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Extrema direita deseja a tolerância ao intolerável nas redes

O presidente Jair Bolsonaro tenta se esquivar da moderação de conteúdo na Internet com o frágil argumento da “liberdade de expressão”  Ferramenta pedestre nos corredores do poder, a mentira foi alçada à política de Estado pelo governo Bolsonaro. No último dia 24, o presidente Jair Bolsonaro teve a sua live semanal, transmitida na quinta-feira dia 21, removida das plataformas, Youtube, Facebook e Instagram. No vídeo, o presidente associava a vacina contra a covid- 19 à aids. Durante a transmissão ao vivo, Bolsonaro cita que poderia ter problemas com o vídeo, caso ele viesse a ler a suposta matéria que trazia a informação. Em março deste ano, ele já havia tido um vídeo banido por promover aglomerações, mas essa foi a primeira vez que sua tradicional live foi excluída. A moderação de conteúdo e o marco civil da internet, lei que expande a constituição para o âmbito digital relatório, vêm sendo criticados nas redes sociais. Segundo o relatório “Armadilhas e caminhos na regulação da moderação de conteúdo” realizado pelo Internetlab, esse descontentamento veio após haver interferências em publicações de líderes políticos. O presidente e seus apoiadores têm apertado na tecla da “liberdade individual”, motivados pelo inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) que investiga manifestações antidemocráticas. A máquina governamental se utiliza de disseminadores de discurso de ódio e notícias falsas como a blogueira Bárbara Destefani, que teve seu canal do Youtube desmonetizado, ou seja, ela não receberá pagamentos pelos seus vídeos publicados na plataforma.  Além dela, outros dois nomes são conhecidos nas redes sociais, o de Oswaldo Eustáquio e Sara Winter, que foram presos por ordem do STF por propagarem discursos de ódio criminosos em plataformas digitais como Twitter, Facebook, Instagram e Youtube. Criado em 2013, o aplicativo Telegram ganhou notoriedade após a reportagem do The Intercept, quando foi divulgado mensagens trocadas entre o procurador Deltan Dallagnol e o ex-juiz Sérgio Moro. A matéria revelou como a força tarefa da Operação Lava Jato e o ex-juiz atuaram juntos de forma antiética e delituosa para incriminar o ex-presidente Lula.    Atualmente a plataforma digital tem sido abrigo de fake news de políticos e influenciadores da extrema direita, visto que uma das funções do aplicativo é a possibilidade de comunicação com grandes grupos. Daniel Silveira, Carla Zambelli, Eduardo e Flávio Bolsonaro são alguns dos políticos que entraram na plataforma no último ano para fugir da moderação de conteúdo. O Telegram conta com canais e grupos em sua estrutura. Os canais têm capacidade ilimitada de participantes e com um link o usuário pode acessá-lo. Já os grupos têm uma quantidade máxima de integrantes, podendo comportar até 200 mil usuários. Já o concorrente Whatsapp permite apenas 256 pessoas por grupo.  O canal de Jair Bolsonaro já atingiu a marca de um milhão de inscritos no Telegram, enquanto o de Lula, apesar de ocupar o segundo lugar na plataforma entre os presidenciáveis, conta com apenas 35 mil. Isso coloca as duas personalidades em posições expressivamente distintas, e com poder de alcance desigual.  Sem responder aos contatos da justiça há mais de um ano e não tendo representação no Brasil, o Telegram tem se candidatado como o grande vilão entre as plataformas para as eleições de 2022. Considerando seu caráter permissivo em relação aos usuários da plataforma e por possibilitar mega disparos de mensagens,  Após inúmeras denúncias, o Whatsapp, aplicativo que pertence ao grupo Facebook, desenvolveu mecanismos para tentar diminuir o fluxo de notícias falsas entre os usuários. A plataforma limitou o número de contatos na hora de encaminhar uma mensagem, diminuindo assim sua possibilidade de alcance, além disso dispõe da opção de denunciar um contato caso ele te envie fake news.  Corridas eleitorais estão sendo impactadas pela falta de moderação de conteúdos, uma delas foi a brasileira em 2018, outra a norte-americana no ano passado quando o candidato Donald Trump alegou repetidamente sobre uma suposta fraude caso ele não fosse reeleito, isso fez com que sua conta no Twitter fosse suspensa por tempo indeterminado. O controle de postagens foi insuficiente e o clima de desconfiança com eleição se intensificou entre os apoiadores de Trump após a eleição de Joe Biden quando o republicano voltou à carga com acusações sem provas, o que precipitou a invasão do Capitólio em 6 de janeiro deste ano, o que ocasionou a morte de cinco pessoas.  Por outro lado, existem casos arbitrários na moderação de conteúdo, um dos casos mais comuns envolve o Facebook. A plataforma digital classifica publicações sobre a conscientização do câncer de mama como nudez e tem suspendido diversos conteúdos sobre o tema todos os anos, mesmo com as constantes críticas dos usuários. Enquanto isso, o aplicativo mantém centenas de perfis de soft porn e nudez explícita. Fatos como esse demonstram que as plataformas devem melhorar seu sistema de avaliação visando maior precisão na hora de banir conteúdos. As redes sociais precisam ser um ambiente de liberdade de expressão, mas não de liberdade de mentir compulsivamente, como faz o presidente.  De acordo com um levantamento feito pela agência de checagem “Aos Fatos”, Bolsonaro dava 50,5 declarações falsas ou enganosas por mês até março de 2020. Esse número triplicou após o início da pandemia, atingindo a média obscena de 170,9 mentiras por mês atualmente.  Fonte: Relatório “Armadilhas e caminhos na regulação da moderação de conteúdo” realizado pelo Internetlab Evento debate a estratégia da extrema direita nas redes sociais A batalha pelo controle do fluxo de notícias Os muitos dilemas da imprensa no governo Bolsonaro Pandemia negacionista Nossos dilemas diante da desinformação eleitoral Quem é o inimigo?

Da mídia de consenso à de conflito

Fake news -Definha o interesse por notícias impressas ou televisivas. Pesquisas revelam que o público prefere notícias online. Nos séculos 19 e 20, o modo de pensar da sociedade tendia a ser moldado pelos grandes meios de comunicação: mídia impressa, rádio e TV. Tudo indica que termina aquela era. Trump se elegeu atacando a grande mídia dos EUA. Só a Fox o apoiou. Os principais veículos da mídia britânica se opuseram ao Brexit. Ainda assim a maioria dos eleitores votou a favor dele. Bolsonaro fez campanha presidencial quase ausente da grande mídia. Criticou os principais veículos, e ainda assim se elegeu. O que acontece de novo? O novo são as redes digitais, as novas tecnologias ao alcance da mão. Elas deslocam a notícia dos grandes veículos para computadores e smartphones. Têm o mérito de democratizar a informação, rompendo a barreira ideológica que evitava opiniões contrárias à orientação editorial do veículo. Contudo, pulverizam a notícia. O que é manchete na TV não merece destaque na comunicação interpersonalizada na internet. O receptor corre o risco de perder ou não adquirir critérios de valoração das notícias. Pode ser que lhe seja mais importante ficar ciente de que seu colega tem nova namorada do que inteirado do golpe de Estado no país vizinho ou da nova lei que regula o trânsito em seu bairro. Essa informação individualizada, embora mais cômoda, prêt-à-porter, tende a evitar o contraditório. Cada interessado se isola no interior de sua tribo no Whatsapp, no Twitter, no Facebook, no Instagram, no YouTube, no Telegram, nos serviços de mensagens no Google e do Periscope. Não há interação dialógica. Não interessa o que dizem as tribos vizinhas, potenciais inimigas. O que transmitem não merece crédito. A única verdade é a que circula na tribo com a qual o internauta se identifica. Ainda que essa “verdade” seja fake news, mentira deslavada, farsa. Apenas um dialeto faz sentido para o internauta. Desprovido de visão conjuntural, ele se agarra ao que propagam seus parceiros como quem acolhe oráculos divinos. Querer mudar-lhe o foco é como se alguém tentasse convencer os astecas contemporâneos de Cortés de que o sol haveria de despontar no horizonte ainda que eles não despertassem de madrugada para celebrar os ritos capazes de acendê-lo. Com certeza não ousariam correr o risco de ver o dia inundado de escuridão. Eis a privatização da notícia. Essa seletividade individualizada faz com que o internauta se encerre com a sua tribo na fortaleza virtual dotada de agressivas armas de defesa e ataque. Se a versão emitida pela tribo inimiga chegar a ele, será imediatamente repelida, deletada ou respondida por uma bateria de impropérios e ofensas. É dever de sua tribo disseminar em larga escala a única verdade admissível, ainda que careça de fundamento, como a teoria do terraplanismo. Os efeitos dessa atomização das comunicações virtuais são deletérios: perda da visão de conjunto; descrédito dos métodos científicos; indiferença ao conhecimento historicamente acumulado; e, sobretudo, total desprezo por princípios éticos. Qualquer um que se expresse em linguagem que não coincida com a da tribo merece ser atacado, injuriado, difamado e ridicularizado. O que fazer frente a essa nova situação? Desconectar-se? Ora, isso seria bancar a tartaruga que recolhe a cabeça para dentro do casco e, assim, se julga invisível. A saída deve ser ética. O que implica tolerância e não revidar no mesmo tom. Como sugere Jesus, “não atirar pérolas aos porcos” (Mateus 7,6). Deixar que chafurdem na lama sem, no entanto, ofendê-los. A vida é muito curta para que o tempo seja gasto em guerras virtuais. Quanto a mim, prefiro ignorar ataques e atuar propositivamente. Sobretudo, não trocar a sociabilidade real pela conflituosidade virtual. E muito menos livros por memes e zaps que nada acrescentam à minha cultura e à minha espiritualidade. Publicado originalmente no Correio da Cidadania. As “fake news” não são um fenômeno passageiro O leitor não é um penduricalho dos blogs