Zona Curva

ditadura militar

A democracia em risco

Democracia – Não nos iludamos de novo: nossa frágil democracia continua em risco. Recordo do governo João Goulart e suas propostas de reformas de base, ao início da década de 1960. As Ligas Camponeses levantavam os nordestinos. Os sindicatos defendiam com ardor os direitos adquiridos no período Vargas. A UNE era temida por seu poder de mobilização da juventude. Era óbvia a inquietação da elite brasileira. Passou a conspirar articulada no IBAD, no IPES e outras organizações, até eclodir nas Marchas da Família com Deus pela Liberdade. Contudo, o Partido Comunista Brasileiro tranquilizava os que sentiam cheiro de quartelada – acreditava-se que Jango se apoiava num esquema militar nacionalista. E, no entanto, em março de 1964 veio o golpe militar. Jango foi derrubado, a Constituição, rasgada; as instituições democráticas, silenciadas; e Castelo Branco empossado sem que os golpistas disparassem um único tiro. Onde andavam “as massas” comprometidas com a defesa da democracia? Conheço bem o estamento militar. Sou de família castrense pelo lado paterno. Bisavô almirante, avô coronel, dois tios generais e pai juiz do tribunal militar (felizmente se aposentou à raiz do golpe). Essa gente vive em um mundo à parte. Sai de casa, mas não da caserna. Frequenta os mesmos clubes (militares), os mesmos restaurantes, as mesmas igrejas. Muitos se julgam superiores aos civis, embora nada produzam. Têm por paradigma as Forças Armadas nos EUA e, por ideologia, um ferrenho anticomunismo. Por isso, não respeitam o limite da Constituição, que lhes atribui a responsabilidade de defender a pátria de inimigos externos. Preocupam-se mais com os “inimigos internos”, os comunistas. Embora a União Soviética tenha se desintegrado; o Muro de Berlim, desabado; a China, capitalizada; tudo que soa como pensamento crítico é suspeito de comunismo. Isso porque nas fileiras militares reina a mais despótica disciplina, não se admite senso crítico, e a autoridade encarna a verdade. O Brasil cometeu o erro de não apurar os crimes da ditadura militar e punir com rigor os culpados de torturas, sequestros, desaparecimentos, assassinatos e atentados terroristas, ao contrário do que fizeram nossos vizinhos Uruguai, Argentina e Chile. Assistam ao filme “Argentina,1985”, estrelado por Ricardo Darín e dirigido por Santiago Mitre. Ali está o que deveríamos ter feito. O resultado dessa grave omissão, carimbada de “anistia recíproca”, é essa impunidade e imunidade que desaguou no deletério governo Bolsonaro. Não concordo com a opinião de que só nos últimos anos a direita brasileira “saiu do armário”. Sem regredir ao período colonial, com mais de três séculos de escravatura e a dizimação de indígenas e da população paraguaia numa guerra injusta, há que recordar a ditadura de Vargas, o Estado Novo, o Integralismo, a TFP e o golpe de 1964. O altissonante silêncio dos militares perante os atos terroristas perpetrados por golpistas a 8 de janeiro deve nos fazer refletir. Cumplicidade não se consuma apenas pela ação; também por omissão. Mas não faltaram ações, como os acampamentos acobertados pelos comandos militares em torno dos quartéis e a atitude do coronel da guarda presidencial que abriu as portas do Planalto aos vândalos e ainda recriminou os policiais militares que pretendiam contê-los. “O preço da liberdade é a eterna vigilância”, reza o aforismo que escuto desde a infância. Nós, defensores da democracia, não podemos baixar a guarda. O bolsonarismo disseminou uma cultura necrófila inflada de ódio que não dará trégua à democracia e ao governo Lula. Nossa reação não deve ser responder com as mesmas moedas ou resguardar-nos no medo. Cabe-nos a tarefa de fortalecer a democracia, em especial os movimentos populares e sindicais, as pautas identitárias, a defesa da Constituição e das instituições, impedindo que as viúvas da ditadura tentem ressuscitá-la. O passado ainda não passou. A memória jamais haverá de sepultá-lo. Só quem pode fazê-lo é a Justiça. Ditadura Nunca Mais com Urariano Mota Breve crítica da democracia louvada Sobre a democracia e o voto Não há meia democracia Frei Betto: “É uma ilusão e um engano achar que a ditadura foi melhor”

Cabo Anselmo na série “Em busca de Anselmo”

Quando Anselmo se refere aos codinomes que usava para se infiltrar e entregar militantes para a morte, ele gargalha. Isso é definitivo como apresentação do cinismo do traidor Para escrever este artigo, assisti hoje à série “Em busca de Anselmo”. No momento, só podem ser vistos na HBO Max os dois primeiros episódios, em um conjunto de cinco, um por semana. Portanto, o que escrevo agora tem um caráter de provisório. Ressalto de imediato que o documentarista Carlos Alberto Jr. é um cineasta. Isso não é assim tão óbvio. Quero dizer: as tomadas que ele faz, os lugares para onde leva Anselmo, as cenas que filma, são de um homem de cinema. No começo do primeiro episódio, quando Anselmo se refere aos codinomes que usava para se infiltrar e entregar militantes para a morte, ele gargalha. Isso é definitivo como apresentação do cinismo do traidor. Magistral. Carlos Alberto é um jornalista (editor do podcast Roteirices) que fez o seu dever de casa, estudou, pesquisou, o que o jornalismo não havia feito até hoje com o Cabo Anselmo. São exemplos disso o livro terrível de mentiroso “Eu, Cabo Anselmo”, de Percival de Souza e todas anteriores entrevistas. Mas para a víbora que Carlos Alberto viu e entrevistou, para a serpente documentada cabem, ainda assim, restrições ao método do cineasta: se os entrevistadores antes de Carlos Alberto Jr. pecavam por desconhecimento do grande mentiroso do agente da repressão, em Carlos Alberto, houve o que eu chamaria de excessivo respeito às mentiras do entrevistado. Quero dizer: Carlos Alberto não o interrompe, salvo raras vezes, pois deixa a mentira andar. Ainda que o documentarista contraponha às falas de Anselmo depoimentos que o desmentem em um corte com outros entrevistados, Carlos Alberto não o interrompe de viva voz, o que seria muito interessante para a mostra viva, na própria fala, das contradições de Anselmo. Isso é claro quando Anselmo visita a sede do antigo Deops em São Paulo, hoje Memorial da Resistência. Ali, num infeliz acaso para o traidor, ele passa diante de uma parede onde se expõem fotos dos 6 assassinados na Granja de São Bento em Pernambuco. Ali, diante de dois planos, com imagens da imprensa que publicava o que a repressão mandava, como aqui. E a reconstituição da história em outro plano, que narra a prisão de Soledad e Pauline numa butique no Recife, o criminoso fala: – Eu não sei qual das duas versões é a verdadeira. E o frio traidor não é cortado, no ato. Depois, num podcast, Carlos Alberto declarou que não era possível inquirir Anselmo o tempo todo, desmentindo-o. Mas que, no final da série, o traidor será levado contra a parede. Aguardemos então, que poderá vir um desmonte do bandido à altura da abertura do primeiro episódio. Anselmo era cínico e ator. Ator como uma difamação da arte. Os modos com que por 2 vezes se levanta de uma cama, com fingimentos e fazer pela primeira vez, são reveladores. Cenas repetidas. Nota-se que a memória dele é ótima, quando fala sobre o que não é sua atividade criminosa. As memórias da capela, da casa da sua adolescência, são reveladoras da sua agilidade mental. Mas o que não se perguntou, por exemplo: por que não atiraram em Anselmo quando ele foi preso em 1964, e estava com uma pistola apontada para a porta (segundo palavras dele). Como ele fugiu da prisão de modo tão fácil? Ele chega a falar que os carcereiros arranjaram prostitutas para ele! Lembro que no programa Roda Viva, Cabo Anselmo esteve muito à vontade ali porque os entrevistadores não pesquisaram a história dos seus crimes, e se fizeram esse indispensável dever, não quiseram levá-lo às cordas, para confrontar as suas esquivas com os depoimentos de testemunhas de 1973, ano das execuções de 6 militantes socialistas no Recife. O momento mais acintoso foi quando ele se referiu à sua mulher, Soledad Barrett, e dela retirou a gravidez, para se isentar de um hediondo crime, que cai como um acréscimo à traição de entregá-la para a morte. Transcrevo: “Cabo Anselmo – A Soledad usava DIU, desde que fez um aborto aqui em São Paulo, antes da ida para o Recife. Entrevistador – O senhor contesta a gravidez da Soledad? Cabo Anselmo – Como? Entrevistador – O senhor contesta que ela estivesse grávida, como a versão histórica … Cabo Anselmo – Se eu acreditar, como dizem os médicos, que o DIU era o mais seguro dos preservativos, eu contesto, sim. Entrevistador – Então o feto encontrado lá não era dela? Cabo Anselmo – Eu imagino que seria da Pauline. A Pauline estava grávida, inclusive teve problema de gravidez, e Soledad a levou até o médico.” Então voltemos ao documentário. Nele, assistimos ao depoimento do bravo Marx, um pernambucano verdadeiro e sincero. No geral, os documentaristas raro exibem todas as palavras de um entrevistado. Montam e cortam. Assim deve ter sido também com Marx sobre a gravidez de Soledad que ele viu. O que ficou de fora? Aqui eu o recupero fora das imagens do documentário: Na noite em que acabamos de ver uma comovente recriação de Soledad Barrett no teatro Hermilo Borba Filho, quando a atriz Hilda Torres entrou em transe da personagem Soledad levada à cena, transe naquele sentido dos aparelhos, dos médiuns em terreiros, depois da mágica hora em que Soledad ressurgiu, depois disso no café, no pátio do teatro Hermilo, eis que a filha única de Soledad, a sempre menina e jovem Ñasaindy, se aproximou e abraçou o ex-preso político Karl Marx. Naquele instante em que eu conversava com Marx, Ñasaindy veio e lhe deu um súbito abraço. Então Marx parou e com os olhos rasos lhe falou, com a voz embargada: – Parece que estou abraçando a sua mãe. Ela era assim. Se fosse um poema, talvez a frase acima encerrasse um verso. Mas esta é uma narração e o narrador não recebe a misericórdia de ser humano em uma linha apenas. Quero dizer, primeiro do que tudo. Quarenta e dois anos

Cabo Anselmo no seu obituário

Na morte do Cabo Anselmo, enfim, Soledad Barrett foi e continua a ser o centro, a pessoa que grita, o ponto de apoio de Arquimedes para os crimes dele   Faleceu o Cabo Anselmo. Pelo telefone, o escritor e jornalista André Cintra me comunicou a notícia há 5 minutos. Eu estava fazendo a sesta, mas dei um salto da cama. E estou até agora sem saber por onde começo o obituário de José Anselmo dos Santos. As notícias, com a sua natural objetividade, que nesse caso querem dizer, com todo natural desconhecimento da história, falam que José Anselmo dos Santos morreu na noite de 15 de março aos 80 anos em Jundiaí (SP). E que ele foi “agente duplo durante o regime militar”. Viram? Chamam de “regime militar” a ditadura e o terror de Estado no Brasil. Mas vamos ver se Deus nos ajuda a tentar alguma justiça para esse criminoso. Se retirarmos a infâmia da sua pele, tarefa difícil ou impossível, a primeira característica do Cabo Anselmo é que era um bom mentiroso. Primeiro, mentia sobre o seu nome: ele era Daniel, como se apresentava no Recife, ou Jadiel ou Jônata? Isso era o mínimo. Onde ele se excedia com artes de representação não só em palavras, era na frieza e cinismo com que se referia a seu maior crime: a entrega da companheira grávida, Soledad Barrett, à repressão. Em mais de uma entrevista, diante de repórteres comprometidos com a direita ou pela ignorância histórica, ele se referia à grande guerreira  com a finura de uma serpente. Na sua entrevista à Band, anotei que Fernando Mitre, ao mencionar Soledad, o Cabo Anselmo respondeu, com as duas mãos levantadas, como quem se defende, como quem faz lembrar um trato, que ameaçou ser rompido: “Opa!”. E Mitre, de volta: “Depois o senhor fala sobre ela”. E ele, “ah, claro”. E o que se viu depois foi  nada, ou quase nada. No Roda Viva, em um dos momentos de calculado cinismo, Anselmo se refere a Soledad Barrett. Falou o entrevistador: ” O senhor contesta que ela estivesse grávida, como a versão histórica …?” Cabo Anselmo: ” Se eu acreditar, como dizem os médicos, que o DIU era o mais seguro dos preservativos, eu contesto, sim”. E o entrevistador levantou a bola para Anselmo : “Então o feto encontrado lá não era dela?” Cabo Anselmo respondeu: “Eu imagino que seria da Pauline. A Pauline estava grávida, inclusive teve problema de gravidez, e Soledad a levou até o médico”. Infâmia fria sem contestação. Mas conheçam a palavra de Nadejda Marques, filha única de Jarbas Marques, um dos seis militantes socialistas mortos no Recife, junto a Soledad. Hoje, Nadejda Marques é doutora em Direitos Humanos e Desenvolvimento: “A minha avó Rosália, mãe de Jarbas Marques, conseguiu entrar no necrotério. Ela, entre os vários trabalhos que tinha, era também enfermeira. Ela conhecia a pessoa de Soledad. Minha avó sempre contava o que viu no fatídico janeiro de 1973. Meu pai, com marcas de tortura pelo corpo tinha marcas de estrangulamento no pescoço e água nos pulmões compatíveis com o resultado da tortura por afogamento. Os tiros no peito e na cabeça foram dados após sua morte. O corpo de Soledad, ensanguentado ainda, tinha restos de placenta e um feto dentro de um balde improvisado”. E definitivas são as palavras na denúncia da advogada Mércia Albuquerque: “Soledad estava com os olhos muito abertos, com uma expressão muito grande de terror. Eu fiquei horrorizada. Como Soledad estava em pé, com os braços ao lado do corpo, eu tirei a minha anágua e coloquei no pescoço dela. O que mais me impressionou foi o sangue coagulado em grande quantidade. Eu tenho a impressão de que ela foi morta e ficou deitada, e a trouxeram depois, e o sangue, quando coagulou, ficou preso nas pernas, porque era uma quantidade grande. O feto estava lá nos pés dela. Não posso saber como foi parar ali, ou se foi ali mesmo no necrotério que ele caiu, que ele nasceu, naquele horror”. Na morte do Cabo Anselmo, enfim, Soledad Barrett foi e continua a ser o centro, a pessoa que grita, o ponto de apoio de Arquimedes para os crimes dele. Ela aponta para José Anselmo dos Santos e lhe sentencia, aonde ele for: “Até o fim dos teus dias estás condenado, canalha”. Que o inferno lhe seja pesado, enfim. Por toda a eternidade. Cabo Anselmo na série “Em busca de Anselmo” A morte de Vladimir Herzog e o Brasil que não queremos Canto de liberdade para José Amaro Correia A ditadura brasileira e os dois demônios

A ditadura brasileira e os dois demônios

Aqui, continuamos com os dois demônios no discurso da direita: “Se houve assassinatos, houve assassinatos dos dois lados”. Pior, temos continuado sob o demônio do terror de Estado, pois volta o negacionismo da ditadura Leio na SWI swissinfo.ch: “Buenos Aires, 8 dic (EFE).- El presidente argentino, Alberto Fernández, homenajeó este miércoles a las doce personas secuestradas entre el 8 y el 10 de diciembre de 1977 en la Iglesia de la Santa Cruz, uno de los episodios más recordados de la última dictadura cívico-militar argentina (1976-1983). Entre los desaparecidos se encuentran tres referentes de Madres de Plaza de Mayo (Azucena Villaflor de Vicenti -fundadora de la agrupación-, María Ponce de Bianco y Esther Ballestrino de Careaga), así como dos monjas francesas (Léonie Duquet y Alice Domon). “Acá no hubo dos demonios. Hubo un terrorismo de Estado que se llevó la vida de miles y miles de argentinos y argentinas. Este es un homenaje que la Argentina le debe a cada víctima del terrorismo de Estado”, aseguró Fernández en declaraciones recogidas por Presidencia” (1) E mais leio, em notícia da Casa Rosada: “El presidente Alberto Fernández señaló esta noche que ‘hoy lo central es la memoria, lo central es mantener en pie la exigencia de la búsqueda de la verdad y la justicia’, al participar del homenaje a las 12 personas secuestradas entre el 8 y 10 de diciembre de 1977 por la dictadura cívico militar”. (2) Que diferença para o Brasil! Aqui, continuamos com os dois demônios no discurso da direita: “Se houve assassinatos, houve assassinatos dos dois lados”, falam, enquanto omitem os prisioneiros torturados e mortos de um só lado. Pior, temos continuado sob o demônio do terror de Estado, pois volta o negacionismo da ditadura. O governo fascista chama de heróis autores de crimes contra a humanidade. Sobre nós, como um Pentecostes do terror, desce uma nova língua que zomba da civilização. Então sou obrigado a voltar à memória do que a extrema direita do Brasil quer esconder. Isto é, vou a uma página do meu romance “A mais longa duração da juventude” em um trecho que narra o ano de 1973: “Nas pessoas que vi não houve mártires. Nelas jamais existiu a dor, a morte como um estágio para a vida futura, deles próprios, indivíduos, nunca. O futuro era para todos, seria para a humanidade. É difícil, um satanás me sopra, ter mudança apoiada em ideias gerais. Espanto essa dispersão do satanás. Tenho a visão de que os militantes massacrados foram heroicos, mas o heroísmo não estava nos seus planos. Ainda que proclamassem, em panfletos e discussões acaloradas, que a repressão não passaria, que eles, os guerreiros, iriam até as últimas na defesa das suas convicções, ainda assim, uma coisa é o que se fala, outra é o momento mesmo da definição real. E para essa última realidade nunca estamos preparados. Age-se ou morre-se. Pior, agimos e morremos. Vargas estava apavorado. ‘Pavor, pavor, os olhos de Vargas eram só pavor’, registrava a advogada Gardênia no diário. E por ela, por sua palavra de verdade, registro nunca desmentido das páginas do seu diário, bem podemos vê-lo. Quando Vargas subiu no elevador daquele edifício Ouro, ele era um homem apenas desesperado. Sem a certeza dos passos que daria a partir de então. Para ele havia ficado claro que Daniel, o simpático, prestativo e corajoso Daniel, não passava de um agente infiltrado. A informação lhe fora confirmada por pessoa de confiança, o primo Marcinho. E a sua pista e confirmação era a de que o ‘bravo’ Daniel usava o carro de um coronel do Exército, militar anticomunista. Então Vargas soube que seria o próximo a cair. Mas não sabia para onde, nem a extensão precisa da altura do precipício de onde seria empurrado. Ele era o ‘terrorista’ a ser preso a seguir. ‘Preso’, era a sua esperança frágil e incerta. Ele se via no elevador como uma chama de vela soprada por vento numa noite escura. A sua vida era uma chama que se curvava, diminuía, e ele com as mãos procurava proteger. Na verdade, nem tanto a ele próprio, porque já se via mesmo jogado na bagaceira como um resto de cana moída, mas a chama que não queria apagar era a da sua companheira, a terna e indefesa Nelinha, a pequena e única Nelinha. Que os malditos, os fascistas chegassem até ele, isso era previsível. ‘Eu sou um homem’, ele se diz no íntimo, mais como um desejo do que como uma certeza. ‘Se não sou um homem, eu o serei’, ele se diz depois, antes de apertar a campa do apartamento da advogada Gardênia. Mas como as coisas, mesmo ali, possuem um acento irônico. ‘Campa’, ele aperta com as mãos trêmulas, que pode dar na outra campa, do cemitério. O que se passa com um homem quando caminha para a sua morte? Entrou no prédio quase de um salto, como quem entra no consulado em área livre da guerra civil. Subiu no elevador como as pessoas sem saída vão, e agora aperta a campa da advogada com a sua chama trêmula. Vida açoitada pelo vento em suas mãos. ‘Eu sou um homem’, e de tanto ódio pela tremedeira incontrolável, fecha os punhos, trinca a boca, pressiona os maxilares. ‘Eu sou um homem, porra. Eu não traio. Eu não trairei o que eu sou. Porra!’. E a porta se abre. À sua frente surge ela própria, a bela e ardente advogada Gardênia Vieira. Ela não é alta, nem suave ou feminina, quero dizer, naquele sentido de bailarina delicada de porcelana. Pelo contrário, em vez de amparável, porque a sua fina louça podia quebrar, de Gardênia vem uma força moral que abriga, como tem abrigado mais de uma pessoa, físico e alma torturada no Recife. Mas além da fortaleza moral, de onde vêm a sua beleza e feminilidade? Era preciso vê-la para notar o que não se revela nos retratos. Gardênia olha firme e direto, como poucas mulheres usam e ousam olhar fundo em um homem, e nem

Brasil precisa da CIA para confirmar que Geisel e Figueiredo foram mandantes de assassinatos

Triste o país que precisa de documento da CIA para confirmar que os ditadores Ernesto Geisel e João Figueiredo foram mandantes de assassinatos. Informados em 1974 por generais sobre o extermínio de 104 opositores à ditadura civil-militar durante o governo do ditador Médici, ambos resolveram prosseguir com a “política” de execução de brasileiros contrários ao governo. Ontem Matias Spektor, coordenador do Centro de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, divulgou nas redes sociais memorando da CIA (agência de inteligência norte-americana) em que o diretor-geral da CIA, William Colby, que morreu em 1996, informou ao secretário de Estado americano Henry Kissinger sobre uma reunião em março de 1974 entre o presidente recém-empossado e general Ernesto Geisel e três assessores: o general que estava deixando o comando do Centro de Informações do Exército (CIE), o general que viria a sucedê-lo no comando e o General João Figueiredo, indicado por Geisel para o Serviço Nacional de Inteligência (SNI). Segundo Spektor, “o grupo informa a Geisel sobre a execução sumária de 104 pessoas no CIE durante o governo Médici, e pede autorização para continuar a política de assassinatos no novo governo. Geisel explicita sua relutância e pede tempo para pensar. No dia seguinte, Geisel dá luz verde a Figueiredo para seguir com a política, mas impõe duas condições. Primeiro, “apenas subversivos perigosos” deveriam ser executados. Segundo, o CIE não mataria a esmo: o Palácio do Planalto, na figura de Figueiredo, teria de aprovar cada decisão, caso a caso”. Figueiredo sucedeu Geisel e governou o país entre 1979 e 1985. Leia o documento original (em inglês):   Ditadura nunca mais – O memorando 99 faz parte da uma série chamada Foreign Relations of the United States que divulga documentos das relações dos Estados Unidos com a América do Sul entre 1973 e 1976. Impressiona que o memorando é público desde dezembro de 2015, ou seja, prova contundente dos graves crimes cometidos por dois dos ditadores brasileiros mofava à espera de um pesquisador mais atento como Spektor. Mofado e vazio também está o banco dos réus que aguarda há décadas os militares e seus cães de guarda que torturaram, mataram e cometeram crimes gravíssimos abrigados em seu poder de Estado. Os julgamentos seriam a oportunidade histórica de pulo civilizatório para o exercício da democracia mais plena e oportunidade para conscientizar aos celerados que tem a desfaçatez de pedir a volta da ditadura.   Mino Carta, Geisel e o “besteirol reinante”: Com informações da Agência Brasil. https://www.zonacurva.com.br/na-copa-de-78-o-conselho-ditador-geisel-ao-artilheiro-reinaldo/ A cooperação da Volkswagen com a ditadura brasileira Brasil: segue o “bonde” da destruição Ministério Público de São Paulo denuncia legista Harry Shibata por ocultar assassinato da ditadura https://urutaurpg.com.br/siteluis/em-1970-os-tupamaros-de-mujica-contra-dan-mitrione-o-mestre-da-tortura/ Rubem Fonseca e o silêncio que não apaga o passado

A cooperação da Volkswagen com a ditadura brasileira

Bem-vindo ao Fatos da Zona, onde adaptamos os textos mais acessados do site do Zonacurva Mídia Livre para o audiovisual. Neste vídeo, falamos um pouquinho do passado da Volkswagen e os interesses sombrios da empresa junto a regimes de exceção. Então vem com a gente analisar a polêmica propaganda da Volkswagen com Elis Regina e Maria Rita. por Fernando do Valle A colaboração de algumas empresas com a ditadura no Brasil (1964-1985) ainda deve ser devidamente esclarecida quando fica cada dia mais evidente o benefício que corporações multinacionais e nacionais obtiveram através de suas relações próximas com o regime de exceção. A filial brasileira da indústria de automóveis alemã Volkswagen exemplifica como a repressão à liberdade dos trabalhadores foi utilizada para aumentar seus lucros no país. Em 2015, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) protocolou uma representação junto ao Ministério Público Federal em que a empresa foi denunciada por violação de direitos humanos dentro de sua planta de São Bernardo do Campo (SP) durante o período da ditadura. Em reação às investigações da CNV, a Volkswagen contratou o historiador alemão Christopher Kopper também em 2015, que nem sabia falar português à época, para produzir relatório sobre a ligação da empresa com o governo militar que foi recentemente divulgado no dia 14 de dezembro. Segundo matéria da agência de notícias alemã Deutsche Welle, “o documento de 114 páginas aponta que a montadora foi irrestritamente leal aos militares e que seu próprio aparato de segurança patrimonial facilitou a identificação e prisão de funcionários subversivos – sendo ao menos um deles torturado em uma unidade da empresa. A filial também demitiu trabalhadores envolvidos com sindicatos e alimentou e compartilhou com outras empresas “listas negras” com nomes de funcionários. Ainda segundo a Deutsche Welle, “o relatório, no entanto, aponta que não foram encontradas provas de uma colaboração institucionalizada da montadora com a repressão estatal. De acordo com o documento, os membros da segurança patrimonial – vários deles eram militares da reserva – agiram por iniciativa própria ao espionar e entregar funcionários ao regime”. https://www.zonacurva.com.br/brasil-precisa-da-cia-para-confirmar-que-geisel-e-figueiredo-foram-mandantes-de-assassinatos/ O documentário “Cúmplices? A Volkswagen e a ditadura militar brasileira” da TV pública relata casos de espionagem interna, delação de operários ao governo e detenções dentro da fábrica. Vale a pena assistir:    O funcionário que foi torturado dentro da Volkswagen (reconhecido inclusive pelo relatório do historiador Kopper) foi o ferramenteiro Lúcio Bellentani, que trabalhou na empresa entre 1964 e o dia 28 de julho de 1972. Bellentani foi preso e torturado em 1972 pelos oficiais da ditadura após ser denunciado como militante comunista pelos seguranças da empresa. Leia reportagem deste blog sobre a participação empresarial no regime militar. Fonte usada: Deutsche Welle. https://urutaurpg.com.br/siteluis/brasil-precisa-da-cia-para-confirmar-que-geisel-e-figueiredo-foram-mandantes-de-assassinatos/ Brasil: segue o “bonde” da destruição Ministério Público de São Paulo denuncia legista Harry Shibata por ocultar assassinato da ditadura https://urutaurpg.com.br/siteluis/em-1970-os-tupamaros-de-mujica-contra-dan-mitrione-o-mestre-da-tortura/ Rubem Fonseca e o silêncio que não apaga o passado

Ministério Público de São Paulo denuncia legista Harry Shibata por ocultar assassinato da ditadura

por Fernando do Valle O Ministério Público Federal em São Paulo ofereceu na última semana nova denúncia contra o legista aposentado Harry Shibata, acusado de forjar laudo necroscópico de Helber José Gomes Goulart, da ALN, morto pelo Doi-Codi em julho de 1973. Segundo a acusação, o médico deliberadamente ignorou visíveis lesões de tortura no pescoço e na cabeça do corpo do militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), assassinado por agentes do Doi-Codi comandados por Carlos Alberto Brilhante Ustra. Em abril deste ano, o MPF de São Paulo havia denunciado Shibata por forjar outro laudo, desta vez a respeito da morte do militante político Yoshitane Fujimori em 1970. Passados quase 43 anos da ação militar que resultou na morte de Goulart, até hoje pairam dúvidas sobre o episódio. Segundo a versão do Doi-Codi, agentes daquele destacamento rondavam as imediações do Museu do Ipiranga quando encontraram a vítima em atitude suspeita. Goulart teria sacado o revólver e atirou contra os agentes, que revidaram, atingindo-o, resultando em sua morte. Romeu Tuma, chefe do Departamento do Departamento de Ordem Política e Social, anotou em requisição de exame necroscópico, ao IML que Helber foi morto às 16h de 16 de julho de 1973, mas a entrada de seu corpo no necrotério ocorreu 8h antes. Além disso, depoimentos de ex-presos políticos apontam que o militante da ALN havia sido preso antes e foi visto no Doi-Codi com a cabeça enfaixada, tendo, portanto, sido internado no Hospital Geral do Exército de São Paulo, no Cambuci. Além disso, estudos sobre o laudo necroscópico realizados a pedido da Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) e pelo Ministério Público Federal, no curso do procedimento que resultou na denúncia, concluíram que Goulart foi alvejado com tiros feitos de cima para baixo em sua direção, como se ele estivesse deitado ou ajoelhado. O militante também recebeu tiros no antebraço, sinal de que tentou, em vão, se defender. O laudo solicitado pelo MPF foi produzido pelo mesmo Instituto Médico Legal de São Paulo onde Shibata trabalhou por muitos anos, como um dos legistas de confiança da repressão. Ambos os laudos apontam equimoses na cabeça e no pescoço de Goulart, visíveis em fotos do cadáver, que foram ignoradas no laudo necroscópico subscrito por Shibata e Orlando José de Bastos Brandão (já falecido). O mineiro Helber José Gomes Goulart nasceu na cidade de Mariana em 19 de setembro de 1944 e era filho de um militante comunista. Ele começou a trabalhar aos 11 anos de idade e estudou até o segundo colegial, quando mudou-se para São Paulo em busca de melhores oportunidades. Ele começou a militância política cedo, junto com o pai, no PCB. Em 1964, por conta do golpe militar, passou a ser perseguido e respondeu a processo na Auditoria Militar de Juiz de Fora. Depois de militar na Corrente, chegou à ALN e, em 1971, quando a organização começava a se desmantelar, Goulart, já clandestino, é deslocado para São Paulo, onde foi assassinado. Enterrado no Cemitério de Perus, seu corpo só foi identificado 19 anos depois, após a descoberta da vala clandestina. A procuradora da República Ana Letícia Absy, autora da denúncia, pede a condenação de Shibata pelo crime de falsificação de documento público, cuja pena é de 1 a 5 anos, com o agravante de que o crime foi praticado para ocultar crime praticado por outra pessoa e garantir a impunidade. Leia a íntegra da denúncia do Ministério Público. Com informações da Assessoria de Comunicação da Procuradoria da República no Estado de São Paulo. https://urutaurpg.com.br/siteluis/em-1970-os-tupamaros-de-mujica-contra-dan-mitrione-o-mestre-da-tortura/ Rubem Fonseca e o silêncio que não apaga o passado

Meu fio de esperança

por Frei Betto Sou vivido. Vi o Brasil passar por muitas crises. O suicídio de Vargas, em agosto de 1954, estragou meu aniversário de 10 anos. JK soube, em 1956, contornar a rebelião militar de Jacareacanga. A renúncia de Jânio, em 1961, me levou às ruas pela primeira vez, em defesa da democracia. O golpe militar de 1964 me arrancou da faculdade de Jornalismo para atirar-me nas masmorras do CENIMAR (Centro de Informações da Marinha). O AI-5 me desempregou do jornal e, meses depois, me conduziu a quatro anos de prisão. Autocrítica da esquerda   Meu sonho, ainda hoje, é o socialismo. Fora da Igreja há salvação. Mas não há salvação para a humanidade fora de um sistema no qual haja partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho humano, e onde os direitos humanos estejam acima dos privilégios do capital. Para um sonho se tornar realidade são necessárias mediações. Busquei-as na Ação Católica. Os bispos, pressionados pela ditadura, a desmantelaram. Apoiei organizações revolucionárias contra a ditadura. A repressão as derrotou. Tornei-me eleitor do PT. O partido se deixou contaminar pelo elitismo e a corrupção, em treze anos de governo não promoveu nenhuma reforma estrutural, e calou-se quanto ao socialismo. Hoje, voto PSOL. Meu fio de esperança se prende aos movimentos sociais. Não são perfeitos. Neles há também oportunistas e corruptos. Mas estes são exceções. Porque a base da maioria dos movimentos é a gente pobre que luta com dificuldade para sobreviver. Essa gente costuma ser visceralmente ética. Não acumula, partilha. Não se entrega, resiste. Não se deixa derrotar, levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima. Não sei o que será do nosso Brasil nos anos vindouros. Sei apenas que fora dos movimentos sociais a nação não tem salvação. O PT tentou e se deu mal. Em uma sociedade tão marcadamente dividida em classes sociais, somente o vínculo orgânico com os pobres nos mantém com os pés no chão, a alma repleta de fome de justiça e a cabeça fiel à utopia socialista. A democracia é uma senhora muito ciosa de suas origens. Todas as vezes que tentam prostituí-la, sequestrá-la, corrompê-la, reage e desmascara seus algozes. Ela prefere sempre se abrigar em seu ninho: o protagonismo popular. O capitalismo tenta nos ludibriar, convencer-nos de que democracia é sinônimo de rotatividade eleitoral. Ora, a verdadeira democracia se apoia na economia, na partilha das riquezas; na ecologia, ao cuidar da proteção ambiental; na cultura, ao assegurar a todos o direito de criar e se expressar; e na política, ao dotar todos os cidadãos e cidadãs de poder para monitorar os rumos do Estado e, portanto, da sociedade. Nenhuma esquerda ideológica se sustenta por muito tempo sem este respaldo fisiológico: o contato direto com os movimentos nos quais os pobres se organizam e lutam por seus direitos.  Publicado originalmente no Blog da Cidadania.

Os golpes

por Carlos Fico Se consumado, o impeachment de Dilma Rousseff será um duro golpe na democracia brasileira, inclusive em função da banalização desse instrumento, que, nesse caso, terá sido usado duas vezes no Brasil em pouco menos de 25 anos. “Que país é esse” – para citar frase de tristíssima memória – no qual temos de recorrer ao impeachment com essa frequência? A longa tradição de golpes ‘brancos’ no Brasil Será, também, um tremendo golpe político baseado em injustiça gritante, afinal, até o presente momento, a presidente Dilma Rousseff não foi acusada de envolvimento na Operação Lava Jato e o crime de responsabilidade que se menciona (“pedalada fiscal”) é cometido por virtualmente todos os governantes brasileiros há muito tempo. É essa percepção de injustiça flagrante que leva muitas pessoas a chamar a tentativa de impeachment de “golpe”, seguramente querendo dizer “golpe de Estado”. Não é o caso, mas algumas circunstâncias são de fato agravantes da mencionada injustiça. Por exemplo, diversos parlamentares condutores do processo são suspeitos de crimes diversos, o início do processo foi corrompido por espírito de vingança, a própria motivação do pedido de impeachment não repousava em convicções fortes (o documento inicial é débil). Outros exemplos poderiam ser citados. A palavra de ordem “não vai ter golpe” deu oportunidade aos defensores doimpeachment para que afirmassem o óbvio: ele está inscrito na Constituição. Isso desviou a discussão para o terreno jurídico, que não frutificará. Aliás, ao contrário do que muitos dizem, a caracterização das “pedaladas fiscais” como crime de responsabilidade não é impossível, de modo que a discussão legal no contexto de um processo político é vã. Tudo se resume ao número de votos de que dispõe o governo e à capacidade que tem de postergar a decisão final. Se o Congresso aprovar o impeachment, dificilmente o STF desfará a decisão pois, nesse caso, teríamos crise institucional sem precedentes. A palavra de ordem “não vai ter golpe” também provoca uma contradição, uma desnecessária dificuldade de natureza racional: se o processo deimpeachment é entendido como golpe, a atuação parlamentar que busque impedi-lo não o estaria legitimando? Lembre-se, finalmente – sem querer fazer paralelismos indevidos – de que, pouco antes de 31 de março de 1964, setores da esquerda garantiam que não haveria golpe: “se a direita levantar a cabeça…” Se não estamos vivendo plenamente um golpe de Estado no momento, certamente estamos vendo sinais expressivos de adesão a soluções fáceis e autoritárias, sobretudo essa, do impeachment, para resolver a insatisfação com o governo (que, no presidencialismo, se resolve com a próxima eleição). Muitos outros indícios de autoritarismo têm sido vistos em relação a outros episódios, especialmente no contexto da Operação Lava Jato, como as ações políticas do juiz e dos procuradores e, muito especialmente, na grande imprensa que, por razões óbvias, despreza os detalhes e aposta na catástrofe. Isso sem falar nas manifestações de violência e autoritarismo da própria sociedade. O golpe de Estado de 1964 completa 52 anos hoje. Penso que ele tem grande atualidade. Em 2014, nos 50 anos do golpe, escrevi em livros e repeti em dezenas de palestras que repensar o golpe era importante porque isso nos permitia refletir sobre o persistente autoritarismo brasileiro. Tendo em vista o apoio de setores da sociedade ao golpe de 1964, eu dizia: “a questão que se impõe, para mim, é a seguinte: até que ponto a sociedade brasileira aceitou – ou ainda aceita – fórmulas autoritárias para a resolução de seus conflitos?” Parece-me que a questão continua muito atual e a resposta, infelizmente, óbvia.

Exposição do iconoclasta León Ferrari no MASP

por Fernando do Valle Considerado um dos maiores artistas plásticos argentinos, León Ferrari foi um severo crítico do cristianismo e da ditadura (1976-1983) em seu país, que assassinou um de seus filhos. O curioso é que para fugir de uma ditadura, Ferrari escolheu outro país que amargava sina semelhante, Ferrari viveu por aqui entre 1976 e 1991. Quando retornou ao seu país, doou parte de sua produção a museus brasileiros e são 80 obras dessa doação que o MASP exibe até o dia 21 de fevereiro com o título de “Entre ditaduras”. A mostra reúne trabalhos, entre outros assuntos, que questionam como o Estado controla o cidadão, o que ocorria na América Latina dos anos 70, repleta de regimes autoritários. Sua obra mais conhecida, “A civilização ocidental e cristã” enfureceu o arcebispo de Buenos Aires, Jorge Bergoglio, que se tornaria papa em 2013. Bergoglio chegou a pedir orações e jejum aos católicos contra a exposição de Ferrari em Buenos Aires em 2004. O artista resolveu encerrar a exposição com medo de algum atentado após algumas ameaças de bomba. O artista plástico León Ferrari nasceu em 3 de setembro de 1920 e morreu aos 92 anos em 25 de julho de 2013 também na capital argentina. Veja outras obras do artista (fonte: site oficial do artista): SERVIÇO:  A exposição vai até 21 de fevereiro de 2016. Local: 1º subsolo do MASP (Museu de Arte de São Paulo) Endereço: Avenida Paulista, 1578, São Paulo, SP. Horário: terça a domingo das 10h às 18h e quinta das 10h às 20h. Endereço: Avenida Paulista, 1578, São Paulo, SP. Ingressos: R$25 (entrada); R$12 (meia-entrada). Murilo Ribeiro – um contador de histórias