Zona Curva

democracia no Brasil

Breve crítica da democracia louvada

Com efeito, jamais tivemos sequer a forma deturpada de democracia, a saber, a democracia representativa. Digo deturpada, pois é sabido que a democracia representativa está longe de ser um regime de governo em que o povo participa das decisões mais importantes para sua boa sobrevivência. A democracia representativa mascara a dominação de poder de uma minoria, os que se auto-intitulam os melhores ou os mais capazes, sobre a grande maioria do povo desafortunado.

Querida democracia

por Frei Betto A senhora, todos sabem, nunca foi como a Amélia, que, na opinião do saudoso Mário Lago, era mulher de verdade. Desde que surgiu no cenário das instituições políticas, sua presença sempre foi cercada daquelas suspeitas que envolvem mulheres que se casam com um e flertam com outros. Lembra-se de seus tempos na Grécia, quando ainda menina? Na verdade, nem todos os habitantes de Atenas tinham entrada livre em seus jardins. Segundo alguns pesquisadores, apenas 20 mil atenienses desfrutavam da liberdade que a senhora veio a introduzir nas decisões políticas. Os 400 mil escravos, os metecos (estrangeiros que viviam em Atenas) e as mulheres ficavam de fora, excluídos da cidadania e, portanto, do direito de participar da vida pública. Na Idade Moderna, Rousseau, Tocqueville e Montesquieu colaboraram muito para a sua maturidade. Com o seu charme, aos poucos a senhora fez a vetusta nobreza, toda enrugada, recolher-se a seus aposentos privados à espera de morte condigna, embora algumas famílias reais insistam em prolongar-lhe a agonia. Mas, em geral, o fazem de braços dados com o parlamentarismo, como meras figuras decorativas, permitindo que a senhora ocupe o espaço das decisões que resultam do confronto plural de partidos e opiniões diferentes. Seu melhor atributo, a liberdade, exaltada na tela de Delacroix, aparece com os seios à mostra, guiando o povo. Pena que as suas duas outras filhas, a igualdade e a fraternidade, ainda não tenham saído da pré-escola, repudiadas por quem se farta com as desigualdades e se impõe pela discriminação. Um fenômeno curioso é como a senhora é mais falada que amada, exaltada que praticada, evocada que realizada. Veja o Brasil. Desde a queda do Império, a senhora foi sequestrada por nossas elites e, embora o nosso povo continue a pagar, como resgate, cotas de sofrimento e miséria, a senhora ainda enfrenta dificuldades para ganhar praças e ruas. Quando tentou fugir do cativeiro, seus áulicos a puniram com rigor, fazendo-a desaparecer de nosso cenário político, como ocorreu no Estado Novo, na década de 1930, e na ditadura militar, entre 1964 e 1985. Com o fim do regime dos generais, a senhora voltou à cena, timidamente, ainda refém dos mesmos políticos que se locupletaram com a ditadura. Tancredo Neves morreu à porta de sua casa e, nos braços de Sarney, a senhora experimentou a vertigem inflacionária, favorecendo a sua queda na Casa da Dinda. Para salvá-la, foi preciso que o povo ocupasse as ruas, resgatando-a de quem pretendia, em seu nome, transformar a coisa pública em negócio privado. Veio o governo Itamar Franco e criou o real, moeda que, no bolso da maioria, continua virtual. E fez a cama para FHC, Lula e Dilma, apoiados pelos mesmos partidos tolerados pela ditadura militar, embora acobertados em siglas diferentes. Assim, os interesses das elites ficaram assegurados, salvos das turbulências conjunturais, enquanto o Brasil se tornou campeão mundial de desigualdade social. Hoje, ocupa o vergonhoso 73º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano. O Brasil conta com 13,4 milhões de desempregados e 15 milhões de analfabetos funcionais. Agora, em pleno ano eleitoral, querem de novo conspurcá-la, pois os donos do poder, tão bem estudados por Raymundo Faoro, não admitem que a senhora tenha plena vigência em nosso país. Todos podem vencer as eleições, exceto quem não está de acordo com o atual modelo econômico, financeiramente concentrador e socialmente excludente. Daí o terrorismo conservador, as pressões dos especuladores, e a arrogância da Casa Branca, disposta a desestabilizar o país caso seja eleito um candidato que não agrade ao deus Mercado. Ora, querida democracia, por que a tratam tão mal? Sua presença entre nós é mero jogo de cena, a ponto de não suportar a sua vigência em nossa vida política, como o comprova o golpe parlamentar de 2016? Dos que se gabam de estarem comprometidos com a senhora, quem, de fato, admite a alternância de poder no Brasil? Os que fazem terrorismo eleitoral em seu nome confessam que a temem, pois se acostumaram a governar o povo, jamais com o povo e em benefício do povo. Publicado originalmente no Correio da Cidadania. Pós-democracia  

Soci@lismo 2.0 e a história do voto no Brasil

Socialismo 2.o -Mesmo sob a necessidade de continuarmos a nos debruçar sobre o velho Karl Marx, criador da mais influente análise político-econômica que moldou as relações sociais no século XX, a Internet consolida o antigo e utópico sonho marxista do socialismo em escala global. Mas trata-se do “Socialismo 2.0”. A tese, com base no colaboracionismo instaurado na rede mundial de computadores, foi criada pelo escritor norte-americano Kevin Kelly, especialista em tecnologia. Para ele, o desenvolvimento de sites colaboracionistas, como a Wikipédia e milhares de outros, instauram uma espécie de socialismo atento ao mundo conectado e de livre acesso. Sem mais Estado ou lutas sangrentas pela tomada do poder na perspectiva de replicar regimes comunistas a partir da importação de modelos como os da ex União Soviética, da própria Rússia, China, Cuba, Vietnã ou Albânia, encontra-se na Internet a grande pátria do socialismo, vinculada à cultura e à economia em versão digital. Já a história do voto no Brasil não é nada recente. “Começa logo após Cabral desembarcar por aqui. Moradores da primeira vila fundada na colônia portuguesa – São Vicente, em São Paulo – convocados pelo donatário Martim Afonso de Souza, foram às urnas eleger o Conselho Municipal, em 23 de janeiro de 1532. Em votação indireta, o povo elegeu seis representantes que escolheriam os oficiais do conselho”. Quem conta é Antonio Carlos Olivieri, da Página 3 Pedagogia & Comunicação. Em 1821 ocorre a primeira eleição brasileira nos moldes modernos. Foram eleitos 72 deputados do Brasil para as Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, após a Revolução Constitucionalista do Porto e a volta de dom João VI a Portugal, em 1820. Como se sabe, desde 1808, dom João governava o Império português a partir do Brasil, devido à invasão do país por Napoleão Bonaparte. À época Reino Unido a Portugal e Algarves, deixáramos a condição colonial. Desse processo resulta a proclamação de nossa Independência por dom Pedro I, em 1822. Com nova ordenação jurídica e política, novas regras eleitorais. A primeira Constituição brasileira, outorgada por Pedro I, em 1824, define as normas iniciais do nosso sistema eleitoral. Institui a Assembleia Geral, órgão máximo do Poder Legislativo, composto por duas casas: o Senado e a Câmara dos Deputados, a serem eleitos pelos súditos do Império. O voto era obrigatório, mas censitário: só homens com mais de 25 anos e sob renda determinada tinham capacidade eleitoral. Estavam excluídos da vida política as mulheres, assalariados em geral, soldados, índios e escravos. As votações ocorriam em quatro graus: cidadãos da província votavam em compromissários, que elegiam os votantes de paróquia. Estes, por sua vez, elegiam os eleitores da comarca, aos quais cabia eleger os deputados. Os senadores eram nomeados pelo imperador. Com o advento da República, a primeira votação direta para presidente somente ocorreria em Prudente de Morais, primeiro mandatário civil, chega ao poder com cerca de 270 mil votos, 2% dos brasileiros à época. O voto feminino, adotado em 1932 é exercido em 1935. Com o Estado Novo (1937-1945), as mulheres só tornam a votar a partir de 1946. A ditadura Vargas e a dos militares (1964-1985) privaram o eleitorado de eleger o chefe da nação por nove vezes. Em 125 anos de República, sob controversa exatidão (28 ou 35 presidentes?), apenas 17 foram eleitos por votação direta. Até 1987 o voto era um direito negado aos analfabetos, contingente significativo da população. Não há surpresa, portanto, no fato de presidentes eleitos com votação expressiva, como Jânio Quadros, em 1960, com seis milhões de votos, envolver meros 10% da população. Com a Constituição de 88 o eleitorado aumenta consideravelmente e já chegamos à casa dos 141 milhões. Hoje, o voto é obrigatório para todo brasileiro maior de 18 anos e facultativo a analfabetos e aos com 16 e 17 anos ou mais de 70 anos. Estão proibidos de votar os estrangeiros e os que prestam serviço militar obrigatório. Agora é hora de voltarmos às urnas.

A carapuça e a guerra psicológica

Otavio de Carvalho, renomado pesquisador e coordenador de Estudos sobre a América Latina na Universidade Nacional do Vietnã, faz seu texto de estreia no Zonacurva: Bom dia, Vietnã ! (Ho Chi Minh, dia 07 de Janeiro) Nesse ano em que o mundo inteiro está de olho no Brasil, o que não acabará em 2014, sairemos do foco só em 2016 quando as Olimpíadas serão o marco para que o planeta compreenda e renove a imagem caricata que o imperialismo ibérico, inglês e yankee construíram do Brasil. Meninos e Meninas, eu juro! É tudo manipulação, somos vistos de fora através da visão que os colonizadores registraram sobre nós, em que o padrão é enxergar o brasileiro como preguiçoso e essencialmente corrompido, seja na economia ou no estereótipo sobre nossa sexualidade. Ou você acha que ao lerem sobre o Brasil na academia o primeiro mundo mergulha em Darcy Ribeiro? Param normalmente no resumo de Casa Grande e Senzala, passam ligeiro por nossa literatura, e normalmente criam teses e mais teses, baseadas nos famosos brazilianistas. Quando qualquer executivo é convidado a trabalhar no Brasil, chega carregado dessa ideologia que nos denigre, mas, na maioria dos casos, em poucos meses caem na real, e tem que esquecer de metade dos preconceitos herdados, para descobrir um povo de verdade, com diversidade cultural, história e personalidade próprias, e que mesmo em sua singularidade, é mais similar do que se esperava, dada à força cultural europeia, visível no idioma, influência da igreja e na forma de organização do estado. Por isso mesmo, os gringos de mente aberta buscam o peculiar no Brasil e começam a procurar aquilo que nos diferencia, se apaixonando pelo sincretismo religioso, manifestações e gêneros musicais, literatura e humanidade nas relações, em especial nas cidades menores e entre as classes mais baixas.  Leia também sobre os gringos e o Brasil em “A invasão gringa” Mas por que o país interessa tanto aos centros de poder no exterior? A resposta é simples, com a crise capitalista yankee, os modelos ocidentais de sociedade tornaram-se escassos, a União Europeia mostrou que privilegia o capital e não o cidadão, nos EUA, as guerras, o controle absoluto da informação revelado por Edward Snowden e pelo Wikileaks, a ajuda irrestrita aos bancos e a falência da classe média mostram uma sociedade em declínio, onde a Rússia voltou ao cenário, mas não representa nenhum novo modelo, pois continua dependente de um déspota esclarecido ou não, enquanto a China parece um modelo somente para um pais igual a China, ou seja … para ninguém. A América Latina vem à tona com a falência do ultra liberalismo e por mostrarmos um caminho que, ao mesmo tempo, traz a carga cultural europeia, em roupagem exótica é verdade, busca equacionar os problemas sociais. Se nossos vizinhos tornaram suas sociedades mais divididas, com somente 2 lados, os contras e a favor, no Brasil, a sociedade tende a ser mais multifacetada e muitos lados acabam por coexistir. O Brasil é sim a sociedade ocidental do futuro, mas ainda não chegou lá, e aqueles em declínio não querem nossa emergência global, preferem nos sufocar a mudar a relação de forças do ocidente, mas sabem bem que no máximo conseguirão adiar seu declínio, pois qualquer previsão séria coloca o país como quinta economia do planeta já em 2025. Ao ver a mídia corporativa local demonizar a política, criminalizando seus atores, envenenando o debate, com ódio e sectarismo, nota-se uma orquestração que tenta desde a eleição de Lula, dividir a sociedade, incentivando que as pessoas não reconheçam os avanços realizados nesses anos. Dizer, por exemplo, que os anos PT foram a década perdida e convocar papagaios acéfalos a repetir isso diariamente nas mídias sociais, na base do “Copy” / “Paste” é desonestidade intelectual pura e manipulação da informação, táticas conhecidas como Guerra Psicológica, arma sutil da guerra fascista de direita, que Olavettes e Lobos Bobos repetem à exaustão. Vemos essa Guerra semanalmente nos jornais e revistas semanais vendidas, onde a Veja é realmente a mais bandida, pois qualquer notícia vale, qualquer fonte é boa, desde que enxovalhe Lula, Dilma e o PT, e quando qualquer denúncia atinge a oposição, que governa bastiões como São Paulo há décadas, seus colunistas agem primeiro com cautela exemplar e, na seqüência, defendem os poderosos, em especial tucanos, como se realmente acreditassem que entre seus pares somente existam santos que nunca se corromperiam. Já um Ptista é a priori ladrão. Essa dicotomia, vai de novo, vitimizar o PT e ajudar a eleger a Dilma, talvez até no primeiro turno, pois mesmo os desgostosos do lulopetismo, enxergam a manipulação midiática e se juntam ao povo que de carteira assinada, sabe bem o quanto a vida e perspectivas de seus filhos mudaram nos últimos 11 anos.   E justamente esse raciocínio que está levando a mídia corporativa ao desespero, e vão errar de novo ao investir na manipulação, nas “agressões de bolinhas de papel”, e factóides de qualquer mafioso de plantão, vide o espaço dado a Tumas e outros degenerados, e a incensão de Joaquim Barbosa a salvador da pátria, por aqueles que leem a Veja babando de emoção. O sonho dos reacionários é simples, um golpe pseudo democrático, mas que, no fim consiga banir o PT e seus quadros da política. Para isso topam qualquer coisa, e vão tentar usar da mentira e manipulação midiática para incutir medo e paranoias diversas na população, como vimos em 2013. Aqui no Zonacurva , serei uma trincheira de resistência e de luta para manter o diálogo político possível, e que o fascismo nunca mais prospere no Brasil. Na democracia, o povo escolhe, e quem ganha a eleição governa, e mesmo que seja nessa democracia de coalizão que temos, é bem mais transparente e aberto que qualquer aventura proposta por um salvador da pátria. Afinal, os cães do ódio ladrarão como nunca, mas a Caravana do Brasil Novo não vai parar para os fascistas embarcarem dessa vez.