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Dez anos sem Chávez

Hugo Chávez – Foi em 1815 que Simón Bolívar escreveu sua famosa Carta da Jamaica, na qual estava plasmado o seu sonho de uma Pátria Grande, com a união de todos os espaços que estavam sob o jugo da Espanha. Um sonho que ele tratou de concretizar com sua saga libertadora voltando para a Venezuela e recomeçando o processo de independência. E foi na ponta da espada que ele e os demais que o seguiam foram liberando país por país. Depois, em 1826, Simón chamou um Congresso Anfictiônico no Panamá, no qual pretendia então tornar real a proposta da união deste imenso espaço geográfico que vai desde o México até a Patagônia. Obviamente que não queria os Estados Unidos nesse bloco, porque já sabia que a vocação deste país era imperial. Mas a ambição e a traição de muitos que haviam caminhado com ele acabaram por fazer ruir essa proposta e, em 1830, Bolívar morre sem ver a Pátria Grande. Desde aí os países das Américas Central e do Sul, mais o México seguiram suas histórias individuais, imediatamente abocanhados pelo império inglês e, mais tarde, pelos Estados Unidos. Dependência e subdesenvolvimento, isso foi o que nos restou. Bolívar estava esquecido, bem como sua generosa e visionária proposta. O tempo passou e em 1992, a Europa, já bastante golpeada pela ação imperialista dos Estados Unidos, decidiu criar a União Europeia, unificando os países para melhor enfrentar o titã. Já na América Latina, unidade era palavra que não se escutava. O máximo que se chegou foi a uma tentativa de integração comercial, mas apenas com os países do sul. Tudo isso mudou em 1999 quando, na Venezuela de Bolívar, surge um líder político absolutamente fora da curva: Hugo Chávez. Ele vence as eleições e começa o que vai chamar de uma “revolução bolivariana”. Assim, 184 anos depois da libertária Carta da Jamaica, finalmente outro político venezuelano ousa falar de soberania e unidade para os países abaixo do rio Grande, tendo como horizonte o socialismo. Bolívar ressurgia em todo o seu esplendor. Com Chávez começa então outro  momento único para a América Latina. Até então, apenas a pequena ilha de Cuba sobrevivia, heroicamente, acossada e bloqueada pelos Estados Unidos. O grito de unidade da Pátria Grande vinha agora de um país petroleiro, riquíssimo, mas no qual sua população agonizava massacrada pelos velhos partidos políticos que se alternavam no poder, legando apenas à classe dominante os ganhos astronômicos do petróleo. Com Chávez, tudo muda. Os ganhos do petróleo passam a ser usados para o benefício de toda gente venezuelana e o presidente ousa enfrentar o império estadunidense acercando-se de Cuba e anunciando que o país iria avançar para o socialismo. Sacrilégio, heresia. Imediatamente toda a máquina ideológica do capital e do império passou a atacá-lo usando a velha tática de alcunhar ditador, antidemocrático e autoritário tudo aquilo que não está aos seus pés, ajoelhado e a serviço. Chávez estava a serviço dos trabalhadores da Venezuela. Um crime! HUGO CHÁVEZ MORREU EM 5 DE MARÇO DE 2013 Ainda assim, atacado e difamado, de 1999 a 2013, tempo em que esteve à frente do governo, Chávez palmilhou o caminho prometido de soberania, unidade e socialismo. Deu início a uma série de ações no sentido de unificar os países, integrou pela primeira vez a América Central e o Caribe em um plano de Pátria Grande, realizou acordos, garantiu petróleo para os países menores, buscou o desenvolvimento endógeno, virou o jogo. Nunca, depois de Bolívar, havia existido um líder assim, capaz de pensar a América baixa na sua totalidade e capaz de atuar em consequência. Veio a Telesur, proposta de mídia integradora, Unasur, união dos países, Banco do Sur, um banco nosso, Petrocaribe, Celac e uma série de outras iniciativas que apontava para a unidade dos países na busca de um bloco que pudesse sair da dependência imposta desde há séculos. Chávez foi um furacão. Passou a ser, depois de Fidel, a figura mais odiada pelos poderosos do mundo. Por outro lado, sua voz poderosa, seu riso maroto, suas tiradas alegres, seu conhecimento sobre a realidade latino-americana foram amealhando o amor dos trabalhadores, das classes empobrecidas, que viam nele uma liderança verdadeiramente disposta a colocar “patas arriba” a velha forma de governar, invertendo as prioridades. Chávez andava pelo seu país, cada domingo num lugar, onde falava com a população, cara-a-cara, em um inédito programa de televisão, que chegava a durar oito ou nove horas. E desde os problemas estruturais até a falta de calçamento de uma rua podiam ser discutidos ali. Absurdamente popular. Ele prometia e cumpria. Chávez mudou a Venezuela e mudou a América Latina. Trouxe de volta Bolívar, Martí, Che, Sandino e todos os demais que haviam lutado para ver um continente unificado, um povo irmanado e soberano. E, mais do que esperança, trouxe ação concreta. Foi um furacão, uma locomotiva reluzente e alegre, disposto a mudar a vida de todos nós. Em 2013 o venceu um câncer, que alguns acreditam ter sido inoculado. Ele era considerado pior do que o demônio pelo império. A história talvez um dia nos dê estas respostas. Mas, o fato é que ele se foi. E depois disso, a grande máquina do sonho da Pátria Grande ficou mais lenta. Neste março completam dez anos de sua partida. E a América Latina que vemos hoje não se aproxima sequer palidamente daquela que ele ousou iniciar a construção. Mas, assim como Bolívar, ele vive no coração e nas mentes daqueles que continuam carregando esse sonho de soberania. Eu tive o privilégio de viver esses 14 anos do tempo de Chávez no comando dos desejos mais profundos dos trabalhadores latino-americanos. Pude vê-lo e ouvi-lo, sua cara mesclada de negro e índio, sua voz de trovão. Pude caminhar pela Venezuela bolivariana, vendo a luta de classes acontecer nas ruas, o povo – antes esquecido – assomando no controle de suas comunidades. E, hoje, quando se completa uma década de sua semeadura, ainda me descem gordas lágrimas de profunda saudade. Quanta falta nos faz.

América Central: a luta ainda vibra

Independência América Central – Os governos da América Central (Guatemala, Nicarágua, Honduras, El Salvador e Costa Rica) celebram, nesse mês de setembro, o bicentenário de independência da colônia espanhola, quando, em 1821, esses países criaram a União das Províncias da América Central. Integravam-se assim ao furacão revolucionário que tomava toda a América Latina e, como acontecia no México e na América do Sul, igualmente expulsaram os espanhóis do mando, buscando vida melhor para toda a gente. Foi uma independência curta, visto que um ano depois eram anexadas pelo então Império do México, mas tão logo o México tornou-se república, em 1823, e esses países aproveitaram para voltar a constituir a União das Províncias, aí sim livres e autônomas, sem mais vínculos com a Espanha ou México. A união das Províncias chegou a participar do Congresso Anfictiônico do Panamá, promovido por Simón Bolívar em 1926, justamente para dar consequência ao que ele chamava de constituição da Pátria Grande. Aquele foi um sonho que embalou muitos dos libertadores. Mas, tal qual aconteceu na América do Sul, onde os oligarcas regionais resolveram trair a ideia da Pátria Grande e fatiar o continente em pequenas repúblicas, nas quais cada um pudesse exercer o seu poder, a União das Províncias da América Central também se desfez em 1838, quando a Guatemala decidiu sair do bloco. Logo em seguida, uma a uma, as demais províncias também foram se separando e acabou o sonho de uma América Central unificada. A partir dessa balcanização, a águia do norte decidiu fincar as garras no lugar e foi quando os Estados Unidos passaram a ocupar a região, começando pelo Caribe. E o resto é história. Nunca mais esses países conseguiram sair da esfera de influência dos Estados Unidos, que mantêm o processo de dependência e de subdesenvolvimento sempre firme, resguardando seus interesses geopolíticos e econômicos. Não é sem razão que é da América Central que saem milhares de pessoas em fuga, todos os anos, em colunas de migrantes, buscando sair do círculo de miséria, fome e violência que grassa nos países da região. Basta uma olhada na história de cada um desses países para se deparar com ditaduras sanguinárias, ocupações militares, genocídios, etnocídios e extrema exploração dos trabalhadores, o capitalismo dependente e com todos os ingredientes autoritários. O que fez, inclusive, com que as populações buscassem, durante anos de guerras civis e revoluções de libertação nacional, a verdadeira independência. Uma independência que não aconteceu. Justamente por isso que nesse mês de setembro, quando começaram a pipocar as celebrações do bicentenário da libertação de Espanha, as gentes dos países da América Central não deixaram por menos. Na semana do dia 15 de setembro, manifestações, atos de protesto e marchas foram realizadas na região. Os trabalhadores sabem muito bem que nada está bem e que pouco há para celebrar, portanto não se vincularam às festas governamentais. Na Guatemala, os camponeses e os indígenas (que na verdade se misturam) lembraram o massacre do povo maia e a guerra sem fim que tem sido imposta à população governo trás governo, a tal ponto de obrigar famílias inteiras à fuga constante. Isso sem falar na sangria de riqueza através da corrupção endêmica da classe dominante. Em El Salvador também aconteceram massivas marchas de protesto exigindo a verdadeira independência e o fim do governo antidemocrático de Nayib Bukele. Na Nicarágua. os protestos no dia de independência se somaram à rejeição ao que denominam governo autoritário de Daniel Ortega. Trabalhadores do campo e da cidade de Honduras também realizaram manifestações de protesto: nada a celebrar. E até mesmo na Costa Rica, ainda que não tenham acontecido protestos massivos, foram registradas manifestações, principalmente desde os partidos políticos de esquerda, por uma independência real. Assim, para além dos discursos governamentais ufanistas, as gentes que padecem a vida real, nos campos e nas cidades, os trabalhadores que não encontram mais como reproduzir a vida, os indígenas massacrados, os camponeses expropriados, as mulheres, as crianças e os velhos empobrecidos pela exploração capitalista dependente, seguem lutando – cotidianamente – para garantir a vida boa e bonita que um dia foi vislumbrada pelos sonhadores da Pátria Grande soberana e popular, verdadeiramente livre da opressão e da dependência. A luta não esmorece na América Central e mesmo aqueles que, sem saída, decidem migrar, carregam com eles o desejo de ver um mundo novo para os seus. Ainda há muita estrada para trilhar até a liberdade e os lutadores estão de pé. https://urutaurpg.com.br/siteluis/como-augusto-sandino-enfrentou-os-estados-unidos/ América Latina e as lutas sociais Unasul: golpeada a proposta de um bloco na América Latina América Latina e seus dilemas