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A grande falha da Lava Jato

por Carlos Castilho A mais polêmica iniciativa de combate a corrupção no Brasil está produzindo centenas de culpados e muitas revelações impactantes, mas raras alterações nas brechas politicas, jurídicas e institucionais que permitem a institucionalização do caixa 2 eleitoral e da lavagem de dinheiro ilegal. Ainda falta avançar muito na desmontagem do sistema baseado na corrupção e que condicionou a vida política do país, por pelo menos um século. Nos seus quatro anos de vigência a operação Lava Jato entronizou no país uma estrutura informal de poder integrada pela Polícia Federal, pelo Ministério Público e pela grande imprensa, que assumiu a função de investigar, processar e divulgar atos de corrupção praticados por mais de 100 acusados, quase todos em altos postos da administração pública e no poder legislativo. Nunca houve uma devassa tão espetacular nos negócios públicos e nem um aumento tão intenso da impopularidade de senadores, deputados federais, deputados estaduais e até vereadores. Mas a Lava Jato acabou vítima da velha armadilha configurada na ilusão de que basta punir para resolver o problema da corrupção. Enquanto não for extirpado o foco central da viralização da corrupção, ela ressurgirá, mais cedo ou mais tarde, como já aconteceu mais de uma vez em nossa história recente. O nó górdio da Lava Jato está justamente nesta transição da ação punitiva para a prevenção, ou seja, na desmontagem do sistema de corrupção entranhado nos vários escalões do poder federal e regional. Procuradores e policiais afirmam, com base em leis e regulamentos, que seu dever de oficio é investigar e processar acusados de corrupção eleitoral e enriquecimento pessoal ilícito, cabendo aos tribunais condenar os réus. À imprensa tocaria a produção de um fluxo de dados, fatos, eventos e ideias capazes de gerar na opinião pública comportamentos e valores como parte de uma cultura anti-corrupção. Os meios de comunicação têm a responsabilidade de alavancar mudanças culturais na população a partir da disseminação de notícias que alimentam a reflexão pública sobre questões relevantes para a sociedade. Mas não foi isto que aconteceu na Lava Jato. A imprensa do Rio, São Paulo e Brasília se concentrou obsessivamente numa cobertura estilo mocinho contra bandido, que produziu um discurso messiânico e passional, responsável pela polarização das audiências. Os jornais e telejornais se preocuparam mais em celebrar prisões, em espetacularizar delações e revelar segredos de justiça, do que em promover ações pedagógicas destinadas criar uma consciência coletiva da necessidade de eliminar as brechas legais, procedimentos burocráticos ou normas institucionais que possibilitaram práticas como o sobre preço em obras públicas, pagamento de propinas e lavagem de dinheiro. A consciência da necessidade de novos valores e condutas na gestão dos negócios públicos é mais importante e necessária do que leis ou decretos, porque ela empodera as pessoas no enfrentamento de problemas não previstos na legislação. Vivemos hoje num mundo onde as transformações e inovações ocorrem num ritmo muito mais rápido do que o da burocracia jurídica, policial ou legislativa. Basta ver o funcionamento do sistema financeiro, onde nascem e crescem os grandes escândalos de corrupção aqui no Brasil e no resto do mundo. Os fluxos ilegais de divisas entre países se adaptam continuamente, a ponto dos chamados doleiros serem praticamente imunes. Alguns podem ser presos e sair de circulação, mas logo surgem vários outros, mantendo o sistema em funcionamento. Se os cidadãos não assumirem o combate à lavagem de dinheiro e ao caixa 2 eleitoral como uma questão de princípio, as leis e punições valem pouco, como mostram os casos de dezenas de doleiros presos nos últimos 50 anos. A complexidade da corrupção sistêmica Porque no passado, as autoridades acharam que punindo sua missão estava cumprida, a corrupção ressurgiu e voltamos a estaca zero. Fora as condenações, as medidas atuais motivadas pela Lava Jato, pelo menos por enquanto, se restringiram a possíveis limitações na concessão de foro privilegiado e prisão após a condenação em segunda instância. Mas nada foi tocado no que se refere às licitações para obras públicas, citadas em 10 entre 10 delações premiadas na Lava Jato. Também não surgiu nenhuma iniciativa concreta para fechar as brechas existentes no sistema financeiro e que permitem tanto a lavagem de dinheiro como a transferência ilegal de recursos para bancos no exterior. Examinar os complicadíssimos editais e documentos de licitações é um trabalho minucioso onde qualquer descuido tanto pode ser involuntário, como uma lucrativa omissão. Quem já se defrontou com a missão de destrinchar quase 200 quilos de documentos entregues por cada empresa participante de uma grande concorrência pode atestar que as possibilidades de omissões fraudulentas por parte de avaliadores são inúmeras e que é dificílimo configurá-las juridicamente. Os regulamentos existentes sobre licitações são cada vez mais complexos por conta de normas, supostamente mais rígidas, mas que na realidade contribuem mais para a burocratização do para a eficiência nos processos de seleção de empresas. Especialistas acham que a regulamentação crescente não ajuda a resolver o problema, porque, mesmo com transparência, só os experts conseguem decifrar o enigmático vocabulário das concorrências públicas. No lado da lavagem de dinheiro, a situação é também complexa porque o sistema financeiro digitalizado tornou extremamente difícil identificar a natureza ética de uma transação internacional. As remessas, trocas e recebimentos de moedas ocorrem de forma tão rápida, codificada e maciça que só os robôs eletrônicos (algoritmos) conseguem administrá-los. A estrutura jurídica para sanção aos crimes financeiros segue o ritmo cerimonial e imperial dos nossos tribunais, enquanto os doleiros funcionam em velocidades cibernéticas. Uma omissão global da imprensa Não estamos sozinhos na enumeração destas mazelas e lamentações. Na África do Sul, onde o presidente Jacob Zuma foi derrubado em fevereiro por um escândalo de corrupção, um relatório do Serviço de Monitoramento do Poder Público, um órgão da Universidade de Rhodes sobre o comportamento da imprensa do país na cobertura de casos de corrupção, assinala os mesmo problemas detectados aqui no Brasil. Falta de contextualização das denúncias, ausência de relação dos fatos sob investigação com o quotidiano das pessoas, ênfase permanente na dicotomia mocinhos contra bandidos, procedimentos burocráticos na cobertura limitando-se a reproduzir

Delação da Odebrecht e a agonia final da Nova República

por Fernando Silva do Correio da Cidadania “Hecatombe”. “Terremoto”. “Bomba nuclear”. “Lista do fim do mundo”. Estas são algumas das expressões usadas nos últimos dias para se referir à divulgação da lista do ministro do STF Edson Fachin, em 11 de abril, em que pediu abertura de inquérito para três governadores (além de remeter 9 outros para o STJ, comprometendo 12 dos 27 governadores), 24 dos 81 senadores, 8 ministros do governo Temer e 39 deputados federais, além de dezenas de políticos dos mais altos escalões dos partidos dominantes na cena nacional nas últimas três décadas. O segundo tempo da “hecatombe” está sendo jogado na liberação dos vídeos das delações dos executivos da Odebrecht, que aumenta ainda mais o impacto e amplitude das denúncias. Está ruindo, ao que tudo indica de forma definitiva, o modus operandi do regime político “democrático” da Nova República, estabelecido pela Constituição de 1988. São trazidos a público os detalhes da corrupção aberta e escancarada nas relações empresarias com o Estado, do financiamento de campanhas eleitorais bilionárias com dinheiro desviado de obras públicas e do enriquecimento de políticos dos principais partidos e coalizões de poder – produto da relação promíscua entre partidos e políticos da ordem com as grandes empreiteiras, via pagamento de propina e favorecimento às empresas nos negócios com o Estado. O que nos diz a lista da Odebrecht Não é necessário aqui estender-se nos números, embora os valores envolvidos na casa de R$ 470 milhões em pagamento de propina, somente neste lote de denúncias da lista de Fachin, impressione. Mas o mais impressionante mesmo é a debacle do atual sistema político. Quatro ex-presidentes envolvidos, de Collor a Dilma, passando pelos mais significativos destas duas últimas décadas: FHC e Lula. Cúpulas e vários dos principais expoentes do PT, PMDB e PSDB encabeçando a lista de partidos com maior número de denunciados; 65% da base de sustentação do ilegítimo governo Temer, seu núcleo dirigente diretamente envolvido, as presidências das duas casas, ex-presidentes das casas, governadores e ex-governadores, prefeitos e ex-prefeitos. A lamentar a preservação de Temer entre os investigados, acusado de sacramentar uma doação de US$ 40 milhões da Odebrecht para o PMDB. Dada sua condição de presidente, ele não pode ser legalmente acusado até o final do mandato, condição estranha, diretamente questionada pelo PSOL, que corretamente entrou com pedido no STF para que o presidente também entre no rol dos investigados, pois as delações dos executivos da Odebrecht são muito contundentes sobre o lugar ocupado por Temer nesse banquete em que o PMDB foi dos mais esfomeados participantes. Algumas primeiras considerações Independentemente do desfecho jurídico, do ritmo das investigações e suas conveniências políticas, precisamos debater um primeiro leque de conclusões ou hipóteses (para sermos mais cauteloso) e iniciativas políticas. A primeira delas, em termos muito práticos desta sequência de tsunamis, é que se abre uma brecha enorme para tentar derrotar as reformas liberais e o governo Temer. A combinação desta turbulência com a greve geral marcada para 28 de abril coloca em questão o cenário de mudança de conjuntura, onde o protagonismo das ações massivas dos trabalhadores e trabalhadoras, sem-teto, juventude, sem-terra, indígenas pode derrotar o governo Temer e impor uma nova dinâmica, a tornar inviável a aprovação das suas reformas. Evidentemente, é uma hipótese de cenário, mas é fato que a fenda e confusão do lado de lá estão abertas e talvez não tenhamos oportunidade tão nítida para barrar as reformas. Até os analistas de mercado, segundo a própria Globo News, avaliam que a “classe política” não tem credibilidade para aprovar reformas como a da Previdência. Agrava-se também a crise de representação política tradicional, chegando ao seu ponto máximo até aqui, o que produz incertezas maiores sobre como se reorganizarão os partidos da ordem e sua institucionalidade. Vale registar que este processo teve sua primeira demonstração nas jornadas de junho de 2013. Portanto, a rejeição a partidos, instituições e à política corrupta do regime produziu um grande golpe na sua popularidade e credibilidade pela via da ação de milhões nas ruas, especialmente as camadas mais jovens da população. De lá cá para cá, em que pese a direita ter ganhado a disputa das ruas e no campo das ideias (muito ajudada pela inestimável contribuição dos rumos políticos, econômicos e éticos dos governos petistas), a degradação do regime político da Nova República foi contínua e segura, chegando agora à revelação explícita de esquemas de corrupção articulados por suas principais lideranças. Acaba qualquer vestígio de legitimidade política do governo Temer para fazer o que quer que seja de relevante em termos de medidas e votações. O que já era ilegítimo agora é inaceitável. Temer assume quando o grande Capital e suas representações políticas e judiciais chegam à conclusão de que o governo Dilma não era mais capaz de aplicar as severas reformas liberais exigidas pelo mercado e nem tirar a economia da recessão. Em que pese os governos petistas não terem sido governos de enfrentamento ao Capital, muito pelo contrário, apelou-se a um golpe parlamentar, em 17 de abril de 2016. Daquele show de horrores da votação do impeachment em rede nacional resultou um governo ilegítimo, impopular, reacionário e nos trending topics de envolvimento na corrupção. Após a divulgação da Lista Fachin, será um golpe ainda mais desavergonhado se este governo quiser impor à sociedade qualquer tipo de reforma, previdenciária, trabalhista, política ou qualquer outra. Mas se parece certo que o funcionamento do atual regime não tem como ficar mais do jeito que está, é preciso estar atento ao tipo de mudanças que podem vir no horizonte e quais seus vetores. O crescimento do ódio aos políticos e a negação da política podem favorecer saídas autoritárias, populistas de direita ou de figuras “apolíticas” por dentro dos partidos tradicionais. Como mínimo, o crescimento de candidaturas com estes perfis nas eleições de 2018 é bem previsível. Assim como devemos rechaçar saídas conservadoras, como o acordão FHC-Lula-Temer para salvar a pele de todos ou reformas desta mesma Nova República, que vai tentar se aproveitar para atacar direitos