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A resiliência política das bases populares

A história da América Latina, como escreveu Eduardo Galeano, foi escrita com o sangue derramado pelas veias abertas de sua população. É uma história de resiliência, desde a resistência indígena à empresa colonizadora, passando pela rebelião dos africanos trazidos ao Continente como escravos, até as lutas por independência e soberania. Lutas de resistências e conquistas que a classe dominante insiste em ocultar, como é o caso da Revolução Haitiana (1791-1804), que terminou com a independência da antiga colônia. Muitos livros didáticos ignoram as rebeliões e revoluções, e ainda tratam a invasão colonialista, promovida por países europeus (Espanha, Portugal, Inglaterra, Holanda etc) como “descobrimento”, na tentativa de encobrir o caráter genocida da atividade colonizadora e escravagista. Em “A ideologia alemã”, Marx e Engels escrevem que “as ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias predominantes, isto é, a classe que se constitui na força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante”. Como sublinha o axioma africano, conhecemos apenas a versão do caçador, porque nunca demos ouvidos à versão do leão. A reduzida circulação da arte e da literatura produzida pelos povos oprimidos (indígenas, quilombolas, camponeses, operários, prostitutas, prisioneiros comuns etc) se deve ao elitismo de nossas universidades, que padecem do “complexo de vira-lata” frente às academias dos EUA e da Europa. Os cursos de extensão universitária raramente têm por objetivo a atitude de escuta e pesquisa junto aos segmentos subjugados, sujeitos a todo tipo de preconceitos, discriminações e ofensas. O que se sabe da política indígena, da história dos quilombos, da arte das mulheres catadoras de frutas, do sofrimento dos que padecem esquecidos nos cárceres? No entanto, essa gente resiste. E, felizmente, às vezes encontra quem lhe dá voz e vez, como tantos escritores, artistas e intelectuais, que expressam em suas obras e textos as dores dos oprimidos. A resiliência das bases populares se dá de várias formas. Ocorre de forma espontânea, como um combustível que impregna o tecido social e, súbito, um fato, um incidente, um líder, atira nele o fósforo aceso, como foi o caso de George Floyd, nos EUA. Como se dá também de forma organizada, através de movimentos, associações e partidos progressistas, de esquerda ou revolucionários. Acontece ainda pela ruptura da ordem legal, motivada pelo imperativo da sobrevivência: os saques, as ocupações de terras e de moradias, e até mesmo pela via da criminalidade, em especial o narcotráfico, cujo produto mais sofisticado gerado na América Latina, a cocaína, é amplamente consumido pelos segmentos abastados dos EUA e da Europa. Mas de que vale o operário quebrar máquinas da fábrica para se vingar do patrão?, indaga Marx nas páginas de “O capital”. A contradição, tão objetiva e sacramentada pelas estruturas do capitalismo, só pode ser superada de um modo, e por via subjetiva: a formação da consciência de classe, de identidade étnica e de gênero. Este o ponto central. Contudo, ao longo do século 20, a esquerda da América Latina, que havia despertado para a questão – graças à literatura marxista e às revoluções russa, chinesa e cubana – fez de pequenos burgueses portadores do pensamento crítico junto aos oprimidos. Daí a dificuldade de se criar processos libertadores de caráter indutivo, exceto as guerras anticolonialistas e as revoluções de Cuba e Nicarágua, que tiveram caráter antiditatorial e emancipatório do país. Não se liberta um povo. É o povo que se liberta. Esse processo indutivo de resiliência popular, impregnada de consciência de classe, encontrou em Paulo Freire seu formulador pedagógico, embora José Martí já tivesse emitido luzes nesse sentido. Mas foi com o surgimento de ferramentas de luta forjadas pelos próprios oprimidos, como o PT no Brasil, os zapatistas no México e os indígenas na Bolívia, que efetivamente o processo se deu de baixo para cima, embora não possa ser encarado de forma linear. Os oprimidos se descobriram como protagonistas políticos. Houve, entretanto, um impasse quando essas forças populares lograram eleger, segundo as regras da democracia burguesa, presidentes supostamente identificados com os anseios dos oprimidos e excluídos. Na prática, tais governos progressistas tiveram dificuldades de serem fiéis às demandas indígenas, quilombolas, sem-terras, sem-tetos etc. Não implementaram profundas reformas estruturais. Não lograram reforçar os movimentos populares. Não promoveram a educação política do povo. E deixaram de fazê-lo em nome de uma política que, atenta ao poder das elites, procurava caminhar sobre ovos sem quebrá-los… O resultado foi aprofundar o fosso entre governos progressistas e bases populares. Nenhum daqueles governos ousou confiar plenamente na resiliência dos oprimidos e reforçar seus recursos de lutas. Fracassou a tentativa de reduzir os privilégios dos ricos sem aguçar o latente ódio da classe dominante. Julgou-se que, ao limar os dentes do tigre, haveria de se lhe diminuir a natural agressividade… Agora, a história recente comprova que não há de se ter ilusão de estabelecer uma aliança de classes. A direita age por interesses; a esquerda, por princípios. São linguagens incompatíveis, antagônicas. Isso não significa ignorar o poder das elites ou tratá-la com armas de combate frontal. Não há que menosprezar a força do inimigo. Mas só haverá libertação se, nas pautas políticas da esquerda, esteja ela ou não em instâncias de governo, a prioridade recair sobre o fortalecimento da conscientização, da organização e da mobilização dos movimentos populares, identitários e socioambientais. Fora disso é ficar refém da fantasiosa lógica social-democrata, de que é possível reformar o capitalismo sem, no entanto, querer sepultá-lo. Nós erramos Autocrítica da esquerda      

Etarismo ou o drama de ser velho no capitalismo

Idosos no Brasil – Tenho observado muita gente falando nas redes sociais sobre o lance da velhice e sobre o direito de se parecer velho. Li textos e vi vídeos de mulheres discutindo a beleza de envelhecer e de seguir o rumo da vida, libertas de tintas e estereótipos estéticos. Embutido nesse discurso, claro, a crítica de um mundo no qual o velho é totalmente esquecido e dispensado de atuar como sujeito criador. Ao velho, dizem, é relegado o papel passivo de aposentar e abrir espaço para os jovens. E, diante disso, faz-se essa defesa do direito de envelhecer com dignidade, aceitando o processo. Quero me permitir um pitaco. Já faz sete anos que cuido do meu pai, que é velho e tem a doença de Alzheimer. Posso afirmar sem medo de errar que ser velho é foda. E ser um velho doente, mais foda ainda. Já ser velho, doente e empobrecido, aí é o inferno de Dante. Então, creio que há que se ter muito cuidado com esse elogio da velhice desvinculado da condição de classe. Ficar velho é condição natural da vida. Mas, a condição de classe da pessoa determina situações muito diferentes. Tiro isso por conta da experiência com o pai. Faço parte de grupos de familiares que têm Alzheimer e observo o drama das famílias de trabalhadores empobrecidos para dar um mínimo de qualidade de vida para seus velhos doentes. É uma batalha inglória tanto para quem cuida quanto para quem é cuidado. As famílias hoje são pequenas e não há gente suficiente para cuidar, já que o cuidado é de 24h. Daí é comum recorrer a remédios que dopam ou asilos. Isso não é falta de amor. É falta de condição. Hoje ficamos mais velhos que há décadas passadas. E com tanto de vida pela frente sentimos necessidade de ser criador, seguir contribuindo com a sociedade. Mas, nos pedem que saiamos, para dar lugar aos jovens. E, apesar de todo esse discurso sobre a “terceira-idade”, “melhor idade” e o escambau, o velho é jogado para o esquecimento. Se ele não se mantiver ligado nas redes sociais, fazendo dancinhas ou qualquer outro espetáculo, está fora, esquecido. Não importa se foi alguém que fez coisas importantes, na vida, no trabalho, na cultura da sua comunidade. Se ele saiu, pronto. Esquecido. Outro dia me surpreendi vendo um ator famoso, lindo e jovem, ser escalado para fazer um velho num filme. E todos os atores velhos que estão aí esperando um papel? Não importa. Estão velhos. Não dá mais. Então, caracteriza um novo para ficar velho. E se o ator velho, que já foi grande, faz um papel pequeno ou bobo num filme, lá vêm críticas… Não há paz para o velho. O velho que vá pra casa descansar. Bueno, há velhos que conseguiram juntar grana e podem curtir a aposentadoria, viajando, fazendo coisas legais. Mas a maioria dos velhos – que são da classe trabalhadora – não consegue juntar dinheiro para viagens ou curtição. As aposentadorias minguadas servem para comprar remédios que vão tratar doenças adquiridas nessa vida de sacrifício. O capital lhes tira tudo, a vida produtiva e depois a alegria da aposentadoria. Essa é a realidade. Assim as coisas são. Então, por isso que ao falar sobre a velhice a gente tem de pensar sobre o modo de vida que produz essa sociedade egoísta, produtivista, capitalista. O velho, nesse mundo, está fadado ao sofrimento. Porque ele já não produz mais para o capital, porque ele não é útil para mais ninguém, porque ele vira um incômodo. Não é de espantar então atitudes como a do nosso querido Flávio Migliaccio, ou Walmor Chagas, ou agora o lindo Alan Delon. O velho, doente e incapacitado, se vê e é visto como um estorvo. Se é rico ainda consegue decidir sobre sua vida/morte, se é pobre não tem chance alguma. Nem nesse momento. Nem nessa hora noa. Ainda há muita estrada para andar nesse tema da velhice. Mas se a gente não pensar primeiro sobre a necessidade urgente de se ter uma sociedade capaz de lidar com o velho, sem comiseração, mas com respeito a tudo que ele foi, continuará sendo um fardo pesado envelhecer. E quando digo envelhecer não tem nada a ver com a gente não pintar mais os cabelos, mas enfrentar toda a decrepitude que a idade traz, inclusive a intelectual, e o abandono que lhe segue. Saber que teremos cuidado quando essa hora chegar pode mudar muito nossa relação com a velhice. Mas, hoje, como o mundo é, é impossível ter alguma esperança. Só mesmo a angústia de saber que chegará a hora em que nos deixarão no meio do caminho, abandonados e sós. Com o meu pai, venho mudando minhas práticas e aprendendo muito sobre esse processo. Mas, cuidar de um velho não pode significar a morte do jovem. Há que existir espaço para os dois. Espaços de vida, de alegria e de fruição. E, no capitalismo, “my friend”,  isso não vai acontecer. Notas sobre a velhice

Combater a fome e o veneno na alimentação

Fome – A alimentação é o direito humano número 1. No Brasil, 19 milhões de pessoas (9% da população) padecem de fome crônica, agravada pela pandemia, o desemprego, o aumento dos preços dos alimentos (o maior desde 2003) e, sobretudo, o desgoverno Bolsonaro. A insegurança alimentar moderada e grave afetou 21,5% da população em 2004; 10,3% em 2013; e em 2020 chegou a 20,5% (Rede Penssan – Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania Alimentar e Nutricional). Hoje, 116 milhões de pessoas no Brasil se encontram em insegurança alimentar, ou seja, não sabem o que haverão de comer no dia seguinte ou não têm acesso a uma alimentação que contenha nutrientes essenciais. Em 2004, a pobreza atingia 21,5% da população brasileira. Dez anos depois (2014) foi reduzida para 8,4%. Subiu para 11% na recessão de 2015-2016, e para 16% no primeiro semestre de 2021. A Ação Coletiva Comida de Verdade, rede integrada por 13 movimentos comprometidos em promover segurança alimentar, identifica 310 iniciativas de sistemas alimentares inclusivos e sustentáveis no Brasil, de hortas comunitárias a cooperativas e campanhas de financiamento coletivo. Dessas 310, 58,9% se dedicam à comercialização, como feiras agroecológicas e distribuição de cestas da agricultura familiar. E 31% são ações solidárias destinadas a facilitar o acesso a alimentos de grupos vulneráveis; e 7,5% resultam de políticas públicas. Desde o lançamento do programa Fome Zero, no governo Lula, se propõe às prefeituras cancelar o IPTU de lotes e terrenos baldios que forem cedidos por seus proprietários ao cultivo de hortas comunitárias. Em 1950, segundo censo do IBGE, 2/3 da população brasileira (64%) viviam na zona rural. No último censo, de 2010, eram 84% nas cidades e 16% na zona rural. Isso se traduz em favelas, desemprego, violência e, sobretudo, consumo de alimentos industrializados de pouco valor nutricional. O MST é, hoje, o maior produtor de arroz orgânico da América Latina, isto é, sem insumos como adubo químico e agrotóxico. Aliás, esses produtos encareceram na pandemia, afetando o preço dos alimentos. No MST, o pacote de 1kg de arroz custa de R$ 7 a 8. No Rio Grande do Sul, o movimento espera colher, para a safra de 2022, 300 mil sacas. No início de 2021, foram 248 mil sacas, no valor de R$ 20 milhões, e 130 mil continuam em estoque, pois a maior dificuldade é escoar a produção, já que o principal comprador é o governo, a Conab e o Programa Nacional de Alimentação Escolar. E em se tratando de produtos do MST… a Conab não tem aberto leilões para adquirir produtos da agricultura familiar. Nem o governo federal se mostra interessado em manter estoques reguladores. O Brasil é o terceiro país do mundo a utilizar agrotóxicos, atrás da China e dos EUA (FAO). Em 2019, foram vendidas no Brasil 620 mil toneladas de agrotóxicos (Ibama). Desse total, 38,3% são “altamente ou muito perigosos”, 59,3% “perigosos” e apenas 2,4% “pouco perigosos”. O governo Bolsonaro flexibilizou o registro dos agrotóxicos. Desde a lei de 1989, se evitava aprovar qualquer um que contivesse substâncias que causam distúrbios respiratórios graves, câncer, mutação genética, má formação fetal, Parkinson, além de alterações hormonais e reprodutivas. O decreto de 7 de outubro deste ano (10.833/2021) aprovou o “pacote de veneno”. Reduz o prazo de aprovação dos agrotóxicos, aumenta a participação do Ministério da Agricultura e cria “limites seguros” para que substâncias antes proibidas sejam aprovadas. As entidades contrárias à medida dizem que o Brasil tem grande potencial de produzir biodefensivos, mas o governo as ignora. De janeiro a setembro de 2021 foram liberados no Brasil 1.215 agrotóxicos (Diário Oficial). Entre 2005 e 2015 o ritmo de aprovação era cerca de 140 por ano. Este ano já foram liberados 345. Dos produtos usados no Brasil, 30% possuem substâncias ativas proibidas em países europeus, como atrazina, acefato e paraquate. Este último herbicida, utilizado em plantios de algodão, milho e soja, foi vetado em 2017, mas se permitiu usar o estoque até julho deste ano. Está proibido em 37 países. Provoca Parkinson nos agricultores. Desde 1997, os agrotóxicos recebem incentivos fiscais do governo. Ao permitir a desoneração de até 60% do ICMS no comércio dos venenos, os estados deixam de arrecadar R$ 6 bilhões por ano! Uma das principais fontes de venenos na alimentação são os ultraprocessados. O governo deveria regular a publicidade, elevar os impostos e obrigá-los a estampar rótulos de advertência, como no cigarro. A partir de outubro de 2022, produtos com alta concentração de sódio, açúcar e gorduras saturadas deverão expor os índices em suas embalagens. A dieta in natura é mais cara que consumir ultraprocessados, cujo maior custo decorre de embalagem, transporte e propaganda. Os ultraprocessados são feitos, não para alimentar, e sim para incentivar o consumo excessivo. Refrigerantes, por exemplo, não se destinam a matar a sede, e sim viciar o consumidor. Favorecem a obesidade, a hipertensão e o diabetes. E o pior: aqui são incentivados pelo governo. Refrigerantes fabricados na Zona Franca de Manaus recebem subsídios na forma de créditos tributários. Em setembro, o Idec denunciou que 59,3% dos produtos ultraprocessados apresentam resíduos de agrotóxicos. Entre 27 produtos, mais da metade continha resíduos de glifosato ou glufosinato – dois herbicidas muito usados em plantações de soja, milho e algodão. Segundo a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, ligada à Organização Mundial de Saúde (OMS), o glisofato causa câncer. Aparece em salgadinhos, bisnaguinhas, biscoitos de água e sal, bolachas recheadas, cereais, pães de trigo e bebidas de soja, itens muito consumidos por crianças e adolescentes. A Anvisa, que controla o índice de agrotóxicos em produtos orgânicos, não o faz quando se trata de industrializados. O agronegócio reconhece que, nos últimos 30 anos, a área de plantio no Brasil cresceu apenas 50% e, graças ao uso de agrotóxicos, a produção de grãos aumentou em 360%! (CropLife Brasil). Salva-se a bolsa, danam-se as vidas! Publicado originalmente no Correio da Cidadania. Tá osso! Norte e Nordeste voltam a ser esquecidos no faminto Brasil de Bolsonaro

Governo Bolsonaro agrava o fosso da desigualdade

Desigualdade social – O compromisso do governo federal com o 1% dos brasileiros mais ricos e o desprezo pela vida intensificaram nosso crônico problema da desigualdade social. Levantamento publicado no ano passado pelo banco suíço UBS mostra que o aumento da riqueza acumulada por bilionários foi de 99%, em comparação com 2009. A desigualdade se reflete no prato vazio do brasileiro. Segundo o estudo “Efeitos da Pandemia na Alimentação e na Situação da Segurança Alimentar no Brasil”, coordenado por pesquisadores da Universidade Livre de Berlim e colaboração da Universidade Federal de Minas Gerais e Universidade de Brasília, cerca de 59% da população brasileira vive em situação de insegurança alimentar. Esse termo abrange desde casos de fome extrema até insuficiência nutricional, causadas pelo baixo poder de compra. A extinção do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar) e do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, ambos em 2019, demonstra a falta de compromisso do governo Bolsonaro com os mais pobres. Com o aumento dos preços de itens básicos do dia a dia, a população mais carente enfrenta, todos os dias, dificuldade para manter o padrão de vida conquistado no governo Lula. Os gastos com os combustíveis estão pesando ainda mais no bolso do brasileiro durante a pandemia. De acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), só em 2021, houve nove aumentos no preço da gasolina, com acúmulo de 27% no preço de janeiro a julho. Em algumas regiões do país, o litro já ultrapassou R$7,00. Em recente live, o presidente Jair Bolsonaro relacionou os aumentos ao ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), mas, segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo), o valor administrado pelos estados se manteve na média dos últimos anos, não contribuindo significativamente para alteração do valor dos combustíveis. Além do preço da comida e da gasolina, outra conta aumentou e tem preocupado grande parte dos brasileiros: a da energia elétrica. A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) definiu o novo valor da tarifa extra que será cobrada. A bandeira vermelha, que definia R$9,49 a cada 100KWh, chegará a R$14,20 a partir desse mês. Esse aumento, segundo a Agência, está relacionado à crise hídrica que acomete o país. O vice-presidente Hamilton Mourão declarou que medidas de racionamento estão sendo cogitadas. Um estudo feito pela organização Oxfam Brasil mostrou que, em 2018, a distribuição de renda estacionou pela primeira vez no país desde 2000. A grave crise econômica que estamos mergulhados desde 2015 atinge os brasileiros de diferentes formas, conforme o gênero, a cor e a classe social. Segundo o estudo, entre 2016 e 2017, os brancos mais ricos tiveram ganhos de rendimentos de 17,35%, enquanto os negros obtiveram menos que a metade, apenas 8,1%. De acordo com o pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Pedro Herculano de Souza, a concentração de renda no topo da pirâmide é quase constante, e as pioras mais profundas no grau de desigualdade econômica acontecem em momentos de graves crises. A crise sanitária e a inação do governo federal estão proporcionando o aumento da inflação que não foi acompanhado por um proporcional reajuste no valor do salário-mínimo. Só em julho, por exemplo, o IPCA mostrou que a inflação teve seu maior avanço no mês desde 2002, chegando a 0,96%. Desde o ano passado, mais 67,7 milhões de brasileiros buscam se manter com o auxílio emergencial, enquanto isso, cerca de 42 pessoas lucraram mais que todo o valor destinado à população em maior situação de vulnerabilidade econômica no país durante a pandemia de Covid-19, segundo o relatório “Quem Paga a Conta? – Taxar a Riqueza para Enfrentar a Crise da Covid na América Latina e Caribe”, da Oxfam. Souza identifica três períodos de agravamento da desigualdade do país: o fim da República Velha e o Estado Novo (em primeiro), entre 1926 e 1945, o início da ditadura de 1964, e a crise econômica e política dos anos 1980, período marcado pela hiperinflação. Conforme a análise de Souza, entre 1942 e 1943, o 1% mais rico da população pulou de 20% para 30% da arrecadação de toda a renda nacional. Isso ocorreu principalmente porque a elite pouco se opôs ao governo autoritário de Getúlio Vargas, ampliando seus privilégios durante o regime vigente. Dessa forma, houve maior enriquecimento dos que se encontravam no topo da pirâmide, enquanto a população mais pobre perdia direitos e vivia em condições ainda mais difíceis. Ainda segundo o pesquisador, durante a ditadura militar (1964-1985), foi rompida a tendência de queda na concentração de renda que estava acontecendo nas duas décadas anteriores. Norte e Nordeste voltam a ser esquecidos no faminto Brasil de Bolsonaro Essa evolução na distribuição que estava em curso foi fruto de políticas como a do aumento do salário-mínimo em 100%, proposta pelo então ministro João Goulart, em 1953 (leia mais sobre o mandato de Jango como ministro de Vargas no texto de Fernando do Valle aqui no Zonacurva). Com condições trabalhistas mais favoráveis, os proletários passaram a viver um momento de maior participação econômica, o que diminuiu o déficit em relação aos mais ricos. Já nos primeiros anos da segunda metade da década de 1960, o 1% mais rico da população passou de 17% a 26% no acúmulo de renda nacional. Esse aumento é consequência de uma das medidas econômicas vigentes no período: a redução de 30% no valor do salário mínimo. Essa diminuição deixou a classe trabalhadora em situação desfavorável, deixando-os mais pobres e impedindo a evolução da distribuição de renda. Além disso, a repressão a sindicatos e atividades de mobilização popular impossibilitou a classe mais pobre de reivindicar seus próprios direitos e lutar por melhoria na qualidade de vida. Depois disso, no período de transição democrática dos anos 1980, que ficou conhecido como “década perdida”, 30% da renda nacional ficou concentrada no 1% mais rico do país. Uma pesquisa mostrada no artigo “A history of inequality: Top incomes in Brazil, 1926–2015”, publicada pelo pesquisador Pedro Herculano Souza, compara a concentração de renda do topo da pirâmide socioeconômica,

A crônica desigualdade social brasileira

por Fernando do Valle O Brasil ainda figura entre os países mais desiguais do mundo. Pessoas jogadas nas praças com seus cobertores, pedintes e crianças nos sinais de trânsito fazem parte do cotidiano das grandes cidades. Muitos preferem não enxergar o abandono de 16 milhões de brasileiros que ainda vivem abaixo da linha de pobreza. E o quadro tende a piorar: segundo projeções do Banco Mundial, o país produzirá mais 3,6 milhões de pobres até o final de 2017. Sem dúvida, nas últimas décadas, a desigualdade diminuiu, mas continua como um problema crônico no país, essa é a principal conclusão do relatório “A distância que nos une” divulgado ontem pela Oxfam, organização que trabalha na área da justiça social há mais de 60 anos. O Bolsa Família, ganhos educacionais (que impactaram na redução das diferenças salariais), ampliação da cobertura de serviços essenciais para os mais pobres e a política de valorização real do salário mínimo melhoraram o quadro de completo abandono social do período da ditadura militar e dos anos 80. Segundo a Oxfam, “entre 1988 – ano da promulgação de nossa Constituição – e 2015, reduzimos de 37% para menos de 10% a parcela de população brasileira abaixo da linha da pobreza. Considerando os últimos 15 anos, o Brasil retirou da pobreza mais de 28 milhões de pessoas, ao mesmo tempo em que a grande concentração de renda no topo se manteve estável”. Entre 1976 e 2015, o índice de Gini (parâmetro internacional usado para medir a desigualdade de distribuição de renda entre os países) variou de 0,623 a 0,51527, ou seja, a pobreza encolheu de 35% para menos de 10%, menos de um terço do que era há 40 anos. Depois de alguns dados positivos, vamos aos números que apontam o persistente problema social do Brasil. Para exemplificar, o nível de concentração de renda continua absurdo, apenas seis pessoas possuem riqueza equivalente ao patrimônio dos 100 milhões de brasileiros mais pobres. Segundo o ranking de bilionários da revista Forbes deste ano, são esses os seis brasileiros: Jorge Paulo Lemann (investidor), Joseph Safra (banqueiro), Marcel Herrmann Telles (investidor), Carlos Alberto Sicupira (investidor), Eduardo Saverin (co-fundador do Facebook) e Ermirio de Moraes (do Grupo Votorantim). Juntos, eles possuem uma fortuna estimada em mais de R$ 280 bilhões. Desigualdade social: Ricos ganham 36 vezes mais que os pobres no Brasil, segundo IBGE E tem mais: os 5% mais ricos detêm a mesma fatia de renda que os demais 95%. Por aqui, um trabalhador que ganha o salário mínimo de R$ 937 por mês (cerca de 23% da população) levará 19 anos para receber o equivalente aos rendimentos da fortuna de um bilionário em um único mês. No mundo, a situação também é extremamente desigual, ainda segundo a Oxfam, que estudou todos os indivíduos com um patrimônio líquido de pelo menos 1 bilhão de dólares, concluiu que 1.810 bilionários (em dólares) incluídos na lista da Forbes de 2016, dos quais 89% são homens, possuem um patrimônio de US$ 6,5 trilhões – a mesma riqueza detida pelos 70% mais pobres da humanidade. Neste momento, o 1% mais rico da população mundial possui a mesma riqueza que os outros 99%, e apenas oito bilionários possuem o mesmo que a metade mais pobre da população no planeta. Por outro lado, a pobreza é realidade de mais de 700 milhões de pessoas no mundo. Fonte: OXFAM Norte e Nordeste voltam a ser esquecidos no faminto Brasil de Bolsonaro País continua desigual, mas índices sociais melhoram entre 2010 e 2014

País continua desigual, mas índices sociais melhoram entre 2010 e 2014

por Fernando do Valle Apesar da queda do crescimento do PIB, que caiu de 7,5% em 2010 para 0,5% em 2014, e o turbilhão político que o país mergulhou desde as manifestações iniciadas em 2013, o Brasil ainda apresentou melhorias no quadro social entre 2010 e 2014, segundo dados do RADAR IDHM, estudo coordenado pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) em parceira com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e a Fundação João Pinheiro e divulgado no início desta semana. O IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) cresceu 1% ao ano entre 2011 e 2014, saindo de 0,738 para 0,761 (quanto mais perto de 1, melhor o indicador), porém 41% menos do que entre 2000 e 2010, quando o ritmo de subida foi de 1,7%. A renda per capita foi a que mais impulsionou o crescimento com incremento de 4,8% ao ano no período, o salto foi de R$ 698,48 em 2011 para R$ 803,36 há dois anos atrás. O Radar IDHM começou a medir a qualidade de vida nas cidades brasileiras em 2013 levando em conta 60 índices coletados pelo PNAD (Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio), realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) com foco principal na evolução da renda, educação e saúde da população. Em 2010, O Brasil foi o país que mais avançou no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no mundo. Foram quatro pontos a mais em comparação a 2009. Enquanto o mundo estagnava, o Brasil liderava o grupo de poucos países, apenas 25, que conseguiram melhorar o desempenho.  Dos 169 países analisados à época, 116 mantiveram a posição apresentada em 2009 e 27 tiveram desempenho pior. Apesar de alguns resultados positivos, o Brasil ainda apresenta quadro de grave desigualdade social.  O índice de Gini, o principal indicador sobre desigualdade social, não obteve mudança considerável, melhorando entre 2011 (0,53) e 2014 (0,49). Os melhores índices são os da Dinamarca (24,7) e Japão (24,9). Número mais baixo significa menor desigualdade. Agora resta a expectativa de como o agravamento da crise econômica em 2015 e 2016 afetará os índices sociais brasileiros daqui para frente. https://www.zonacurva.com.br/a-cronica-desigualdade-brasileira/