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aldous huxley

Huxley: a essência do homem dominado pelo medo é a perda de sua humanidade

Huxley – O ano é de 1948. As monstruosidades da Segunda Guerra Mundial e do nazi-fascismo ainda estão sendo contabilizadas. As barbáries do stalinismo, parcialmente conhecidas e o genocídio dos Estados Unidos em Hiroshima e Nagasaki denunciadas. Os ventos de uma nova Grande Guerra dita Fria, provavelmente a última por ser atômica, batiam às portas. O inglês Aldous Huxley, o mesmo que escrevera há vinte anos (década de 1930) a distopia de “O admirável Mundo Novo”, retoma à pena para um novo alerta ainda mais radical para o devir da humanidade: os perigos trazidos pelos avanços tecnológicos para fins bélicos, reduzindo-nos a animais bestiais. “O macaco e a essência” é uma pequena obra-prima de estilo e engenhosidade, de enorme força dramática. Afinal, despido de todos os valores civilizatórios, qual é a verdadeira essência do ser humano? A resposta de Huxley é dramática: a mesma dos macacos! Já na década de 20 do século passado, Huxley foi uma das primeiras vozes isoladas a agitar questões que hoje mobilizam conservacionistas, naturalistas, ecologistas e pacifistas! E a compreender, com notável precisão que as ondas de violência terrorista, das quais se tornou vassalo o mundo, assumem escala sem precedentes pelo culto desumanizante da tecnologia. Pessimista extremado, declara-se repetidamente incapaz de imaginar uma solução que desvie a história da humanidade de um epílogo fatal, de um verdadeiro apocalipse! No entanto, a evolução dos acontecimentos desde meados do século passado, não apenas reforçou essa convicção, como sugeriu formas para se retardar o desenlace anunciado. O livro, um roteiro cinematográfico O livro abre com dois amigos caminhando pelos estúdios de Hollywood, quando são surpreendidos por um caminhão carregado de roteiros a caminho do incinerador. Alguns desses roteiros ficam pelo chão e, entre eles, está “O Macaco e a Essência”, de um certo Tallis. Intrigados com a obra, os amigos decidem ficar com ela e começam a investigar suas origens. Mas a busca se mostra infrutífera e o roteiro nos é apresentado na íntegra. O roteiro cinematográfico de “O macaco e a sua essência” se situa em princípios do século XXII, daqui a 100 anos. Expõe a visão apocalíptica das ruínas de um mundo devastado cento e tantos anos antes por uma terceira guerra mundial que, graças ao emprego de armas atômicas e bacteriológicas, durou apenas três breves dias. Do único país pouco afetado pela devastação humana e ambiental, a Nova Zelândia, parte uma expedição de cientista em um barco à vela, que aportará nas costas da Califórnia. E lá se deparará com uma sociedade de símios ao lado de outra composta pelos descendentes dos humanos sobreviventes do extermínio. Lá encontram uma sociedade fanática e supersticiosa. Os visitantes irão se deparar com uma natureza humana onde a violência, a brutalidade, as crueldades cruas somente possuem precedentes nos campos nazistas de extermínio, de tal modo que a ironia de Huxley culmina no gênero macabro! Os californianos do século XXII consideram que a dita terceira guerra, a da destruição dos homens e do meio ambiente, tenha sido uma derrota definitiva do Deus bíblico. A vitória do Demônio (Belial) torna-se seu sacramento e culto. De tal modo que o machismo chega ao paroxismo com a misoginia explícita. Mulheres são “vasos do diabo” feitas para o prazer masculino nas “festas beliais”, orgias que somente ocorrem uma vez por ano. Ao parirem, suas “crias” serão selecionadas na próxima festa e, aquelas com muitas deformidades, passadas à faca por sacerdotes castrados. Uma clara analogia com as práticas eugênicas do nazi-fascismo. A marcha para o abismo. Para Huxley, a marcha rumo ao abismo não mais pode ser detida e os indivíduos dos dias de aquele então (1948), capazes de reunir em si os atributos de uma vida plena e harmoniosa, estão irremediavelmente condenados ao fracasso e à proscrição na sociedade pós-moderna e plutocrática, vulcanizada pelo domínio da máquina e da tecnologia. E o grande canalha é o MEDO. Conforme diria o Narrador: “O amor elimina o medo; mas reciprocamente o medo elimina o amor. E não apenas o amor. O medo elimina a inteligência, elimina a bondade, elimina todo o pensamento de beleza e verdade. Só persiste o desespero mudo ou forçadamente jovial… o medo elimina no homem a própria humanidade .” Um defensor dos valores básicos da vida Antes de se dedicar à escrita, Huxley formou-se em medicina. Uma doença oftalmológica o tirou da Primeira Guerra Mundial, experiência essa que acabou sendo fundamental para que, enquanto assistia de longe aos horrores da guerra, o autor desenvolvesse seu senso crítico político e social. Publicou sua primeira obra em 1921 e, entre contos, poesias, ensaios e romances, deu à luz a clássicos como “Contraponto” (1930) e “Admirável Mundo Novo” (1932). Foi relacionado nove vezes para o Nobel de Literatura, mas não chegou a levar o prêmio. Faleceu em 1963, depois de uma luta contra o câncer. Em sua hora fatal, pediu para que a esposa lhe injetasse uma alta dose de LSD (LEIA AQUI SOBRE ESSA EXPERIÊNCIA). Como em todas as suas obras, e apesar de tudo, ele ainda insiste na necessidade do amor e da tolerância: são as únicas forças capazes de se opor as potências do mal. “Toda vez que o mal é levado até o limite, ele se destrói a si mesmo. Depois, o que é a ordem das coisas retorna à superfície” (HUXLEY). Em “O Macaco e a Essência”, Huxley mais uma vez escancara os cânceres e suas metástases de nossa sociedade e nos convida a uma profunda reflexão sobre a condição humana e aquilo que chamamos de “progresso”. Uma distopia profunda, talvez a mais pessimista de todas elas. “Igreja e Estado, Ganância e Ódio- Duas pessoas símias, num Grande Gorila Supremo!” (HUXLEY) Uma observação: no início do roteiro cinematográfico, uma ponta de ironia do autor, quando vemos um macaco puxando por coleira um certo humano de nome “Albert Einstein”, apavorado, sendo fustigado e xingado. Provavelmente uma crítica satírica ao físico por ter sido o descobridor da Teoria da Relatividade Restrita, a da conversão da massa em energia, base teórica da criação da bomba atômica.

 Huxley em sua última viagem

Huxley – Sempre me intrigou o que o escritor inglês Aldous Huxley viu do outro lado quando morreu aos 69 anos e chegou do lado de lá chapado de ácido e preparado para uma verdadeira iluminação espiritual. Acamado pelo câncer, sua segunda esposa Laura lia para ele o manual de Timothy Leary baseado no Livro Tibetano dos Mortos, que apronta os moribundos para um proveitoso despertar da alma no post mortem, e injetou duas doses de 100 microgramas de LSD no dia de sua morte. Poucas horas antes do falecimento do escritor, o presidente norte-americano John Kennedy acabava de ser assassinado em Dallas naquele 22 de novembro de 1963. Enquanto a equipe médica que cuidava de Huxley chocava-se com o crime em frente à TV na sala da casa do escritor, em Los Angeles, no quarto, Laura incentivava a experiência desejada pelo marido (ela relatou detalhes da morte de Huxley em uma carta) e após aplicar a segunda dose de LSD em um Huxley inconsciente, contou o que disse na beira da cama: – Vá, vá, você vai, querido; para a frente e para o alto. Você está indo para a frente e para o alto; você está indo na direção da luz. De bom grado e conscientemente você está indo, está indo tão lindamente – está indo na direção da luz. Está indo na direção de um amor maior. Está indo para a frente e para o alto. É tão fácil, tão bonito. Você está indo muito bem, tão fácil. Leve e livre. Para a frente e para o alto. Você está indo na direção do amor de Maria com o meu amor. Você vai na direção de um amor maior do que você já conheceu. Você está indo na direção do melhor, do amor maior, e é fácil, é tão fácil, e você está indo tão lindamente”. Será que essa preparação mental e espiritual transformou a morte de Huxley em uma experiência diversa da dos outros mortais? A consciência alterada pelo LSD trouxe melhor entendimento do abandono do corpo físico (se é que ele existe)? Os preparativos de Huxley colaboraram para uma melhor compreensão do significado da morte para o espírito (se é que ele existe) de Huxley? Somente algumas perguntas que surgem da experiência do escritor. Huxley nasceu em uma família de intelectuais. Por parte de mãe, ele era parente do escritor Matthew Arnold (1822-1888), crítico e professor de poesia da Universidade de Oxford. Seu avô, Thomas Henry Huxley (1825-1895), foi um conhecido naturalista e defensor das teorias evolucionistas de Darwin. Seu irmão, Julian Huxley (1887-1975), era biólogo e filósofo. Um dos trabalhos mais conhecidos de Huxley, o romance distópico Admirável Mundo Novo, foi lançado em 1931 quando o escritor morava na Itália. Ele escreveu outros livros como A Ilha (1962), Contraponto (1928) e As Portas da Percepção (1954). Neste último, o escritor relata suas experiências com a mescalina, alucinógeno natural extraído do cacto peiote e usado originalmente em ritos indígenas. Em 1956, Huxley complementou seu trabalho com outro ensaio sobre morte e religião, Céu e Inferno. Ambos os textos passaram a ser publicados no mesmo livro a partir de então. Pioneiro, o livro foi considerado um dos precursores da contracultura, que usou drogas alucinógenas para a expansão da consciência anos mais tarde. Conheça a história do ônibus psicodélico do escritor Ken Kesey.  “É para o mundo exterior que abrimos os olhos todas as manhãs, é nele que, de bom ou mau grado, temos de procurar viver. No mundo interior, não há trabalho nem monotonia. Visitamo-lo apenas em sonhos e devaneios, e sua singularidade é tal que nunca encontramos o mesmo mundo em duas ocasiões sucessivas” (Huxley em As Portas da Percepção) Huxley passou a viver em Los Angeles em 1937 e se aproximou do Hinduísmo, Budismo, meditação e filosofia oriental, o que passou a influenciar seu trabalho. Sua paixão pelo poeta inglês William Blake (1757-1827) também o inspirou para o início de suas experiências com a mescalina, Blake sempre mesclou espiritualidade com literatura e já aos 9 anos, tinha visões de anjos. O título de Portas da Percepção foi retirado de trecho de poema de Blake: “se as portas da percepção estivessem limpas, tudo apareceria para o homem tal como é: infinito”. A banda The Doors sacou seu nome também do poema. Resumidamente, em “As Portas da Percepção” Aldous Huxley explica como o cérebro filtra o que vemos, fazendo com que deixemos de lado muitas informações e como podemos superar essas limitações em busca de uma vida mais plena. “A função do cérebro e do sistema nervoso é proteger-nos, impedindo que sejamos esmagados e confundidos por essa massa de conhecimentos”, escreveu Huxley em seu livro. Huxley foi entusiasta do uso responsável do LSD como catalisador dos processos mentais em busca de desenvolvimento humano. Ele começou suas experiências com LSD em 1955. Na época da morte de Huxley, o LSD era legal na Califórnia, três anos depois, passou a ser proibido. “Parece extremamente improvável que a humanidade, de um modo geral, jamais seja capaz de passar sem Paraísos Artificiais. A maioria dos homens e mulheres leva uma vida tão sofredora em seus pontos baixos e tão monótona em suas eminências, tão pobre e limitada, que os desejos de fuga, os anseios para superar-se, ainda por uns breves momentos, estão e têm estado sempre entre os principais apetites da alma. A arte e a religião, os carnavais e as saturnais, a dança e a apreciação da oratória, tudo isso tem servido, na frase de H. G. Wells, de Portas na Muralha. E na vida individual, para uso cotidiano, sempre houve drogas inebriantes. Todos os sedativos e narcóticos vegetais, todos os eufóricos derivados de plantas, todos os entorpecentes que se extraem os frutos ou raízes, todos, sem exceção, são conhecidos e vêm sendo sistematicamente empregados pelos seres humanos, desde épocas imemoriais”. (Huxley em As Portas da Percepção) Assista ao breve vídeo sobre a morte de Huxley: Huxley: a essência do homem dominado pelo medo é a perda de sua humanidade E