Zona Curva

Diretas Já

Diretas já?

por Guilherme Scalzilli Desconfio ser inviável qualquer caminho para a eventual substituição de Michel Temer que fuja ao voto indireto. Sim, há medidas jurídicas e legislativas que poderiam dar substância constitucional à ideia. O problema é que ela não interessa às únicas esferas capazes de viabilizá-la. O Legislativo jamais abriria mão do controle da agenda sucessória, em véspera eleitoral, amargando o descrédito generalizado perante a classe política. E o Judiciário dificilmente aceitará tamanha responsabilidade, comprando uma briga intervencionista, sob o desgaste do seu endosso ao próprio golpe parlamentar que originou todo o imbróglio. Mas, acima de qualquer prurido de legalismo tardio, a ideia de eleições imediatas parece natimorta porque embute chances imensas de tornar Lula presidente. Ainda mais numa campanha curta, fustigada pelo radicalismo e pela insatisfação, com os demais candidatos disputando a tapa o eleitorado antipetista. Não nos iludamos. O apoio superficial e retórico da imprensa corporativa ao impeachment de Temer visa a inelegibilidade exemplar de Dilma Rousseff no TSE e o acirramento da pressão sobre os tribunais que julgarão Lula. Criando a fábula da isenção judicial para que as redações entretenham os espectadores durante o sacrifício. O afastamento de Temer possuirá também função apaziguadora. O plano do golpismo institucional é manter a aparência de normalidade, sob um fantoche conciliador, até que a festa democrática esteja a salvo de Lula. Temer passou a representar enorme obstáculo a essa higienização, inclusive fomentando os protestos de quem a defende. Todo o condomínio golpista unirá forças para evitar o colapso do último projeto que ainda o harmoniza. Juristas, lideranças partidárias e religiosas, imprensa, empresários, será um verdadeiro rolo compressor. “Diretas já é golpe”, repetirão os sabujos, provando mais uma vez que o endosso da direita à vontade popular tem limites pragmáticos. Ao primeiro sinal de que as coisas pudessem fugir ao controle, por exemplo uma reedição do “queremismo” varguista centrada em Lula, as cortes atropelariam os ritos processuais e o colocariam na cadeia. Com as polícias e talvez o Exército garantindo a subserviência das ruas e os editoriais vociferando contra o caos vermelho. Isso não anula a importância dos protestos pelas “Diretas já”. Porque ajudam a impedir as reformas de Temer. Porque talvez ganhem um volume capaz de reinserir a sociedade no âmbito das decisões políticas de gabinete. E porque sepultam a narrativa legitimadora do golpe, que foi uma eleição indireta semelhante à de 1964. Mas certa consciência das verdadeiras questões em jogo daria aos manifestantes um antídoto contra o cinismo das autoridades. Fingir que o fator Lula não influencia o destino das exigências predispõe o público a acreditar que sua previsível rejeição se deve apenas a questões de cronograma, orçamento ou segurança jurídica. Publicado originalmente no Blog do Guilherme Scalzilli. Henfil e as Diretas JÁ! 1984 é agora, ou o real invadiu a ficção?

O Brasil despertou no movimento das Diretas Já!

Diretas Já – Depois de duas décadas de arbítrios do regime militar, o movimento das Diretas Já acordou o povo brasileiro para a urgência da participação política. Entre o final de 1983 e o início de 1984, vários comícios mobilizaram o país pelas eleições diretas para presidente da República. Em 16 de abril de 1984, o comício das Diretas Já no Vale do Anhangabaú, na cidade de São Paulo, reuniu 1,5 milhão de pessoas em uma das maiores concentrações populares da História do Brasil. O comício reuniu no mesmo palanque políticos como Lula, Fernando Henrique, Brizola, Miguel Arraes, Mário Covas, Franco Montoro (governador de São Paulo à época) e muitos outros. Do meio artístico, as atrizes Eva Wilma e Fernanda Montenegro, o cantor Walter Franco e a cantora símbolo da campanha das Diretas, Fafá de Belém, marcaram presença. A adesão à campanha pelas Diretas crescia em todo o país, o que levou o presidente Figueiredo a encaminhar um projeto ao Congresso em que o governo aceitava as eleições diretas para presidente, mas somente para o pleito de 88. O país não realizava uma eleição direta para a presidência da República desde 3 de outubro de 1960, quando foi eleito Jânio Quadros. Com a promulgação pelo presidente Castelo Branco do Ato Institucional nº 2, em 27 de outubro de 1965, o presidente e vice-presidente da República passaram a ser eleitos por maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional. Em março de 1983, o deputado federal Dante de Oliveira (PMDB-MT) apresentou ao Congresso Nacional uma emenda constitucional que propunha o fim do Colégio Eleitoral e o retorno das eleições diretas para presidente e vice-presidente para as eleições previstas para 1985. No aniversário de São Paulo em 1984, no dia 25 de janeiro, uma multidão já tinha tomado a Praça da Sé em outro comício. Alinhada com a ditadura militar, a direção da Rede Globo censurou a cobertura do ato e tentou confundir os telespectadores como se a maciça presença popular na praça fosse para apenas celebrar o aniversário da cidade. O ex-vice-presidente das Organizações Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, Boni, disse em entrevista ao jornalista Roberto Dávila em 2005 que a ordem de censurar a cobertura do comício veio diretamente de Roberto Marinho, fundador da emissora. O jornalista Ricardo Kotscho, que cobriu o comício pelo Jornal Folha de São Paulo, declarou em entrevista à Revista dos Bancários em 2003 que “foi o povo que acabou fazendo a cabeça da Globo”.  Em texto Zonacurva, nosso colaborador Otávio de Carvalho lembra o Comício da Praça da Sé. A liderança do ‘ex-conservador’ Teotônio Vilela Um dos fundadores da UDN (União Democrática Nacional), partido conservador criado como opositor ao governo Getúlio Vargas, o político alagoano Teotônio Vilela tornou-se uma das figuras simbólicas da luta pela redemocratização do país. Filho de um rico proprietário rural, Vilela foi um dos idealizadores do Projeto Brasil em abril de 1978 que continha, entre várias reivindicações, a restauração do habeas corpus por crimes políticos (extinto em 1968 pelo AI-5), o pluripartidarismo (na época, apenas o MDB e a ARENA atuavam na legalidade, Teotônio foi eleito senador pelo último em 74), o fim da censura à imprensa e eleições diretas para presidente e governadores. Em 1979, ano da posse do general Figueiredo na presidência, Teotônio troca a ARENA pelo MDB. Em 82, ano em que Teotônio inicia sua luta contra um câncer, o político esteve presente ao lado de Lula nas assembleias no estádio de Vila Euclides, em São Bernardo do Campo. Chegou a presidir o PMDB em julho de 1983 e impulsionou a campanha das Diretas, até morrer no dia 27 de novembro de 1983. O jornalista e desenhista Henfil retratou Teotônio em charge que acabou batizando o movimento pela democratização de Diretas Já!: Saiba mais sobre o genial Henfil Fafá de Belém interpreta “Menestrel das Alagoas”, composta por Milton Nascimento e Fernando Brant em homenagem a Teotônio Vilela: Mais Fafá de Belém: desta vez, a cantora debate com João Batista de Andrade o movimento das Diretas Já! no programa Metrópolis da TV Cultura:  Fonte usada: CPDOC-FGV. Henfil e as Diretas JÁ!  

Um passo à frente contra a ameaça fascista

Bom dia, Vietnã !! Do outro lado do mundo, fica fácil enxergar o Brasil, sem a contaminação midiática que domina os corações e mentes quando estamos no país. A luta política, em qualquer nação ou sistema de governo, sempre se justifica, mas o que mostra a qualidade e objetivos da disputa, são as ferramentas que cada grupo utiliza ao buscar uma posição de poder. No Brasil, as tradicionais forças políticas criaram um espaço comum a partir dos anos 80, quando a realização de eleições periódicas, a nova constituição de 1988, o respeito à divisão de poderes e a valorização das “instituições” garantiram a alternância de poder, o impeachment político de Collor, bem como a introdução das reformas econômicas e sociais, que marcaram os ciclos PSDB/PFL/PMDB e PT/PMDB. Há 30 anos, o Comício das Diretas acontecia em São Paulo, governada então pela ala do PMDB, que hoje integra majoritariamente o PSDB. O evento marcou um grande entendimento político que levou PMDBistas, Brizolistas, Petistas, Comunistas, USPianos, Católicos, Socialistas, Sindicalistas diversos, Advogados, Atletas, Jornalistas e alguns meios de comunicação a apoiar e divulgar o evento. A Globo foi uma triste exceção ao mostrar ao vivo a Praça da Sé em rede nacional, quando 300 mil pessoas pediam pela primeira vez juntas eleições diretas para presidente, mas colocando no texto a mensagem que era a Festa de Aniversário de São Paulo, uma das últimas armas para a manutenção do falido regime, mas não deu certo… O ano era 1984, e sintomaticamente o presidente João Figueiredo, último general de plantão, forçou a eleição no Colégio Eleitoral, mas não conseguiu impedir que Maluf fosse o candidato da envergonhada Arena, que rachou e gerou um Centrão que se incorporou uma década depois ao espólio do PMDB pós-cisma tucano. Assim nasceu o regime político partidário atual, onde os militaristas e fascistas de toda ordem foram praticamente expurgados do debate político. No Brasil, apesar da anistia política ter sepultado os crimes praticados pelo Estado brasileiro, realizados com o apoio incondicional da realpolitik norte-americana, ninguém mais ouvia ou apoiava qualquer aventura personalista e anti-democrática. Estavam sim impunes, mas calados, o que parecia valer a pena pagar como preço pelo fim do ciclo totalitarista na terra brasilis. A Globo e a mídia em geral entrou de cabeça na “Festa Democrática“, assim que o quadro efetivamente mudou, afinal o poder havia migrado de uma aristocracia fascistóide para uma sociedade civil mais moderna, plural e representativa dos interesses complexos de um país como o Brasil. Mas por que então chegamos a um quadro em que os reacionários de diversas matizes saíram do armário? Como é possível ter colunistas semanais que só se interessam em ser o Anti-PT, Anti-Lula, Anti qualquer coisa que seja proposto por um governo que acerta e erra como todos, mas que pode mostrar conquistas diversas? Como a mídia virou torcida de futebol, revistas que são sempre pró (mesmo ao criticar o governo), e aquelas que são sempre a voz do “Copo Vazio”? Por que o debate político foi envenenado? E as únicas pautas são aborto, casamento gay, comunismo no Brasil, ódios e preconceitos diversos? Uma das possíveis explicações encontra-se na realidade fora do Brasil. A política nos Estados Unidos se mostra uma guerra quase santa, entre personagens da direita de Wall Street, Chicago e Boston como Obama e os Clintons, tidos como “liberais”, pelo colegiado texano/libertário/cristão e fundamentalista, que enxerga “A América” destinada a iluminar a humanidade, mesmo que, para isso, deva ser imposta a mentira e a guerra. São os John McCains, os pastores evangélicos de direita, ultra defensores do sionismo, do medo aos “latinos e asiáticos” e até dos “comunistas” como Obama. Claro que são os senhores da guerra que bancam esses malucos. Assim, perderam contato com a realidade do mundo que eles mesmo criaram e agora querem se impor ao mundo via o poder midiático e com a política do medo e do policiamento global, usando da Ameaça Terrorista, da Guerra ao Islã, banalizando a Invasão Cotidiana do indivíduo e da sua privacidade na Internet. Esse anacronismo chegou com força ao nosso país com o ex-candidato Serra, que rasgou a própria biografia, quando no auge do desespero, se abriu a essas forças extremas de um sentimento apolítico e fascistóide. Trouxe consigo figuras que agem no submundo da intolerância e sectarismo contra qualquer ativismo igualitário que tenha como foco o ser humano e a igualdade. Fenômenos como a revolta reacionária contra o casamento gay, a política de cotas, os médicos cubanos, o apoio sem repressão na cracolândia, a antagonização à cultura urbana das periferias (funk não é cultura e rolezinhos), e principalmente a criminalizaçao de toda classe política (político não presta, saudades da ditadura), geram um mostro de cara e nome conhecidos. Dizer não à manipulação midiática, não se contaminar por coxinhas e seu orgulho Não Vai Ter Copa, é essencial para elevar o debate e conduzir a sociedade a um futuro que leve em conta os desejos de todos os atores nacionais. Vamos sim conversar sobre política e não banalizar e rechear o discurso com ideologias importadas de um Tea Party, que na real não existe no pais. Nesse sentido, o que é “bom” atualmente para a América do Norte, não é “bom” nem para os próprios norte-americanos, imagina então para o resto do mundo. O que acontece com a manipulação antidemocrática e midiática no Egito, Turquia, México, Honduras, Paraguai, Sudão, República Centro Africana, Síria e até na Ucrânia, não são coincidências, mostram o lado obscuro da queda inevitável do Império. É chegada a hora de discutirmos a política novamente no Brasil, e que seja um rearranjo que garanta a transparência e o caráter participatório que a tecnologia proporciona à sociedade do século 21, onde a política se reforme garantindo as bases democráticas para mais 30/40 anos de luz e participação democrática, e que o espírito da distensão política que existiu nos anos 80 possa inspirar os atores e afastar o ódio e o fascismo reacionário do horizonte nacional. A palavra é sua, faça sua parte. Chico Science dizia: Um passo a