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Meus votos a presidente

Eleições – Fiz 18 anos em 1962. A eleição presidencial tinha sido no ano anterior. Jânio Quadros vencera o marechal Lott e Adhemar de Barros. Torci por Jânio, embora meus pais tenham preferido o marechal, pois minha genealogia paterna é repleta de militares, com destaque para dois generais. Veio o golpe militar de 1964 e as eleições diretas foram canceladas. O Congresso Nacional, manipulado pela ditadura, elegeu cinco presidentes, todos militares, todos ditadores: Castelo Branco (1964), Costa e Silva (1966), Garrastazu Médici (1969), Ernesto Geisel (1974) e João Batista Figueiredo (1978). Acusado de subversão, estive preso por 15 dias sob o governo Castelo Branco e por quatro anos sob Médici. E meus direitos políticos foram cassados por dez anos. Com o fim da ditadura e o advento da Nova República, as eleições voltaram a ser diretas. Votei para presidente da República, pela primeira vez, em 1989, aos 45 anos de idade. Dei meu voto a Lula, que chegou ao segundo turno com Collor. Na véspera do debate entre os dois na TV Globo, fomos a Brasília visitar a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Ao retornar na manhã seguinte, durante o voo para São Paulo, sugeri a Lula refugiar-se em um hotel e dormir muito para chegar ao debate com a cabeça descansada. Preferiu ir para casa, em São Bernardo do Campo, onde um batalhão de repórteres o aguardava. Resultado: chegou ao debate como um goleiro estressado e deixou passar as bolas chutadas por Collor, que ganhou a eleição. Nas eleições de 1994 e 1998, que elegeram Fernando Henrique Cardoso, votei Lula de novo. E, como na campanha de 1989, atuei como assessor, embora nunca tenha sido filiado a partidos políticos. Até que, em 2002, na quarta tentativa, Lula conseguiu se eleger com quase 53 milhões de votos, quase 20 milhões a mais que o segundo colocado, José Serra. Votei Lula de novo em 2006 e Dilma em 2010 e 2014. Foram treze anos de governo do PT com políticas sociais que favoreceram a redução da desigualdade social e a inclusão dos pobres em universidades e cursos técnicos, além de tirar o Brasil do Mapa da Fome da ONU e da dependência do FMI. Foram os melhores governos de nossa história republicana. Temer, vice de Dilma, articulou o golpe parlamentar de 2016, tirou a presidenta e assomou-lhe o lugar, desbravando o caminho para a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018. Naquele ano, votei em Haddad, candidato do PT. Neste ano, pela quinta vez, votarei Lula. Sou amigo dele, mas não devoto, como nunca prestei devoção a qualquer ser humano. Pelo contrário, todos os meus amigos sabem que sou uma pessoa dotada de senso crítico, sempre de modo racional e equilibrado, sem emoção ou hostilidade. Tenho por princípio: amigos se critica, inimigos se denuncia. Sobre os governos do PT publiquei dois livros de análise crítica: “A mosca azul” e “Calendário do poder”, ambos editados pela Rocco. Como não alimento nenhuma ambição, exceto a de viver o suficiente para realizar meus projetos literários e ver a derrocada do capitalismo, tenho a liberdade de expressar críticas a meus amigos que foram ou são chefes de Estado, como Fidel Castro, Lula, Daniel Ortega, Chávez, Mujica, Rafael Correa, Evo Morales, Raúl Castro e Diaz Canel. Fidel, com quem tive a mesma proximidade que tenho com Lula, escreveu no prólogo de minha biografia, autoria de Américo Freire e Evanize Sydow (Editora Civilização Brasileira): “Frei Betto impregna-se de alto sentido de lealdade e amizade. Defende com veemência Cuba e a Revolução, sem deixar de sustentar pontos discrepantes ou diferentes dos nossos. Procuramos analisá-los e discuti-los de modo construtivo entre revolucionários e verdadeiros amigos, como comprova o diálogo mantido entre nós dois, publicado por ele com o título “Fidel a e religião”. Este ano meu voto a Lula é meu voto à esperança de um Brasil livre do entulho militarista, neofascista, acumulado pela equivocada transição da ditadura à democracia, quando se evitou punir os criminosos responsáveis por tantas torturas, prisões ilegais, banimentos, exílios, desaparecimentos e cassações políticas ao longo de 21 anos de regime militar. Essa a causa de o Brasil padecer, hoje, sob o nefasto governo do Inominável. É hora de virar a página de nossa história e “incluir os pobres no orçamento e os ricos no imposto de renda”, como promete Lula. Publicado originalmente no Correio da Cidadania. Brasil avermelhou Dois toques sobre a eleição no Brasil No Brasil das maravilhas Querida democracia Retrocesso: efeitos de quatro anos de governo Bolsonaro no Brasil

Sobre a democracia e o voto

Democracia e voto – A democracia, já sabemos com Lenin, não pode ser um termo abstrato. Ela precisa ser adjetivada. Por isso que falar em democracia serve a todos. Como se só ao pronunciar essa palavra mágica já se compreendesse liberdade, participação etc… Não é assim. Basta a gente ver o que entende por democracia o governo dos EUA, por exemplo: para ele, democracia é o que está alinhado com seus interesses, aos interesses de sua classe dominante. O mesmo acontece no Brasil. Quando a gente ouve os políticos falarem em democracia é preciso perguntar: que democracia? A que serve ao capital? Aos grandes empresários? Às transnacionais? Ao agronegócio? Aqui no nosso país as pessoas entendem a democracia como sinônimo de votar. Ora, essa é uma das facetas da democracia. Mas não é só isso. Votar a cada dois anos em pessoas que nos representarão nos espaços legislativos e executivos não significa liberdade e participação. E por que eu digo isso? Porque o resultado é nítido na formação das bancadas e dos governos. O que temos por aqui é a ditadura do capital. É o poder econômico que determina a formação desses espaços. E isso fica bem claro quando a gente reconhece, por exemplo, que existe uma Bancada do Boi (que representa o agronegócio), ou uma Bancada da Bíblia (que representa os interesses dos pastores das igrejas neopentecostais) e assim por diante. Cadê a bancada dos trabalhadores? Não tem. É um ou outro lá dentro do Congresso que defende os interesses da maioria da população. O restante está a serviço da classe dominante e seus interesses. Hoje, ouvindo a propaganda política no rádio ouvi um candidato a senador dizer: “Eu vou representar os interesses do Estado de Santa Catarina”. Eu pensei. Bom, esse, pelo menos não mente. Diz logo que vai representar os interesses do Estado e não das pessoas. E o que é o Estado? É o balcão de negócios da burguesia! Logo, ele não vai para Brasília defender os nossos interesses, de trabalhadores. Não. Vai defender os interesses dos empresários, dos fazendeiros, dos ricos. E há os que falam em defender os interesses da família. Esses também são honestos. Defendem os interesses de suas famílias. Vocês devem conhecer bem os tipos aí… Por isso que nessa hora de votar – que é só um dos momentos dessa nossa democracia manca – a gente deveria ter mais cuidado. Observar as promessas. A pessoa vai defender o quê mesmo? Qual é a sua prática cotidiana? Se já foi parlamentar ou governante, o que defendeu e o que fez? E vejam bem, não basta terem feito grandes obras. Há que ver o que fizeram para tornar a vida da maioria dos trabalhadores melhor. O que fizeram pela educação das massas, pela saúde, pela segurança, pelo direito de morar dignamente, pelos direitos dos trabalhadores? Hoje, com a internet, as informações estão bem aí. Basta dar um tempinho do tiktok e procurar no google. Existem palavras que escondem outros sentidos, tais como a democracia, por exemplo. Mas os atos são limpos como a água da fonte. A pessoa votou como na hora de defender os direitos dos trabalhadores? E votou como na hora de defender o patrimônio público nacional? E votou como na hora de decidir sobre o pagamento da dívida externa?  Os atos gritam. Siga o grito… Não é sem razão que os chamados “democratas” têm tanto medo da ditadura do proletariado. Porque ela significa que quem manda é a maioria trabalhadora, 99% da população. Enquanto que na ditadura do capital, quem manda é o 1%, uma fatia muito pequena da população que se apropria da riqueza e joga a maioria na escassez.  Vejam que aí a ditadura também precisa ser problematizada. Então, o que podemos fazer nessa nossa democracia fraca, que só nos permite o voto a cada dois anos, e ainda totalmente comandado pelo poder financeiro, é prestar bem atenção em quem vamos colocar nos espaços de poder. Alguém que vai defender o estado? Os grupos tradicionais de poder, a classe dominante? Os empresários? Os fazendeiros? Os pastores? Ou vamos votar em quem está verdadeiramente do lado da maioria, dos trabalhadores, dos oprimidos, dos desvalidos, dos 99%? A democracia participativa é mais do que votar. É participar de tudo o que diz respeito à vida das cidades, dos estados, do país, com poder de decisão. Isso, claro, só se consegue com luta, com revolução. Mas, enquanto ela não chega, o mínimo que podemos fazer é garantir que dentro dos atuais espaços de poder – onde mandam os interesses da classe dominante – tenha uma grande bancada nossa, dos trabalhadores, para fazer barulho, para fazer pender a balança a nosso favor.  Hoje,  tanto nas Câmaras de Vereadores, quanto nas Assembleias, Câmara de Deputados e Senado, estamos muito fracos. Mas muito fracos mesmo. Sem qualquer chance de fazer estremecer o poder dos grandotes. Isso tem de mudar. Então pensa bem na hora de colocar seu voto na urna. Vais votar em quem te ferra? Ou vais votar em quem realmente te representa e defende os teus interesses? Seria bonito ver os trabalhadores tendo uma poderosa bancada. Já basta de defender patrão. Já basta de defender fazendeiro, banqueiro, pastor.  É hora de virar o leme na direção de uma vida digna para a maioria dos trabalhadores. Breve crítica da democracia louvada As eleições e as opções dos trabalhadores Por que tanto medo?

Pós-democracia

A cada ataque mais veemente do arbítrio, surgem novos textos opinativos reafirmando a saúde da democracia brasileira. As instituições funcionam, as liberdades sobrevivem, há eleições. Os vaticínios catastróficos da esquerda falharam. O governo de Jair Bolsonaro pode ser medíocre, mas segue os padrões do estado de Direito. Essas afirmações dependem de significados muito convenientes de “ditadura” e “fascismo”, baseados no Brasil de 1964 ou em referências estrangeiras de um século atrás. Também reduzem a ideia de democracia a um conjunto de ritos e estruturas burocráticas que pouco significam sozinhos. Os despotismos atuais, tão criticados, usam as mesmas desculpas. As eleições passadas transcorreram nos escombros de um golpe parlamentar. Seu fracasso vergonhoso estigmatizou ainda mais a classe política, fortalecendo a agenda revolucionária do bolsonarismo. Nesse ambiente, o apoio midiático à Lava Jato virou uma campanha maciça a favor da ideologia anticorrupção, com óbvios efeitos persuasivos sobre o eleitorado. A disputa vencida por Bolsonaro foi tudo, menos democrática. Sua campanha beneficiou-se de um episódio policial suspeito, espalhou ameaças, agrediu oponentes e cometeu crimes eleitorais em escala inédita. Empresas e órgãos públicos engajaram funcionários na militância bolsonarista. Comícios de estudantes foram impedidos, a propaganda petista censurada. Mas nada supera a conspiração judicial que tirou da disputa o favorito das pesquisas, julgando seu caso em tempo recorde, condenando-o por “crime indeterminado”. Promotores federais armaram conchavos clandestinos com veículos de comunicação e grupos de militantes para incentivar o voto em Bolsonaro. Enquanto perseguiam seus opositores. A tentativa de criminalização do jornalista que revelou esses escândalos mostra o nível de cidadania vigente. Outro “caso isolado”, de tantos que já parecem habituais: manifestações pacíficas oprimidas, vídeos e textos proibidos, apologias oficiais ao nazismo, execuções e atentados impunes, a inviabilização do trabalho de artistas e acadêmicos. São as instituições em pleno funcionamento. Os Poderes divergem no máximo entre círculos hipócritas e raivosos, uns dissimulando a perenização da inconstitucionalidade, outros vazios de quaisquer escrúpulos. Legislativo, Judiciário e Executivo se equilibram numa luta por hegemonia, ávidos para imporem suas respectivas agendas antipopulares e despóticas. Esse “normal” é o fato consumado, que os negacionistas tratam como a ameaça perpétua de si mesmo. Os sintomas bastam para conhecermos tanto a doença quanto o antídoto democrático que deveria preveni-la. Um Bolsonaro não chega ao Planalto sem que algo tenha se perdido no trajeto, algo cuja ausência nenhuma fantasia resistente conseguirá suprir. Revela-se aí o custo da aventura irresponsável que unificou a direita brasileira pela destruição sistemática do lulismo. Não importa a lisura do objetivo. Os métodos foram (ou precisaram ser) ilícitos, e assim passaram a definir a natureza do resultado. O Regime de Exceção é indissociável da tirania de milicianos que ele ajudou a materializar. A ausência de rupturas drásticas significa apenas que elas se tornaram desnecessárias. Uma imprensa que naturaliza a tramoia eleitoral da Lava Jato não irrita os censores. Um STF que ignora a suspeição de Sérgio Moro dispensa baionetas. As polícias garantem o silêncio das ruas, enquanto o império da pós-mentira performa sua liberdade de hospício. O fascismo jamais destruirá as fontes institucionais de sua obscena legitimação. Publicado originalmente no Blog do Guilherme Scalzilli. Sobre a democracia e o voto Face autoritária do neoliberalismo  

O país da Política

por Almandrade À medida que o mundo envelhece, o homem deveria aprender a resolver, de forma mais confortável, sua relação com a natureza e com os valores éticos e estéticos. Ao contrário, chegamos ao século XXI, sujando as cidades, adulterando o meio ambiente enquanto a política comercializa votos e apoios como se a vida fosse uma ficção pobre de imaginação. Mas o pior é que a política é uma realidade cara à nação, com pouca contribuição para resolver os nossos problemas. Passamos o tempo falando de partidos políticos, corrupção, correndo atrás de bola, pesquisas eleitorais. Quando não estamos de olho nas imagens da televisão e lendo manchetes que não enriquecem a paisagem cultural. Um tempo perdido. E assim vamos vivendo uma vida de eleitor/voyeur de irregularidades e mordomias de uma república que não nos pertence. O problema não está na direita ou na esquerda, mas na prática política que vem desqualificando a saúde, a educação, a ciência e a cultura, consequentemente a cidadania. Quanto custa uma eleição e a manutenção de um parlamentar para os cofres públicos? Quando faltam recursos para a saúde pública, a educação, as pesquisas científicas, a proteção do meio ambiente e a habitação popular, sobram para as campanhas políticas. A primeira impressão que temos da política, no atual contexto, é que ela, além de ser um gasto desnecessário, é uma forma de controle do pensamento, pois confina o discurso do cotidiano aos limites dos interesses partidários. Será a democracia uma opção que não deu certo? Um país para crescer e garantir o direito de liberdade a todos os cidadãos precisa de mais ciência e cultura do que partidos políticos, de mais competência e menos militância na administração e nas decisões. Somente assim vamos pensar em solucionar os nossos problemas e garantir para a maioria a possibilidade de viver com o mínimo de dignidade. No interior de um país existem vários países, no Brasil, o país da política dominou e silenciou todos os outros. Há uma supervalorização da “fala política” que invade todos os espaços: o domicílio, o trabalho, a universidade, o espaço urbano. Também pudera, quem não gostaria de se tornar um parlamentar? Ter um belo salário e um trabalho que não exige uma qualificação profissional? Além do mais um político tem poder até para legislar sobre assuntos que escapam a sua competência. São os senhores da nação e nós, pobres eleitores, somos os seus servos. Mas tudo isso é tema para romance de analista político, não é da minha conta. “Sobre aquilo que não se pode falar, deve-se calar”. Talvez não seja agora o momento para citar Wittgenstein. Acredito que o discurso político para ser democrático é imprescindível o circuito de outros discursos, como forma de desenvolver o conhecimento de nossos próprios problemas e aprofundar nossa relação com o mundo.