Zona Curva

corrupção Brasília

Nada como um dia após o outro

por Guilherme Scalzilli Sumiram os paneleiros, as camisetas amarelas, as festas midiáticas da cidadania. Acabaram os grampos nas celas curitibanas e o tráfico policial de informações sigilosas. O STF não ordena mais a prisão de parlamentares, que desistiram de zelar pela idoneidade presidencial. Tampouco as tevês divulgam flagrantes com teleobjetiva das intimidades palacianas. Desapareceu o pessimismo cataclísmico dos colunistas. Até as vinhetas radiofônicas pedindo o fim da Voz do Brasil foram abandonadas. Essas práticas pertencem mesmo a um passado remoto, bons velhos tempos em que o petismo era causa e consequência das tragédias nacionais. Valia qualquer deslize pelo interesse público. Imprensa, OAB, CNJ, Judiciário, todos faziam vistas grossas para as mais flagrantes irregularidades, os mais cínicos desvios de conduta, os mais perigosos precedentes. “A sociedade tem o direito de saber” era o lema de antanho. Mas faltou mencionar outro importante símbolo daquela época, tão esquecido quanto significativo: o afã judicial de atingir o “chefe do bando”. O aperto nos delatores, a condução dos depoimentos, a chantagem com familiares, as prisões preventivas intermináveis, enfim, o esforço investigativo para construir provas contra figuras políticas que ocupavam postos de comando durante as malfeitorias. O “procedimento Lula” esgotou-se num passe de mágica. Quer dizer, permanece apenas para seu alvo original. Assim que passaram a lidar com senadores, ministros e governantes do PSDB, promotores e magistrados ficaram comedidos, respeitosos, legalistas ao extremo. Não querem saber quem foi o líder do esquema, o capo, o Manda-Chuva, o cabeça, o nome na etiqueta principal do PowerPoint. Quantas suposições constrangedoras sairiam de réus ligados a Aloysio Nunes, José Serra, Geraldo Alckmin e até FHC, caso os inquéritos tivessem o afã de atingi-los? Quantas ilações incriminadoras os depoentes fariam se os grão-tucanos figurassem nas hipóteses centrais dos interrogatórios? E as manchetes geradas pela estratégia? Os processos baseados no “domínio do fato”? As conduções coercitivas? Repito: com tais características, a Lava Jato não existiria. Ela só vingou porque previu a etapa que vemos gestar-se, na preservação do condomínio golpista, na blindagem da cúpula do PSDB, no esvaziamento das delações, enfim, no gradativo desgaste que anuncia o abandono da operação. Por isso não acho que tenha mudado o paradigma. A própria seletividade ideológica o justifica e viabiliza. As vítimas de hoje produzem a narrativa garantista que poupará os beneficiados de amanhã. O tempo gasto em certificar a condenação de uns permitirá que os crimes de outros prescrevam. E, afinal, o escudo subjetivo da hermenêutica soma um planeta de incoerências e uma galáxia de explicações cínicas. Essas metamorfoses constituem a dinâmica do espírito cruzado anticorrupção. Sempre foi assim, e de conhecimento geral, principalmente da claque intelectualizada da Lava Jato. Não há ingenuidade possível que ignore os limites, à esquerda e à direita, que emolduram a sanha moralista das instituições e os seus critérios de justiça. Resta apenas a hipocrisia. Mas recordar é viver, já dizia o samba clássico. Publicado originalmente no Blog do Guilherme Scalzilli. Independência ou golpe! O Brasil vai vivendo o golpe  

República Federativa do Dedo-Durismo

por Fernando do Valle O festival de grampos, delações, alcaguetagem explícita e traições não cessa e afundou Brasília em intricada rede de intrigas nos últimos meses. As paredes dos gabinetes do poder têm ouvidos. A sobrevivência é dada na medida em que o indiciado esteja disposto a entregar sócios e correligionários, “tem dedo de seta adoidado” como já avisava em samba o PHD da malandragem Bezerra da Silva. Entre os criminosos sem terno e advogado caro, o caguete não é respeitado, na hora em que a casa cai e vai em cana o responsa fica de bico calado e ganha pontos entre os comparsas. Em Brasília, essa regra não funciona entre os bandidos do colarinho branco no centro da República Federativa do Dedo-Durismo. “Dedo-duro”, por Bezerra da Silva: Preso há um ano, o empreiteiro Marcelo Odebrecht relutou em aceitar acordo de delação premiada. Em setembro do ano passado, Odebrecht afirmou na CPI da Petrobras na Câmara dos Deputados  que havia valores morais dos quais não abria mão: “quando lá em casa, as minhas meninas tinham discussão, tinham uma briga, eu dizia: ‘olha, quem fez isso?’ Eu diria o seguinte: eu talvez brigasse mais com quem dedurou do que com aquele que fez o fato”. Em março, uma lista com cerca de 300 políticos que recebiam dinheiro da construtora Odebrecht foi encontrada nos escritórios da empresa e a pressão venceu os tais valores morais de Marcelo Odebrecht e sua delação deve esquentar ainda mais o já quente clima político em Brasília. Não restam dúvidas de que as delações foram peça-chave para o esclarecimento de esquemas de corrupção que envolvem políticos, empresários e funcionários públicos, mas nenhum delator entregou parceiros de crime por incontrolável sentimento republicano ou motivado pelo desejo de sanear as práticas políticas, o interesse dos delatores é pelo abrandamento de suas penas ou até mesmo pelo perdão judicial, ou seja, para livrarem seus próprios pescoços. O salve-se quem puder escancarou práticas inconfessáveis do cotidiano político até então escondidas atrás de sete véus gerando revolta e desalento aos eleitores. Foi o caso do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado que gravou áudios reveladores com parte da cúpula do PMDB. Ficamos sabendo por exemplo no final de maio a real motivação do PMDB pelo golpeachment, o ex-ministro do Planejamento Romero Jucá confessou  que a destituição da presidenta Dilma selaria um pacto para “estancar a sangria” e salvaria políticos do PMDB e PSDB de prestarem contas perante à Justiça. Além de Jucá, Machado gravou conversas com ex-presidente José Sarney  e o presidente do Senado Renan Calheiros que revelou sua aflição com as delações e chegou a afirmar que são necessárias mudanças no modo que as delações premiadas têm sido feitas, segundo Calheiros,  “a sociedade compreenderia que a delação premiada [com o réu preso] é uma tortura”. Ele também contou que Aécio Neves, candidato derrotado à presidência em 2014, “está com medo”. Aécio foi delatado inúmeras vezes por investigados na Operação Lava Jato. Sérgio Machado foi indicado pelo PMDB para o comando da Transpetro, empresa subsidiária da Petrobras, pelo PMDB e relatou à Lava Jato pagamentos de propinas de R$ 155 milhões para 25 políticos de 7 legendas. O presidente interino Michel Temer foi acusado por Machado de ter pedido dinheiro para a campanha à Prefeitura de São Paulo do aliado político Gabriel Chalita em 2012. Ainda segundo o ex-presidente da Transpetro, o repasse foi feito pela construtora Queiroz Galvão ao PMDB e Temer sabia que a operação era ilícita.   A delação premiada Usada em várias partes do mundo como ferramenta para desmantelar quadrilhas criminosas, os resultados das delações premiadas têm sido usados como moeda de troca no jogo político brasileiro. Se o vazamento do grampo escancara práticas criminosas do adversário, o político do outro lado do muro é automaticamente culpado, se desvenda informações que prejudicam o próprio grupo político, a gravação é considerada ilegal e caluniosa. A cobertura da grande imprensa, cada vez mais partidarizada, também trabalha com dois pesos e duas medidas com enorme desfaçatez. Em março, a divulgação dos grampos das conversas de Lula com Dilma, Jaques Wagner e Eduardo Paes, mesmo sem grandes revelações nos diálogos, esquentou os ânimos dos partidários do impeachment da presidenta Dilma no Congresso. Leia texto “Os grampos de Sérgio Moro incendeiam o país”,  publicado em março   No passado, a delação chegou a ser usada para que os súditos denunciassem os crimes contra a Coroa Portuguesa e era prevista nas Ordenações Filipinas, base do ordenamento jurídico português que vigorou também em suas colônias entre 1603 e 1867. Historicamente, o mais conhecido delator foi Joaquim Silvério dos Reis que entregou em 1789 os companheiros confidentes, entre eles Tiradentes, em troca de liberdade e perdão de dívidas. Em 1990, a lei 8072 que trata de crimes hediondos como extorsão, estupro e corrupção instituiu a delação. Mais tarde, outras leis, como a 9613/98, que trata sobre lavagem de dinheiro, e a 9877/99, de proteção de testemunhas, passaram a usar o expediente. Em 2013, a lei 12850 detalhou o uso da delação na investigação de organizações criminosas. A lei de 2013 permitiu o avanço das investigações sobre o enorme esquema de corrupção na Petrobras. O início da operação Lava Jato ocorreu por acaso . Em julho de 2013, o delegado da Polícia Federal de Curitiba, Márcio Adriano Anselmo, investigava as operações do doleiro Carlos Habib Chater que possuía negócios com o ex-deputado de Londrina, José Janene (PP-PR), morto em 2010. Através de Chater, a PF chegou em outro doleiro, Raúl Henrique Srour, condenado na Operação Banestado em 2005, e outro doleiro já conhecido da polícia, Alberto Youssef, especializado em lavagem de dinheiro, que em acordo de colaboração com a justiça, havia se livrado de uma pena maior na Operação Banestado em 2004. Anselmo descobriu ali um esquema de empresas fantasmas e tenebrosas transações que foram o embrião da Operação Lava Jato, que pode ser considerada a maior investigação sobre corrupção já conduzida no Brasil. O Ministério Público Federal estima que R$ 2,1 bilhões foram desviados dos cofres da Petrobras. Através