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Os carregadores de voz

Bolsonaro imprensa – O jornalismo é um fazer que, segundo o teórico Adelmo Genro Filho, deveria ser uma forma de conhecimento capaz de transitar entre o singular, o particular e o universal. Ou seja, aquilo que é único no acontecimento, sendo mostrado na relação com o todo. Só assim o leitor, espectador ou ouvinte poderá compreender o que realmente aconteceu, porque terá à sua disposição toda atmosfera do fato. A universalidade. Fazer jornalismo assim não é para qualquer um. Precisa estofo. Isso significa que a pessoa que escreve, narra e descreve, tem de carregar dentro de si uma boa bagagem intelectual. Há que ter lido muita literatura, muitos livros de história, há que conhecer em profundidade os grandes dramas do seu espaço geográfico, há que ter capacidade de descrição profunda da realidade. Podemos pensar que atualmente os cursos de jornalismo não oferecem essa bagagem. A formação intelectual desapareceu. Muitos deles se tornaram meros repassadores de técnicas e tecnologias. Assim, podemos encontrar entre os recém-formados gente que sabe tudo sobre os novos softwares comunicacionais, mas é incapaz de fazer uma boa pergunta. E repórteres, senhores, já diria Acácio Ramos, são seres que perguntam. O que temos, na verdade, são os carregadores de voz. O jornalismo dos grandes meios comerciais já não se preocupa em narrar e descrever a realidade. E vamos ser honestos, entre os veículos alternativos a coisa anda por aí também. Basta dizer o que o outro disse. Segundo fulano, segundo beltrano. E nada de investigação, e nada de análise. Não importa. A informação é só uma sensação. Tampouco importa se o que o fulano disse é verdade. Se o fulano é autoridade, então, falou tá falado. Foi-se o tempo em que o jornalista escarafunchava arquivos em busca da verdade. Hoje não há tempo. A informação é pássaro fugaz. E a verdade é igualmente fluida. Não é sem razão que o presidente do Brasil ataca os jornalistas. Ele grita em alto e bom som que o jornalismo mente. E ao fazer isso está apenas expressando uma opinião que já está consolidada nos brasileiros. Por isso os seus seguidores aplaudem as patacoadas que ele faz com o grupo que está em frente ao palácio para mostrar – sem crítica ou análise – as suas atitudes. O jornalismo palaciano é uma farsa. E o presidente sabe disso. Por isso brinca e tripudia. Sabe que dali não sairá qualquer reportagem digna de nota. Sabe que os que ali estão apenas repercutirão seus gestos, ou uma frase infeliz. Não haverá consistência nem narrativa crítica sobre o governo em si, sobre os dramas da nação ou sobre as entranhas podres do poder. É um jornalismo do tipo “Caras”, voltado ao exótico, ao engraçado. É um jornalismo conivente, amigo, ajoelhado diante do poder. Quem não se lembra das corridas do presidente Collor, com os jornalistas correndo junto, ofegantes, alegres por mostrarem a nova frase que o presidente ostentava na camiseta? Tudo segue como dantes no quartel de Abrantes. Houvesse realmente jornalismo correndo nas veias dos que fazem a cobertura presidencial, eles haveriam que sair da frente do palácio e entrar. Vasculhar as gavetas, sob o tapete, manipular os papéis, os decretos, os projetos, contar ao povo o que se está armando contra ele. E se fossem impedidos, teriam de encontrar formas de encontrar a verdade que se esconde sob a lógica das piadas, das grosserias, da estupidez. O show diário da presidência é um esconderijo de verdades. E os jornalistas palacianos ficam ali, observando o que não existe, enquanto que o que existe, de fato, continua invisível para a maioria. O jornalismo precisa deixar a opinião pública informada sobre a essência das coisas, não sobre a aparência. O jornalismo é espaço de fatos concretos, não de sensações. O jornalismo é a análise apurada do dia. Ou isso, ou nada. É só uma algaravia sem sentido que muito bem serve a quem quer embotar os sentidos. Há quem defenda os profissionais que seguem se submetendo aos vexames diários em frente ao palácio. Eu não. Existem sapos que temos de engolir para poder sobreviver num mundo no qual só temos nossa força de trabalho para vender. Sim, é verdade. Mas, momentos há que os limites se impõem. É bem conhecida a lenda de que no mundo das trabalhadoras do sexo há uma regra a ser seguida: se aceita tudo, menos beijo na boca. Porque o beijo é algo íntimo demais, só oferecido ao amor. Assim no jornalismo. Podem-se engolir sapos ao longo da vida para se garantir um emprego, mas coisas há que não são admissíveis. É o beijo na boca. E aí, há que dizer não, ainda que se nos custe a vida. Mas, essa decisão de honra não é fácil de ser tomada. Ainda assim, há que recusar o jornalismo de sensações e recolocar essa profissão nos trilhos, ou ela perecerá como vaticina o presidente. Destapar a verdade que os poderosos querem ver escondida. Informar ao público sobre o que lhe cabe. Produzir conhecimento. É tempo de desalambrar, colegas, romper as cercas, desalambrar… https://urutaurpg.com.br/siteluis/os-muitos-dilemas-da-imprensa-no-governo-bolsonaro/

Os muitos dilemas da imprensa no governo Bolsonaro

A imprensa brasileira tem uma longa tradição de acomodamento com regimes conservadores, mas a relação com o governo Bolsonaro vai incluir a possibilidade de surpresas desagradáveis por conta da aberta simpatia do novo presidente pelo uso do Twitter como forma de se comunicar diretamente com o público. A exemplo do presidente norte-americano Donald Trump, Bolsonaro está quebrando a velha dependência de chefes de governos em relação à grande imprensa, o que configura uma situação inédita tanto aqui como nos Estados Unidos. O fato de dispensarem a intermediação da imprensa na relação com o público permite que os políticos possam dizer o que querem nas redes sociais. Com isto, os jornais, revistas políticas e telejornais perdem o monopólio na divulgação das grandes decisões oficiais e ficam limitados à publicação de reações aos comunicados presidenciais. Para Trump e Bolsonaro, a alternativa das redes sociais é uma estratégia política ultraconservadora para minar o poder das elites partidárias tradicionalmente vinculadas ao liberalismo e aliadas aos grandes grupos midiáticos. As duas plataformas virtuais mais importantes no arsenal midiático da direita são o Twitter e a rede Gab, mas a arma retórica mais efetiva é o uso do rótulo fake news (notícia falsa) para desconstruir críticas vindas da esquerda e dos partidos de centro. O jornal Folha de São Paulo foi escolhido como o alvo predileto de Bolsonaro, que também já elegeu as redes Record e SBT como seus aliados políticos, da mesma forma que nos Estados Unidos, Trump transformou a rede Fox numa espécie de porta-voz semioficial da Casa Branca, na guerra midiática com a rede CNN e os jornais The New York Times e The Washington Post. As fake news como arma política As divergências entre presidentes e os grandes grupos midiáticos refletem uma luta por poder politico, mas o a questão das notícias falsas vai mais longe e afeta o conjunto da população na medida em que ela passa a ter dúvidas sobre o que é publicado na imprensa, a sua referência tradicional em matéria de informação. O rótulo fake news é um instrumento politico para os tomadores de decisões, mas é profundamente desestabilizador para o público porque viraliza a incerteza. A atividade jornalística tende a tornar-se muito complexa num ambiente em que os questionamentos de credibilidade em notícias deixaram de ser um argumento de movimentos e personalidades situados fora do establishment político para se transformar num divisor de águas dentro do próprio sistema de poder. Assim, decidir se uma notícia é fato ou fake passou a mexer com questões como análise de discurso, da conjuntura política e das estratégias de comunicação. Torna-se uma iniciativa que implica ir além das normas de checagem de informações contidas nos manuais de redação. A estratégia comunicacional adotada por Bolsonaro afeta os grandes grupos midiáticos nacionais porque coloca seus donos e editores numa saia justa porque eles serão levados a tomar posição diante eventuais perseguições e ataques a dissidentes como a Folha de São Paulo. A TV Globo, por exemplo, mencionou os ataques à Folha numa entrevista com Bolsonaro, mas eximiu-se de uma defesa mais enfática do jornal paulista. Os grandes jornais também se mostram extremamente cautelosos na divulgação de agressões a jornalistas por parte de simpatizantes do capitão Jair Bolsonaro. A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI) relacionou 141 ataques a jornalistas durante a recente campanha eleitoral, a maioria deles atribuídos a militantes de direita. A liberdade de imprensa em questão Diante de notícias que não o agradam, Jair Bolsonaro tende e reagir na base do bateu/levou sem, muitas vezes, ater-se às evidências. Vale o discurso e a repetição passiva da argumentação presidencial em espaços controlados por simpatizantes nas redes sociais. Bolsonaro evitou até agora choques com a TV Globo, mas seus seguidores, especialmente os evangélicos, não fazem nenhuma questão de disfarçar a hostilidade à emissora, gritando “fora Globo” quando veem veículos e repórteres globais. Os filhos de Bolsonaro também são peças importantes nesta estratégia de manter jornalistas e a imprensa na defensiva, como ocorreu no episódio das operações financeiras suspeitas de um ex-motorista de Flavio Bolsonaro. O barulho virtual tende a se sobrepor à razão, expediente já largamente usado por Donald Trump. O novo ocupante do Palácio do Planalto já deixou claro que, além de separar e tratar de forma diferenciada empresas que ele considera amigas ou inimigas, vai usar o atentado de Juiz de Fora e o antipetismo como cortinas de fumaça para tentar desviar a atenção da imprensa e o público quando surgir alguma notícia embaraçosa para o presidente. A imprensa vai precisar de muito cuidado para distinguir fatos e versões na retórica bolsonariana, pois ela irá enfrentar uma situação nova, inexistente em governos anteriores quando o fenômeno das fake news não fazia parte da agenda noticiosa. Desconstruir o discurso oficial para não cair em armadilhas informativas passa a ser uma necessidade para reconquistar a confiança de leitores, ouvintes, telespectadores e internautas. Isto vai exigir alguma audácia jornalística, contrariando a tradicional tolerância dos grandes grupos midiáticos nacionais em relação à estratégia comunicacional do governo Bolsonaro. Publicado originalmente na página MEDIUM de Carlos Castilho A onda Bolsonaro é só a espuma da insatisfação social contra a elite política do país O jornalismo está vivo e brilha