Zona Curva

ditadura militar

A morte de Vladimir Herzog e o Brasil que não queremos

Bem-vindo ao Fatos da Zona, onde adaptamos icônicos textos do site do Zonacurva Mídia Livre. Explore a extraordinária vida de Vladimir Herzog, ícone da luta pela justiça e liberdade no Brasil durante a ditadura militar. Neste vídeo, mergulhamos nos momentos cruciais de sua trajetória e em seu compromisso incansável com a verdade e a democracia.   por Fernando do Valle Vladimir Herzog – Noite de 24 de outubro de 1975, agentes da ditadura chegam à redação da TV Cultura com a ordem de levar o diretor de jornalismo da TV Cultura, Vladimir Herzog, para depor sobre suas ligações com o PCB – Partido Comunista Brasileiro no II Exército. Iniciou-se ali uma negociação entre os jornalistas da redação e os agentes para que Herzog se apresentasse no dia seguinte. Os policiais aceitaram o acordo e um jornalista comprometeu-se a acompanhar Herzog no outro dia até as instalações militares, esse jornalista inclusive dormiu na casa do diretor da TV Cultura. Se tivesse descumprido esse acordo e escapado na madrugada, Herzog não teria sido torturado até a morte no dia 25 de outubro de 1975, ele tinha apenas 38 anos. A brutal morte do jornalista indignou parte da sociedade civil contra o regime e tornou Herzog símbolo da liberdade de pensamento e de imprensa no país. A nomeação de Herzog como diretor do canal de televisão pública do Estado de São Paulo pelo secretário de Cultura José Mindlin foi aprovada pelos órgãos de segurança do regime militar e pelo governador Paulo Egydio antes de sua contratação. Mesmo assim, a chamada linha dura do governo militar fazia campanha com a conhecida cantilena de “infiltração esquerdista” contra a equipe liderada por Herzog através do jornalista Claudio Marques, do Shopping News, praticamente porta-voz dos setores de informação do governo. LEIA TAMBÉM “10 músicas contra a ditadura militar”  Vladimir Herzog nasceu Vlado Herzog em 27 de junho de 1937 em Osijek, hoje a quarta maior cidade da Croácia e morreu há 40 anos, em 25 de outubro de 1975. O apoio da grande mídia ao golpe de 64 O momento político da morte do jornalista foi marcado por uma disputa pelo poder entre a linha dura do exército e setores da ditadura que pretendiam estabelecer certo diálogo com a sociedade civil. Três meses depois de Herzog, em janeiro de 1976, o metalúrgico Manoel Fiel Filho também foi assassinado pelo governo e o ditador Geisel destituiu o comandante do II Exército, general Ednardo D’Ávila Mello, um dos principais líderes da chamada linha dura entre os militares. Políticos também insuflavam os militares da linha dura para a perseguição aos jornalistas da TV Cultura. O deputado da ARENA (partido do governo), José Maria Marin, que atualmente está preso na Suíça por corrupção como dirigente de futebol, pediu um aparte ao discurso do deputado do mesmo partido, Wadih Helu, futuro presidente do Corinthians, na Assembleia Legislativa de São Paulo e exigiu “providências aos órgãos competentes em relação ao que está acontecendo no canal 2 [TV Cultura…]”, que, segundo ele “sofria infiltração de elementos comunistas”. Este blog já abordou a trajetória da triste figura José Maria Marin. Episódio narrado no livro Bendito Maldito, ótima biografia de Plínio Marcos escrita por Oswaldo Mendes, mostra o nível da truculência dos militares. O diretor Ademar Guerra enfureceu um coronel ao escalar o “subversivo” Plínio como São Francisco de Assis em um teleteatro produzido na TV Cultura. Guerra relembra o tumulto naquele 24 de outubro no departamento de jornalismo da emissora: “o clima era de muito medo”. No meio desse clima de incerteza, ele lembra no livro que “alguém disse que um coronel do 2º Exército tinha telefonado à minha procura”. O diálogo de Guerra com o coronel: – Por que o senhor está fazendo a história de São Francisco? – Porque é uma história bonita, a história de um santo… – Mas é perigoso… – O que há de perigoso na história de um santo, coronel? Quer que eu mande o texto para o senhor ler? – Não quero ler nada, não.  Ademar Guerra escapou da brutalidade que vitimou Herzog. O jornalista Leandro Konder, amigo do jornalista assassinado e também detido pelos militares, não e também foi torturado. Ele relata o sofrimento de Vlado nas mãos dos torturadores do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna): “podíamos ouvir nitidamente os gritos, primeiro do interrogador, depois, de Vladimir, e ouvimos quando o interrogador pediu que lhe trouxessem “pimentinha” [máquina de choques elétricos para tortura] e solicitou ajuda de uma equipe de torturadores. Alguém ligou o rádio e os gritos de Vladimir confundiam-se com o som do rádio. Lembro-me bem que durante essa fase, o rádio dava notícia de que Franco [ditador espanhol] havia recebido a extrema-unção, e o fato me ficou gravado, pois naquele mesmo momento Vladimir estava sendo torturado e gritava. A partir de um determinado momento, o som da voz de Vladimir se modificou, como se tivessem introduzido coisa em sua boca; sua voz ficou abafada como se lhe tivessem posto uma mordaça. Mais tarde, os ruídos cessaram” (trecho do depoimento de Leandro Konder no livro “Brasil nunca mais”).   Não satisfeitos, os agentes da ditadura forjaram a cena de um suposto suicídio de Vlado “em um surto de arrependimento”, a foto divulgada pelos órgãos de repressão ainda mostra um bilhete rasgado com “a confissão de seu envolvimento com os comunistas”. Amigos, familiares e a comunidade judaica não aceitaram a inverossímil versão do governo sobre a morte do jornalista, que era judeu, e o enterraram no centro da Sociedade Cemitério Israelita. Pela tradição dos judeus, os suicidas são enterrados em uma área específica. A imprensa alternativa teve papel importante para desmontar a versão oficial do governo. O jornalista Mylton Severiano relata no documentário Resistir é Preciso como ele, Narciso Kalili e Hamilton Almeida Filho produziram uma detalhada matéria de 8 páginas sobre o assassinato de Vlado para o jornal EX-. O título foi retirado do Hino à República: “Liberdade Liberdade abre as asas sobre nós”. A edição de 50 mil exemplares esgotou

O grito da Passeata dos Cem Mil contra a ditadura militar

A barra estava pesada em junho de 1968. Em março daquele ano, o estudante Edson Luís tinha sido assassinado pela repressão no restaurante Calabouço no Rio. Em 21 de junho, o dia que ficou conhecido como a sexta-feira sangrenta, a ditadura militar reprimiu com violência uma manifestação: quatro manifestantes foram assassinados, outros 23 baleados e centenas de opositores acabaram detidos no centro da cidade do Rio de Janeiro.  Depois do episódio, o receio dos militares com a crescente impopularidade do governo foi a deixa para a Passeata dos Cem Mil. A revolta com mais de quatro anos de regime de exceção reuniu estudantes, religiosos, intelectuais, artistas e trabalhadores no protesto do dia 26 de junho de 1968.  Estiveram presentes, entre os artistas, Gilberto Gil, Glauber Rocha, Caetano Veloso, Nana Caymmi, Torquato Neto, Tônia Carrero, Paulo Autran, Marieta Severo, Clarice Lispector, Milton Nascimento, entre outros. Pela manhã, milhares de pessoas já se reuniam na Cinelândia, em frente à Assembleia Legislativa. No início da tarde, os manifestantes subiram a avenida Rio Branco em direção à Candelária gritando palavras de ordem e receberam o apoio dos ocupantes dos prédios no caminho que aplaudiam e jogavam papel picado. Os estudantes gritavam “desce, desce!” O DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) prendeu cinco estudantes que panfletavam, o que foi um número baixo para a época. Não houve incidentes. Discursaram alguns representantes da Igreja, um representante dos favelados da cidade, o psicanalista e escritor Hélio Pellegrino e outros, mas o discurso que marcou o dia foi do líder estudantil Vladimir Palmeira, perseguido pela repressão e vivendo clandestino em um apartamento há um mês. Palmeira desmentiu que foi pedida permissão para o protesto. O governo repetia a falsa versão de que tinha sido benevolente e havia permitido o ato. Palmeira, que havia chegado ao local ao meio-dia, desmentiu os militares: “para a realização da passeata não foi pedida autorização e é uma derrota do governo, ela custou o sangue e muita pancada nos estudantes”. “Não pense que aplaudir e gritar ‘abaixo a ditadura’ é uma vitória. Hoje a repressão não veio porque não pôde. E a nossa vitória é esta: ter saído na raça porque achava que tinha que sair. Mas a gente vai voltar pra casa, o estudante pra aula, operário pra fábrica, repórter pro jornal, artistas pro teatro. E é em casa, no trabalho, que a gente vai continuar a luta” (trecho do discurso de Vladimir Palmeira na Passeata dos Cem Mil em 26 de junho de 1968 no Rio de Janeiro). O apoio popular à manifestação forçou o ditador de plantão, general Costa e Silva, a receber uma comissão eleita pelos participantes do protesto formada pelos estudantes Franklin Martins e Marcos Medeiros, o escritor Hélio Pellegrino, o professor José Américo, o padre João Batista e o advogado Marcello Alencar. Costa e Silva exigiu o fim definitivo de qualquer manifestação estudantil, deixando claro que nenhum acordo seria possível. Os estudantes marcaram nova manifestação para 4 de julho. Em 13 de dezembro do mesmo ano, a ditadura endureceu ainda mais o regime com a edição do AI-5 em que o governo fechou o Congresso Nacional, deu-se a prerrogativa de suspender os direitos políticos de qualquer cidadão por 10 anos, cancelou o habeas corpus para crimes políticos e proibiu atividades e manifestações. Saiba mais sobre o AI-5.   10 músicas contra a ditadura militar (2)

Em 1970, os Tupamaros de Mujica contra Dan Mitrione, o mestre da tortura

Mitrione – O policial norte-americano e mestre em tortura Dan Mitrione foi enviado pelo governo daquele país ao Brasil e Uruguai para ensinar seu método de tortura que consistia em “provocar dor com precisão no momento preciso e na quantidade precisa para obter o efeito desejado”. Como cobaias em suas sádicas aulas, Mitrione usava presos e mendigos para demonstrar na prática como torturar sem deixar marcas em São Paulo, Montevidéu e Belo Horizonte. Na plateia, policiais e agentes dos regimes opressores da década de 60. Em uma das cenas do filme Estado de Sítio (1972), do diretor grego Constantin Costa-Gavras e censurado pela ditadura brasileira, que conta a história o rapto de Mitrione pelo grupo Tupamaros, há uma aula de tortura com a bandeira brasileira ao fundo. No início dos anos 80, o filme foi liberado com cortes. Dan Mitrione, com o nome fantasia de Philip Michael Santore, é interpretado pelo ator italiano naturalizado francês Yves Montand. Em 31 de julho de 1970, o grupo armado uruguaio Movimento de Libertação Nacional (MLN) ou Tupamaros, que tinha entre seus dirigentes o ex-presidente Pepe Mujica, raptou Mitrione e outras autoridades. Na ação, o norte-americano foi alvejado com um tiro acidental no ombro e recebeu auxílio dos guerrilheiros no cativeiro. Com o cerco se fechando ao MLN pelo aparelho repressivo montado pelo presidente Jorge Pacheco Areco (1920-1988), os Tupamaros pretendiam trocar Mitrione e os outros raptados por 150 militantes presos. O golpe militar no Uruguai viria cerca de 3 anos depois da ação dos Tupamaros, com o discurso do presidente Bordaberry, que, em 27 de junho de 1973, com o apoio das Forças Armadas, fechou o Legislativo e implanta uma violenta ditadura. Mujica participou de expropriações e raptos nesse período, em confronto com a polícia, foi ferido e preso, amargando mais de 13 anos na prisão. No filme de Gavras, um dos outros sequestrados é o cônsul Roberto Campos (no filme, se chama Fernando Campos), na verdade, o cônsul sequestrado foi Aloisio Gomide, mas Campos, que chegou a ser alcunhado de Bob Fields, pela sua obediência aos ditames do governo norte-americano, substitui Gomide no filme. É como se Gavras fosse guiado por um desejo oculto de incluir no filme um representante legítimo de lacaio de los gringos que pululavam nos governos do Cone Sul no período. Gomide passou 205 dias em poder dos Tupamaros. Foi libertado em troca de US$ 250 mil dólares que seriam usados pela guerrilha em novas ações. Como o governo uruguaio recusou-se a libertar os presos, o pedido de resgate foi a saída encontrada para a libertação do diplomata brasileiro. A esposa de Gomide chegou a participar até do programa do Chacrinha para solicitar colaborações para o pagamento aos Tupamaros. Os telespectadores animados com o recém-conquistado tricampeonato de futebol a ajudaram. Na época, a informação era escassa e a imprensa sofria forte censura. O plano dos Tupamaros começou a fazer água no dia 7 de agosto quando a polícia descobriu um de seus esconderijos e prendeu lideranças do grupo, inclusive a principal delas, o político e advogado Raúl Sendic. Após a ação, o MLN deu um ultimato ao governo uruguaio, que simplesmente o ignorou. O filme de Costa-Gavras mostra como até o próprio Mitrione entendeu que, com a recusa do governo uruguaio de negociar e a resistência dos americanos em intervir em prol de seu cidadão, não restava outra saída para os guerrilheiros. Mitrione foi morto aos 50 anos com dois tiros em 9 de agosto de 1970. O caso mostra como o clima da guerra fria e os recorrentes abusos cometidos pelos governos da época impulsionaram o radicalismo e a prática de ações violentas. Em diálogo do filme, guerrilheiro encapuzado mostra o espírito da época: Guerrilheiro – “Preparar um golpe demora muito tempo?” Dan Mitrione (vulgo Philip Michael Santore): “Na América Latina, não”. Guerrilheiro – “Nos Estados Unidos, vocês são mais rápidos, em alguns segundos, assassinam um presidente [John Kennedy foi assassinado em 1963 em Dallas e Abraham Lincoln em 1865] ”. Os Tupamaros tinham conhecimento das ações criminosas de Mitrione na América do Sul. A trajetória do funcionário do governo dos Estados Unidos, um ítalo-americano que nasceu na Itália em 1920, explicita a interferência do “irmão” do Norte nos assuntos domésticos de seus vizinhos do Sul. Na infância, Dan Mitirone imigrou com sua família para os Estados Unidos, serviu à Marinha durante a Segunda Guerra Mundial e depois começou a trabalhar no departamento de polícia da pequena cidade de Richmond, no estado de Indiana. Em 1955, tornou-se o chefe de polícia local. O FBI o recrutou como agente em 1959, no ano seguinte, ele foi trabalhar na área de assuntos externos do Departamento de Estado. No livro Brasil Nunca Mais, o estudante Afonso Celso Lana Leite, de 25 anos, preso em Minas Gerais e transferido para o Rio, denunciou ao Conselho Militar que o interrogou em 1970, ter sido torturado para uma assistência de oficiais no quartel da PE e na Vila Militar, seu relato: “no dia 8 de outubro, na Polícia do Exército 1, posto de Segurança Nacional, quando era ministrada uma aula, na presença de mais de cem pessoas, foram trazidos para aquela aula companheiros e, nesta ocasião, passaram filmes de fatos relacionados com torturas e em seguida era confimada com a presença do denunciado, sendo, naquela ocasião também torturados; ocasião esta que coincidente com o seu depoimento; que estas torturas, ou seja, as acima descritas se repetiram na Vila Militar”. Em 1960, Dan Mitrione já operava como agente em países da América Latina sob os auspícios do Escritório de Desenvolvimento Internacional de Segurança Pública, que mais tarde, mudaria o nome para Agência de Desenvolvimento Internacional, a conhecida AID (em inglês, Agency for International Development). Atuou na República Dominicana, e foi enviado para o Brasil após o golpe de 64. Na teoria, ensinava “técnicas avançadas de contra-insurgência”, na prática, treinamento anti-guerrilha e tortura. Estima-se que Mitrione treinou centenas de policiais no uso do cassetete elétrico e sobre os lugares mais dolorosos para os choques elétricos, entre

Tribunal Regional Federal do RJ deve julgar acusados da morte de Rubens Paiva

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) determinou ontem o prosseguimento de ação penal contra cinco militares reformados acusados da morte do ex-deputado Rubens Paiva, em janeiro de 1971, nas dependências do Destacamento de Operações de Informações (DOI) do Exército, na Tijuca. Seu corpo nunca foi encontrado. A Justiça negou o habeas corpus impetrado pelos militares, que visava ao trancamento da ação. A defesa dos réus sustentou a prescrição das acusações e que os acusados seriam beneficiados pela Lei da Anistia, de 1979. O relator do caso, desembargador Messod Azulay, entendeu que se trata de um crime permanente, porque o corpo de Rubens Paiva ainda não foi localizado.   Em maio, o Zonacurva relatou em detalhes o processo na Justiça contra os militares acusados do assassinato e ocultação do cadáver do deputado Rubens Paiva. CLIQUE AQUI PARA SABER MAIS. Fonte usada: EBC

Evento Ditadura civil-militar, o que a psicanálise tem a dizer?

Há 50 anos, o Brasil sofria o golpe militar que instituiu um regime de exceção brutal que perdurou por 21 anos. O Instituto Sedes Sapientiae de São Paulo discutirá as relações entre política, memória e psicanálise no evento Ditadura civil-militar, o que a psicanálise tem a dizer? Os debates contarão com a presença de Maria Rita Kehl, psicanalista e integrante da Comissão Nacional da Verdade, o jornalista Alberto Dines, criador do site Observatório da Imprensa, a psicanalista Maria Aparecida Kfouri Aidar e muitos outros profissionais. Haverá também uma exposição com 18 desenhos do cartunista Henfil. Acesse e conheça a programação completa do evento. Em parceria com a Comissão da Anistia do Ministério da Justiça, o Instituto Sedes Sapientiae criou a Clínica do Testemunho, que atende anistiados políticos afetados direta ou indiretamente pela violência do Estado brasileiro. Saiba mais. SERVIÇO: Instituto Sedes Sapientiae (Rua Ministro Godoy, 1484, Perdizes, fone: 3866-2730), email: secretaria@sedes.org.br. Taxas de inscrição: de R$ 60 a R$ 100.   Vargas na penúltima hora  

Comissão da Verdade suspeita de plano da ditadura para matar Glauber Rocha

Acusado de difundir calúnias contra regime militar no Brasil e classificado como “um dos líderes da esquerda no cinema”, sendo o que “mais atuava na campanha contra o país, na Europa”, o cineasta Glauber Rocha foi vítima de espionagem e perseguição pela ditadura. Na última sexta (16), a Comissão Estadual da Verdade do Rio revelou documentos produzidos pelas Forças Armadas contra o diretor. A entrega do dossiê militar à família foi feita no Parque Lage, na zona sul do Rio de Janeiro, com uma série de atividades que marcaram os 50 anos do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, completados no último dia 10. Oficialmente, Glauber morreu de septicemia, uma infecção, em 22 de agosto de 1981. Em outubro de 1976, Glauber Rocha gravou o velório de seu grande amigo, Di Cavalcanti. Assista ao curta e leia o texto. Produzidos pelo Serviço Nacional de Informação (SNI), os documentos compilam atividades do cineasta, declarações dadas aos jornais fora do país e lista artistas ligados a Glauber e que criticavam o regime militar, como, também o cineasta Luiz Carlos Barreto, apontado como “porta-voz da esquerda cinematográfica nacional”. Um dos documentos lembra que Glauber foi preso, por ter vaiado o presidente Castelo Branco, em 1965 e acusa o diretor de ter “difundido calúnias” ao denunciar a jornais ingleses torturas e perseguições no Brasil pela ditadura. O ator Othon Bastos, um dos personagens principais do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol é mencionado no dossiê do SNI como o favorito de Glauber e citado por “conhecido envolvimento político e ideológico”. Presente ao evento na Comissão da Verdade, Bastos disse que ficou surpreso com a revelação. “São tantas pessoas famosas aqui e estou entre um deles, eu não sabia de nada”. A presidenta da Comissão Estadual da Verdade, Nadine Borges, destacou que os documentos encontrados no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro contém marcas que expressam a intenção dos militares de eliminar Glauber. Ela se referia as palavras “morto”, em lápis, no alto do dossiê, na primeira página. “Recebemos a informação de um agente da repressão que atuou na época, que, em geral, era hábito escrever à mão um indicativo de ordem. Então, isso nos faz pensar que ele estava marcado para morrer. Por sorte, ele se exilou antes”, comentou. A presidenta cobra que o general José Antonio Nogueira Belham, que assina um dos documentos, preste depoimento para esclarecer esse e outros casos. Durante a revelação dos documentos, o cineasta Zelito Viana, parceiro de Glauber no filme o Dragão da Maldade, que venceu o Festival de Cinema de Cannes, e o Terra em Transe, que concorreu no mesmo festival poucos anos antes, lembra os tempos difíceis da ditadura. “Viver era arriscado no Brasil”, ressaltou. Ele levou Terra em Transe clandestinamente para participar do festival no França. Amigo de Glauber, Silvio Tendler destacou que a perseguição a Glauber, que se exilou em 1971, e às pessoas que contestavam o regime prejudicou o Brasil. “Aliás, prejudicou os artistas, os estudantes, os sindicalistas. A ditadura foi um preço muito alto para Nação. Sou de uma geração que desaprendeu a falar e estamos aprendendo a falar depois de velho. Antes, era tudo proibido”. Tendler lembrou também que Glauber foi um artista brilhante, mas não o único alvo da ditadura. “Eu e muito outros fomos perseguidos, como Joaquim Pedro de Andrade, que foi preso, e Olney São Paulo, barbaramente torturado”. No dossiê, estão transcritos ainda trechos de artigos de Glauber. Entre eles, uma justificativa para sua atuação, contra o regime. “O cinema não será para nós uma máscara, porque, o cinema não faz revolução – o cinema é um dos instrumentos revolucionários e para isto deve(-se) criar uma linguagem latino-americana, libertária e revelador”, disse à revista Cine Cubano, em 1971, segundo o SNI. Tribunal Regional Federal do RJ deve julgar acusados da morte de Rubens Paiva Ex-delegado Cláudio Guerra revela envolvimento de coronel da ditadura militar na morte de Zuzu Angel Decisão histórica da Justiça acata denúncia contra militares envolvidos na morte de Rubens Paiva Justiça barra ação contra militares acusados no caso Riocentro Instituto Vladimir Herzog denuncia Bolsonaro na ONU por comemorações do golpe de 64    

Ex-delegado Cláudio Guerra revela envolvimento de coronel da ditadura militar na morte de Zuzu Angel

Em depoimento prestado à Comissão Nacional da Verdade nesta quarta-feira (23 de julho), o ex-delegado do DOPS do Espírito Santo, Cláudio Guerra, afirmou que o coronel Freddie Perdigão Pereira provocou o acidente que resultou na morte da estilista Zuzu Angel, em 1976. O crime complementa o currículo de algoz a serviço do regime militar de Pereira. O coronel atuou no DOI-CODI de São Paulo e na Casa da Morte de Petrópolis e ainda coordenou o atentado no Riocentro. No ano passado, o ex-soldado do Exército Valdemar Martins de Oliveira revelou em depoimento à Comissão da Verdade do Estado de São Paulo que o coronel executou o casal João Antonio dos Santos Abi Eçab, 25 anos, e Catarina Abi Eçab, 21 anos, militantes da Ação Libertadora Nacional (ALN), em 1968. Infelizmente, o militar não responderá por seus crimes, ele morreu em 1998. Estilista conhecida, Zuzu Angel era mãe de Stuart Angel, membro do MR8, que lutou contra o regime militar, e foi preso em 14 de maio de 1971. Seu corpo nunca foi encontrado. Zuzu mobilizou a opinião pública nacional e estrangeira em busca de seu filho e foi vítima de um acidente na madrugada de 14 de abril de 1976, na Estrada da Gávea, no Rio de Janeiro. O regime militar sempre foi acusado de ter forjado o acidente. O delegado Cláudio Guerra foi indiciado, entre outros, pelo Ministério Público pelo envolvimento no atentado do Riocentro, infelizmente a Justiça Federal barrou ação contra os acusados. SAIBA MAIS SOBRE O CASO RIOCENTRO.  Segundo Guerra, ele e Perdigão eram confidentes e frequentavam a casa um do outro. “Um dia ele me disse que havia planejado simular o acidente dela e estava preocupado, pois achava que havia sido fotografado na cena do crime pela perícia”, afirmou o delegado no depoimento à Comissão Nacional da Verdade. Em seu depoimento, Guerra afirmou que incinerou os corpos de 12 militantes políticos e que assassinou e incinerou em seguida um tenente de nome Odilon, numa queima de arquivo determinada pelo SNI (Serviço Nacional de Informações). O ex-delegado contou também que executou três militantes em São Paulo, um em Recife e “dois ou três” no Rio. Claudio Guerra forneceu a foto para a Comissão que comprova a presença do coronel Perdigão na perícia, ele está indicado pela seta: “Se cumprisse pena por tudo o que fiz nunca iria sair da cadeia”, afirmou Cláudio Guerra. Guerra foi condenado e cumpriu pena por três tentativas de homicídio, resultantes de um atentado à bomba do qual participou nos anos 80 no Espírito Santo. Na cadeia, tornou-se pastor da Assembleia de Deus e afirma querer fazer sua parte “para que uma página triste de nossa história seja passada a limpo”. Em 2012, Guerra relatou sua história como agente da repressão a Rogério Medeiros e Marcelo Netto no livro Memórias de uma Guerra Suja. – Fonte usada: Comissão Nacional da Verdade. Documentário Pastor Cláudio escancara a violência da Ditadura Relatório da Comissão da Verdade pode revelar localização do corpo de Stuart Angel

Decisão histórica da Justiça acata denúncia contra militares envolvidos na morte de Rubens Paiva

A Justiça Federal aceitou na segunda (dia 26 de maio) denúncia contra cinco militares reformados pela morte do deputado Rubens Beirodt Paiva pelos crimes de homicídio, ocultação de cadáver, associação criminosa armada e fraude processual. José Antonio Nogueira Belham, Rubens Paim Sampaio, Jurandyr Ochsendorf e Souza, Jacy Ochsendorf e Souza e Raymundo Ronaldo Campos serão os primeiros militares a irem a julgamento por crimes cometidos durante o regime militar. A decisão cria um clima de esperança pela revogação da lei de anistia de 1979 e, com isso, militares e agentes do Estado possam responder na Justiça pelos crimes cometidos entre 1964 e 1979. Em janeiro de 1971, o engenheiro e ex-deputado Rubens Paiva foi preso e torturado no Destacamento de Operações e Informações (DOI) no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, e seu corpo nunca foi encontrado. Deputado pelo PTB, Paiva teve seu mandato cassado em 1964. Um mês antes de morrer em circunstâncias até o momento ainda não esclarecidas, o coronel reformado Paulo Malhães, de 76 anos, revelou à Comissão da Verdade do Rio (CEV) que foi um dos líderes da equipe encarregada de desenterrar os restos mortais de Paiva em 1973 da praia do Recreio dos Bandeirantes, dois anos após sua morte. Ainda segundo Malhães, que trabalhou no CIE (Centro de Informações do Exército), a operação foi necessária porque alguns agentes do DOI ameaçavam divulgar a localização da ossada. A operação foi uma ordem do gabinete do ministro do Exército na época e futuro presidente, Ernesto Geisel. O coronel falou que não soube para onde foi levado o corpo, mas que acreditava que a ossada foi jogada em um rio ou no mar. Depois dessa afirmação, Malhães voltou atrás e negou a operação em depoimento à Comissão Nacional da Verdade. Malhães foi morto em sua fazenda em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense em abril. Sua esposa, Cristina afirmou que pouco antes de morrer, o coronel lhe contou que o corpo de Paiva foi mesmo jogado em um rio, provavelmente o rio Itaipava, que fica próximo à Casa da Morte, centro de torturas e assassinatos na cidade de Petrópolis (RJ). Malhães ainda revelou detalhes das torturas praticadas na Casa da Morte. Para evitar o risco de identificação, as arcadas dentárias e os dedos das mãos eram retirados. Em seguida, o corpo era embalado em saco impermeável e jogado no rio, com pedras de peso calculado para evitar que descesse ao fundo ou flutuasse. Além disso, o ventre da vítima era cortado para impedir que o corpo inchasse e emergisse. Assim, seguiria o curso do rio até desaparecer. Coronel desmonta a farsa da morte de Rubens Paiva em combate Em fevereiro, em depoimento à Comissão Estadual da Verdade do Rio, o coronel reformado Raymundo Ronaldo Campos (um dos cinco militares denunciados pelo Ministério Público Federal) admitiu que o Exército montou uma farsa para esconder a morte de Rubens Paiva. Campos revelou que ele e outros dois militares teriam recebido ordens de seus superiores para atirar na lataria de um Fusca e incendiá-lo em seguida, no Alto da Boa Vista, no Rio. A montagem era para sustentar a versão oficial de que, ao ser transportado por militares, o ex-deputado foi sequestrado por terroristas, que atearam fogo no carro. Assista ao vídeo da TV Carta de alguns trechos do depoimento de Malhães à Comissão Nacional da Verdade: Fontes usadas: Revista Carta Capital e Blog do Mário Magalhães.

Derrota da emenda das Diretas Já! amplia consciência

A rejeição da emenda Dante de Oliveira, no início da madrugada de 26 de abril de 1984, pela ausência de parlamentares e voto contrário de deputados do PDS, deixaria entrever situações bastante sui generis para os milhões de brasileiros que, nas capitais estaduais e municípios por todo o país, empenharam-se na luta pela aprovação da emenda que restabeleceria o direito de eleger o presidente da República ainda naquele ano. A eleição para a presidência estava programada, mas seria realizada de modo indireto, através de Colégio Eleitoral. Para que o pleito transcorresse pelo voto popular, ou seja, de forma direta, era necessária a aprovação da emenda constitucional proposta pelo deputado Dante de Oliveira (PMDB – MT). A última eleição direta para presidente fora em 1960. A cor amarela simbolizava a campanha iniciada em 1983. Após duas décadas de intimidação pela repressão, o movimento das Diretas Já ressuscitava a esperança e a coragem da população. A reivindicação sinalizava mudanças não só políticas, mas econômicas e sociais. Dois comícios marcariam o processo: na Candelária, no Rio de Janeiro, em 10 de abril, com um milhão de presentes e, em São Paulo, dia 16, aos gritos de “Diretas Já!”, mais de 1,5 milhão de pessoas lota o Vale do Anhangabaú, na capital paulista. Em Salvador, ocorrera em janeiro com 15 mil pessoas na praça Castro Alves. Entre as figuras de destaque do movimento, o deputado Ulysses Guimarães (PMDB-SP) chegou a ser apelidado de “o Senhor Diretas”. Outros nomes emblemáticos foram a cantora Fafá de Belém (pela interpretação magistral do Hino Nacional) e o apresentador Osmar Santos. Leia texto sobre o comício no Anhangabaú Na noite de 25 de abril de 1984, o Congresso Nacional se reúne para votar a emenda que tornaria possível a eleição direta ainda naquele ano. A população não pode acompanhar a votação dentro do plenário. Temendo manifestações, o governo João Baptista Figueiredo reforça a segurança ao redor do Congresso Nacional. Tanques, metralhadoras e muitos homens deixavam claro que a proposta não interessava ao regime. A expectativa era grande. Mas os 298 votos favoráveis seriam “subtraídos” por 112 deputados que não compareceram e frente aos apenas 65 contrários e três abstenções. Para a aprovação da emenda eram necessários 2/3 a favor ou 320 votos. Uma derrota por 22 votos. As estruturas psíquicas de uma nação são capazes de resistir a golpes bem mais duros. Sobrevivem durante muitos anos, mesmo depois de mudanças infraestruturais profundas. Trata-se de uma agonia lenta para a qual não existe golpe de misericórdia capaz de destruí-las. Preservam-se, ainda que nos mais obscuros recantos do inconsciente coletivo. Fortes o suficiente para enfrentar ou empreender revoluções sociais e combater privilégios voltados a atender interesses de grupos, contra a maioria da população brasileira.   A nacionalidade é uma vinculação existencial inevitável. Não se trata de um ardil ou um álibi. Como hoje, obscuros legisladores nos leva(va)m de roldão – e então, já durante 20 anos após o golpe de 64 – sem se darem conta de que o desejo dos novos oráculos – aos milhões agora – são imediatos e práticos. A solidariedade (mais correto afirmar a cumplicidade) estabelecida em busca de eleições Diretas Já, se traduziria no plano da sublimação por um busca comum de novos valores. A luta, não só continua. Ela é contínua. Derrotava-se uma emenda, mas não a consciência do eleitor. Vale lembrar o quanto as ações de entidades, organizações e comunidades, através de comitês organizados por todo o país, surpreenderam pela decidida forma com que compareceram aos eventos programados a favor da causa legítima, o direito de cada cidadão votar para eleger o seu mandatário máximo. O certo é que ali se tornou impossível aos que detinham o poder manter o povo brasileiro sob a acusação de subversão e à imposição de tirânicas leis de segurança e emergência, em meio a uma economia que asfixiava a todos os setores, indistintamente. O pleito seria consumado em janeiro de 1985 no colégio eleitoral. Tancredo Neves (PMDB) derrotaria Paulo Maluf (PDS) e um novo pesadelo atravessaria a noite no Brasil, mas aí já é outro capítulo da história. Matéria da TV Brasil sobre a rejeição da emenda das Diretas Já!:   Henfil e as Diretas JÁ!

Rubem Fonseca e o silêncio que não apaga o passado

Como o escritor Rubem Fonseca sente verdadeira ojeriza por entrevistas, sempre pairou a desconfiança de que a causa dessa aversão advém da tentativa de esconder seu convívio nos anos 60 com algumas figuras de destaque da ditadura militar. Fonseca participou da direção do IPÊS (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), que organizou a base ideológica para o golpe de 64, e foi próximo do general Golbery do Couto e Silva, uma espécie de eminência parda do regime de exceção. Em entrevista a revista Bravo! em 2009, o jurista Candido Mendes declarou: “Eu me lembro do fascínio do general Golbery com o José Rubem… Ele admirava o José Rubem por sua capacidade, sua implacabilidade de raciocínio”. Através de Golbery, Fonseca conheceu seu primeiro editor, o ex-camisa verde (apelido dos integralistas), Gumercindo Rocha Dorea, diretor da Editora GRD, que publicou os dois primeiros livros de Rubem: Os Prisioneiros (1963) e Coleira do Cão (1965). Não é possível mais defender o silêncio do escritor que, sem dúvida, teve papel primordial na literatura brasileira das últimas décadas, como apenas uma característica de sua personalidade. Alguns até comparam o silêncio de Rubem ao de outro escritor que também influenciou toda uma geração de escribas, o vampiro de Curitiba Dalton Trevisan, que também rechaça qualquer investida da imprensa. No caso de Trevisan, talvez aí sim seja uma característica pessoal como até indica seu apelido. Já Rubem, nos últimos anos, tem falado e mostrado sua verve em eventos tanto no exterior como em algumas ainda raras ocasiões no país. Assista aos dois vídeos de aparições públicas do escritor no texto Zonacurva sobre seu último livro, Amálgama. Rubem Fonseca no IPÊS O IPÊS (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) surgiu em novembro de 1961, apenas dois meses após a renúncia de Jânio Quadros, pelas mãos de Golbery e Figueiredo, entre outros militares, empresários e políticos. O instituto apresentava-se como uma “agremiação apartidária com objetivos essencialmente educacionais e cívicos e orientado por dirigentes de empresas que participam com convicção democrática e como patriotas”. De acordo com o historiador uruguaio René Armand Dreifuss em seu livro 1964: a conquista do Estado, Ação Política, Poder e Golpe de Classe, Rubem Fonseca teve como sua principal função no IPÊS a de supervisionar a unificação ideológica e editorial dos materiais de divulgação do instituto. Ao seu lado, trabalhavam o poeta e jornalista Odylo Costa Filho, a escritora Raquel de Queiroz e o jornalista Wilson Figueiredo. O material produzido pelo IPÊS, em especial seus curtos filmes que eram exibidos em cinemas e na televisão, foi um dos responsáveis por criar um clima de pânico, principalmente entre a classe média, do “verdadeiro descalabro que ameaçava nossa democracia“. Em conjunto com o IPÊS, atuava o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) que também reunia em seus quadros intelectuais orgânicos que representavam os interesses do grande empresariado e, em especial, do capital norte-americano. Podemos dizer que ambos constituíram uma verdadeira organização composta por intelectuais, empresários e militares em defesa dos interesses da elite brasileira e seus aliados. Segundo o livro A ditadura envergonhada, do jornalista Elio Gaspari, o IPÊS funcionava no 27º andar do moderno edifício Avenida Central, no centro da capital fluminense. Em incrível coincidência, por lá também atuava o escritório da agência de notícias cubana Prensa Latina. O  democrático prédio ainda abrigava duas bases de operações clandestinas: uma do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e outra de radicais de direita. O documentário O dia que durou 21 anos, de Camilo Tavares, lançado no ano passado, coloca de forma muito clara a participação dos Estados Unidos na criação do IBAD e do IPÊS. Lincoln Gordon, embaixador norte-americano no Brasil no período pré-golpe, aconselha o presidente John Kennedy a ajudar com alguns milhões de dólares os institutos. Kennedy questiona se isso seria realmente necessário. Gordon é categórico: “nós não podemos correr riscos”. Plínio de Arruda Sampaio, deputado federal no período que precedeu o golpe, lembra no filme que foi procurado por uma pessoa ligada ao IPÊS, que lhe ofereceu certa quantia para que ele defendesse a democracia, Plínio refutou: “mas eu já defendo a democracia, para isso, não preciso de dinheiro”. Leia texto sobre o documentário O dia que durou 21 anos A jornalista Regina Coelho abordou a relação de Rubem Fonseca com o IPÊS na matéria O homem em questão publicada no jornal Correio da Manhã no final dos anos 60. O telefonema da jornalista irritou Rubem Fonseca, que se negou a responder qualquer pergunta. O papo acabou se tornando um áspero diálogo entre os dois: “Se você entrevistasse o Carlos Drummond de Andrade seria importante o que ele faz ou o que ele é”. Regina Coelho rebate: “segundo Sartre, o homem é aquilo que ele faz”. “E nós somos esta espécie de conjunto desorganizado em termos de função na vida, não tenho nada a dizer”. Silêncio. Regina pergunta: “Isto vai atrapalhar o seu trabalho?” “Claro que vai, mas profissionalmente a gente se vira, não precisa ficar com complexo de culpa, bem, você estragou o meu dia, não quero ser rude, não devia ter atendido o telefone, interprete como quiser, arranje outro entrevistado”.  Em 1994, José Rubem publicou um artigo no jornal Folha de São Paulo em que afirma que sua participação no IPÊS foi uma decorrência de sua atividade empresarial como executivo da Light e nega ter colaborado com a ditadura. Leia trecho: “No ato de fundação do IPÊS a Assembleia Geral me escolheu como um dos diretores do Instituto. Toda a direção era composta de empresários que continuavam trabalhando em suas companhias e não recebiam remuneração pela sua colaboração. À medida em que crescia a rejeição ao governo João Goulart na classe média, em setores empresariais, eclesiásticos, militares e também na mídia, no IPÊS se desenvolveram duas tendências. Uma, fiel aos princípios que haviam inspirado a fundação do Instituto, manteve-se favorável a que as reformas de base por ele defendidas fossem implantadas através de ampla discussão com a sociedade civil, o governo e o parlamento; a outra passou a julgar a derrubada do governo João Goulart como única solução para os problemas