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Lula no covil do pato

Lula na Fiesp – Dia de sabatina de Lula na Fiesp. Chego por volta das 10 horas da manhã com meu único blazer na portaria do prédio do covil do pato, sou encaminhado para o décimo oitavo andar. A turma de assessoras me indica uma vaga “para jornalistas de texto”, segundo uma delas, em sala com microfones individuais e dois telões nos cantos. Estou no meio de vários jovens repórteres da grande imprensa, pela estica, suponho que da editoria de Economia e Política. Como havia uma bancada com vários lugares supridos de cadeiras de escritório na nossa frente, me iludi que a sabatina seria ali há três metros. Não. Seria no telão mesmo. Aos poucos, em corredor na lateral da sala, protegidos por seguranças e agentes da Polícia Federal, comandados por loira de meia idade, começam a passar empresários e políticos. Passam Alckmin com seu sorriso amarelo, Haddad com cara de galã de novela mexicana, Celso Amorim, Mercadante e outros do baixo clero petista. Na cola deles, empresários grudados em seus ouvidos simulam proximidade. No meio deles, velho de óculos cambaleia. “Será que já entornou uns goles de blue label no desjejum”, penso. E nada do Lula! Lula surge no telão em longa mesa com sua trupe petista no meio de apoiadores do impeachment em sua maioria, suponho, tanto na mesa como na plateia de cerca de 300 pessoas. Josué Gomes da Silva abre os trabalhos. Alçado à presidência da FIESP pelos seus pares neste ano. Josué foi eleito em julho de 2021 e seu mandato vai até 2025. Sua fala pode ser resumida em pedido de reforma tributária e a necessidade do aumento do índice de crescimento da economia e do fortalecimento da infraestrutura do país. A novidade está na preocupação com o desenvolvimento sustentável. “Como podemos viver em um país em que o presidente conta 7 mentiras todo dia e chama uma carta que defende a democracia de ‘cartinha”, Lula na Fiesp sobre a Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito, que contou com 1 milhão de assinaturas. Pulemos as falas mornas de Aloizio Mercadante, coordenador do programa de governo de Lula, e do candidato a vice-presidente Geraldo Alckmin, e vamos às palavras de Lula, o filé mignon do dia, como aquele servido pela FIESP aos manifestantes pró-impeachment em 2016 por Paulo Skaf, ex-presidente da entidade. Já no início, Lula compara o relevante papel do vice-presidente José Alencar, pai de Josué, que governou com Lula por 8 anos, com o protagonismo que será dado a Alckmin em possível terceiro mandato. Antes, Josué já havia elogiado o antigo governador paulista. “Ele sempre teve grande carinho por essa casa”. Durante o discurso, Lula apelou aos sentimentos de Josué e lamentou a morte de José Alencar, pai do presidente da Fiesp. “Ele (José Alencar) sonhava em consertar esse país, parecia uma criança”, afirmou Lula. No final, Lula ainda lembrou que seu ex-vice falava que Josué era um gênio. Na longa fala de Lula, o ex-presidente abordou dois assuntos polêmicos: o apoio da Lava Jato pelos empresários e o sucateamento da indústria brasileira/domínio chinês nesse setor.   Lava-jato Lula subiu o tom da voz quando discursou sobre como a Lava Jato prejudicou parte da indústria brasileira. Segundo ele, “o fedelho Dallagnol encheu a cabeça de vocês de mentiras”. Lula questionou os empresários sobre a destruição do setor de engenharia brasileiro e afirmou que o Brasil batia de frente com as empresas norte-americanas nesse setor. Ele ainda afirmou que o setor de construção brasileira atuava em grandes obras tanto na África como no mundo árabe e que isso tudo foi destruído pela Operação Lava Jato. Acusou os integrantes da Lava Jato de terem feito acordos com o Departamento de Justiça norte-americano que prejudicaram o país. “A História um dia vai contar tudo, vamos esperar. Hoje eu ando de cabeça erguida”, finalizou.   O gigante chinês “Os chineses se não ganharam tudo, ganharam quase tudo“, disse Lula ao iniciar a leitura de relatório que mostrou a participação da China na economia brasileira. 95% do mercado de fabricação de eletrodomésticos, 79% da fabricação de fibras óticas 77% em equipamentos de comunicação 65% em componentes e placas eletrônicas Lula elencou mais alguns mercados dominados por chineses e brincou: “vou parar que vocês vão querer declarar guerra contra a China” O ex-presidente afirmou que A China está ocupando o Brasil e fabrica hoje produtos que a indústria brasileira fabricava com qualidade e voltou a falar de seu vice. “José Alencar não tinha medo da China”. O entrevistado Zonacurva, o professor Elias Jabbour, analisa o discurso de Lula na Fiesp sobre a China:   Principais trechos do discurso de Lula no covil (9 de agosto de 2022): “O Brasil não conversa com ninguém, nem o presidente é convidado a ir lugar algum e ninguém vem aqui, esse país precisa reestabelecer uma certa normalidade”, Lula sobre política internacional.   “A solução do Brasil é o povo pobre, na hora que a gente colocar o pobre no orçamento da União, na hora que o povo virar consumidor e comprar um leite a mais, um sapato a mais (,,,), esse país tem jeito”, Lula e sua relação com os pobres se for eleito.   “Credibilidade, estabilidade e previsibilidade. São três palavras que devem fazer parte do dicionário de qualquer governante que quiser governar o Brasil“, Lula passando recado direto sobre as constantes crises criadas pelo governo Bolsonaro.   “Essa história de acreditar que o trabalhador quer que o empresário quebre é uma bobagem, ele é a primeira vítima quando o empresário quebra”, sobre conciliação entre capital e trabalho.   “Nunca vi a quantidade de desgraça nas ruas do Brasil como hoje”, Lula sobre a atual desigualdade social brasileira.   “A Europa precisa mais do Brasil do que a gente deles, mas tem que negociar com eles sem complexo de vira-latas, temos que ter gente que gosta desse país e saiba negociar”, Lula sobre o isolamento brasileiro no cenário internacional.   “Não aguento mais essa

Narrativas e simbologias da condenação de Lula

por Guilherme Scalzilli O acórdão do TRF-4 que condenou Lula reúne duas narrativas fortes e complementares. De um lado, o retrospecto de eventos criminosos imputados ao réu, tecendo as delações e os indícios materiais em função de um raciocínio preestabelecido. De outro, o programa ético que permitiu à corte ignorar os desvios morais e legais usados na construção dessa retórica e na busca do objetivo prático de impedir a candidatura do petista. Os desembargadores ofereceram diversas pistas de que houve uma articulação prévia dos seus votos. Essa sintonia serviu para amarrar a miscelânea de elementos da peça condenatória, harmonizando a denúncia do Ministério Público e a sentença de Sérgio Moro. A ideia era criar uma história coesa, que se afirmasse a partir do efeito de verossimilhança, dando-lhe o maior didatismo possível. A obstinação em asseverar a veracidade dos indícios, sem exibir os instrumentos que permitiram atestá-la empiricamente, mostra que a corte estava cônscia dos pontos frágeis do enredo. Por isso lançou mão da teoria do domínio do fato, que, descaracterizada, serviu de equivalente jurídico para as convicções dos promotores. Assim nasceu o infame “ato de ofício indeterminado”, excrescência jurídica usada para encaixar o tríplex nas falcatruas da Petrobras. É como se os desembargadores dissessem “não sabemos por que estamos condenando Lula, mas ele sabe que merece”. O raciocínio soando plausível, a conclusão do público vira “nós sabemos que merece”. Não deixa de ser curioso que a própria viabilidade prática da trama condenatória tenha exigido uma estripulia malvada. Em mais uma evidência indisfarçável de arranjo no acórdão, as penas coincidiram, todas aumentadas para impedir que o “ato de ofício indeterminado” prescrevesse e para reduzir as chances recursais de Lula. Aí entra o imaginário punitivista. “Ninguém está acima da lei”, o jargão repetido pelas cortes, blinda a narrativa do TRF-4 com outra narrativa inquestionável, endossada pelo uso proverbial comum. Direitos viram privilégios. Quem rejeita a condenação de Lula se compromete com a sua inocência e com a impunidade em geral. Ambos os enredos compartilham a premissa ética: os respectivos fiadores institucionais conciliam a autoridade enunciativa de um e o espírito punitivista do outro. O rigor naturaliza os arbítrios que legitimam a condenação, que por sua vez reafirma a premissa inflexível do “novo paradigma” da excepcionalidade. Na época das mentiras transformadas em “pós-verdades”, era previsível que a condenação de Lula tivesse caráter mais narrativo do que propriamente jurídico. O regime da versão dos fatos é fechado na subjetividade, basta por si, enquanto o regime do factual é aberto ao escrutínio público e à contestação. A mencionada articulação dos votos foi uma demonstração de força do TRF-4. Exibindo sua união com o Ministério Público e com Sérgio Moro, aumentando a pena para não perder o controle dos recursos que envolvem provas e fazendo comentários valorativos sobre a administração Lula, os desembargadores assumem postura magnificente, para não dizer confrontativa, diante dos adversários da Lava Jato. Esse gesto incorpora uma espécie de mensagem exemplar de superioridade corporativa, não apenas sobre a esfera política, mas principalmente sobre Lula. De tão escancarado, o viés ilegítimo da condenação acaba servindo como sinal de menosprezo, uma descompostura para colocar o réu “no seu lugar”. Aqui a injustiça também desempenha papel educativo. O lugar imaginário de Lula e do PT é o daquela plebe vulgar do mundo político que alimenta as estatísticas seletivas da Cruzada Anticorrupção. Algo como o “ato de ofício indeterminado” jamais seria usado contra políticos do PSDB paulista, por exemplo, mas é exatamente essa certeza que realça a insignificância jurídica das vítimas. A narrativa já conota vexame: ex-presidente da República condenado por um esquema de corrupção bilionário que lhe rendeu… reformas num apartamento no Guarujá e num sítio em Atibaia. Só pode soar, se não ridículo, indigno para os padrões nacionais de malfeitoria. Nem roubar direito essa gente sabe. Confronto, humilhação e rigor confluem no recolhimento do passaporte de Lula e na ameaça da prisão imediata. Atos de provocação, mas também de alerta, que mantêm o petista e sua militância na defensiva, “na linha”, para não serem castigados. Longe da atenção internacional, fora da campanha, baixando o tom das críticas. Sem contestar a narrativa hegemônica da Instituição. A arrogância é o tempero dessa performance agressiva: silencia os modestos e puxa os atrevidos para uma briga que eles não conseguiriam vencer. Quanto maior a reação, melhor, mais enfática será a afirmação de poder que a reprimirá. E, caso necessário, aperta-se um pouco mais o torniquete, jogando a culpa nos radicais. A mensagem que os jovens assoberbados da Lava Jato transmitem ao país é assustadora. E há um pouco de estratégia na perplexidade que ela provoca, em plena disputa eleitoral, num cenário de polarização e ressentimento. Nesse contexto, a frase “Ninguém está acima da lei” ganha o aspecto de uma premonição macabra. Publicado originalmente no Blog do Guilherme Scalzilli. A realidade da renda básica no Brasil pós-Lula