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A América Latina e os Estados Unidos

Estou fazendo o curso da Camila Vidal, no Iela  (Instituto de Estudo Latino-Americanos da UFSC)  sobre as Intervenções dos Estados Unidos na América Latina. E, confesso, ao final de cada aula, saio completamente deprimida. Não pela aula, que é sempre ótima, mas pelas informações. A proposta do curso, que começou no ano passado, é desvelar, com riqueza de detalhes, cada intervenção dos Estados Unidos nos países da Pátria Grande, desde o roubo das terras mexicanas, primeiro conflito gerado pelo famoso Destino Manifesto, até nossos dias. O que causa a profunda tristeza é observar que nesses conflitos de invasão explícita ou de geração de golpes a conversinha é sempre a mesma: levar a democracia e o desenvolvimento aos países bárbaros. É um eterno retorno. Basta que o país se desloque, mesmo que bem pouquinho, da órbita dos Estados Unidos para que comece a sofrer as consequências. As formas de ataque também são sempre as mesmas, embargos, bloqueios econômicos, campanha midiática sobre um suposto perigo de comunismo, financiamento de grupos de “oposição” (armados ou não) e invasão direta. No geral, a situação que gera o ataque dos EUA também é sempre a mesma. Um governo mais à esquerda ou um governo algo progressista que comece a mudar a lógica garantindo educação, saúde, moradia e seguranças ao povo passa a ser visto como perigoso. E, se não se aliar aos EUA nos seus interesses, já vira inimigo. Mas, se for além, buscando garantir soberania nas ações e na exploração de suas riquezas, aí vira o próprio demônio. É hora de o império agir. O começo de tudo vem pela campanha de propaganda contra o país. A mídia mundial embarca na canoa, divulgando as notícias produzidas pelas agências dos EUA, como se ali estivesse a verdade. Principia então o desenho do “monstro”. E não importa que esse monstro tenha sido amigo e formado pelos Estados Unidos, como foi o caso de Noriega, no Panamá, ou Sadam, no Iraque. Saiu um pouco da rota, está na fogueira. No geral, o problema principal detectado é uma “tendência ao comunismo”. Começou a oferecer educação, serviços públicos de qualidade, usar os recursos nacionais para desenvolver o país, pronto, virou comunista. E o comunismo aí colocado como algo ruim. Sendo que não é! Na verdade, o comunismo é quase uma sociedade perfeita, onde cada um ganha conforme o que necessita e atua na sociedade para o bem de todos. Pois isso é um perigo para os que dominam, então há que demonizar. E assim vamos indo, estudando a história de cada um dos nossos países da América Latina: O México, na parte norte, a América Central com todo o drama da violência, genocídios e da migração presente em cada país, o Caribe e sua pobreza endêmica apesar da exuberante riqueza natural que o faz paraíso dos ricos, e a nossa América do Sul, com sua história de traições, golpes militares, golpes parlamentares e golpes midiáticos. Não escapa um. Cada país abaixo do rio Bravo já sofreu a intervenção do império, seja diretamente ou fomentando traições internas. É batata. Nenhum bem pode vir para a maioria da população. Há que manter a massa no arrocho e garantir a maior taxa de lucro para o 1% que domina. Saiu disso, tá morto. Nesse universo infernal produzido pelos Estados Unidos o único país que se mantém firme é Cuba, a pequena ilha caribenha que enfrenta há mais de 60 anos o ataque ininterrupto do império. É absolutamente fantástico que consigam manter a revolução e as conquistas que vieram depois dela, apesar de tanto ataque. O povo cubano é deveras extraordinário, afinal é submetido a um bombardeio midiático diário e sofre um embargo econômico criminoso. Apesar disso o povo da ilha se reinventa e resiste, valentemente. Mas, no que diz respeito aos demais países o eterno retorno é lei. Passam anos de ditadura, de governos autoritários ou neoliberais e quando a população finalmente se propõe a mudar e elege alguém menos alinhado aos interesses estadunidenses, lá vem a máquina imperialista, a Estrela da Morte, com todo o seu arsenal ideológico e militar. Só na história contemporânea podemos citar a Venezuela e o golpe armado em 2002 contra Chávez, a deposição de Bertrand Aristide no Haiti em 2004, criando esse caos que não tem fim no país, o golpe em Honduras em 2009 que deixou um rastro de sangue, a queda do presidente Lugo no Paraguai para o retorno da velha oligarquia, a queda da Dilma em 2016 no Brasil que levou à tragédia Bolsonaro, o golpe contra Evo Morales em 2019, a queda de Pedro Castillo em 2022, as tramas na América Central para impedir que ideias mais arejadas pudessem assomar, com o sistemático assassinato de lideranças de lutas populares e ambientais, e por aí vai. É claro que numa análise mais acurada a gente vai perceber que internamente nos países há erros e equívocos praticados pelos governantes, o que torna a ação imperial ainda mais fácil de ser efetivada. Mas, o que não se pode deixar de perceber é que os EUA estão sempre ali, como uma águia assassina a esperar a hora de comer os olhos dos governantes – e da população – que ousarem sair da linha. Volto a lembrar de Cuba, cujo presidente, Fidel, chegou a sofrer mais de 600 tentativas de assassinato. Sobreviveu a todas e para azar do império, morreu velhinho, no aconchego do lar, do jeito que quis, amado pelo povo. De novo, um exemplo solitário nesse mar de podridão criado pelos Estados Unidos em toda a nossa Pátria Grande. O fato é que no capitalismo, cuja locomotiva ainda é os EUA (China e Rússia disputam o cargo), resistir a esse modelo que garante riqueza e vida boa a apenas 1% da população é uma tarefa gigantesca. As populações lutam com o que podem, que são apenas os seus corpos nus. Como enfrentar a máquina gigantesca da guerra? Lembro-me da invasão ao Panamá em 1989, quando uma força de milhares de soldados estadunidenses bombardeou a

Dez anos sem Chávez

Hugo Chávez – Foi em 1815 que Simón Bolívar escreveu sua famosa Carta da Jamaica, na qual estava plasmado o seu sonho de uma Pátria Grande, com a união de todos os espaços que estavam sob o jugo da Espanha. Um sonho que ele tratou de concretizar com sua saga libertadora voltando para a Venezuela e recomeçando o processo de independência. E foi na ponta da espada que ele e os demais que o seguiam foram liberando país por país. Depois, em 1826, Simón chamou um Congresso Anfictiônico no Panamá, no qual pretendia então tornar real a proposta da união deste imenso espaço geográfico que vai desde o México até a Patagônia. Obviamente que não queria os Estados Unidos nesse bloco, porque já sabia que a vocação deste país era imperial. Mas a ambição e a traição de muitos que haviam caminhado com ele acabaram por fazer ruir essa proposta e, em 1830, Bolívar morre sem ver a Pátria Grande. Desde aí os países das Américas Central e do Sul, mais o México seguiram suas histórias individuais, imediatamente abocanhados pelo império inglês e, mais tarde, pelos Estados Unidos. Dependência e subdesenvolvimento, isso foi o que nos restou. Bolívar estava esquecido, bem como sua generosa e visionária proposta. O tempo passou e em 1992, a Europa, já bastante golpeada pela ação imperialista dos Estados Unidos, decidiu criar a União Europeia, unificando os países para melhor enfrentar o titã. Já na América Latina, unidade era palavra que não se escutava. O máximo que se chegou foi a uma tentativa de integração comercial, mas apenas com os países do sul. Tudo isso mudou em 1999 quando, na Venezuela de Bolívar, surge um líder político absolutamente fora da curva: Hugo Chávez. Ele vence as eleições e começa o que vai chamar de uma “revolução bolivariana”. Assim, 184 anos depois da libertária Carta da Jamaica, finalmente outro político venezuelano ousa falar de soberania e unidade para os países abaixo do rio Grande, tendo como horizonte o socialismo. Bolívar ressurgia em todo o seu esplendor. Com Chávez começa então outro  momento único para a América Latina. Até então, apenas a pequena ilha de Cuba sobrevivia, heroicamente, acossada e bloqueada pelos Estados Unidos. O grito de unidade da Pátria Grande vinha agora de um país petroleiro, riquíssimo, mas no qual sua população agonizava massacrada pelos velhos partidos políticos que se alternavam no poder, legando apenas à classe dominante os ganhos astronômicos do petróleo. Com Chávez, tudo muda. Os ganhos do petróleo passam a ser usados para o benefício de toda gente venezuelana e o presidente ousa enfrentar o império estadunidense acercando-se de Cuba e anunciando que o país iria avançar para o socialismo. Sacrilégio, heresia. Imediatamente toda a máquina ideológica do capital e do império passou a atacá-lo usando a velha tática de alcunhar ditador, antidemocrático e autoritário tudo aquilo que não está aos seus pés, ajoelhado e a serviço. Chávez estava a serviço dos trabalhadores da Venezuela. Um crime! HUGO CHÁVEZ MORREU EM 5 DE MARÇO DE 2013 Ainda assim, atacado e difamado, de 1999 a 2013, tempo em que esteve à frente do governo, Chávez palmilhou o caminho prometido de soberania, unidade e socialismo. Deu início a uma série de ações no sentido de unificar os países, integrou pela primeira vez a América Central e o Caribe em um plano de Pátria Grande, realizou acordos, garantiu petróleo para os países menores, buscou o desenvolvimento endógeno, virou o jogo. Nunca, depois de Bolívar, havia existido um líder assim, capaz de pensar a América baixa na sua totalidade e capaz de atuar em consequência. Veio a Telesur, proposta de mídia integradora, Unasur, união dos países, Banco do Sur, um banco nosso, Petrocaribe, Celac e uma série de outras iniciativas que apontava para a unidade dos países na busca de um bloco que pudesse sair da dependência imposta desde há séculos. Chávez foi um furacão. Passou a ser, depois de Fidel, a figura mais odiada pelos poderosos do mundo. Por outro lado, sua voz poderosa, seu riso maroto, suas tiradas alegres, seu conhecimento sobre a realidade latino-americana foram amealhando o amor dos trabalhadores, das classes empobrecidas, que viam nele uma liderança verdadeiramente disposta a colocar “patas arriba” a velha forma de governar, invertendo as prioridades. Chávez andava pelo seu país, cada domingo num lugar, onde falava com a população, cara-a-cara, em um inédito programa de televisão, que chegava a durar oito ou nove horas. E desde os problemas estruturais até a falta de calçamento de uma rua podiam ser discutidos ali. Absurdamente popular. Ele prometia e cumpria. Chávez mudou a Venezuela e mudou a América Latina. Trouxe de volta Bolívar, Martí, Che, Sandino e todos os demais que haviam lutado para ver um continente unificado, um povo irmanado e soberano. E, mais do que esperança, trouxe ação concreta. Foi um furacão, uma locomotiva reluzente e alegre, disposto a mudar a vida de todos nós. Em 2013 o venceu um câncer, que alguns acreditam ter sido inoculado. Ele era considerado pior do que o demônio pelo império. A história talvez um dia nos dê estas respostas. Mas, o fato é que ele se foi. E depois disso, a grande máquina do sonho da Pátria Grande ficou mais lenta. Neste março completam dez anos de sua partida. E a América Latina que vemos hoje não se aproxima sequer palidamente daquela que ele ousou iniciar a construção. Mas, assim como Bolívar, ele vive no coração e nas mentes daqueles que continuam carregando esse sonho de soberania. Eu tive o privilégio de viver esses 14 anos do tempo de Chávez no comando dos desejos mais profundos dos trabalhadores latino-americanos. Pude vê-lo e ouvi-lo, sua cara mesclada de negro e índio, sua voz de trovão. Pude caminhar pela Venezuela bolivariana, vendo a luta de classes acontecer nas ruas, o povo – antes esquecido – assomando no controle de suas comunidades. E, hoje, quando se completa uma década de sua semeadura, ainda me descem gordas lágrimas de profunda saudade. Quanta falta nos faz.

A resiliência política das bases populares

A história da América Latina, como escreveu Eduardo Galeano, foi escrita com o sangue derramado pelas veias abertas de sua população. É uma história de resiliência, desde a resistência indígena à empresa colonizadora, passando pela rebelião dos africanos trazidos ao Continente como escravos, até as lutas por independência e soberania. Lutas de resistências e conquistas que a classe dominante insiste em ocultar, como é o caso da Revolução Haitiana (1791-1804), que terminou com a independência da antiga colônia. Muitos livros didáticos ignoram as rebeliões e revoluções, e ainda tratam a invasão colonialista, promovida por países europeus (Espanha, Portugal, Inglaterra, Holanda etc) como “descobrimento”, na tentativa de encobrir o caráter genocida da atividade colonizadora e escravagista. Em “A ideologia alemã”, Marx e Engels escrevem que “as ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias predominantes, isto é, a classe que se constitui na força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante”. Como sublinha o axioma africano, conhecemos apenas a versão do caçador, porque nunca demos ouvidos à versão do leão. A reduzida circulação da arte e da literatura produzida pelos povos oprimidos (indígenas, quilombolas, camponeses, operários, prostitutas, prisioneiros comuns etc) se deve ao elitismo de nossas universidades, que padecem do “complexo de vira-lata” frente às academias dos EUA e da Europa. Os cursos de extensão universitária raramente têm por objetivo a atitude de escuta e pesquisa junto aos segmentos subjugados, sujeitos a todo tipo de preconceitos, discriminações e ofensas. O que se sabe da política indígena, da história dos quilombos, da arte das mulheres catadoras de frutas, do sofrimento dos que padecem esquecidos nos cárceres? No entanto, essa gente resiste. E, felizmente, às vezes encontra quem lhe dá voz e vez, como tantos escritores, artistas e intelectuais, que expressam em suas obras e textos as dores dos oprimidos. A resiliência das bases populares se dá de várias formas. Ocorre de forma espontânea, como um combustível que impregna o tecido social e, súbito, um fato, um incidente, um líder, atira nele o fósforo aceso, como foi o caso de George Floyd, nos EUA. Como se dá também de forma organizada, através de movimentos, associações e partidos progressistas, de esquerda ou revolucionários. Acontece ainda pela ruptura da ordem legal, motivada pelo imperativo da sobrevivência: os saques, as ocupações de terras e de moradias, e até mesmo pela via da criminalidade, em especial o narcotráfico, cujo produto mais sofisticado gerado na América Latina, a cocaína, é amplamente consumido pelos segmentos abastados dos EUA e da Europa. Mas de que vale o operário quebrar máquinas da fábrica para se vingar do patrão?, indaga Marx nas páginas de “O capital”. A contradição, tão objetiva e sacramentada pelas estruturas do capitalismo, só pode ser superada de um modo, e por via subjetiva: a formação da consciência de classe, de identidade étnica e de gênero. Este o ponto central. Contudo, ao longo do século 20, a esquerda da América Latina, que havia despertado para a questão – graças à literatura marxista e às revoluções russa, chinesa e cubana – fez de pequenos burgueses portadores do pensamento crítico junto aos oprimidos. Daí a dificuldade de se criar processos libertadores de caráter indutivo, exceto as guerras anticolonialistas e as revoluções de Cuba e Nicarágua, que tiveram caráter antiditatorial e emancipatório do país. Não se liberta um povo. É o povo que se liberta. Esse processo indutivo de resiliência popular, impregnada de consciência de classe, encontrou em Paulo Freire seu formulador pedagógico, embora José Martí já tivesse emitido luzes nesse sentido. Mas foi com o surgimento de ferramentas de luta forjadas pelos próprios oprimidos, como o PT no Brasil, os zapatistas no México e os indígenas na Bolívia, que efetivamente o processo se deu de baixo para cima, embora não possa ser encarado de forma linear. Os oprimidos se descobriram como protagonistas políticos. Houve, entretanto, um impasse quando essas forças populares lograram eleger, segundo as regras da democracia burguesa, presidentes supostamente identificados com os anseios dos oprimidos e excluídos. Na prática, tais governos progressistas tiveram dificuldades de serem fiéis às demandas indígenas, quilombolas, sem-terras, sem-tetos etc. Não implementaram profundas reformas estruturais. Não lograram reforçar os movimentos populares. Não promoveram a educação política do povo. E deixaram de fazê-lo em nome de uma política que, atenta ao poder das elites, procurava caminhar sobre ovos sem quebrá-los… O resultado foi aprofundar o fosso entre governos progressistas e bases populares. Nenhum daqueles governos ousou confiar plenamente na resiliência dos oprimidos e reforçar seus recursos de lutas. Fracassou a tentativa de reduzir os privilégios dos ricos sem aguçar o latente ódio da classe dominante. Julgou-se que, ao limar os dentes do tigre, haveria de se lhe diminuir a natural agressividade… Agora, a história recente comprova que não há de se ter ilusão de estabelecer uma aliança de classes. A direita age por interesses; a esquerda, por princípios. São linguagens incompatíveis, antagônicas. Isso não significa ignorar o poder das elites ou tratá-la com armas de combate frontal. Não há que menosprezar a força do inimigo. Mas só haverá libertação se, nas pautas políticas da esquerda, esteja ela ou não em instâncias de governo, a prioridade recair sobre o fortalecimento da conscientização, da organização e da mobilização dos movimentos populares, identitários e socioambientais. Fora disso é ficar refém da fantasiosa lógica social-democrata, de que é possível reformar o capitalismo sem, no entanto, querer sepultá-lo. Nós erramos Autocrítica da esquerda      

O drama dos peruanos e de toda América Latina

Pedro Castillo – Para quem acompanha a realidade latino-americana desde há décadas, uma lição tem sido dada, recorrentemente: tentativas de mudança via eleições e conciliações não conseguem avançar de maneira significativa em nenhum lugar. Ou a própria classe dominante local/regional trata de estrangular as experiências ou o império estadunidense estende suas garras armadas para defender os seus interesses geopolíticos. É um eterno retorno, ano após ano, década após década, que só encontrou barreira até agora num único lugar: Cuba, a ilha do Caribe que decidiu fazer uma revolução radical e que, a altos custos, continua mantendo os ganhos estruturais desse processo. Nos demais países, sempre que alguma proposta mais popular avança (e nem precisa ser de esquerda), a receita é infalível: derrocada. Na história contemporânea, o continente latino-americano viveu algumas experiências alvissareiras que se seguiram ao aparecimento do furacão Hugo Chávez no final dos anos 1990. Veio a chamada revolução bolivariana na Venezuela, a revolução cultural na Bolívia e a revolução cidadã no Equador. Importante aclarar que nenhuma destas três foram de fato revoluções: Hugo Chávez, Rafael Correa e Evo Morales foram eleitos, dentro dos marcos da chamada democracia burguesa, ainda que com forte adesão popular. E ainda teve Aristide no Haiti, Nestor Kirchner na Argentina, Fernando Lugo no Paraguai, Mujica no Uruguai, Mel Zelaya em Honduras e Lula no Brasil, para citar apena os mais comentados. Esse momento que irrompeu no alvorecer do século XXI foi chamado de “onda vermelha”, embora o vermelhusco de cada um fosse bastante matizado. Pelo que se viu, apenas Chávez tentou ir mais fundo nos processo de mudança e, mesmo tendo sofrido um golpe, dado pela elite local com a assessoria dos EUA, conseguiu mobilizar a população e voltar ao poder com toda a força. Acabou morto em 2012 vítima de câncer genuíno ou provocado, isso ainda está nebuloso. A Venezuela, agora com Maduro, segue sob ataque do império e se mantém paralisada. Aristide foi retirado da presidência do Haiti e o país foi ocupado militarmente, tendo sido sistematicamente destruído até os dias de hoje. Rafael Correa teve mais um mandato e descambou para o liberalismo, deixando o Equador nas mãos de Lenin Moreno, que acabou de colocar todas as conquistas do primeiro mandato de Correa no lixo. Os Kirchners foram violentamente atacados pela mídia argentina, de mãos dadas com a classe dominante local, assessorada pelos EUA. O que levou a vitória de Maurício Macri e ao saque das riquezas. Fernando Lugo sofreu um golpe parlamentar, Lula passou o bastão a Dilma que também sofreu um golpe parlamentar, Zelaya foi arrancado da presidência de Honduras pelo serviço secreto estadunidense, Lula depois acabou preso. Mujica sobreviveu, mas ao fim o Uruguai acabou voltando para a direita. Ou seja, a onda vermelha desbotou totalmente. Para quem acompanha a história da América Latina isso não se configura novidade. Desde as guerras de independência tem sido assim. Bolívar, que sonhava com o continente unificado e forte foi traído e morreu esquecido enquanto os seus antigos generais brigavam para tomar para si fragmentos da Pátria Grande esquartejada. E por aí vai, os exemplos são intermináveis, ainda que em conjunturas diferentes. Dentro do sistema capitalista de produção que se tornou vitorioso no mundo os países centrais, hoje com os Estados Unidos na cabeça, tudo fazem para manter a periferia destroçada e dependente, sem chance de erguer a cabeça. O Peru não escapa do destino manifesto desenhado pelo império. Teve seus ditadores e gangsteres comandando os destinos do povo, sem nunca conseguir mudar as coisas. Alan Garcia, da Aliança Popular Revolucionária Americana (APRA), foi uma exceção, eleito em 1985, no auge dos seus 35 anos, com uma proposta de esquerda. Encerrou seu mandato e foi seguido por Fujimori, que logo deu um golpe instaurando a ditadura. Voltou à presidência em 2004, mas já não era tão vermelho, e acabou suicidando-se quando o judiciário peruano o condenou à prisão. É por isso que o presidente do IELA, Nildo Ouriques, insiste em dizer que no Peru não aconteceu nada, além do mais do mesmo. Pedro Castillo elegeu-se num momento em que o sistema político local estava completamente esfacelado, diante dos desmandos de corrupção de presidentes que se sucediam e caiam. Foi considerado um azarão. Professor, sindicalista, levou com ele algumas bandeiras da esquerda, mas não era, de forma alguma, um homem da esquerda. Ainda assim, a classe dominante local não poderia aceitar alguém completamente fora de seu comando na presidência. E foi por isso mesmo que o Congresso, tomado pela oposição, não permitiu que Castillo governasse, imputando derrota trás derrota. Castillo não convocou o povo, foi aceitando as imposições que vinham do Congresso sobre sua equipe de governo e a derrocada foi uma consequência natural. Um elemento importante pontuado pelo professor Ouriques e que tem escapado da análise tradicional – geralmente superficial – foi a reforma do judiciário comandada pelo Banco Mundial em praticamente todos os países da América Latina no começo dos anos 1990, quando também teve início a onda chamada de neoliberal. Essa reforma garantiu um caráter de classe ultraliberal ao sistema judiciário, colocou no centro do poder e deu protagonismo aos togados. “Por isso que esse ativismo judicial não é um acidente brasileiro. Ele perpassa a América Latina inteira”. E foi esse ativismo judicial que criminalizou Zelaya, Lugo, Dilma, Cristina… “Basta ver os dados. O judiciário permite avanços nos direitos civis, mulheres, LGBT, negros etc… mas, não permite que se avance um centímetro nos direitos trabalhistas”. Pelo contrário, faz é garantir a retirada de direitos. A batalha dada no Peru contra Castillo estava nesse campo. Ele era acusado de incapacidade moral, ou seja, uma invenção política que estava adquirindo potência jurídica. O Congresso ia para a terceira tentativa de derrubada. Castillo já havia se defendido de todas as formas no campo jurídico e não havia provas concretas contra ele sobre corrupção ou coisa assim. Era incapacidade moral. A direita não queria deixá-lo governar. Então, Castillo se precipitou e tentou frear o golpe que viria no Congresso. Mas, não foi

A Copa do Mundo e suas perplexidades

Pouco antes da Copa do Mundo no Brasil, o IELA (Instituto de Estudos Latino-americanos) promoveu uma edição das Jornadas Bolivarianas tratando do tema dos megaeventos e seus impactos, tanto para a América Latina quanto para o mundo no que diz respeito a uma mirada de classe: ou seja, as consequências para os trabalhadores. Foi um momento muito bom para compreendermos como os países se curvam aos interesses da Fifa, ou, em última instância, do capital. Veio gente do México e da África do Sul, países que já tinham sediado uma Copa. E todos foram unânimes em mostrar como a organização de um mundial está longe de ser um momento de congraçamento dos povos. Não é. Já faz um bom tempo que sabemos que o futebol perdeu sua pureza original. No mundo contemporâneo, é uma mercadoria e ponto final. Naqueles dias, inclusive, nós aqui o Brasil nos debatíamos com os dramas das famílias que estavam sendo removidas do caminho das construções, com a situação dos indígenas na Aldeia Maracanã e outros tantos “tratores” que iam passando por cima da vida dos trabalhadores. O país chegou a construir enormes estádios que hoje estão subutilizados e também se rendeu à Fifa ao permitir a venda de bebida nos estádios. Uma loucura total. Teve luta, muita luta, mas o mundial veio, e a vida seguiu. O que não veio mesmo foi toda a sorte de melhorias que haviam prometido aos brasileiros. Isso não foi diferente no México da Copa de 1970 e de 1984. O país também se debatia com as lutas dos trabalhadores que não aceitavam tanto investimento num esporte que nem era o mais praticado da nação. Havia tanta coisa para fazer e os governos insistindo em servir de palco para mais uma onda de assimilação capitalista, da qual a maioria estava fora. Passados os mundiais, as promessas nunca mais foram revistas. O sindicalista Eddie Cottle trouxe a realidade deixada pela Copa do Mundo no torneio de 2010 na África do Sul. Mais do mesmo. Enormes construções, mais estádios, gente despejada, luta de trabalhadores, dinheiro público fluindo para a inciativa privada e grandes lucros para a FIFA e suas marcas parceiras. Agora, no Catar, as denúncias seguem o mesmo diapasão. Enormes estruturas que ficarão obsoletas, morte de trabalhadores, exploração das comunidades mais empobrecidas – no geral imigrantes. Isso sem falar da violação aos direitos das mulheres e a inexistência da tal democracia. Ora, para a FIFA isso não é problema. Violência contra mulheres, passar máquina por cima de comunidades, expulsar pessoas de suas casas, ditaduras, governos assassinos, nada importa se o fluxo do capital segue firme. Desde que João Havelange assumiu a presidência da entidade no ano de 1974, o futebol virou um esporte planetário e uma mercadoria de grande valor. Um acordo com a Adidas abriu as portas para a FIFA se firmar no mundo do espetáculo mundial. E o que era só uma salinha perdida na Suíça virou um gigante. Vieram a venda dos direitos televisivos, movimentando milhões, propagandas nas camisas dos times, garotos-mercadoria e por aí vai. O dinheiro só circulando. Essa lógica inaugurada por Havelange também foi contaminando o futebol nos países. Nasceram os clubes/empresas. Futebol já não era mais coisa de diletantes, apaixonados pela bola. Time virou negócio e negócio graúdo. É a grana que move as ligas na Europa, nos países da América Latina, nos países asiáticos que decidiriam também entrar no mundo do futebol. Garotos são vendidos e comprados desde a mais tenra idade e o clube/empresa que tiver mais dinheiro é o que aglomera mais gente boa no seu plantel. A lógica da dependência se expressando: no centro, os melhores e, na periferia, o restante. Não precisa ser muito esperto para perceber isso. Uma mirada nos grandes times europeus e o que se vê são muito mais jogadores estrangeiros que gente do próprio país. Pois muito bem, então como é que sabendo disso o futebol ainda é uma paixão que foge a qualquer argumento da razão? Por que milhões de pessoas seguem assistindo aos jogos, aconteçam aonde for? Por que existem torcidas gigantescas que seguem os times, ainda que estejam na série C, D ou E. Como entender o amor que consome a pessoa, mesmo que ela tenha completa noção de que o dirigente é um ladrão e que o futebol é só uma mercadoria para essa gente? Eu mesma não sei. Também sou movida por essa paixão. Torço para o Figueirense, de Santa Catarina, totalmente perdido numa série C qualquer, mas basta uma vitória para que a gente se levante em delírio, ainda que a razão nos diga que tudo isso é uma ilusão. Agora, no Brasil, temos visto muito debate nas redes sobre boicote ao evento da Copa e denúncias sobre a vida no Catar. Acho isso bom. Sempre é importante para os movimentos de luta contar com visibilidade nessa época de megaevento. Afinal, são bilhões de pessoas vendo e comentando o certame. De certa forma, apesar de toda a alienação ideológica e o puxa-saquismo (ou desconhecimento) dos comentaristas, algo escapa. Isso alavanca lutas. Porque o capital é assim: ele vem com voracidade, e nesse movimento acaba expondo as suas vísceras. Mas, é fundamental que a luta dos trabalhadores esteja sempre na nossa pauta, todos os dias, com evento ou sem evento. Outra coisa que escapa à alienação é explícita presença da lógica de dominação e dependência que é típica do capital. Nações ricas trazem os melhores jogadores e nações empobrecidas, da periferia capitalista, vêm com plantéis locais, destacando-se um ou outro que faz sucesso na Europa. Vide o nosso Brasil, com mais de 20 que não jogam em times locais. Esses jovens que cedo são “exportados” são, como diz o professor Nilso Ouriques, os “pé-de-obra” do futebol do centro do capital. E, esses times da periferia, se vencem, é porque conseguem superar de maneira quase heroica a sua condição de dependente. A coisa é clara. Ainda assim, a paixão persiste. De novo, vou buscar em Nilso Ouriques alguma resposta. No

O golpe e a justiça na Bolívia

Não ficou impune o golpe dado contra o presidente Evo Morales na Bolívia em 2019 envolvendo militares, lideranças evangélicas e civis servis. A ex-presidente golpista Jeanine Añez e vários outros chefes militares e policiais foram sentenciados por inúmeros crimes contra a Constituição daquele país nos dias que se sucederam a renúncia de Evo Morales e a assunção de um controle militar. Naquele novembro de 2019, as forças de direita do país, alegando fraude nas eleições e com o apoio da embaixada dos Estados Unidos obrigaram o presidente eleito a renunciar e sair para o exílio. O que se viu em seguida foi um festival de aberrações como a chegada de Luís Fernando Camacho – líder direitista de Santa Cruz –  ao palácio de governo com uma Bíblia na mão, anunciando tempos messiânicos. Não bastasse isso seus comandados incendiaram a casa da irmã de Evo Morales e de outras lideranças do MAS (Movimento ao Socialismo). Também a casa de Evo foi depois invadida e depredada e nos dias que se seguiram várias lideranças do governo legítimo foram perseguidas, agredidas, presas e humilhadas em praça pública. Pouco tempo depois do golpe, os milicos, visando dar uma cara civil à quartelada, convocaram a senadora Jeanine Añez para assumir o governo, também passando por cima da presidente do Senado, que era quem deveria assumir caso seguissem a Constituição. Não, escolheram uma títere, e ela se prestou. Depois de assumir, também teve a sua cota de aberrações como a de desqualificar os povos indígenas e desdenhar de sua bandeira sagrada, a wiphala. Foi ela também quem permitiu e determinou os massacres de Senkata, Sacaba, Montero, Betanzos, Ovejuyo e El Pedregal, quando as forças policiais atacaram e mataram militantes do MAS que se manifestavam contra o golpe. A promessa dos golpistas era a de realizar eleições em pouco tempo para retomar o caminho legal, mas o pleito foi sendo adiado até que grandes manifestações populares, em plena pandemia, obrigaram a presidente ilegítima a desatar o processo eleitoral. Como era esperado, o MAS venceu as eleições e então começou o trabalho de investigar os atos ilegais, os massacres e uma série de outros crimes cometidos pelos que estiveram no comando durante o período golpista. A prisão da ex-presidente foi decretada e ela tentou escapar do país, mas a polícia acabou encontrando Añez escondida dentro de um baú destas camas-box. Ela acabou recolhida ao presídio, junto com outros responsáveis pela condução do país naqueles dias, e todos foram a julgamento. A presidente golpista teve 10 anos de prisão decretados e os demais acusados pegaram penas diferenciadas. A ministra María Nela Prada já anunciou que o governo vai apelar da decisão, visto que o pedido inicial era de 15 anos, pois além dos delitos cometidos contra a Constituição, muitos deles tiveram agravantes, como foi o caso dos massacres e das violações de direitos humanos. Prada ainda afirmou que esta decisão da Justiça chega como um primeiro passo histórico para garantir justiça aos que foram mortos pelo regime golpista e aos feridos e humilhados. Também abre um precedente importante na medida em que deixa bem claro que nada nem ninguém pode, impunemente, rasgar a Constituição do país e pisotear a soberania da população. O exemplo da Bolívia, punindo os golpistas, assoma como um facho de luz por toda a América Latina onde os golpes contemporâneos se sucedem sem que os responsáveis sejam responsabilizados. Haiti, Honduras, Paraguai, Brasil. Expor os crimes cometidos contra o país e contra a população, responsabilizar as pessoas e puni-las é, sem lugar a dúvidas, um alerta importante para que coisas como essas não mais aconteçam, porque, afinal, nada dura para sempre e é obrigação de um povo soberano não esconder os crimes e nem os criminosos sob o tapete. Bolívia segue sonhando com saída para o mar Eleição de Gabriel Boric no Chile traz esperança para a esquerda da América Latina Os novos golpes na América Latina

Não perca o VII Salão do Livro Político

Em sua sétima edição, o Salão do Livro Político volta ao formato presencial em 2022. O evento acontece entre 20 e 24 de junho com debates (presenciais e também transmitidos no Youtube e feira de livros no teatro Tucarena da PUC-SP de 20 a 24 de junho. A programação contará com um curso e mais de quinze mesas de debates sobre democracia na América Latina, literatura e gênero, ecologia, entre outros assuntos.  As palestras serão transmitidas ao vivo em alguns canais no Youtube como o do Salão do Livro Político, da PUC-SP, da Boitempo, da Autonomia Literária.  Entre os convidados, os destaques são a ex-presidenta Dilma Rousseff, Glenn Greenwald, Manuela D’Ávila, Don L, Guilherme Boulos, Sonia Guajajara, Ricardo Antunes, Preta Ferreira, Fernando Morais, Elias Jabbour, Ladislau Dowbor, Valério Arcary, Juliane Furno, Luiz Bernardo Pericás, Josélia Aguiar, Jones Manoel, Sérgio Amadeu e Álvaro García Linera, vice-presidente da Bolívia entre 2006 e 2019, que participará da mesa de abertura “Resgatando a democracia na América Latina”, a ser realizada no Tuca. O evento contará também com lançamentos exclusivos e uma feira de livros com mais de 70 editoras independentes. O Salão do Livro Político é organizado pelas editoras Autonomia Literária, Anita Garibaldi, Alameda, Boitempo e PUC-SP. Recebe apoio das fundações Maurício Grabois, Rosa Luxemburgo, Perseu Abramo, Astrojildo Pereira e Lauro Campos e Marielle Franco. PROGRAMAÇÃO SEGUNDA (20/06) 11h-12h30  Debate online – Livros sob ataque: como e por que defender o mercado editorial Marisa Midori, Cecilia Arbolave, mediação de Maria Carolina Borin   14h-16h Curso Outro Mundo é Possível – Revolução africana Jones Manoel   16h30-18h Literatura, rap e política: o microfone como arma Don L, Preta Ferreira e Mariana Felix, mediação Emerson Alcald   18h-19h Sessão de autógrafos Álvaro García Linera, Guilherme Boulos, Manuela D’Ávila, Preta Ferreira, Emerson Alcalde, Mariana Felix   19h-21h Abertura oficial: Resgatando a democracia na América Latina, no TUCA Dilma Rousseff, Álvaro García Linera, Guilherme Boulos e Manuela D’Ávila, mediação de Ivana Jinkings   TERÇA (21/06) 11h-12h30 Raça, classe e gênero: o front antifascista Tamires Sampaio, Carlos Montaño e Leticia Parks, mediação de Edson França   14h-16h Curso Outro Mundo é Possível – América Latina revolucionária  Osvaldo Coggiola   16h30-18h A república dos militares: como acabar com o partido fardado Piero Leirner, Jan Rocha e Rodrigo Lentz, mediação de Bia Abramo   18h-19h Sessão de autógrafos Glenn Greenwald, Sérgio Amadeu, Jan Rocha, Piero Leirner, Renata Mielli, Rodrigo Lentz, Marcos Sayid Tenório   19h-21h  Hackeando o neofascismo para salvar a democracia Pedro Serrano, Glenn Greenwald, Sergio Amadeu e Renata Mielli, mediação de Ana Mielke   QUARTA (22/06) 11h-12h30 Biografias: vidas que mudaram o Brasil Fernando Morais, Camilo Vanucchi, Joselia Aguiar e Luiz Bernardo Pericás, mediação de Osvaldo Bertolino   14h-16h  Curso Outro Mundo é Possível – Revolução Russa Marly Vianna   16h30-18h  Ecologia sem luta de classes é jardinagem Victor Marques, Murillo Van Der Laan e Sonia Guajajara   18h-19h Sessão de autógrafos Juliano Medeiros, Victor Marques, Valério Arcary, Luiz Bernardo Pericás, Ana Prestes, Marly Vianna, Josélia Aguiar, Murilo Van Der Laan   19h-21h  O retorno da onda rosa na América Latina? Ana Prestes, Juliano Medeiros e Valério Arcary, mediação de Debora Baldin   QUINTA (23/06) 11h – 12h30  Como combater a inflação e o desemprego Ana Paula Salviatti, Ladislau Dowbor e Pedro Rossi, mediação de Rosa Marques   14h-16h  Curso Outro Mundo é Possível – Revolução Asiática Elias Jabbour   16h30-18h  Como o imperialismo e a cruzada anticomunista moldaram nosso mundo José Reinaldo Carvalho, Vincent Bevins e Juliane Furno   18h-19h Sessão de autógrafos  Elias Jabbour, Vincent Bevins, Juliane Furno, Gabriel Tupinamba, José Reinaldo Carvalho   19h-21h  Capitalismo de crise e crise das esquerdas Ricardo Antunes, Ludmila Abílio e Gabriel Tupinambá   SEXTA (24/06)  11h-12h30 Debate online – Golpe de Estado e neofascismo no séc. XXI Iuri Tonelo e Milton Bignotto   14h30-16h Debate online – Astrojildo Pereira, o comunista que beijou a mão de Machado de Assis Dainis Karepovs, José Antonio Segatto e José Luiz Del Roio, mediação de Renata Cotrim   16h30 – 18h Debate online – Sexualidade e revolução Marilia Moschkovich, Maíra Marcondes Moreira e Coletivo LGBT Comunista, mediação de Kaic Ribeiro   Serviço VII Salão do Livro Político Endereço: Tucarena (PUC-SP) – R. Monte Alegre, 1024 – Perdizes, São Paulo – SP, 05014-001 Data: 20 a 24 junho Feira do livro presencial: 20 a 23 de junho Feira do livro online: 20 a 26 de junho Site: https://salaodolivropolitico.com.br YouTube: Salão do Livro Político Instagram:@salaodolivropolitico Facebook:https://www.facebook.com/salaodolivropolitico   Pelos direitos dos refugiados e migrantes LGBTI  

O muro da República Dominicana

Muro República Dominicana – O governo da República Dominicana anunciou nesta semana que vai expropriar vários terrenos localizados na fronteira com o Haiti – os dois países dividem uma mesma ilha no Caribe – para garantir o espaço de construção de um muro de separação. A intenção, segundo o presidente Luis Abinader, é, com isso, frear a crescente imigração e o contrabando. A proposta é expropriar 30 metros nas zonas povoadas e 200 metros nas zonas desabitadas. O tema está gerando polêmica no país, mas não é pelo muro em si e sim pelas contendas envolvendo indenização. A obra foi inaugurada simbolicamente no mês de fevereiro e pretende cobrir 160 quilômetros de extensão, aproximadamente a metade do tamanho da fronteira que é de 391,6 quilômetros. A primeira etapa do muro terá 54 quilômetros, com o uso de alta tecnologia, e custará aos dominicanos perto de 30 milhões de dólares. A obra toda passará dos 100 milhões. A proposta é de que seja feita uma base em cimento com uma cerca metálica de quatro metros de altura. Apesar de dividirem o mesmo espaço geográfico, os dois países tem as relações estremecidas há décadas. Ainda assim. muitos haitianos acabam passando a fronteira buscando fugir do caos e da violência desatada no país desde o golpe de 2004 que depôs Jean-Bertrand Aristide e colocou as forças da ONU no comando. Segundo fontes do governo dominicano, há mais de 500 mil haitianos no país, sendo que 200 mil são considerados “ilegais”. O drama vivido pelos haitianos que buscam desesperadamente encontrar uma saída para uma vida melhor não encontra amparo nas autoridades, nem na maioria da população que compra o discurso de que os vizinhos vão lhes roubar os empregos e as oportunidades. Enquanto isso, os haitianos tentam passar a fronteira tendo ainda que se deparar com quadrilhas de tráfico de pessoas, de tráfico de órgãos e de prostituição, tudo isso acontecendo a partir de vistas grossas de agentes do Estado. Ao que parece, nada disso tem a menor importância para o governo da República Dominicana, que tudo o que quer é impedir a entrada dos migrantes. A construção do muro e de todo um aparato de contenção e aprisionamento segue a lógica que já se conhece em outras regiões que tratam os imigrantes como um risco, bem como uma fonte de lucros. Ganham as empreiteiras, ganham as empresas de tecnologia da repressão, ganham as assessorias internacionais e ganham as empresas que constroem e mantêm campos de prisioneiros. Portanto, o país que constrói o muro gasta com esse processo muito mais do que a simples construção. É uma indústria. Gastassem esses recursos todos em programas de auxílio provavelmente teriam muito mais êxito na solidariedade e integração. Mas, no mundo capitalista, essas são palavras malditas. O que está em questão não é a vida humana, mas a quantidade de dinheiro que pode ser embolsada por alguns empresários e políticos. É por isso que destruir países, fazer guerra, invadir nações, ainda é um dos melhores filões para o crescimento do patrimônio de pouquíssimos seres humanos no planeta. Quem conhece a história sabe: os muros não são capazes de conter as gentes em desespero. E é por essa razão que eles são erguidos. Para atrair aqueles que serão as vítimas no altar do capital. Moralmente é perverso, mas para os capitalistas é uma mina de ouro. Sendo assim, a classe trabalhadora de todo o planeta deveria atuar em uníssono na construção de um mundo sem muros. Um mundo socialista. Discutir pontualmente o tema da migração é enxugar gelo. O ponto nevrálgico é a existência de um modo de produção que não pode prescindir destas vítimas. Este sistema é o que tem de vir ao chão. El Salvador e o autoritarismo em curso Um muro na República Dominicana

El Salvador e o autoritarismo em curso

El Salvador é um pequeno país da América Central que tem hoje cerca de sete milhões de habitantes, sendo que quase 9% vivem abaixo da linha da pobreza. Os ditos pobres, que vivem com um dólar ao dia, chegam a quase 40%, conforme dados da Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe). A situação só não é mais grave porque os 2,5 milhões de salvadorenhos que vivem fora do país acabam enviando recursos para os familiares. E é justamente esse estado de pobreza extrema que leva a dois fenômenos: as maras (grupos de jovens ligados ao crime) e a emigração. Não há muita saída para o jovem de El Salvador. Sem condições de estudar ou de trabalhar, as escolhas se esgotam nestas duas opções. Integrar as famosas pandilhas, que são espaços de violência e de morte, ou arriscar tudo na tentativa de chegar aos Estados Unidos para, de lá, tentar dar algum conforto aos pais e avós que ficam no país. O novo presidente do país, que vem fechando o regime desde há tempos, inclusive tentando fechar a Assembleia Nacional, Nayibe Bukele, agora decidiu acabar com as famosas “maras”. Mas, em vez de atacar a causa da formação das gangues está aplicando a velha receita ineficaz que é de capturar e encarcerar os jovens ligados às pandilhas. Decretou estado de exceção no país e começou uma caçada espetaculosa. Há poucos dias anunciou que, entre março e abril, pelo menos 20 mil pessoas já foram presas, acusadas de pertencimento às maras. Destas 20 mil almas, 1.620 são menores de idade entre 12 e 17 anos. Entidades ligadas aos direitos humanos no país apontam que cerca de 65 jovens estão sendo presos a cada dia. Como nem a polícia nem os órgãos do governo permitem acesso aos dados, ninguém sabe a real situação dos presos. Nem se eles realmente pertencem às gangues, nem o paradeiro, se estão em prisões normais ou especiais para crianças e adolescentes. A atual lei em vigor no país estabelece pena de 10 anos para crianças de 12 a 16 anos, e 20 anos para os de 17 em diante, caso provado que sejam parte das maras. Obviamente todos os presos são das camadas empobrecidas. Ninguém também consegue saber também se os jovens estão separados por grau de periculosidade, mas é muito provável que não haja esse cuidado. A intenção do presidente é “mostrar serviço” para parte da população que não suporta mais conviver com as gangues. E, é claro, acaba tendo aprovação tanto dos ricos quanto da classe média, que simplesmente querem ver o problema desaparecer. Ocorre que a decisão de caçar/encarcerar é apenas uma maneira de colocar o problema embaixo do tapete. Serve para a propaganda do presidente, mas não resolve a vida das famílias empobrecidas. Pelo contrário. Com a prisão dos jovens sofrem mais os adultos mais velhos, que ficam ainda mais vulneráveis, sem o aporte dos filhos ou netos. E, não bastasse todo o terror agora desencadeado junto a faixa etária mais desesperada, o governo impediu que a população se mobilize e proteste no dia primeiro de maio, tradicional data de manifestações de trabalhadores. Disse Bukele que os “verdadeiros sindicalistas” deverão estar reunidos com o governo num evento comemorativo no qual ele deve anunciar algumas melhorias. Os que estiverem nas ruas serão tratados como delinquentes. Por conta disso alguns movimentos decidiram suspender as manifestações. Já o Movimiento de Trabajadores de la Policía (MTP), a Alianza Nacional El Salvador en Paz e o Bloque de Resistencia y Rebeldía Popular (BPR) anunciaram que as atividades de rua serão mantidas. O fato é que o regime de exceção nada mais é do que o endurecimento de um governo que não tem qualquer proposta séria para enfrentar o drama da maioria da população que vive desde há décadas no binômio miséria/violência. A proposta de “mão dura” para o crime não acaba com o crime, pelo contrário, o recrudesce. A solução para o problema das maras passa por uma transformação radical do país que garanta educação e oportunidades reais de trabalho e renda. Mudanças estruturais que só podem acontecer com uma revolução. Mantendo a submissão aos organismos internacionais como FMI e Banco Mundial só faz engordar as classes dominantes. Vai daí que essa ação espetaculosa de prisões em massa da juventude fatalmente cobrará seu preço em mais violência e miséria para os salvadorenhos. Gabriel Boric e a questão mapuche Colômbia e a silenciada guerra contra o povo A aposta latino-americana pela conciliação Geopolítica da América Latina: entre a esperança e a restauração do desencanto   O muro da República Dominicana

Bolívia segue sonhando com saída para o mar

Bolívia mar – As guerras de independência travadas na América do Sul tendo à frente Simón Bolívar tinham dois objetivos claros. O primeiro era o de libertar os países do império espanhol e o segundo era a constituição da Pátria Grande. O sonho de Bolívar era ver essa região como um bloco sólido de poder para enfrentar não apenas a Europa, mas também os Estados Unidos, que já mostrava suas garras. A ideia era garantir os governos regionais nas chamadas “pátrias chicas” unificados a partir de um governo central, o da Pátria Grande. Mas, como acontece sempre quando a questão do poder se coloca, muitos dos generais que atuaram com Bolívar tinham seus próprios sonhos de grandeza e, na medida em que iam garantindo a libertação dos territórios dos quais eram nativos, almejavam assentar-se sobre um poder próprio. E foi assim que traíram a confiança do Libertador, mataram seu sucessor natural – Sucre – e começaram a tramar o assassinato de Bolívar, que só não aconteceu por conta da valentia de Manuela Saenz. Ainda assim, Bolívar, que já andava fraco dos pulmões, depois de passar uma noite inteira na água, escondido dos assassinos, viu sua saúde deteriorar rapidamente, morrendo em 1830. A partir daí, o sonho da Pátria Grande foi com ele para a tumba e a América do Sul se balcanizou. A balcanização foi vista com muito bons olhos pela Grã Bretanha que passou a colocar seus olhos e seu dinheiro na américa baixa, incentivando as divisões e as escaramuças entre os jovens países, afinal, dividir é a melhor estratégia para assegurar a rapina e manter os países cativos. Assim, tão logo as repúblicas foram sendo consolidadas, também começaram os conflitos envolvendo limites. A Bolívia, que tem esse nome justamente em homenagem ao Libertador, quando se fez República em 1825 tinha uma costa de 400 quilômetros sobre o Pacífico, e foi justamente uma invasão do Chile no seu território, provocada e incentivada pelo império britânico, que tirou do país a sua saída para o mar. O país já tinha enfrentado uma invasão do Peru, que foi vencida. Por volta de 1866, começaram os conflitos com o Chile, por conta do Deserto de Atacama. Tratados foram firmados, mas o Chile seguia de olho na riqueza que dormia no solo desértico. Havia empresas chilenas – de capital britânico – explorando a região e elas não queriam pagar as taxas cobradas pela Bolívia para a extração mineral. A Bolívia tratou de expulsar as empresas estrangeiras que se recusavam a pagar os impostos. Não bastasse isso, o guano e o salitre produzidos na região próxima do mar viraram uma espécie de “ouro” cobiçado também pelo Chile. Foi assim que, com o apoio da Grã Bretanha, em 1879, o Chile invadiu Antofagasta, que era território boliviano, disposto a tomar o porto e as reservas de guano e salitre. Estoura a guerra entre os países, um conflito largo que durou até 1884, quando a Bolívia, derrotada militarmente, foi obrigada a ceder sua área frente ao mar. No acordo de paz, o Chile se comprometeu a permitir que a Bolívia usasse a saída para o mar com vantagens alfandegárias e livre trânsito para os produtos, mas a soberania do território estava perdida. Essa guerra e essa perda seguem sendo uma fratura exposta na relação Chile/Bolívia e ao longo dos anos provocaram muitas tensões, tanto que desde 1978 os dois países não têm relações diplomáticas formais, com embaixadas. Evo Morales quando presidente tentou movimentar a justiça internacional acerca do tema, mas não teve sucesso. Uma decisão da Corte Internacional de Justiça em 2018 deu ganho de causa ao Chile e apontou que o país não teria qualquer obrigação de negociar com a Bolívia a soberania territorial para garantir uma saída ao mar. Agora, com a posse do novo presidente chileno, Gabriel Boric, a Bolívia deve voltar à carga na sua reivindicação. No último dia 23 de março, celebrado como o “Dia do Mar Boliviano”, fazendo referência ao 143º aniversário da Defesa de Calama, o presidente boliviano Luis Arce voltou a reiterar que esta é uma reivindicação irrenunciável e que o governo deverá seguir buscando o diálogo na tentativa de fechar definitivamente as feridas do passado. Para isso, a saída para o mar é condição irrevogável.  Uma situação de difícil solução visto que também encontra barreiras na população chilena que não aceita perder território ou nacionalidade. Existem algumas propostas de tríplice fronteira, com áreas soberanas, envolvendo também o Peru, mas nada tem avançado nesse sentido. O fato é que se a américa hispânica fosse uma Pátria Grande como sonhava Bolívar todos esses dramas seriam evitados, pois seria tudo uma grande e mesma nação. O golpe e a justiça na Bolívia América Latina e as lutas sociais Unasul: golpeada a proposta de um bloco na América Latina Colômbia e a silenciada guerra contra o povo