Zona Curva

Alzheimer

Etarismo ou o drama de ser velho no capitalismo

Idosos no Brasil – Tenho observado muita gente falando nas redes sociais sobre o lance da velhice e sobre o direito de se parecer velho. Li textos e vi vídeos de mulheres discutindo a beleza de envelhecer e de seguir o rumo da vida, libertas de tintas e estereótipos estéticos. Embutido nesse discurso, claro, a crítica de um mundo no qual o velho é totalmente esquecido e dispensado de atuar como sujeito criador. Ao velho, dizem, é relegado o papel passivo de aposentar e abrir espaço para os jovens. E, diante disso, faz-se essa defesa do direito de envelhecer com dignidade, aceitando o processo. Quero me permitir um pitaco. Já faz sete anos que cuido do meu pai, que é velho e tem a doença de Alzheimer. Posso afirmar sem medo de errar que ser velho é foda. E ser um velho doente, mais foda ainda. Já ser velho, doente e empobrecido, aí é o inferno de Dante. Então, creio que há que se ter muito cuidado com esse elogio da velhice desvinculado da condição de classe. Ficar velho é condição natural da vida. Mas, a condição de classe da pessoa determina situações muito diferentes. Tiro isso por conta da experiência com o pai. Faço parte de grupos de familiares que têm Alzheimer e observo o drama das famílias de trabalhadores empobrecidos para dar um mínimo de qualidade de vida para seus velhos doentes. É uma batalha inglória tanto para quem cuida quanto para quem é cuidado. As famílias hoje são pequenas e não há gente suficiente para cuidar, já que o cuidado é de 24h. Daí é comum recorrer a remédios que dopam ou asilos. Isso não é falta de amor. É falta de condição. Hoje ficamos mais velhos que há décadas passadas. E com tanto de vida pela frente sentimos necessidade de ser criador, seguir contribuindo com a sociedade. Mas, nos pedem que saiamos, para dar lugar aos jovens. E, apesar de todo esse discurso sobre a “terceira-idade”, “melhor idade” e o escambau, o velho é jogado para o esquecimento. Se ele não se mantiver ligado nas redes sociais, fazendo dancinhas ou qualquer outro espetáculo, está fora, esquecido. Não importa se foi alguém que fez coisas importantes, na vida, no trabalho, na cultura da sua comunidade. Se ele saiu, pronto. Esquecido. Outro dia me surpreendi vendo um ator famoso, lindo e jovem, ser escalado para fazer um velho num filme. E todos os atores velhos que estão aí esperando um papel? Não importa. Estão velhos. Não dá mais. Então, caracteriza um novo para ficar velho. E se o ator velho, que já foi grande, faz um papel pequeno ou bobo num filme, lá vêm críticas… Não há paz para o velho. O velho que vá pra casa descansar. Bueno, há velhos que conseguiram juntar grana e podem curtir a aposentadoria, viajando, fazendo coisas legais. Mas a maioria dos velhos – que são da classe trabalhadora – não consegue juntar dinheiro para viagens ou curtição. As aposentadorias minguadas servem para comprar remédios que vão tratar doenças adquiridas nessa vida de sacrifício. O capital lhes tira tudo, a vida produtiva e depois a alegria da aposentadoria. Essa é a realidade. Assim as coisas são. Então, por isso que ao falar sobre a velhice a gente tem de pensar sobre o modo de vida que produz essa sociedade egoísta, produtivista, capitalista. O velho, nesse mundo, está fadado ao sofrimento. Porque ele já não produz mais para o capital, porque ele não é útil para mais ninguém, porque ele vira um incômodo. Não é de espantar então atitudes como a do nosso querido Flávio Migliaccio, ou Walmor Chagas, ou agora o lindo Alan Delon. O velho, doente e incapacitado, se vê e é visto como um estorvo. Se é rico ainda consegue decidir sobre sua vida/morte, se é pobre não tem chance alguma. Nem nesse momento. Nem nessa hora noa. Ainda há muita estrada para andar nesse tema da velhice. Mas se a gente não pensar primeiro sobre a necessidade urgente de se ter uma sociedade capaz de lidar com o velho, sem comiseração, mas com respeito a tudo que ele foi, continuará sendo um fardo pesado envelhecer. E quando digo envelhecer não tem nada a ver com a gente não pintar mais os cabelos, mas enfrentar toda a decrepitude que a idade traz, inclusive a intelectual, e o abandono que lhe segue. Saber que teremos cuidado quando essa hora chegar pode mudar muito nossa relação com a velhice. Mas, hoje, como o mundo é, é impossível ter alguma esperança. Só mesmo a angústia de saber que chegará a hora em que nos deixarão no meio do caminho, abandonados e sós. Com o meu pai, venho mudando minhas práticas e aprendendo muito sobre esse processo. Mas, cuidar de um velho não pode significar a morte do jovem. Há que existir espaço para os dois. Espaços de vida, de alegria e de fruição. E, no capitalismo, “my friend”,  isso não vai acontecer. Notas sobre a velhice

Notas sobre a velhice

por Elaine Tavares Então, de repente, a velhice mostra sua cara. E não é aquela dos folhetos da previdência privada, nem da Unimed. É velhice real, que chega e toma conta daqueles que amamos, com doenças e esquecimentos. Pode ser o pai, ou a mãe, ou um avô. E, no contrapé, pega de surpresa, afinal, as pessoas até percebem o velho, mas não notam que ele está perdendo a autonomia. Assim, sem manual e sem qualquer experiência anterior, por vezes é preciso enfrentar uma situação nova, cheia de desafios e surpreendentes ensinamentos. Foi assim com Nelson. Sempre ativo e tomando conta de tudo, um belo dia foi surpreendido pela filha rasgando documentos importantes. Ela perguntou o motivo daquilo. E ele negou veementemente que o havia feito. Não se lembrava. Acendeu a luz vermelha e lá se foi a família buscar um médico. Um dos melhores de Porto Alegre. Ele fez uma consulta padrão e em poucos minutos já dava o diagnóstico: Alzheimer. Essa doença tão temida, que provoca o esquecimento. A filha fica meio sem chão, mas, seguindo as receitas médicas começa a medicar o pai. O remédio logo mostra a que veio. Nelson estava como um bobo. Já não conseguia articular as palavras, não controlava as necessidades físicas, a boca entortava, não queria comer. Foi um baque, porque ele sempre fora o arrimo da casa. Vivendo no meio do mato, sem muitos recursos, a filha, atarantada com a mudança drástica de comportamento, decidiu suspender a medicação. Talvez tenha sido o que o salvou. A bobeira passou e ele começou de novo a atinar as ideias. A outra filha decidiu buscar outro médico. Trouxe para Florianópolis. Nova consulta, um médico capaz de olhar a pessoa e não a doença. Ele chegou à conclusão de que o que Nelson precisava era de uma boa nutrição, cuidado e atenção. O demais, como a perda de memória, ficaria monitorando. Poderia ser o esquecimento normal da velhice. Aos 85 anos isso não era algo tão fora da realidade.   E assim foi feito. Alimentação saudável, música, cuidado e paciência. Muita paciência. Mas, essa não é uma jornada fácil. Os velhos precisam de atenção durante 24 horas. Porque eles podem esquecer um fogão ligado, um cigarro aceso, meter a mão onde não devem. Aí vem o drama: como cuidar 24 horas, se é preciso sair para trabalhar? A vida vira de pernas para o ar. E quando o velho precisa ser trocado, usar fraldas e tudo mais, torna o cuidado ainda mais difícil. Afinal, é preciso força para erguer, virar, movimentar. Ter uma pessoa idosa em casa, exigindo atenção permanente, é uma virada radical. Poucas famílias conseguem segurar essa barra. Na verdade, ninguém está preparado para essa tarefa. Não há conhecimento sobre como proceder, o que fazer. A pessoa velha, doente e fora de sua casa, fica irritadiça, nervosa, rebelde. Não se sabe o que fazer. E a única saída é ir tateando no escuro. Ler sobre o tema, buscar relatos de outras pessoas que enfrentam o mesmo drama, buscar amparo. Algumas famílias são maiores, podem dividir as tarefas, construir tabelas de horários para um e para outro, constituindo turnos, rotinas, afinal, o cuidado é permanente. Ainda assim, é difícil conciliar estudo e trabalho. Agora, e quem não tem família, faz o quê?   Quem pode cuidar de um velho? Cuidar de uma pessoa velha e doente é difícil demais. Não existe nenhum lugar onde se possa buscar ajuda. Cada família que se vire. Existem os cuidadores particulares, mas o preço a pagar é muito alto. Para uma família de trabalhadores fica inviável. Possivelmente é por isso que uma das opções mais buscada é colocar os velhos num asilo. Não é por descaso ou desamor. É justamente o contrário. Sem condições de cuidar e tendo de prover a família, a pessoa fica sem saída. Em Florianópolis já existe uma casa, no bairro Santa Mônica, um bairro nobre, que funciona como creche. A família leva o velho e ele fica lá enquanto o povo trabalha. No fim do dia vão buscar e ele vive em família, sem ser privado da companhia dos parentes. Mas, igualmente, é uma opção privada e caríssima. Há algumas pessoas que já discutem em grupos na internet a possibilidade de criar um movimento pró-creches públicas para velhos. Mas, lendo mais sobre o assunto, surgem muitas dúvidas sobre se esse é um caminho saudável. No geral os velhos não gostam de sair de seus lugares habituais, mesmo os que estão sem memória. Eles têm suas próprias rotinas e andar com eles pra lá e pra cá, todos os dias, pode ser motivo de estresse. E teriam de sair da cama muito cedo para acompanhar quem vai ao trabalho. Um sacrifício total. E, depois, o velho não pode ser tratado como se fosse uma criança. Esse é um dos erros mais comuns que se comete. Eles já passaram por essa fase, e ainda que não tenham lembrança de várias coisas, de alguma maneira sabem que não são bebês. Então nada de guti, guti, nem de tutelagem. É fundamental que o velho tenha alguma autonomia. Que possa decidir sobre o que comer, o que fazer, como passar o dia. A família que cuida precisa ficar de longe, a cuidar e, vez em quando, propor um passeio, uma distração. Mas, isso, como já vimos, não é uma opção para muita gente. Fui buscar na internet sobre a experiência de cuidar velhos em Cuba, que é um país com uma proposta socialista, e percebi que lá eles têm discutido bastante essa questão. Porque também estão vendo sua população viver bem mais. Esse é um assunto novo, afinal, a longevidade não era coisa que fazia parte da nossa vida. No Brasil, entre 2005 e 2015, a proporção de idosos de 60 anos ou mais, passou de 9,8% para 14,3%. E há estimativas de que em 2050 esse número triplicará. Esses são números do Brasil, mas o envelhecimento da população é uma tendência mundial. Não é sem razão