Zona Curva

#EsquerdaBrasil

A América Latina e os Estados Unidos

Estou fazendo o curso da Camila Vidal, no Iela  (Instituto de Estudo Latino-Americanos da UFSC)  sobre as Intervenções dos Estados Unidos na América Latina. E, confesso, ao final de cada aula, saio completamente deprimida. Não pela aula, que é sempre ótima, mas pelas informações. A proposta do curso, que começou no ano passado, é desvelar, com riqueza de detalhes, cada intervenção dos Estados Unidos nos países da Pátria Grande, desde o roubo das terras mexicanas, primeiro conflito gerado pelo famoso Destino Manifesto, até nossos dias. O que causa a profunda tristeza é observar que nesses conflitos de invasão explícita ou de geração de golpes a conversinha é sempre a mesma: levar a democracia e o desenvolvimento aos países bárbaros. É um eterno retorno. Basta que o país se desloque, mesmo que bem pouquinho, da órbita dos Estados Unidos para que comece a sofrer as consequências. As formas de ataque também são sempre as mesmas, embargos, bloqueios econômicos, campanha midiática sobre um suposto perigo de comunismo, financiamento de grupos de “oposição” (armados ou não) e invasão direta. No geral, a situação que gera o ataque dos EUA também é sempre a mesma. Um governo mais à esquerda ou um governo algo progressista que comece a mudar a lógica garantindo educação, saúde, moradia e seguranças ao povo passa a ser visto como perigoso. E, se não se aliar aos EUA nos seus interesses, já vira inimigo. Mas, se for além, buscando garantir soberania nas ações e na exploração de suas riquezas, aí vira o próprio demônio. É hora de o império agir. O começo de tudo vem pela campanha de propaganda contra o país. A mídia mundial embarca na canoa, divulgando as notícias produzidas pelas agências dos EUA, como se ali estivesse a verdade. Principia então o desenho do “monstro”. E não importa que esse monstro tenha sido amigo e formado pelos Estados Unidos, como foi o caso de Noriega, no Panamá, ou Sadam, no Iraque. Saiu um pouco da rota, está na fogueira. No geral, o problema principal detectado é uma “tendência ao comunismo”. Começou a oferecer educação, serviços públicos de qualidade, usar os recursos nacionais para desenvolver o país, pronto, virou comunista. E o comunismo aí colocado como algo ruim. Sendo que não é! Na verdade, o comunismo é quase uma sociedade perfeita, onde cada um ganha conforme o que necessita e atua na sociedade para o bem de todos. Pois isso é um perigo para os que dominam, então há que demonizar. E assim vamos indo, estudando a história de cada um dos nossos países da América Latina: O México, na parte norte, a América Central com todo o drama da violência, genocídios e da migração presente em cada país, o Caribe e sua pobreza endêmica apesar da exuberante riqueza natural que o faz paraíso dos ricos, e a nossa América do Sul, com sua história de traições, golpes militares, golpes parlamentares e golpes midiáticos. Não escapa um. Cada país abaixo do rio Bravo já sofreu a intervenção do império, seja diretamente ou fomentando traições internas. É batata. Nenhum bem pode vir para a maioria da população. Há que manter a massa no arrocho e garantir a maior taxa de lucro para o 1% que domina. Saiu disso, tá morto. Nesse universo infernal produzido pelos Estados Unidos o único país que se mantém firme é Cuba, a pequena ilha caribenha que enfrenta há mais de 60 anos o ataque ininterrupto do império. É absolutamente fantástico que consigam manter a revolução e as conquistas que vieram depois dela, apesar de tanto ataque. O povo cubano é deveras extraordinário, afinal é submetido a um bombardeio midiático diário e sofre um embargo econômico criminoso. Apesar disso o povo da ilha se reinventa e resiste, valentemente. Mas, no que diz respeito aos demais países o eterno retorno é lei. Passam anos de ditadura, de governos autoritários ou neoliberais e quando a população finalmente se propõe a mudar e elege alguém menos alinhado aos interesses estadunidenses, lá vem a máquina imperialista, a Estrela da Morte, com todo o seu arsenal ideológico e militar. Só na história contemporânea podemos citar a Venezuela e o golpe armado em 2002 contra Chávez, a deposição de Bertrand Aristide no Haiti em 2004, criando esse caos que não tem fim no país, o golpe em Honduras em 2009 que deixou um rastro de sangue, a queda do presidente Lugo no Paraguai para o retorno da velha oligarquia, a queda da Dilma em 2016 no Brasil que levou à tragédia Bolsonaro, o golpe contra Evo Morales em 2019, a queda de Pedro Castillo em 2022, as tramas na América Central para impedir que ideias mais arejadas pudessem assomar, com o sistemático assassinato de lideranças de lutas populares e ambientais, e por aí vai. É claro que numa análise mais acurada a gente vai perceber que internamente nos países há erros e equívocos praticados pelos governantes, o que torna a ação imperial ainda mais fácil de ser efetivada. Mas, o que não se pode deixar de perceber é que os EUA estão sempre ali, como uma águia assassina a esperar a hora de comer os olhos dos governantes – e da população – que ousarem sair da linha. Volto a lembrar de Cuba, cujo presidente, Fidel, chegou a sofrer mais de 600 tentativas de assassinato. Sobreviveu a todas e para azar do império, morreu velhinho, no aconchego do lar, do jeito que quis, amado pelo povo. De novo, um exemplo solitário nesse mar de podridão criado pelos Estados Unidos em toda a nossa Pátria Grande. O fato é que no capitalismo, cuja locomotiva ainda é os EUA (China e Rússia disputam o cargo), resistir a esse modelo que garante riqueza e vida boa a apenas 1% da população é uma tarefa gigantesca. As populações lutam com o que podem, que são apenas os seus corpos nus. Como enfrentar a máquina gigantesca da guerra? Lembro-me da invasão ao Panamá em 1989, quando uma força de milhares de soldados estadunidenses bombardeou a

A democracia em risco

Democracia – Não nos iludamos de novo: nossa frágil democracia continua em risco. Recordo do governo João Goulart e suas propostas de reformas de base, ao início da década de 1960. As Ligas Camponeses levantavam os nordestinos. Os sindicatos defendiam com ardor os direitos adquiridos no período Vargas. A UNE era temida por seu poder de mobilização da juventude. Era óbvia a inquietação da elite brasileira. Passou a conspirar articulada no IBAD, no IPES e outras organizações, até eclodir nas Marchas da Família com Deus pela Liberdade. Contudo, o Partido Comunista Brasileiro tranquilizava os que sentiam cheiro de quartelada – acreditava-se que Jango se apoiava num esquema militar nacionalista. E, no entanto, em março de 1964 veio o golpe militar. Jango foi derrubado, a Constituição, rasgada; as instituições democráticas, silenciadas; e Castelo Branco empossado sem que os golpistas disparassem um único tiro. Onde andavam “as massas” comprometidas com a defesa da democracia? Conheço bem o estamento militar. Sou de família castrense pelo lado paterno. Bisavô almirante, avô coronel, dois tios generais e pai juiz do tribunal militar (felizmente se aposentou à raiz do golpe). Essa gente vive em um mundo à parte. Sai de casa, mas não da caserna. Frequenta os mesmos clubes (militares), os mesmos restaurantes, as mesmas igrejas. Muitos se julgam superiores aos civis, embora nada produzam. Têm por paradigma as Forças Armadas nos EUA e, por ideologia, um ferrenho anticomunismo. Por isso, não respeitam o limite da Constituição, que lhes atribui a responsabilidade de defender a pátria de inimigos externos. Preocupam-se mais com os “inimigos internos”, os comunistas. Embora a União Soviética tenha se desintegrado; o Muro de Berlim, desabado; a China, capitalizada; tudo que soa como pensamento crítico é suspeito de comunismo. Isso porque nas fileiras militares reina a mais despótica disciplina, não se admite senso crítico, e a autoridade encarna a verdade. O Brasil cometeu o erro de não apurar os crimes da ditadura militar e punir com rigor os culpados de torturas, sequestros, desaparecimentos, assassinatos e atentados terroristas, ao contrário do que fizeram nossos vizinhos Uruguai, Argentina e Chile. Assistam ao filme “Argentina,1985”, estrelado por Ricardo Darín e dirigido por Santiago Mitre. Ali está o que deveríamos ter feito. O resultado dessa grave omissão, carimbada de “anistia recíproca”, é essa impunidade e imunidade que desaguou no deletério governo Bolsonaro. Não concordo com a opinião de que só nos últimos anos a direita brasileira “saiu do armário”. Sem regredir ao período colonial, com mais de três séculos de escravatura e a dizimação de indígenas e da população paraguaia numa guerra injusta, há que recordar a ditadura de Vargas, o Estado Novo, o Integralismo, a TFP e o golpe de 1964. O altissonante silêncio dos militares perante os atos terroristas perpetrados por golpistas a 8 de janeiro deve nos fazer refletir. Cumplicidade não se consuma apenas pela ação; também por omissão. Mas não faltaram ações, como os acampamentos acobertados pelos comandos militares em torno dos quartéis e a atitude do coronel da guarda presidencial que abriu as portas do Planalto aos vândalos e ainda recriminou os policiais militares que pretendiam contê-los. “O preço da liberdade é a eterna vigilância”, reza o aforismo que escuto desde a infância. Nós, defensores da democracia, não podemos baixar a guarda. O bolsonarismo disseminou uma cultura necrófila inflada de ódio que não dará trégua à democracia e ao governo Lula. Nossa reação não deve ser responder com as mesmas moedas ou resguardar-nos no medo. Cabe-nos a tarefa de fortalecer a democracia, em especial os movimentos populares e sindicais, as pautas identitárias, a defesa da Constituição e das instituições, impedindo que as viúvas da ditadura tentem ressuscitá-la. O passado ainda não passou. A memória jamais haverá de sepultá-lo. Só quem pode fazê-lo é a Justiça. Ditadura Nunca Mais com Urariano Mota Breve crítica da democracia louvada Sobre a democracia e o voto Não há meia democracia Frei Betto: “É uma ilusão e um engano achar que a ditadura foi melhor”

Reconstrução se faz com mobilização

A vi­tória elei­toral de Lula si­na­liza a der­rota das forças des­tru­tivas que se apo­de­raram da ad­mi­nis­tração fe­deral nos úl­timos quatro anos. Não sei se o lema do novo go­verno – “União e Re­cons­trução” – se trans­for­mará em fato. União na­ci­onal não é ta­refa fácil. A cul­tura bol­so­na­rista, im­preg­nada de ódio, con­ta­minou inú­meras pes­soas que se so­maram aos 58 mi­lhões de votos re­ce­bidos por Bol­so­naro no se­gundo turno. E não há pos­si­bi­li­dade de união na­ci­onal nessa so­ci­e­dade in­jus­ta­mente mar­cada por gri­tante de­si­gual­dade so­cial. Con­tudo, re­cons­trução é viável. Lula tem plena cons­ci­ência do que pre­cisa ser feito. Seus dis­cursos de posse ex­pressam o ca­ráter deste ter­ceiro man­dato, onde se des­tacam três pri­o­ri­dades: com­bater a fome e a in­se­gu­rança ali­mentar; re­duzir a de­si­gual­dade so­cial; pro­teger nossos bi­omas e for­ta­lecer as po­lí­ticas so­ci­o­am­bi­en­tais. Lula está atento ao que de­veria ter sido feito em seus pri­meiros man­datos e, por força da con­jun­tura, não acon­teceu. Sabe que, agora, é talvez sua úl­tima opor­tu­ni­dade de go­vernar o Brasil. Na con­versa pri­vada que ti­vemos no Ita­ma­raty, na noite de 1º de ja­neiro, eu disse a ele que este é o início de seu pe­núl­timo man­dato. Ele sorriu. Estou con­ven­cido de que será can­di­dato à re­e­leição em 2026, aos 81 anos. A quem alega a idade avan­çada, lembro do car­deal Ron­calli, eleito papa João XXIII com 77 anos, em 1958, e com 80 pro­moveu uma re­vo­lução na Igreja Ca­tó­lica ao con­vocar o Con­cílio Va­ti­cano II. Nos man­datos an­te­ri­ores, Lula as­se­gurou sua go­ver­na­bi­li­dade pelo mo­delo “saci-pe­rerê”, apoiada em uma só perna: o Con­gresso Na­ci­onal. Agora sabe que a perna mais im­por­tante é a da mo­bi­li­zação po­pular. Es­pero que mi­nis­tros e mi­nis­tras se deem conta de que apoio po­pular não se con­funde com os 60 mi­lhões de votos re­ce­bidos por Lula. De­pende de in­tenso tra­balho pe­da­gó­gico. Não brota do es­pon­ta­neísmo nem re­sulta au­to­ma­ti­ca­mente das po­lí­ticas de in­clusão so­cial. Feijão não muda au­to­ma­ti­ca­mente a razão. Par­ti­ci­pação ci­dadã advém de cons­ci­ência crí­tica, or­ga­ni­zação e mo­bi­li­zação. E o go­verno fe­deral dispõe de am­plos re­cursos para pro­movê-las, desde po­de­roso sis­tema de co­mu­ni­cação à se­leção de li­vros di­dá­ticos. So­bre­tudo va­lo­rizar a ca­pa­ci­tação po­lí­tica de seus re­pre­sen­tantes em con­tato di­reto com a po­pu­lação, como os 400 mil agentes co­mu­ni­tá­rios de saúde. Sem povão não há so­lução! Brasil avermelhou Meus votos a presidente Slogan do governo Lula será “União e Reconstrução”; veja      

O ecossistema informativo nacional no governo Lula

O governo brasileiro que assumiu há poucos dias terá pela frente um desafio inédito na política nacional, porque seu sucesso dependerá mais da forma pela qual vai se comunicar com a população do que pela realização de projetos e obras. Parece um absurdo, uma incongruência, mas é uma realidade nova que reflete as mudanças em curso no modo como a informação e a comunicação passaram a ser preponderantes na política brasileira e mundial. A principal mudança na gestão do país parece ser a de que os chefes de poderes executivos nacionais, estaduais e municipais terão que se comunicar mais com a população do que assinar papéis e negociar com políticos e empresários. É que na era digital, a sustentabilidade política de um governo passou a depender, fundamentalmente, da forma como um presidente é percebido por milhões de pessoas que frequentam as redes sociais. A percepção política integra o que os especialistas em comunicação chamam de ecossistema informativo, ou seja, o conjunto de fatores sociais, econômicos, políticos, culturais e tecnológicos que condicionam a maneira como as pessoas desenvolvem o seu conhecimento do mundo em que vivem. Até agora as percepções envolviam dois tipos de conhecimento sobre fatos, dados e eventos noticiados pela imprensa: o conhecimento de alguma coisa e o conhecimento sobre algo. No primeiro caso, temos o puro registro de uma novidade, como por exemplo, quando lemos uma manchete de jornal. Sabemos o que aconteceu, mas ignoramos porque, como, os antecedentes e as consequências de uma notícia. A opinião pública na era digital não é mais formada a partir da lógica, causalidade e reflexão. O volume, diversidade e a velocidade com que as informações são jogadas no meio social impedem as pessoas de raciocinar como antes. Estamos na era do impacto informativo, onde as percepções são formadas a partir do acúmulo de notícias, dados, fatos e eventos, ou seja, através do bombardeio informativo nas redes sociais e em veículos convencionais como os canais noticiosos em redes fechadas de TV. A estratégia informativa do impacto é a responsável pelo fato de tantas pessoas acabarem ignorando a lógica e o chamado bom senso. Bolsonaro usou esta técnica para criar percepções distorcidas em suas lives das quintas-feiras, cujo conteúdo era depois reforçado pela reprodução em massa da mesma mensagem, numa operação coordenada pelo chamado gabinete do ódio, instalado no Palacio do Planalto. Ferramenta obrigatória O uso, durante a última campanha eleitoral, da técnica de acumulação de postagens impactantes através das redes sociais, conseguiu inclusive compensar as resistências da grande imprensa nacional à campanha de reeleição do presidente Bolsonaro. No passado, o apoio de grandes jornais e redes de televisão era um elemento decisivo para a viabilidade eleitoral de candidatos e para a sustentabilidade política de presidentes, governadores e prefeitos. Agora, a grande imprensa dedica boa parte de sua agenda noticiosa a repercutir postagens impactantes, boa parte delas fake news, produzidas nas redes sociais. A comunicação com a massa de usuários de redes sociais transformou-se numa ferramenta obrigatória para quem está no poder ou aspira a ele. O presidente eleito terá que adotar uma comunicação permanente com a população para buscar apoio para seus projetos, especialmente na primeira fase do seu governo, por conta da trágica herança financeira e administrativa deixada pelo seu antecessor. Lula não terá dinheiro suficiente para cumprir várias promessas eleitorais e precisará convencer seus seguidores a serem pacientes até que os problemas mais graves sejam resolvidos. O apoio da opinião pública é a única opção disponível para o novo chefe de governo, já que ele não conta com maioria efetiva no congresso nacional, dispõe apenas de uma temporária simpatia da grande imprensa, enfrenta resistências nas Forças Armadas e no setor empresarial privado. Esta conjuntura política e as novas condições criadas pelos impactos informativos na formação da opinião pública nacional aumentaram a importância que as estratégias de comunicação passam a ter nas prioridades governamentais. As armadilhas políticas das fake news Nós, jornalistas, temos uma dívida com Bruno e Dom Jornalismo e imprensa não são sinônimos

A resiliência política das bases populares

A história da América Latina, como escreveu Eduardo Galeano, foi escrita com o sangue derramado pelas veias abertas de sua população. É uma história de resiliência, desde a resistência indígena à empresa colonizadora, passando pela rebelião dos africanos trazidos ao Continente como escravos, até as lutas por independência e soberania. Lutas de resistências e conquistas que a classe dominante insiste em ocultar, como é o caso da Revolução Haitiana (1791-1804), que terminou com a independência da antiga colônia. Muitos livros didáticos ignoram as rebeliões e revoluções, e ainda tratam a invasão colonialista, promovida por países europeus (Espanha, Portugal, Inglaterra, Holanda etc) como “descobrimento”, na tentativa de encobrir o caráter genocida da atividade colonizadora e escravagista. Em “A ideologia alemã”, Marx e Engels escrevem que “as ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias predominantes, isto é, a classe que se constitui na força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante”. Como sublinha o axioma africano, conhecemos apenas a versão do caçador, porque nunca demos ouvidos à versão do leão. A reduzida circulação da arte e da literatura produzida pelos povos oprimidos (indígenas, quilombolas, camponeses, operários, prostitutas, prisioneiros comuns etc) se deve ao elitismo de nossas universidades, que padecem do “complexo de vira-lata” frente às academias dos EUA e da Europa. Os cursos de extensão universitária raramente têm por objetivo a atitude de escuta e pesquisa junto aos segmentos subjugados, sujeitos a todo tipo de preconceitos, discriminações e ofensas. O que se sabe da política indígena, da história dos quilombos, da arte das mulheres catadoras de frutas, do sofrimento dos que padecem esquecidos nos cárceres? No entanto, essa gente resiste. E, felizmente, às vezes encontra quem lhe dá voz e vez, como tantos escritores, artistas e intelectuais, que expressam em suas obras e textos as dores dos oprimidos. A resiliência das bases populares se dá de várias formas. Ocorre de forma espontânea, como um combustível que impregna o tecido social e, súbito, um fato, um incidente, um líder, atira nele o fósforo aceso, como foi o caso de George Floyd, nos EUA. Como se dá também de forma organizada, através de movimentos, associações e partidos progressistas, de esquerda ou revolucionários. Acontece ainda pela ruptura da ordem legal, motivada pelo imperativo da sobrevivência: os saques, as ocupações de terras e de moradias, e até mesmo pela via da criminalidade, em especial o narcotráfico, cujo produto mais sofisticado gerado na América Latina, a cocaína, é amplamente consumido pelos segmentos abastados dos EUA e da Europa. Mas de que vale o operário quebrar máquinas da fábrica para se vingar do patrão?, indaga Marx nas páginas de “O capital”. A contradição, tão objetiva e sacramentada pelas estruturas do capitalismo, só pode ser superada de um modo, e por via subjetiva: a formação da consciência de classe, de identidade étnica e de gênero. Este o ponto central. Contudo, ao longo do século 20, a esquerda da América Latina, que havia despertado para a questão – graças à literatura marxista e às revoluções russa, chinesa e cubana – fez de pequenos burgueses portadores do pensamento crítico junto aos oprimidos. Daí a dificuldade de se criar processos libertadores de caráter indutivo, exceto as guerras anticolonialistas e as revoluções de Cuba e Nicarágua, que tiveram caráter antiditatorial e emancipatório do país. Não se liberta um povo. É o povo que se liberta. Esse processo indutivo de resiliência popular, impregnada de consciência de classe, encontrou em Paulo Freire seu formulador pedagógico, embora José Martí já tivesse emitido luzes nesse sentido. Mas foi com o surgimento de ferramentas de luta forjadas pelos próprios oprimidos, como o PT no Brasil, os zapatistas no México e os indígenas na Bolívia, que efetivamente o processo se deu de baixo para cima, embora não possa ser encarado de forma linear. Os oprimidos se descobriram como protagonistas políticos. Houve, entretanto, um impasse quando essas forças populares lograram eleger, segundo as regras da democracia burguesa, presidentes supostamente identificados com os anseios dos oprimidos e excluídos. Na prática, tais governos progressistas tiveram dificuldades de serem fiéis às demandas indígenas, quilombolas, sem-terras, sem-tetos etc. Não implementaram profundas reformas estruturais. Não lograram reforçar os movimentos populares. Não promoveram a educação política do povo. E deixaram de fazê-lo em nome de uma política que, atenta ao poder das elites, procurava caminhar sobre ovos sem quebrá-los… O resultado foi aprofundar o fosso entre governos progressistas e bases populares. Nenhum daqueles governos ousou confiar plenamente na resiliência dos oprimidos e reforçar seus recursos de lutas. Fracassou a tentativa de reduzir os privilégios dos ricos sem aguçar o latente ódio da classe dominante. Julgou-se que, ao limar os dentes do tigre, haveria de se lhe diminuir a natural agressividade… Agora, a história recente comprova que não há de se ter ilusão de estabelecer uma aliança de classes. A direita age por interesses; a esquerda, por princípios. São linguagens incompatíveis, antagônicas. Isso não significa ignorar o poder das elites ou tratá-la com armas de combate frontal. Não há que menosprezar a força do inimigo. Mas só haverá libertação se, nas pautas políticas da esquerda, esteja ela ou não em instâncias de governo, a prioridade recair sobre o fortalecimento da conscientização, da organização e da mobilização dos movimentos populares, identitários e socioambientais. Fora disso é ficar refém da fantasiosa lógica social-democrata, de que é possível reformar o capitalismo sem, no entanto, querer sepultá-lo. Nós erramos Autocrítica da esquerda      

Ainda falta o terceiro turno

A campanha bolsonarista foi abertamente criminosa. Perdeu, mas ficou impune. E seguiu naturalizando esse privilégio, nos posteriores deboches à norma constitucional. Como previsto, a sucessão de golpes que pariu o governo Bolsonaro tornou-o tão ilegítimo que o deslocou para fora do regime da legalidade. Assim termina o mandato. Talvez (ainda) não haja muito a fazer na seara governamental, pois o Congresso aliou-se ao banditismo. Individualmente, porém, a história é bem outra. O caminhoneiro que expõe crianças, o policial prevaricador, o líder dos piquetes, o jurista mentiroso, a deputada pistoleira, todos podem e devem ter punição imediata. Não há controvérsias, brechas legais ou direitos a preservar. São criminosos notórios, em atividades documentadas, de ampla repercussão pública. Assim como os hábitos ilícitos durante a Campanha de Bolsonaro e todo seu governo, o vandalismo fascista aproveita a cumplicidade e a omissão das cúpulas judiciárias. A anistia é um projeto institucional. Ou acreditamos realmente que nossos heróis togados não conseguem identificar os organizadores dos ataques? Que não têm prerrogativa para meter nazistas na cadeia? Um ano atrás alertei que as autoridades atiçavam o golpismo fingindo combatê-lo. Agora fingem surpresa diante dos ataques mais previsíveis do universo. Não basta liberar estradas, recolher pistolas, abrir sindicâncias, bloquear contas digitais. Não estamos lidando com ameaças ou tentativas, e sim com delitos flagrantes. Perdoar delinquentes é o exato oposto da pacificação. É um desatino incendiário que alimenta a instabilidade social e convida o golpismo a alargar seus limites. Enquanto nos contentamos em tirar bodes da sala, os facínoras ganham adeptos e melhoram sua organização. Hoje voltam para casa. Amanhã saem armados. E depois? Sem uma ação imediata e rigorosa do Judiciário, a posse de Lula ocorrerá no meio de batalhas campais. E ele presidirá um país à beira da guerra civil. A esquerda otimista ri dos patetas, mas continua com medo de sair à rua usando roupa vermelha. Sonha com a Bolívia de Arce e periga despertar no Chile de Allende. O que falta é pressão de democratas corajosos. Menos chororô perplexo e mais atitude efetiva. As instituições precisam responder para quem, afinal, estão funcionando. Vai ter golpe? Pós-democracia La vai o Brasil descendo a ladeira

A Copa do Mundo e suas perplexidades

Pouco antes da Copa do Mundo no Brasil, o IELA (Instituto de Estudos Latino-americanos) promoveu uma edição das Jornadas Bolivarianas tratando do tema dos megaeventos e seus impactos, tanto para a América Latina quanto para o mundo no que diz respeito a uma mirada de classe: ou seja, as consequências para os trabalhadores. Foi um momento muito bom para compreendermos como os países se curvam aos interesses da Fifa, ou, em última instância, do capital. Veio gente do México e da África do Sul, países que já tinham sediado uma Copa. E todos foram unânimes em mostrar como a organização de um mundial está longe de ser um momento de congraçamento dos povos. Não é. Já faz um bom tempo que sabemos que o futebol perdeu sua pureza original. No mundo contemporâneo, é uma mercadoria e ponto final. Naqueles dias, inclusive, nós aqui o Brasil nos debatíamos com os dramas das famílias que estavam sendo removidas do caminho das construções, com a situação dos indígenas na Aldeia Maracanã e outros tantos “tratores” que iam passando por cima da vida dos trabalhadores. O país chegou a construir enormes estádios que hoje estão subutilizados e também se rendeu à Fifa ao permitir a venda de bebida nos estádios. Uma loucura total. Teve luta, muita luta, mas o mundial veio, e a vida seguiu. O que não veio mesmo foi toda a sorte de melhorias que haviam prometido aos brasileiros. Isso não foi diferente no México da Copa de 1970 e de 1984. O país também se debatia com as lutas dos trabalhadores que não aceitavam tanto investimento num esporte que nem era o mais praticado da nação. Havia tanta coisa para fazer e os governos insistindo em servir de palco para mais uma onda de assimilação capitalista, da qual a maioria estava fora. Passados os mundiais, as promessas nunca mais foram revistas. O sindicalista Eddie Cottle trouxe a realidade deixada pela Copa do Mundo no torneio de 2010 na África do Sul. Mais do mesmo. Enormes construções, mais estádios, gente despejada, luta de trabalhadores, dinheiro público fluindo para a inciativa privada e grandes lucros para a FIFA e suas marcas parceiras. Agora, no Catar, as denúncias seguem o mesmo diapasão. Enormes estruturas que ficarão obsoletas, morte de trabalhadores, exploração das comunidades mais empobrecidas – no geral imigrantes. Isso sem falar da violação aos direitos das mulheres e a inexistência da tal democracia. Ora, para a FIFA isso não é problema. Violência contra mulheres, passar máquina por cima de comunidades, expulsar pessoas de suas casas, ditaduras, governos assassinos, nada importa se o fluxo do capital segue firme. Desde que João Havelange assumiu a presidência da entidade no ano de 1974, o futebol virou um esporte planetário e uma mercadoria de grande valor. Um acordo com a Adidas abriu as portas para a FIFA se firmar no mundo do espetáculo mundial. E o que era só uma salinha perdida na Suíça virou um gigante. Vieram a venda dos direitos televisivos, movimentando milhões, propagandas nas camisas dos times, garotos-mercadoria e por aí vai. O dinheiro só circulando. Essa lógica inaugurada por Havelange também foi contaminando o futebol nos países. Nasceram os clubes/empresas. Futebol já não era mais coisa de diletantes, apaixonados pela bola. Time virou negócio e negócio graúdo. É a grana que move as ligas na Europa, nos países da América Latina, nos países asiáticos que decidiriam também entrar no mundo do futebol. Garotos são vendidos e comprados desde a mais tenra idade e o clube/empresa que tiver mais dinheiro é o que aglomera mais gente boa no seu plantel. A lógica da dependência se expressando: no centro, os melhores e, na periferia, o restante. Não precisa ser muito esperto para perceber isso. Uma mirada nos grandes times europeus e o que se vê são muito mais jogadores estrangeiros que gente do próprio país. Pois muito bem, então como é que sabendo disso o futebol ainda é uma paixão que foge a qualquer argumento da razão? Por que milhões de pessoas seguem assistindo aos jogos, aconteçam aonde for? Por que existem torcidas gigantescas que seguem os times, ainda que estejam na série C, D ou E. Como entender o amor que consome a pessoa, mesmo que ela tenha completa noção de que o dirigente é um ladrão e que o futebol é só uma mercadoria para essa gente? Eu mesma não sei. Também sou movida por essa paixão. Torço para o Figueirense, de Santa Catarina, totalmente perdido numa série C qualquer, mas basta uma vitória para que a gente se levante em delírio, ainda que a razão nos diga que tudo isso é uma ilusão. Agora, no Brasil, temos visto muito debate nas redes sobre boicote ao evento da Copa e denúncias sobre a vida no Catar. Acho isso bom. Sempre é importante para os movimentos de luta contar com visibilidade nessa época de megaevento. Afinal, são bilhões de pessoas vendo e comentando o certame. De certa forma, apesar de toda a alienação ideológica e o puxa-saquismo (ou desconhecimento) dos comentaristas, algo escapa. Isso alavanca lutas. Porque o capital é assim: ele vem com voracidade, e nesse movimento acaba expondo as suas vísceras. Mas, é fundamental que a luta dos trabalhadores esteja sempre na nossa pauta, todos os dias, com evento ou sem evento. Outra coisa que escapa à alienação é explícita presença da lógica de dominação e dependência que é típica do capital. Nações ricas trazem os melhores jogadores e nações empobrecidas, da periferia capitalista, vêm com plantéis locais, destacando-se um ou outro que faz sucesso na Europa. Vide o nosso Brasil, com mais de 20 que não jogam em times locais. Esses jovens que cedo são “exportados” são, como diz o professor Nilso Ouriques, os “pé-de-obra” do futebol do centro do capital. E, esses times da periferia, se vencem, é porque conseguem superar de maneira quase heroica a sua condição de dependente. A coisa é clara. Ainda assim, a paixão persiste. De novo, vou buscar em Nilso Ouriques alguma resposta. No

Dois toques sobre a eleição no Brasil

Eleições 2022 – Antes da eleição eu estava sentada lá no Elias, comendo um pastel. Sentou ao meu lado um homem e logo puxou conversa perguntando em quem eu iria votar. Não era um homem sem cultura formal, era um brasileiro médio, pequeno empresário e bem articulado. Respondi que não sabia ainda, para dar corda. Ele então começou a falar sobre as propostas da “esquerda”. Uma delas era que o Lula, se eleito, iria transformar os banheiros das escolas em banheiros conjuntos, meninos e meninas junto. E que aquilo era um absurdo. Também que nas escolas iriam ensinar como ser gay e puta, estragando a família brasileira. Disse ainda que as vacinas que as pessoas tinham tomado eram feitas de placenta humana e que causavam câncer em massa. Que o Bolsonaro estava certo em não querer que a população se vacinasse, que ele salvou vidas. Falou da ministra Damares e no quanto ela estava trabalhando para proteger as meninas de tanto pecado. Sobrou até para o Papa Francisco, que, segundo o cara, era um pedófilo convicto e que, unido com a esquerda, iria perverter todas as crianças. Disse ainda que o comunismo era a coisa mais horrível do mundo, embora não conseguisse me explicar em que exatamente consistia. O que ele sabia era que destruía a família. Por isso a necessidade de escolas militares. Além disso, falou do quanto o Lula era ladrão e do tanto que tinha roubado o país. Por isso era fundamental que a população estivesse armada, para se proteger da violência e dos ladrões. Também afirmou convicto que as queimadas na Amazônia e no Pantanal tinham sido provocadas por esquerdistas aliados ao Leonardo DiCaprio, para manchar o nome de Bolsonaro. Por fim, para salvar a família, só mesmo o Bolsonaro. Estas são algumas das verdades que estão firmes na cabeça de um número expressivo de brasileiros. São ideias que cruzam o éter nos grupos de família, de amigos, na igreja, nas conversas de bar. O comunismo é do diabo, torna as pessoas marginais e por isso é preciso acabar com essa ideologia satânica. Se precisar, para dar fim no comunismo é preciso acabar fisicamente com os comunistas. Eles são a maçã podre que está enfraquecendo a nação e a família. Eles são monstros que realizam sacrifícios humanos para se manter no poder no mundo. Tudo o que dá errado no país é culpa deles. Eles causam os problemas para incriminar Bolsonaro. Por isso a cruzada do presidente e de sua religiosa esposa. Eliminar os comunistas é salvar a nação. E as pessoas falam isso sem qualquer pejo. Porque para elas matar um comunista não é crime, é ajudar na missão de deus para criar um país seguro para seus filhos. Por isso acreditam na ideia de que os militares, quando deram o golpe em 1964, estavam corretíssimos em perseguir, torturar e matar os comunistas. Porque eles são a causa de todo o mal. Esse tipo de discursos não está apenas no âmbito das pessoas mais simples e religiosas. Ele circula velozmente mesmo entre os letrados. Tem se transformado numa espécie de monstro que carrega todo mal do mundo. E não adianta querer argumentar, trazer elementos da história. Não. É crença. Não está no campo da razão. Qualquer tentativa de debate é rechaçada com um olhar estranho de reconhecimento: ela é o diabo. Já ouvi isso até mesmo de pessoas da família, pessoas muito próximas. E esse reconhecimento implica em uma ação imediata de rechaço e de necessidade de eliminação. Assim que não adianta trazer números sobre o quanto a ditadura matou e torturou. Para essa gente, os milicos fizeram o que tinham de fazer e, se precisar, eles mesmos o fazem agora. Tudo para salvar a família. Não há argumento que penetre esse muro criado pela fé cega. É nesse mundo que estamos agora. E, de certa forma, perdidos. Porque o que se vê no campo da esquerda é uma incapacidade teórica e prática de atuar nesse universo. Primeiro que há uma negação sobre esse discurso e uma desqualificação das pessoas que o disseminam. Não sei se é o caminho. A política está atravessada pela moral, sempre esteve de algum modo quando definimos o que é bom ou o que é ruim. Mas, agora, nesses tempos, a moral se sobrepõe porque a política – tal como aparece – tem se mostrado incapaz de dar respostas aos problemas cotidianos. Geralmente quem tem feito isso – dar respostas e caminhos – é a igreja. As neopentecostais estão em cada esquina, como as farmácias. E elas são espaços onde as pessoas se sentem seguras para sonhar com a resolução dos problemas. Então, entregar a vida nas mãos de deus parece ser o mais seguro. E quem é o homem de deus? Bolsonaro. Então, quem está com ele, está com deus. Por isso, um completo desconhecido, com uma arma na mão, pode virar o senador eleito de um estado, como aconteceu em Santa Catarina, porque ele é um soldado de deus para acabar com os bandidos e defender a família. Esse é o mantra. “Deus no controle”, e não um deus qualquer, mas um deus vingador, sedento de sangue. E os comunistas é que são os satânicos. Ah, mas claro. Eles estão a serviço do diabo. Por isso devem ser eliminados. Simples assim. Elementos da realidade do governo de Bolsonaro tais como a compra de imóveis de luxo com dinheiro vivo, corte de 92% da verba para Ciência e Tecnologia, aumento dos salários do presidente, do vice e dos generais em 69%, mais de trinta bilhões de orçamento secreto, cinco bilhões para o Fundão eleitoral, cinco milhões para os desfiles de moto, pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), desvio de verbas de combate à Covid, retirada de recursos das Universidades, fim de direitos trabalhistas, invasão das terras indígenas, e outros tantos, não são considerados. Isso não é considerado problema pela maioria da população. E é nesse ritmo que a realidade perde força diante da fé. Se os preços dos

Tio Sam, ajuda aí…

Tio Sam – Precisamos falar das nossas derrotas. Estamos no chão. A esquerda brasileira se desmancha no ar, ainda que nunca tenha sido tão sólida. Ao que parece venceu a enganadora ideia de que é possível domesticar e amansar o capitalismo. Cenas como a de uma comissão de brasileiros notáveis indo pedir “ajuda” a Joe Biden para que ele defenda a democracia brasileira beira o patético. A viagem, organizada por um tal de Washington Brazil Office (WBO), levou representantes de várias ONGs e movimentos sociais brasileiros a uma reunião com o Departamento de Estado estadunidense e congressistas. O pedido feito foi para que o EUA reconheçam o resultado das eleições brasileiras. Esse tipo de coisa realmente nos coloca nocauteados. Que passa pela cabeça de alguém que acredita poder encontrar nos EUA um aliado para a liberdade, autonomia e soberania? É como se uma zebra acreditasse ser possível sentar à mesa com o leão, tendo apenas pedido inocentemente que não a coma. Ora, é da natureza do leão comer a zebra. Essa triste cena que tem capturado movimentos e organizações importantes no país revela a fraqueza dos mesmos e a incapacidade de encontrar na própria gente brasileira os aliados. Quem então deveria defender essa pretensa democracia? Os Estados Unidos? Esse mesmo país que com o discurso de “defender a democracia” tem invadido países e destruído povos inteiros. Afeganistão, Iraque, Haiti, Síria, isso não mostra a verdadeira natureza desse país “democrata”? Essas pessoas que representam movimentos e organizações realmente acreditam que Bernie Sanders agiria diferente na relação com a América Latina ou o mundo árabe? Ora, Bernie Sanders se destacou dentro do Partido Democrata por aderir às pautas particularistas que tanto têm encantado os movimentos sociais. Temas sobre o racismo, a mulher, LGBTQI+, gênero são colocados no topo da lista das demandas. Não há um questionamento radical ao capitalismo. O que está em jogo é amansá-lo cedendo algum anel aqui ou ali dentro destas particularidades. Essa proposta de fragmentar a luta dos trabalhadores nasceu lá mesmo, nos Estados Unidos, não por acaso. O centro do poder sabe quando a luta está avançando e trata de encontrar formas para arrefecê-la. O teórico equatoriano Agustin Cueva já apontava, nos anos 1980, sobre como os Estados Unidos começavam o desmantelamento da esquerda latino-americana com o financiamento dos institutos sociais democratas e organizações não-governamentais. Foi um plano. O conceito de luta de classe foi aplastado pela oposição Estado/Sociedade Civil. As demandas sociais passaram a ser bandeiras dos movimentos e não das instituições políticas, rompendo-se o vínculo que tornava cada luta particular uma parte da luta geral dos trabalhadores. Cueva alertava já que a dita “sociedade civil” dentro do capitalismo é ilusória porque não mexe nas estruturas do sistema. A ideia de tirar o Estado do poder vale apenas para os movimentos, a burguesia continua ali, mandando e decidindo e inclusive financiando a ilusão. Com essa ideia de “empoderar” os movimentos, a luta de classe se desvanece. Lá nos anos 1970/1980 o argumento para o fortalecimento de grupos de lutas particulares foi de que as organizações políticas – partidos – não tratavam das subjetividades e apenas faziam política. Bom, Frantz Fanon já mostrou no seu relato sobre a revolução argelina como a luta política leva ao enfrentamento dos temas particulares e subjetivos e como a sociedade muda – inclusive nos costumes e na cultura – quando vive uma revolução. Mas, Fanon, apesar de lido pela esquerda, parece não ser entendido. Cueva é categórico, no seu livro “As democracias restringidas na América Latina”, ao dizer que o que faz os países do sul do mundo não terem democracia não está ligado à vocação autoritária de seus governantes, mas sim ao fato de serem países dependentes. Isso significa que seja democrata o quanto for um país da América Latina não terá uma democracia participativa real enquanto for dependente. E se são dependentes por conta do império, como vamos buscar ajuda no império para fortalecermos nossa democracia? Nosso alerta a todos esses movimentos agora organizados no  Washington Brazil Office (WBO) é para que leiam Álvaro Vieira Pinto. Ele também acerta na mosca ao dizer que a nossa primeira tarefa é entender porque vivemos num “vale de lágrimas”. Esse vale de lágrimas é criação do capitalismo e só vai acabar com a destruição desta estrutura. Os problemas que vivemos não são individuais ou particulares, eles dizem respeito às relações sociais que se estabelecem nesse modo de vida. Álvaro Vieira Pinto também já falava na ilusão das lutas de grupos específicos que só mascaram a sociedade de classe. Os pequenos avanços de grupos dão a impressão de que há mobilidade no sistema, que pode haver mudança, mas é ilusão. O centro do capital não permitirá jamais que isso avance para uma mudança no sistema, a sociedade de classe seguirá intocada ainda que haja “mais” direitos para mulheres, negros, indígenas e LGBTQI+. Essas são lutas importantes que precisam estar vinculadas visceralmente à destruição do sistema. Mas, essa parece ser uma batalha perdida, pelo menos nesse momento. Qualquer discussão sobre o tema garante logo uma enxurrada de pedras em quem ousa criticar os movimentos. Lembro que quando começaram os Fóruns Sociais Mundiais lá pelo início dos anos 2000 esse era o tema central: capitalismo humanitário ou socialismo? Naqueles dias já se vislumbrava o risco que seria cair no canto da sereia. Afinal, a proposta de humanização do capitalismo trazia recursos gordos para as instituições que aceitassem essa lógica. Foi uma armadilha bem urdida e vem mostrando agora os resultados. Ver os mais importantes movimentos de luta brasileiros indo aos Estados Unidos pedir reconhecimento para as eleições brasileiras poderia ser o fim da picada, mas temo que seja apenas o começo de uma picada trágica rumo ao desastre. A guerra fria esquenta China e as eleições brasileiras – Conversa ao vivo com Elias Jabbour Como Augusto Sandino enfrentou os Estados Unidos

Prato do dia: Lula com Chuchu

No dia 9 de maio, estreou aqui no Zonacurva o nosso novo programa semanal Live Política na Segunda, para discutirmos o cenário político até a eleição de 2 de outubro. O primeiro encontro contou com a presença do editor Zonacurva Fernando do Valle, Luis Lopes do portal ViShows, o advogado Roberto Lamari e o convidado especial Kiko Campos. advogado e membro da executiva estadual do Partido Verde de São Paulo. No sábado anterior à live, dia 7 de maio, ocorreu o lançamento oficial da candidatura da chapa Lula-Alckmin. Líder nas pesquisas eleitorais, Lula se juntou a outros partidos sendo eles o PSB, PC do B, Solidariedade, PSOL, PV e Rede Sustentabilidade no lançamento da sua candidatura. Lula concorre à presidência em busca de seu terceiro mandato e as expectativas sobre o possível novo governo de Lula dominaram o debate durante a live. Kiko afirma que durante o seu primeiro mandato que se iniciou 2003, o sindicalista pegou um Brasil relativamente equilibrado economicamente pelo governo Fernando Henrique. Ele acredita que, apesar da “herança maldita” de FHC, o cenário socioeconômico brasileiro era mais promissor do que o atual. Apesar dos diversos fracassos do atual governo, o antipetismo e a polarização política também serão obstáculos a serem enfrentados por Lula, consenso entre os debatedores. Luis Lopes relembra que, com a eleição de Lula, o bolsonarismo não desaparecerá de forma imediata. E Kiko reforçou que o Brasil é sim um país conservador, principalmente quando olhamos o eleitorado do centro-sul do país e parte da elite, que ainda concordam com algumas pautas propostas pelo atual presidente. O editor Zonacurva Fernando do Valle questiona a futura posição da chapa Lula-Alckmin nas questões ambientais, que atualmente é uma pauta de importância mundial, e que o Brasil tem relevância inegável. Durante o lançamento da campanha, esse tema não foi citado, mas Kiko afirma que o partido de qual é integrante, o PV, e a Rede Sustentabilidade, irão cobrar medidas urgentes na área em um possível governo de Lula.  Kiko ressaltou que Marina Silva, presidente do Rede, tem duras críticas à abordagem ambiental durante os quatro mandatos do PT, como, por exemplo, sobre a construção da Usina de Belo Monte, que prejudicou o meio ambiente e a população vizinha da hidrelétrica. Houve também a especulação sobre a ida de Bolsonaro aos debates, para Lamari, é improvável que o presidente participe dos debates de primeiro turno, já os de segundo turno, ainda são uma incógnita. Fernando expôs a sua vontade de assistir um debate onde a direita venha com alguma proposta.   Lula se compromete com melhorias no SUS em conferência A próxima visita de Lula a Pernambuco Alckmin de vice é autossabotagem Lula ganha no primeiro turno, segundo IPEC Lula e Boulos