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ditadura nunca mais

OPERAÇÃO CONDOR, A SÉRIE – CONVERSA AO VIVO COM O DIRETOR CLEONILDO CRUZ

A Operação Condor, aliança entre Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai e Bolívia, sob o comando dos Estados Unidos, resume a tragédia das ditaduras na América Latina. A operação permitiu a troca de informações para perseguir, torturar e matar opositores da ditadura no continente. Os diretores Cleonildo Cruz e Luiz Gonzaga Belluzzo comandam o projeto de uma série que irá se debruçar sobre os detalhes dessa época tão macabra. O diretor e documentarista Cleonildo Cruz é nosso convidade do CONVERSA AO VIVO ZONACURVA e irá nos contar os detalhes da série O CONVERSA AO VIVO ZONACURVA do canal Zona Curva MÍDIA LIVRE aborda temas relacionados à memória da ditadura militar no Brasil, com foco na “Operação Condor”. O programa destaca a relevância da memória histórica, especialmente em um contexto onde há uma crescente falta de informação sobre o passado autoritário do Brasil. Os convidados discutem a evolução da luta pela verdade e justiça dos crimes da ditadura, com ênfase na Anistia de 1979, considerada insuficiente e enganosa. O historiador e cineasta Leonildo Cruz compartilha sua experiência na produção de documentários, incluindo a série sobre a Operação Condor, que visa abordar as atrocidades cometidas durante a ditadura em vários países da América Latina. O diálogo também menciona eventos contemporâneos que refletem a fragilidade da democracia e as ameaças do autoritarismo, evidenciando a necessidade de resistência contínua e o papel da arte e da cultura na conscientização e na luta contra a desinformação. DESTAQUES DO PAPO 📚 História da Ditadura: Discussão sobre a importância de recordar e entender o passado para evitar a repetição de erros históricos. 🔍 Operação Condor: Abordagem da série sobre a Operação Condor, que retrata a colaboração entre governos militares da América Latina e os Estados Unidos. ⚖️ Anistia de 1979: Análise crítica da Anistia, considerada uma forma de legitimar os crimes da ditadura civil -militar sem responsabilização dos agentes do Estado. 🌐 Impacto Global: A conexão entre eventos históricos na América Latina e o atual contexto político mundial, incluindo a ascensão de líderes de extrema direita. 🎨 Papel da Arte: Discussão sobre como a arte e a cultura podem ser ferramentas poderosas na luta pela memória e pela verdade frente ao revisionismo histórico. 🤝 Parcerias e Projetos: Anúncio de projetos colaborativos, incluindo documentários e séries que buscam resgatar a memória histórica e promover a justiça social. Key Insights 📈 Necessidade de Memória Histórica: A memória da ditadura militar no Brasil é fundamental para a formação de uma sociedade crítica e informada. A falta de conhecimento sobre esse período pode levar à repetição de erros do passado. 🚫 Legitimidade da Anistia: A Anistia de 1979 é vista como um “grande engodo”, que não responsabilizou efetivamente os torturadores e colaboradores do regime militar, perpetuando a impunidade. 🌍 Conexões Internacionais: A Operação Condor exemplifica como as ditaduras na América Latina estavam interligadas, com apoio dos EUA, refletindo um padrão de violência que transcendeu fronteiras e continua a influenciar a política contemporânea. 🎬 Importância do Documentário: Documentários e produções audiovisuais são vitais para contar histórias que não são abordadas na mídia convencional, permitindo que o público compreenda a profundidade e o impacto das violências do passado. ⚔️ Resistência Contemporânea: Diante do ressurgimento de ideologias autoritárias, a resistência deve ser constante e multifacetada, incorporando diferentes formas de luta, incluindo a arte, a educação e a mobilização social. 💬 Reinterpretação da Anistia: A discussão atual sobre a reinterpretação da Lei da Anistia à luz de tratados internacionais é crucial para a responsabilização dos crimes do passado; a luta por justiça deve continuar. Este resumo e análise buscam enfatizar a importância de lembrar e discutir o passado autoritário do Brasil, destacando a relevância da arte e da memória na construção de uma sociedade mais justa e crítica. A luta pela verdade e pela justiça é contínua, e o papel dos canais de comunicação e das produções culturais é fundamental nessa trajetória.

Arquivos da ditadura e memória subversiva

por Frei Betto As Forças Armadas brasileiras preferem tergiversar a respeito dos arquivos da ditadura. Insistem na versão de que foram queimados. Não haveria nada a ser trazido a público. Ora, impossível apagar a memória daqueles 21 anos de atrocidades. Mais de 70 anos após o inferno nazista, novos dados ainda vêm à tona. Não será aqui no Brasil que haverão de borrar da história o longo período no qual crimes hediondos foram cometidos pelo Estado, em nome do Estado e por ordem do Estado chefiado por militares, como constam nos documentos da CIA. À semelhança do genocídio nazista, aqui também vítimas sobrevivem. E jamais haverão de esquecer o tempo em que a arma do Direito deu lugar ao direito das armas. Há mortos e desaparecidos, conforme apurou a Comissão da Verdade, e seus parentes e amigos não admitem que se adicione à supressão de suas vidas o selo indelével do silêncio. O governo dos EUA, que patrocinou o golpe militar de 1964 e adestrou muitos de seus oficiais, mantém robusto arquivo com o registro das confissões dos algozes. A história é feita de fatos cujos significados dependem de versões. Raramente a versão do poder prevalece sobre a dos vencidos, ainda que esta última demore a emergir, como foi o caso do genocídio indígena cometido por espanhóis e portugueses na colonização da América Latina. O exemplo emblemático de memória subversiva é a que coloca no centro da história do Ocidente um jovem palestino preso, torturado e assassinado na cruz há mais de dois mil anos. Tudo se fez para que as versões do Império Romano prevalecessem. Os discípulos de Jesus de Nazaré foram perseguidos e mortos, a cidade na qual ele morreu foi invadida e arrasada no ano 70, e os historiadores da época, como Flávio Josefo e Plínio, não lhe dedicaram mais do que uma linha. Seus feitos e suas palavras, no entanto, não caíram no olvido. As comunidades mediterrâneas que nele reconheceram Deus encarnado preservaram os relatos daqueles que com ele conviveram. Trinta anos depois de o pregarem na cruz, as narrativas, hoje conhecidas como evangelhos, se difundiram. O que se tentou apagar veio à luz. As Forças Armadas brasileiras podem insistir em não separar o joio do trigo, ao contrário do que fizeram os militares da Argentina, do Uruguai e do Chile, que se livraram do estigma de cumplicidade com o horror. Jamais, porém, haverão de apagar da memória nacional as graves violações dos direitos humanos cometidas pela ditadura. O pacto de silêncio não cala a voz da história. A memória subversiva não confunde anistia com amnésia. Somente o silêncio das vítimas poderia salvar os algozes. Mas isso é impossível. O grito parado no ar ressoa. E exige justiça. Publicado originalmente no Correio da Cidadania. https://www.zonacurva.com.br/ha-45-anos-o-ai-5-mergulhou-o-pais-na-escuridao/ Documentário Pastor Cláudio escancara a violência da Ditadura A morte de Vladimir Herzog e o Brasil que não queremos Romeu Tuma Jr. depõe no caso do sumiço de Edgar Duarte https://urutaurpg.com.br/siteluis/lider-estudantil-honestino-guimaraes-foi-morto-pelo-regime-militar-em-1973/ Iara Iavelberg e sua luta contra a ditadura militar   Canto de liberdade para José Amaro Correia      

Canto de liberdade para José Amaro Correia

 por Urariano Mota Em um trecho do Dicionário Amoroso do Recife, escrevi: “José Amaro Correia, Zé Amaro, ou Mário Sapo, como o chamamos, era e continua a ser um socialista, militante político, preso em 1973 no DOI-CODI no Recife… Quando eu lhe pergunto se depois de tanta luta, se alguma vez ele não pensou em desistir, ele, que sei estar com problemas circulatórios, pressão alta, e que piora todas as vezes em que se emociona, ele me responde: — Desistir? Nunca! Às vezes me dá uma preguiça. Mas dá e passa. Então ele me conduz, tateante, devagar, até o portão. Às vezes vira a cabeça de lado para ver o meu vulto, quem sabe, algum traço. Talvez não veja mais nem sequer a minha sombra. E não diz. Mas entendo. Devo ser mais real que o seu sonho, que um dia ele escreveu num poema: ‘Vivo semeando o sonho Do fim da pobreza De todas as crianças terem o direito De brincar e sorrir Vivo a semear o sonho Do nascer igual Perante a natureza dos homens’. Depois, em 2014, completamente cego, em uma cadeira de rodas, ele me deu a notícia de que o seu jornal, O Bocão, havia sido impresso em braile. Naquela altura, aos 71 anos, em lugar de se maldizer, mais uma vez ele fazia do próprio sofrer, da cegueira, um serviço. No telefone, eu lhe disse: — Mário, você quando cai, cai para cima. A essa observação escutei uma risada. Ele não precisava falar. Eu sabia que ele estava feliz, como podia estar um jornalista popular, guerreiro. Cego, sem uma perna e livre”. Em 2017, em 27 de julho à noite, ele faleceu aos 74 anos de idade. Estava com a saúde ao fim em tudo. Infecção nos pulmões, nos rins, no coração. Quando o visitei na UTI, embora ele estivesse inconsciente, eu lhe disse na esperança de que me ouvisse: – Você é meu irmão. Você sabe: não te faltei antes na ditadura, não vou te faltar agora. Mas aqui vem o segredo de uma revelação: na quarta-feira 26 de julho, quando o ônibus parou próximo ao hospital onde ele estava internado, subiu um grupo de três jovens que, antes de começarem a pedir ajuda, começaram a cantar um rap. Um rap da liberdade. Eu fiquei comovido até os olhos, porque pensava: “o meu amigo no fim e estes jovens cantando a liberdade”. Era como a encarnação viva do meu próximo romance, “A mais longa duração da juventude”. Eu me dizia: cantam para ele. E me vieram associadas as palavras de John Donne: “Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todos são parte do continente, uma parte de um todo… a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”. Então os jovens cantavam para o meu amigo Mário Sapo, eu os compreendia muito bem. Cantavam e tocavam pelos guerreiros. Então eu nunca tinha ouvido um rap tão emocionado. E pensei também no Toni, da LiteraRua, na editora do meu próximo romance. E volta agora a apresentação que José Carlos Ruy escreveu para o romance, no trecho: “O tempo funde as duas pontas do relato, entre o passado e o presente… Sonho de abnegação, igualdade, de liberdade, de justiça para todos, de desapego perante os bens materiais e construção de um mundo novo, socialista. ‘Eu não sou um velho. Aliás, nós não somos velhos’, diz um diálogo neste livro maravilhoso. ‘Eu sei. O tesão de mudar o mundo continua’. O viço e o vigor do sonho permanecem”. Aquele canto no ônibus, a sua associação ao amigo que padecia não era delírio. Era fato. Os jovens cantavam um rap que se unia ao amigo, na mais longa duração da juventude. Então eu os aplaudi com entusiasmo, como quem grita: presente! um guerreiro cai, outro se levanta. Esses jovens com violão, percussão e canto levam adiante a resistência. Eles são inconformados com o mundo, razão maior de viver. Com o falecimento de José Amaro Correia veio um breve abatimento. Mas não temos esse direito. Não podemos cair e esmorecer. É levantar a cabeça e continuar a caminhada. Se possível, até o lado ensolarado da rua.