumento dos muitos reacionários de hoje e de ontem de que a barbárie do regime militar foi “necessária como forma de defesa aos ataques da guerrilha”. Este parágrafo talvez fosse descartável se a sandice e a ignorância não estivessem presentes em inúmeros comentários que pululam nas redes sociais por ocasião dos 50 anos do golpe militar. LEIA TAMBÉM A morte de Vladimir Herzog e o Brasil que não queremos Honestino ingressou na Ação Popular (AP) com apenas 17 anos (ele nasceu em 28 de março de 1947 na pequena Itaberaí, em Goiás). Em 1965, antes de completar 18 anos, foi o primeiro colocado no vestibular, em toda a Universidade de Brasília, e começou a participar do movimento estudantil. Suas atividades contra o regime militar como pichar muros, participar de manifestações e distribuir panfletos contra o governo o levaram quatro vezes para a cadeia: a primeira em 1966 e as outras três em 1967 (na última vez, mesmo na cadeia, foi eleito presidente do Diretório Acadêmico da UNB). A Universidade de Brasília foi criada por um trio de grandes figuras: Darcy Ribeiro definiu as bases da Universidade, Anísio Teixeira planejou o método pedagógico e o projeto arquitetônico ficou a cargo de Oscar Niemeyer. A UNB foi fundada em 21 de abril de 1962 com a missão de ser modelo de pesquisa na ciência e inovação nas artes. A Universidade foi invadida pela terceira vez pela polícia em agosto de 1968 —a biblioteca destruída, alunos e professores presos ou expulsos — na manifestação contra a morte do estudante secundarista Edson Luis de Lima, no Rio de Janeiro. Sessenta pessoas foram presas, entre elas, Honestino, que foi arrastado por seus corredores até a viatura por agentes da ditadura. Em 26 de setembro de 1968, Honestino foi desligado da universidade como punição por ter liderado movimento pela expulsão de um falso professor da UnB, informante da ditadura. No começo dos anos 70, o líder estudantil mudou-se para o Rio de Janeiro, onde vivia de forma clandestina. Segundo amigos, ele deu entrada no Cenimar entre os dias 10 e 11 de outubro de 1973 e nunca mais foi visto. Em 20 de setembro de 2013, Honestino foi declarado anistiado político post mortem. Em cerimônia na UNB, o secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão, leu o pedido de desculpas oficial do governo brasileiro. Fontes usadas: Site Honestino e Agência Brasil. Cabo Anselmo no seu obituário Médici corrupto A ditadura brasileira e os dois demônios

Millôr explica a diferença entre democracia e ditadura

Bem-vindo ao Fatos da Zona, onde adaptamos os textos mais acessados do site do Zonacurva Mídia Livre para o audiovisual. ASSISTA:     “A diferença entre uma democracia e um país totalitário é que numa democracia todo mundo reclama, ninguém vive satisfeito. Mas se você perguntar a qualquer cidadão de uma ditadura o que acha do seu país, ele responde sem hesitação: “não posso me queixar”.” Há dois anos, em 27 de março de 2012, o escritor, jornalista e o faz tudo e mais um pouco Millôr Fernandes morreu no Rio de Janeiro. Neste ano, Millôr será o escritor homenageado pela FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty), que acontecerá entre 30 de julho e 3 de agosto. PIF-PAF tentou curar a ressaca do golpe de 64

A ação mais ousada contra o regime militar

#ditaduranuncamais -O rapto do embaixador norte-americano Charles Elbrick foi, sem dúvida, a ação mais ousada dos opositores ao regime militar. Entre os muitos atos contra a ditadura, o sequestro do principal representante do país que deu suporte ao golpe surpreendeu os militares e repercutiu em todo o mundo. O sequestro foi executado por integrantes da Ação Libertadora Nacional (ALN)  e do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8) no dia 4 de setembro de 1969, na cidade do Rio de Janeiro. Em troca, os militantes exigiram a libertação de 15 presos políticos e a leitura de manifesto em rede de TV e rádio contra o governo. O militante Cid Benjamin, que participou do sequestro, recorda, em seu livro recém-lançado Gracias a la vida, memórias de um militante, que a ideia veio por acaso: “eu estava com Franklin Martins [também militante e ex-ministro da Comunicação Social no governo Lula] na rua Marques quando passou o carro do embaixador, devidamente ornamentado com uma bandeirinha dos Estados Unidos de cada lado do capô.  A falta de cuidado nos chamou a atenção. Meses antes, o embaixador norte-americano na Guatemala fora metralhado por guerrilheiros urbanos. Ao ver seu colega no Brasil circular de forma tão despreocupada, não passou pela nossa cabeça um atentado contra sua vida, mas capturá-lo como moeda de troca por Vladimir Palmeira [que estava preso há 11 meses]” (trecho do livro de Cid Benjamin). Os movimentos armados contra a ditadura militar atravessavam um momento difícil: a edição do AI-5, em dezembro de 1968, que endureceu a repressão, e uma série de prisões haviam desestruturado a guerrilha contra o regime. As lideranças do MR-8 e alguns dirigentes da ALN (parte da direção não apoiou o sequestro) acreditavam que a libertação dos presos demonstraria à opinião pública a força da oposição. O carro diplomático (um Cadilac preto) que transportava Elbrick foi rendido pelos militantes que usaram uma Kombi na ação. O motorista do embaixador foi deixado nas proximidades e Elbrick foi levado para uma casa no bairro de Santa Teresa. “O cativeiro do embaixador norte-americano foi descoberto ainda durante o sequestro e muitos dos que entravam ou saíam da casa tinham sido fotografados. Como vários de nós éramos fichados na polícia, por termos sido presos no Congresso da UNE de Ibiúna, em outubro de 1968, ou por termos tido papel de destaque nas manifestações estudantis contra a ditadura, não foi difícil nossa identificação” (trecho do livro de Cid Benjamin). Segundo Cid Benjamin, o embaixador falava português pois já tinha servido em Portugal e não era um defensor da política do governo norte-americano, que apoiava ditaduras de direita na América Latina. “Sem que Elbrick percebesse, chegamos a gravar conversas nas quais ele elogiava o trabalho de dom Helder Câmara e se dizia contrário à censura à imprensa e à tortura de presos políticos” (trecho do livro de Cid Benjamin).   Exigências atendidas e a reação dos militares linha-dura  O sequestro durou quatro dias e entre os presos políticos que foram libertados e embarcaram rumo ao México estavam o lendário comunista Gregório Bezerra (PCB), o líder sindical José Ibrahim, Onofre Pinto da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), os líderes estudantis Luís Travassos e José Dirceu, o jornalista Flávio Tavares, dentre outros. Após sua libertação, Elbrick chegou a declarar ao jornal Última Hora de 8 de setembro, de 1969: “fui muito bem tratado. Eles até me deram charutos e lavaram a minha camisa”. Os militares não gostaram da entrevista do embaixador e ele foi substituído pelos Estados Unidos poucas semanas depois. Flávio Tavares lançou o livro Memórias do Esquecimento em 1999 (uma edição ampliada saiu em 2005 pela Editora Record), em que ele narra o sequestro e sua trajetória de luta contra o regime. Tavares declarou em 2005 ao Estadão: “o livro foi a minha catarse ou minha salvação e libertação interior… só enfrentando a memória pude vencer os fantasmas e viver em paz”. O filho de Flávio, Camilo Tavares, dirigiu o documentário ‘O dia que durou 21 anos’ sobre o golpe militar. Leia texto sobre o filme.   No início da década de 60, Tavares trabalhou como comentarista político do jornal Última Hora, de Samuel Wainer, quando cobriu eventos como a Conferência da Organização dos Estados Americanos, em Punta del Leste, Uruguai, em 1961. Lá, ele conheceu Ernesto Che Guevara  que era o delegado de Cuba. Sobre essa experiência, Tavares escreveu Meus 13 dias com Che Guevara, lançado no ano passado. Há cerca de um mês, Tavares também lançou O Golpe de 64, em que foca a participação dos Estados Unidos no golpe contra o presidente João Goulart. O jornalista retrata em seu livro Memórias do Esquecimento como, por muito pouco, a troca dos prisioneiros políticos pelo embaixador foi impedida pelos paraquedistas ultradireitistas do Exército: “na tarde de nossa partida, uns 40 oficiais paraquedistas da Brigada Aeroterrestre saíram da Vila Militar, em três caminhões, para impedir que os prisioneiros entrassem na Base Aérea ou, se fosse o caso, para nos retirar de lá à força e, de imediato, executar todo o grupo. Os oficiais planejavam nos raptar, levando-nos ao centro do Rio para nos enforcar de um a um na Cinelândia, defronte ao Theatro Municipal, naquele mesmo sábado. Havia apenas uma dúvida — alguns queriam nos “metralhar”, mas a ideia da forca era dominante”. (trecho do livro de Flávio Tavares) Felizmente, os paraquedistas enfrentaram um congestionamento devido a um jogo no Maracanã que os reteve por mais de meia hora na avenida Brasil. Os militares identificados como de linha-dura (que não aceitavam qualquer negociação com a guerrilha) chegaram à Base Aérea 20 minutos após a decolagem do avião que transportou os presos políticos ao México. A guerrilha contra o regime realizou mais três sequestros de diplomatas estrangeiros em 1970: o cônsul japonês Nobuo Okushi, o embaixador alemão Ehrenfried Anton Theodor Ludwig Von Holleben e o embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher também foram capturados como método de pressão ao regime militar. O documentário Hércules 56  e a história de Jonas Realizado em 2006 pelo diretor Sílvio Da-Rin, o documentário Hércules 56 relata o sequestro do embaixador. Para isso,

‘Não existem porões da Ditadura’

A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” e a Comissão Nacional da Verdade, durante a audiência pública realizada em setembro do ano passado, apresentaram a estrutura de funcionamento do terrorismo de Estado implantado a partir de 1964, constituído através de ampla rede das Forças Armadas. O estudo foi feito partir de documentos compilados dos órgãos de repressão. “É uma prova de que não existem porões da Ditadura. Esse sistema nacional é o próprio sistema de terrorismo de Estado”, declarou Ivan Seixas, responsável pelo estudo. Havia um conjunto de órgãos denominado Sistema Nacional de Informação (SISNI) com a finalidade de produzir informações para formular “política de segurança” e de “desenvolvimento” do país. Segundo Adriano Diogo, presidente da Comissão “Rubens Paiva”, esses grupos organizados faziam reuniões no gabinete dos presidentes impostos pela Ditadura e a estrutura até hoje não foi desmontada. “Essas cadeias não foram desmontadas. Um exemplo é a [Agência Brasileira de Informação] Abin. Infelizmente a ditadura não acabou nesse setor”, afirmou Diogo. O SISNI era formado pelo Centro de Informações da Aeronáutica (CISA); Centro Nacional de Informações da Marinha (Cenimar); Centro de Informações do Exterior (CIEx); Centro de Operações de Defesa Interna (Codi) e seus Destacamentos de Operação e Informações (DOI); Divisões de Segurança e Informação (DSI) dos ministérios civis e suas Assessorias de Segurança e Informação (ASI). A partir do Centro de Informações do Exército (CIE) foi possível mapear os movimentos de oposição política. Segundo Ivan Seixas, o CIE era ligado ao gabinete do Ministério do Exército e era mantenedor dos centros clandestinos de tortura como a Casa da Morte, de Petrópolis, no Rio de Janeiro, a “boate” de Itapevi e a Fazenda 31 de Março, em São Paulo. “O CIEx não existia formalmente, usava a estrutura da Cenimar e do CIE”, explicou Ivan Seixas, coordenador da assessoria da Comissão “Rubens Paiva”. “O golpe foi imposto pra criar um Estado militarizado e construir uma máquina de guerra”, afirmou Rosa Cardoso, membro da CNV. Estrutura planejada Havia uma lógica imposta anterior ao Golpe. O Ato Institucional nº I, a política de tortura, desaparecimento e mortes foram planejados com antecedência, conforme explicou Rosa Cardoso, membro da CNV. Universidades como a USP constituíram seu departamento para fornecimento de informações à repressão. A Comissão apresentou documento originado no gabinete da Reitoria. Haviam criado a Assessoria Especial de Segurança e Informação (AESI), que reunia informações dos alunos e funcionários de interesse dos órgãos repressores. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), criada por iniciativa do deputado federal Rubens Paiva apurou e comprovou a atuação de dois institutos criados para preparar o terreno para o Golpe, o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) e o Instituto de Pesquisa Econômica e Social (Ipes). Depois do golpe, com a ditadura implantada e o sistema repressivo dos DOI-CODIs agindo impunemente, o Deputado Rubens Paiva foi preso, torturado e está desaparecido até hoje. O funcionamento desses institutos foi fundamental para origem do Serviço Nacional de Informações (SNI). O Ibad foi financiado pelos Estados Unidos e diversas entidades privadas, como o grupo Varig e o Banco Nacional. Os fundadores ostensivos são: Ivan Haalocher; Gilbert Huber Jr.; Glycon de Paiva e Paulo Ayres Filho. O Ipes teve como fundador direto Golbery do Couto e Silva em parceria com os empresários Augusto Trajano de Azevedo Antunes (Grupo Caemi) e de Antônio Gallotti (multinacional Light). A linha de atuação era voltada para produção de material contra o governo democrático e treinamento de agentes para atuarem contra pessoas que se opunham à ditadura. Comunidades complementares Na escala do direcionamento das ações de repressão, também foram estruturadas as ‘comunidades complementares’ de informações, divididas por áreas. Em diversos Estados da Federação, havia os Departamentos de Ordem Política e Social (Dops) e o Serviço Reservado da Polícia Militar (P2). Segundo apurou a Comissão da Verdade, entidades privadas estavam integradas ao sistema repressivo e faziam um trabalho complementar de controle e repressão, a critério do chefe do SNI. Os livros de entradas do DOPS-SP registraram, por exemplo, a presença de Geraldo Rezende de Matos, representante da Federação das Indústrias do estado de São Paulo (Fiesp) e Paulo Sawaia, assessor do Ministério da Fazenda, comandado por Antônio Delfim Netto. As mortes no campo também passam pela responsabilidade das comunidades complementares. O latifúndio estava ligado à ditadura e havia um subgrupo de repressão aos trabalhadores, conforme lembrou Ivan Seixas. Para Rosa Cardoso será importante preencher essas cadeias com os nomes dos responsáveis nos Estados e a nível nacional.

Iara Iavelberg e sua luta contra a ditadura militar

Os destinos de muitas mulheres foram determinados pelos arbítrios do regime militar. Várias foram assassinadas, outras torturadas, muitas perderam seus filhos, maridos, parentes e amigos. Um dos símbolos dessa resistência nos anos de chumbo foi a militante Iara Iavelberg, vítima da ditadura militar aos 27 anos, em agosto de 1971. De uma rica família judia do Ipiranga, Iara abandonou aos 19 anos seu casamento de três anos com Samuel Halberkon, médico da comunidade judaica paulistana, ingressou no curso de Psicologia da USP em 1963 e iniciou sua militância política. O Centro Acadêmico do curso leva o seu nome. Iara militou em várias organizações que combatiam o regime militar: Organização Revolucionária Marxista Política Operária (Polop), Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Na VPR, ela conheceu Carlos Lamarca em abril de 1969. Fazia dois meses que Lamarca havia desertado do Exército em posse de um verdadeiro arsenal de armas e munição para a guerrilha. Leia texto sobre a morte do companheiro de Iara, Carlos Lamarca Os dois apaixonaram-se e Lamarca separou-se de sua mulher na época: ele era casado e tinha dois filhos. Da VPR, Iara e Lamarca foram juntos para o MR-8. Clandestinos, estavam entre os mais procurados pela repressão política, com cartazes espalhados em diversos lugares.   O documentário ‘Em busca de Iara’ A sobrinha de Iara, Mariana Pamplona, ao lado de Flavio Frederico, resolveu contar a história da tia no documentário Em busca de Iara. O Exército sempre sustentou que Iara suicidou-se após o cerco policial em um apartamento no bairro da Pituba, em Salvador, no dia 20 de agosto de 1971. Hoje há provas suficientes de que foi mais uma mentira do regime militar e de que a militante foi assassinada por agentes do governo. Segundo o site da Comissão da Verdade Rubens Paiva da Assembleia Legislativa de São Paulo, o legista que assinou o atestado de óbito colocou uma interrogação ao lado da palavra suicídio. A família teve que aceitar que a filha fosse enterrada na ala dos suicidas no Cemitério Israelita do Butantã, o que significava grande humilhação na comunidade judaica (as pessoas que morrem nessas condições são enterradas de costas e em locais isolados do cemitério). Com denúncias reunidas e grande esforço dos familiares e amigos, a Justiça autorizou a exumação do corpo de Iara em 2003 e finalmente o laudo sobre sua morte confirmou seu assassinato. Assista ao trailer do filme:   As cartas de amor entre Lamarca e Iara Em 1970, Iara e Lamarca começaram treinamento militar no Vale do Ribeira e neste ano, em 7 de dezembro, Lamarca liderou o sequestro do embaixador suíço Giovanni Bucher, no Rio de Janeiro, em troca da libertação de 70 presos políticos. Em matéria da revista Istoé de 2007 sobre a troca de cartas entre Iara e Lamarca, o capitão da guerrilha mostra adoração pela sua mulher. Lamarca foi assassinado em 17 de setembro de 1971, menos de um mês depois da morte de Iara. Ambos conviveram pouco, já que passaram 10 meses do curto relacionamento vivendo separados em aparelhos (locais usados como refúgio pela guerrilha), mas a paixão entre eles era arrebatadora. Uma das testemunhas da intensidade do romance foi a guerrilheira Vanda, codinome da presidenta Dilma Rousseff. Ela declarou à revista Istoé: “eu e Lamarca lavamos muitos pratos juntos e era nessas horas que ele me fazia inconfidências sobre sua paixão por Iara.” Leia dois trechos das cartas de Lamarca, no primeiro, ele demonstra paixão, no segundo, ciúmes:   “Quando estou longe de você, tudo muda. É outro mundo, falta aquele calor que só emana de você mesma – fico imaginando e me delicio com tua lembrança, toda viva, junto de mim.”  “Falei em abertura pelo seu lado (do meu não admito, nem existirá nunca condições) do nosso relacionamento – que é observado – e como última hipótese; pode ser um puta ciúme meu de existir alguém cumprindo a minha função.”   Outros detalhes da vida de Iara podem ser encontrados no livro Iara: uma reportagem biográfica, escrito pela jornalista Judith Patarra, lançado em 1992. O livro pode ser encontrado no site Estante Virtual. A trajetória de Iara revela também outra história bem menos conhecida, a de Nilda Carvalho Cunha, de apenas 17 anos. Estudante secundarista, aderiu à organização clandestina MR-8 e foi viver com o namorado num apartamento na praia da Pituba, em Salvador. Nilda recebeu ordens de abrigar a guerrilheira Iara Iavelberg e caiu no cerco a Iara. Levada para um quartel, foi brutalmente torturada durante dois meses. Assim que foi libertada, sentia tonturas, sofria com a perda de visão e dificuldades para respirar. Internada num hospital, passou a enfrentar depressões constantes. Às vezes, soltava risos inesperados. No seu prontuário, consta que não comia, via soldados dentro do quarto e repetia que iria morrer. Foram dez dias definhando. Em seu atestado de óbito, consta: “Edema cerebral a esclarecer.” A sobrinha de Iara, Mariana Pamplona, explica o projeto do filme: Vídeo da Comissão da Verdade sobre Iara: Fontes: perfil de Iara Iavelberg no site da Comissão da Verdade Rubens Paiva e revista Istoé.

Simpósio ‘O golpe de 1964 e a onda autoritária na América Latina’ na USP

Nos 50 anos do golpe de 1964, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP organiza o simpósio ‘O golpe de 1964 e a onda autoritária na América Latina’. Com debates sobre o golpe de Estado e suas relações com as outras ditaduras da América Latina, o evento acontecerá entre os dias 24 e 27 de março e a entrada é gratuita. Nas mesas e conferências propostas, vários especialistas do Brasil e do exterior apresentarão os resultados das suas reflexões e pesquisas. Temas como a Operação Condor (cooperação dos governos autoritários do Cone Sul na repressão aos opositores), a produção artística do período e muitos outros assuntos relacionados ao período do regime militar serão abordados pelos participantes. Na segunda-feira (dia 24), será exibido o filme O dia que durou 21 anos, de Camilo Tavares. Leia texto sobre o filme. No segundo semestre deste ano, entre os dias 17 e 19 de setembro, a FFLCH organiza o debate ‘O Golpe de 1964 e a literatura brasileira’. Os debates da próxima semana serão no Auditório da Biblioteca Brasiliana (Rua da Biblioteca, sem número, Cidade Universitária, São Paulo, SP). Confira a programação completa:

Cine Direitos Humanos exibe filmes sobre a ditadura militar

Durante seis semanas (de 15 de março a 19 de abril), a programação do projeto Cine Direitos Humanos será dedicada a filmes que abordam temas relacionados ao período da ditadura militar no país. O projeto é uma iniciativa da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo. Os filmes exibidos serão A Memória Que Me Contam, Caparaó, 15 Filhos, Ação Entre Amigos, Em Busca de Iara, Travessia e Batismo de Sangue. As sessões são gratuitas e  acontecem aos sábados, às 11 horas, no Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca. Veja a programação completa: – “A Memória Que Me Contam” (2013, 95 min, 14 anos), de Lúcia Murat – exibição em 15 de março. – “Caparaó” (2007, 77 min, livre), de Flavio Frederico – exibição em 22 de março. – “15 Filhos” (1996, 20 min, livre), de Maria Oliveira e Marta Nehring – exibição em 29 de março. – “Ação Entre Amigos” (1998, 76 min, 14 anos) de Beto Brant – exibição em 29 de março. – “Em Busca de Iara” (2013, 91 min, 12 anos)  de Mariana Pamplona – exbição em 5 de abril. – “Travessia” (2009, 79 min, livre) de João Batista de Andrade –  exibição em 12 de abril. – “Batismo de Sangue” (2007, 110 min, 14 anos) de Helvécio Ratton – exbição em 19 de abril. Serviço: Espaço Itaú de Cinema – Shopping Frei Caneca. Rua Frei Caneca, 569, Consolação. Tel.: (11) 3472-2368. Todos os sábados, às 11h. Entrada gratuita.

Decisão judicial inédita reconhece tortura do regime militar em certidão de óbito

João Batista Franco Drummond – Após 38 anos, a família de João Batista Franco Drummond conseguiu, na semana passada, novo atestado de óbito do militante assassinado pelo regime militar. Em decisão inédita, Tribunal de Justiça de São Paulo deferiu pedido de retificação de sua certidão de óbito. Em uma decisão de dois votos contra um, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu acatar o pedido de retificação do Atestado de Óbito de João Batista Franco Drummond, constando que ele foi morto sob tortura no DOI-Codi do II Exército em São Paulo no ano de 1976. No dia 29 de março de 2012, na 1ª instância, houve parecer favorável. A partir daí, o Ministério Público do Estado de São Paulo colocou objeção quanto à palavra “tortura”, argumentando ter “ausência de prova” para o que foi denunciado e requerido no atestado. “Esse é o primeiro caso ocorrido no nosso país em que uma família pleiteou perante o Poder Judiciário a retificação da certidão de óbito do seu ente querido. Posteriormente tivemos dois casos, ambos tramitaram na segunda Vara de Registros públicos de São Paulo que são os casos de Vladimir Herzog e Alexandre Vannuchi Leme”, detalhou o advogado da família Drummond, Egmar Santos. Desde que seu marido foi assassinado, Maria Ester Cristelli Drummond teve que se exilar com a família e mora até hoje na França, com as duas filhas, Rosa e Silvia Drummond, que conviveram desde crianças com a morte traumática do pai. Ela assinou o pedido em 2011 e detalhou para o advogado o sofrimento que se prolonga nos dias de hoje. “Maria Ester se nega a apresentar para os netos a versão da farsa [montada pela Ditadura]. A decisão da sessão de hoje é o findar de um martírio”, relatou Egmar Santos, diante dos juízes. Contradições nos documentos Os familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos do Brasil acompanham este caso e encontraram contradições em diversos documentos. O laudo falso assinado pelos médicos legistas Abeylard de Queiroz Orsini e José Gonçalves Dias, orientado por outro legista e na época diretor do IML de São Paulo, Harry Shibata, descreve que João Batista foi morto por atropelamento na Avenida Nove de Julho, esquina com a Rua Paim, bairro da Bela Vista, local distante do bairro da Lapa. O relatório do Ministério da Aeronáutica entregue ao ministro da Justiça, Maurício Corrêa, em 1993, diz que João Batista “foi morto em confronto com agentes dos órgãos de segurança”. Segundo o relatório do Ministério da Marinha, Batista “foi morto num tiroteio em 16 de dezembro de 1976, no bairro da Lapa, quando a casa em que se encontrava com outros companheiros foi invadida pelos agentes de segurança”. O advogado Egmar Santos acrescentou que Harry Shibata foi cassado e expulso como médico-legista pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo. Restabelecimento da verdade A Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) e a Comissão Nacional da Anistia já haviam reconhecido que João Batista Drummond foi morto nas dependências do DOI-Codi em decorrência das torturas. A Lei dos Registros públicos estabelece que descreva se a morte foi natural ou violenta. O pedido da família ressalta no princípio que é preciso se estabelecer a verdade sobre todas as circunstâncias dos fatos ocorridos durante a Ditadura no Brasil. O caso de João Batista Franco Drummond faz parte da lista de 164 casos tratados pela Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”. O presidente da Comissão, deputado Adriano Diogo (PT), disse que a decisão obtida no caso vai ajudar no trabalho de retificação dos outros mortos e desaparecidos. Há uma negociação junto à defensoria Pública de São Paulo para ajudar na retificação de outros atestados de pessoas assassinadas pela Ditadura Militar (1964-1985). O advogado Egmar Santos afirmou que o Poder Judiciário precisa criar mecanismos para reconhecer o estabelecimento da verdade já que o poder Executivo tomou a iniciativa criando, inclusive, a Comissão Nacional da Verdade. O relator da Apelação foi o desembargador Álvaro Passos. Apenas o desembargador Giffoni Ferreira foi a favor da interposição do Ministério Público. João Batista Franco Drummond era economista, militou em diversas organizações contra o regime ditatorial, passando pela Ação Popular até chegar no Partido Comunista do Brasil (PC do B). Estava há 10 anos na clandestinidade, já tinha sido condenado pela lei de Segurança Nacional, sendo julgado pela Justiça Militar entre 1969 e 1970. Acabou assassinado na conhecida “Chacina da Lapa”, ocorrida em 16 dezembro de 1976, quando foram mortos também Ângelo Arroyo e Pedro Ventura de Araújo Pomar.