Zona Curva

Amazônia desmatamento

O vexame brasileiro na COP26

Ecossocialista Mariana Martins comenta sobre a inexistência e defasagem de propostas climáticas pelo governo federal   Com colaboração de Isabela Gama O CONVERSA AO VIVO ZONACURVA recebeu na última sexta-feira (dia 5), a ecossocialista Mariana Martins para comentar sobre o vexame brasileiro na COP 26, reunião organizada pela ONU na cidade escocesa de Glasgow, onde líderes de mais de 200 países discutem o caos climático.  Às vésperas da reunião, o presidente Jair Bolsonaro anunciou o Programa Nacional de Crescimento Verde, alegando que pretende estimular a sustentabilidade, mas não comenta como irá fazer isso. Para a ativista, o Plano Verde deve levar esse nome por não estar maduro. A falta de propostas eficientes e claras dificultam o olhar otimista sobre o tema, afirma a entrevistada para o editor Zonacurva Fernando do Valle, o advogado Roberto Lamari e o editor do Vishows Luís Lopes. Martins explica que o ecossocialismo é uma forma de entender o marxismo respeitando os limites do planeta, revisando o consumo exagerado. “Para o sistema, tirar o lucro como o objetivo principal da sociedade e almejar o bem-estar comunitário é incompatível. Não dá para continuar vivendo no capitalismo achando que também dá para cuidar do meio ambiente”  A COP 26 veio com o objetivo de atualizar e reorganizar as propostas vigentes no Acordo de Paris, assinado por vários líderes mundiais em 2015. Dentre os diversos desafios ambientais que as nações do mundo enfrentam encontramos a política ambiental do atual governo brasileiro que agravou os problemas ambientais, tanto nacionais como mundiais. O Brasil saiu de vítima em 2015 para se tornar o vilão climático em 2021. Os problemas ambientais do país não se limitam apenas às queimadas frequentes na floresta amazônica, mas também às práticas antiambientais de boa parte do agronegócio, que é o grande emissor de metano do país.  Para a ativista, o caráter exploratório do agronegócio o impossibilita de viver em harmonia com a sustentabilidade, afinal seu objetivo é lucrar com a exportação, e não o de alimentar pessoas. Na verdade, os brasileiros dependem da agricultura familiar para seu sustento. O acordo firmado entre o estado e as empresas de exportação de alimentos gerou esses problemas. E, nitidamente, ambos vêm aplicando uma política de desmonte dos órgãos de defesa do meio ambiente como Ibama e Icmbio, deste modo, ambientalistas, indígenas e a sociedade civil que se revoltam ao ver o governo “passando a boiada”, se tornam inimigos do governo. Martins explica que o ataque de Bolsonaro aos povos originários é uma tentativa de cumprir os acordos com o agronegócio. “Bolsonaro fala que os povos originários querem terra, mas quem quer terra é grileiro”, diz a ecossocialista. Ela completa que, para os povos indígenas, a terra não é deles, a terra é a natureza. Inclusive dentro das aldeias, há compostagem e cada um tem responsabilidade com seu próprio lixo. A catástrofe climática que o mundo enfrenta já tem dado seus sinais. Em julho deste ano, ondas de calor jamais vistas anteriormente atingiram a costa oeste do Canadá e dos EUA. Segundo a polícia de Vancouver, mais de 130 óbitos ocorreram por mal súbito na cidade em apenas um dia.  Já nos EUA, o calor foi tão intenso que chegou a derreter os cabos elétricos em Portland. Para a ativista, caso situações extremas como essas ocorram no Brasil, safras de alimentos serão comprometidas. Mariana afirma que a crise de abastecimento poderá se intensificar, afetando as populações mais carentes. Geração Z sofre com eco-ansiedade, medo da destruição ambiental Mil noites no Brasil

A Amazônia e os interesses em jogo

A região amazônica foi a última a ser invadida no período colonial. Era um espaço hostil para os espanhóis e portugueses e só apareceu como um lugar viável para os não-originários quando veio o ciclo da borracha, no final do século XIX. Ou seja, quando se descobriu que da seringueira brotava uma espécie de ouro, a borracha. Os povos que lá viviam começaram então a ser destruídos, assassinados, expulsos. Para os capitalistas, assim como fora para os portugueses e espanhóis, a Amazônia só aparecia como um espaço de roubo de riqueza e ponto. Com o ciclo da borracha, a migração de gente para a região ficou intensa e nesse processo a batalha era de índios contra os seringueiros, no geral gente pobre que também buscava encontrar ali alguma forma de sobreviver. Os donos dos seringais incentivavam então as famosas correrias, que eram as expedições feitas para espantar ou exterminar os povos que viviam na floresta. O nome correria é bastante ilustrativo sobre como eram as expedições. Os homens chegavam, armados até os dentes e botavam os índios para correr. Quem ficava era passado na faca ou no tiro. Edilson Martins, no livro “Nossos índios, nossos mortos” conta que muitas vezes acontecia de os homens jogarem as crianças para o alto, aparando com a ponta do facão. Era um massacre. Naquele início do século XX, os povos originários da região da Amazônia estavam praticamente nas mesmas condições que no momento do descobrimento e o avanço dos não-índios, representando o Estado capitalista dependente e predador, era feito com muita violência, visando a exploração dos seringais. Eles sequestravam as mulheres e crianças, obrigando os homens a trabalhar na extração da borracha. Não havia preocupação com a posse da terra, apenas com os seringais. As hordas se moviam pela floresta destruindo as comunidades, eliminando o modo de vida indígena, prostituindo mulheres e dispersando os homens pelos vários campos de colheita. O processo de dizimação e violência já estava acabando com os indígenas quando finalmente o ciclo da borracha colapsou. E, conforme diz Darcy Ribeiro, foi esse colapso que, de certa forma, possibilitou a salvação dos indígenas da região. Mas, o tempo passou e o capital descobriu outras riquezas, além da borracha. A floresta era uma riqueza em si, com toda a sua biodiversidade, os rios caudalosos poderiam gerar energia, as plantas medicinais, as riquezas subterrâneas, as terras sem fim. E, sistematicamente os povos originários tiveram de enfrentar a ofensiva do mundo capitalista. Chegaram os fazendeiros, os engenheiros, as obras monumentais, as represas. E o chamado pulmão do mundo começou a minguar. Portanto, o processo de destruição é longo e vem de muito longe. É fato que no atual governo, com o agronegócio sendo o principal aliado, a situação piorou. Há o incentivo explícito por parte dos governantes para a invasão dos territórios indígenas, seja para uso da agricultura ou da mineração. E também é fato que as liberações para desmatamento aumentaram significativamente. Outro fato inconteste é o interesse das demais nações do mundo – principalmente as ricas – pela imensidão de riquezas que comporta a floresta amazônica, para além de sua importância climática.  É de longa data a utilização de organizações de caráter social ou religioso para a ocupação dos espaços, garantindo o roubo de plantas e até de sangue indígena, na chamada biopirataria. Ou seja, é o saque perpétuo, o qual vem sendo combatido de maneira quase heroica pelas comunidades indígenas e tradicionais organizadas e por algumas organizações realmente sérias. Um trabalho feito cotidianamente, sem que o mundo não-índio faça alarde. A não ser quando ocorre um massacre ou uma tragédia mais visível. Então, quando, impotentes, observamos a Amazônia arder nesse período do ano que é potencialmente perigoso e passível de queimadas, não podemos engolir determinados discursos, nem dos governantes brasileiros, nem dos líderes mundiais que estão também de olho nas riquezas. Do governo brasileiro muito menos, porque infelizmente está tomando por gente que, além de ter uma posição política proto-fascista diante da vida, é completamente desqualificada técnica e intelectualmente para lidar com as questões nacionais. É de uma estupidez abissal apontar que os incêndios foram provocados pelas ONGs, porque mesmo as que querem se apropriar das bioriquezas da região não as destruiriam. Logo, a quem interessa a terra queimada? É só pensar. Então é preciso ter em conta esses elementos que apontei. A região é um espaço de disputa. De um lado, as comunidades indígenas, ribeirinhas, quilombolas, tradicionais, que querem viver em equilíbrio com a floresta. E do outro, o mundo capitalista, que quer extrair o máximo das riquezas, mesmo que isso significa o extermínio completo de toda a vida. É uma queda de braço que vem sendo travada há séculos. Sendo assim, há que se clamar pela Amazônia sim, principalmente nesse momento particular. Mas, há que se entender que é preciso pensar a Amazônia dentro dessa disputa entre o bem-viver e o capital. Sem isso, nosso grito se perde no vazio enquanto lá, no palco dos acontecimentos, seguirão morrendo as gentes, as árvores e os bichos, no silêncio de nossas consciências apaziguadas depois de apagado o fogo. O verdadeiro inimigo é o capital. Vamos dar combate aos seus gerentes, sem esquecer sua face e sua verdadeira intenção. https://www.zonacurva.com.br/o-agrotoxico-mata-a-gente/ Agronegócio avança sobre a Amazônia  

Agronegócio avança sobre a Amazônia

por Elaine Tavares O Brasil vive uma grave crise política, mas para os deputados no Congresso Nacional, nada está acontecendo. Surdos a toda mobilização popular que questiona a legitimidade do governo Temer e acusa mais de 300 parlamentares de corrupção, os legisladores seguem com a farra de benesses para os seus financiadores. A conhecida “bancada do boi”, na qual estão os representantes do agronegócio é a que mais avança, garantindo cada vez mais a concentração de terra e privilégios para os latifundiários. Não bastasse essa goleada no poder legislativo, os ruralistas ainda seguem matando pessoas nos fundões do Brasil sem que ninguém seja tocado. A chamada acumulação primitiva, tão bem explicada por Marx, segue a passos largos no Brasil. O objetivo é garantir terras ricas para os ricos, eliminando qualquer entrave, sejam os indígenas ou os agricultores sem-terra. Para isso, vale tudo. Nessa quarta-feira, quando mais de 150 mil pessoas tomavam Brasília para pedir o “Fora Temer” e lutar contra as contrarreformas trabalhista e previdenciária, os deputados, encastelados no Congresso, e aproveitando que os colegas de oposição se retiraram em protesto contra o massacre aos trabalhadores que acontecia lá fora, votaram na maior cara de pau Medida Provisória do governo ilegítimo (a MP 759), que regulariza as terras da União ocupadas na Amazônia Legal e estabelece  novos procedimentos para regularização fundiária urbana no Brasil. Entre esses procedimentos está a possibilidade de empresas estrangeiras tomarem conta do território, sem limites de tamanho. A MP passou na forma de um Projeto de Lei  rearranjado pelo senador Romero Jucá (PMDB/RR), o mesmo que o Brasil todo conhece como aquele que apontou como deveria ser o golpe no Brasil, e que está também mergulhado em denúncias de corrupção. Na proposta aprovada agora será possível regularizar áreas maiores que um módulo fiscal e até 2.500 hectares, uma exigência dos latifundiários e dos grandes grileiros de terra. Também permite que ocupantes até 2008 possam fazer a regularização. Antes isso só era possível para os que estavam na área até 2004. Ou seja, a nova lei legaliza a última expansão realizada pelos ladrões de terra, que na sua maioria são grandes fazendeiros que a ferro e fogo, garantiram o aumento da fronteira agrícola para dentro da floresta que é o pulmão do mundo. E com a possibilidade de compra por parte das empresas estrangeiras, a Amazônia poderá ser apropriada pelas transnacionais que usarão a seu bel prazer toda a riqueza da região, inclusive uma infinidade de plantas que servem a indústria farmacêutica. Ou seja, o país perde soberania sobre sua própria riqueza. É o corolário do entreguismo.   O que está em jogo A Amazônia Legal não é um descampado vazio de gente que os fazendeiros podem ir ocupando a seu bel prazer. Ela é um espaço de riquezas infindáveis, equilíbrio do clima mundial e também morada de uma infinidade de povos originários. E é justamente sua riqueza que é sua desgraça, pois os capitalistas, no processo incontrolável de acumulação de capital, querem tomar cada pedaço, não medindo esforços para isso. Tanto que no mesmo dia em que conseguiam aprovar a MP, jagunços a mando de fazendeiros no Pará, assassinavam 10 trabalhadores sem terra. A região amazônica é um laboratório de vida natural com mais de 50 mil quilômetros de rios navegáveis. Só o Amazonas tem mais de mil afluentes. Ali vivem cerca de 80% das variedades de vida do planeta, sendo a maior floresta tropical do mundo. A Amazônia brasileira se apresenta em nove estados do país e desde o processo de invasão tem sido objeto de rapinagem e destruição.  Primeiro com a mineração de ouro no século 18 e depois com o extrativismo da borracha. Não sem razão, a região foi o palco de grandes batalhas, como a Revolta dos Cabanos, entre 1823 e 1839, na qual índios, negros e trabalhadores empobrecidos se levantaram em armas contra o Estado.  Mais de 30 mil pessoas foram mortas pelas forças estatais, na mais sangrenta guerra civil do Brasil. Na investida sobre a Amazônia durante o ciclo da borracha a região foi tomada por levas gigantescas de trabalhadores nordestinos que, sem condições de vida no nordeste, por conta da seca, iam para o norte em busca de vida melhor. Entre 1870 e 1910 mais de 500 mil nordestinos migraram para a região servindo de força de trabalho. A estrada de ferro Madeira-Mamoré construída na primeira década do século 20 deixou um saldo de 30 mil mortos, tamanha era a precariedade das condições de vida. E foi na década de 30 que a entrega das terras para os estrangeiros também começou, com  o empresário estadunidense Henry Ford se apropriando de terras junto às margens do rio Tapajós para a extração da borracha. O governo militar, que assumiu depois do golpe de 64, foi quem promoveu mais um forte processo de acumulação capitalista na região com uma estratégica política de colonização da região, chegando a criar uma agência de fomento para financiar aqueles que queriam investir na Amazônia, a famosa SUDAM, espaço de grandes processos de corrupção e desvio de dinheiro, envolvendo figuras conhecidas como Jader Barbalho e Roseana Sarney, mas que seguem suas vidas sem punição alguma. Foi justamente nesse período que se abriram as fronteiras da floresta ao capital. Conforme estudos de Fiorelo Picoli, no livro “O Capital e a devastação da Amazônia”, entre 1960 e 1970 apenas 35,3% das terras pertenciam a estabelecimentos com menos de 100 hectares. Já a partir de 1975 a concentração tinha dado um salto, com 99,8 das áreas sendo propriedades de mais de 100 hectares, com 75% tendo mais de mil hectares. Ou seja, foi o período em que os fazendeiros mais amealharam terra na região. Esse foi também um tempo em que centenas de milhares de indígenas foram assassinados ou desalojados de seus territórios. Tudo era válido para que o Brasil “progredisse”. O estado chegou a criar uma base militar no sul do Pará, justamente para apoiar a grilagem de terra pelos grandes fazendeiros, atuando contra os posseiros empobrecidos e contra